sábado, 8 de dezembro de 2018

Isabel Furini (Sombras)


Eduarda levanta a espada e as sombras retrocedem. 

Ela desce um pouco a espada até ficar horizontal em relação a seu próprio ombro. Só isso, e as sombras pulam do mostrador dispostas a atacá-la.

Encaram-na. Eduarda, outra vez, aponta a espada para o lugar do coração da sombra maior (a sombra rainha). A sombra rapidamente pula e se esconde no chapéu de feltro do homem de bigode, que está sozinho, sentado à mesa do canto direito diante de uma garrafa de cerveja olhando ao redor em busca de um amigo. O homem mexe um pouco a cabeça, o chapéu fica de lado e a sombra aproveita para entrar. Eduarda a persegue. O homem e o chapéu mudam de mesa. O homem cumprimenta um senhor obeso da mesa junto à janela. As sombras barrigudas rodeiam o gordo, mas ele não se importa, nem nota.

Eduarda avança. Lutar contra sombras é sempre uma tarefa perigosa e desgastante. Sombras são fortes, escondem-se na luz e fortalecem-se na escuridão. Sombras são seres sem dimensão, podem esconder-se em qualquer lugar. Atrás do chapéu, na etiqueta de uma garrafa, na asa da xícara de café, na borda da mesa. Sombras são poderosas e sapecas, como crianças mimadas, dispostas sempre a fazer seus gostos.

O tempo passou e Eduarda continua na tarefa de lutar. As sombras se multiplicam, mas Eduarda resiste firme. Os homens continuam a beber. Os dias sucedem as noites e vice-versa. O mundo rodopia numa máquina de ilusões guiada por uma grande bola dourada chamada Sol.

Eduarda tenta dar uma estocada mortal em uma sombra que procurava esconder-se na borda do copo de cachaça e consegue. A cachaça é amiga das sombras, esconde-as para que os homens não as vejam.

Eduarda persegue a sombra barriguda. Amigos invisíveis a ajudam, alguns atacam as sombras curvas, outros, as sombras retas e outros ainda, as sombras magras. Nessa noite, Eduarda decidiu perseguir a sombra barriguda quando o dono do bar aproximou-se com um copo dizendo: Olhe, velha louca, é para você. Descanse e beba.

 Nesse momento Eduarda abriu os olhos, já havia rugas nos cantos dos olhos, nas bochechas, perto dos lábios. Rugas e mais rugas... E não havia conseguido nada, absolutamente nada. As sombras continuavam sendo sombras, brincavam nas paredes, riam do pranto dos bêbados, escondiam-se em botões, chapéus e cadarços de sapatos. Os homens bebiam no bar por diversão ou para esquecer os problemas. Alguns falavam. Outros estavam silenciosos. Alguns jogavam sinuca. Outros observavam, mas ninguém percebia o poder das sombras.

Eduarda pegou o copo de vinho e bebeu lentamente.

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