sábado, 29 de setembro de 2018

Vinicius de Moraes (A Bela Ninfa Do Bosque Sagrado)


Hollywood, novembro de 1946: A noite é alta, Ciro's terminou e estamos todos - um destacado grupo de "estrelas" e "astros", entre os quais sou um modesto meteorito - na casa de Beverly Hills de Herman Hover, o notório dono da famosa boate de Sunset Boulevard. Vou nas águas de minha amiga Carmen Miranda, com quem saí e a quem, como um cavalheiro que sou, depositarei em sua vivenda de Bedford Street. Lá estão também as figuras ciclópicas de José do Patrocínio de Oliveira, o não menos conhecido Zé Carioca, e seu sonoplástico parceiro Nestor Amaral, ambos homens dos sete instrumentos, sendo que este é capaz de tocar o Hino Nacional batendo com um lápis nos dentes e o "Tico-tico no fubá" mediante pequenos cascudos acústicos aplicados no cocuruto - tudo diante de um microfone, bem entendido. 

Carmen está quieta, sentada no braço de minha poltrona. Tornamo-nos rapidamente grandes amigos. Celebramo-nos com o devido foguetório quando nos encontramos e uma vez juntos temos assunto para conversas intermináveis, sempre salpicadas de história sobre seus inícios como cantora, que me encantam. Sua verve é inesgotável e ninguém imita como ela antigas situações marotas em que se viram envolvidos, nos primeiros contatos com o público, seus velhos companheiros Mário Reis, Francisco Alves e Ari Barroso, na fase renascentista do samba carioca. Aprendi a querer-lhe muito bem e admirar a coragem com que enfrenta, ela uma mulher toda sensibilidade, a tortura de se ter tornado um grande cartaz comercial para Hollywood e de ter de sorrir à boçalidade, com raríssimas exceções, dos produtores, diretores, cenaristas, cinegrafistas, iluminadores e demais mão-de-obra dos estúdios. : Mas hoje Carmen está quieta. Seus imensos olhos verdes se horizontalizam numa linha de cansaço, quem sabe tédio, daquilo tudo já "tão tido, tão visto, tão conhecido", como diria Rimbaud. Cerca de nós, o ator Sonny Tuffs toca um piano mais bêbedo que o do genial Jimmy Yancey nas faixas em que foi gravado sem saber. Depois seu corpanzil oscila, ele se levanta só Deus sabe como e sai por ali cercando frango, não sem antes abraçar à passagem a atriz Ella Raines, que compareceu de noivo em punho e deixa-se estar com este a um canto, com um ar de Alicinha que só enganaria os drs. Sobral Pinto e Albert Schweitzer.

Numa poltrona a meu lado estira-se, com um viso suficientemente decomposto, o magnata Howart Hughes. Troco duas palavras com ele, mas o tedioso multimilionário e playboy, descobridor e bicho-papão de "estrelas", me parece muito mais interessado em Ella Raines - espécie de Grace Kelly de 1940, só que menos pasteurizada. Deixo-o, pois, à sua nova conquista, enquanto no meio da sala, Zé Carioca e Nestor Amaral "se viram" para chamar a atenção sobre os seus dotes de instrumentistas. Mas a pressão geral é grande e cada um procura cavar o pão da noite como pode, enquanto Herman Hover passeia com um ar de Napoleão em Marengo. Há propostas para um banho de piscina, para um concurso de rumba e outras trivialidades, mas ninguém topa mesmo porque o Sol (ou melhor "Ele", como dizem com o maior nojo meus amigos Américo e Zequinha Marques da Costa) já deve, contumaz ginasta matutino, estar pendurado à barra do horizonte para a sua atlética flexão de cada dia. O ambiente se está nitidamente desgastando em álcool e semostração. 

Vou propor a Carmen irmos embora quando uma cortina se entreabre e surge uma mulher espetacular. Não creio que ninguém houvesse reparado, mas a mim ela me pareceu tão linda, tão linda que foi como se tudo tivesse de repente desaparecido diante dela. 

Fiquei, confesso, totalmente obnubilado ante tanta beleza, muito embora essa beleza se movimentasse, por assim dizer, um pouco à base da dança a que chamam quadrilha: dois passinhos para diante e três para trás com direito a derrapagem. Mas o que o corpo fazia, o rosto desconhecia; pois esse rosto tinha mais majestade que Carlos Machado entrando no Sacha's. Ela olhou em torno com um soberano ar de desprezo e logo, dando com Carmen, tirou um ziguezague até ela, vindo postar-se no esplendor de todo o seu pé-direito justo diante de mim, coitadinho que nunca fiz mal a ninguém. 

- Hey, Carmen - disse ela. 

- Hey, honey - respondeu Carmen com o seu sorriso no 3. 

- Gee, Carmen, I think you're wonderful, you know. I think you're tops, you know. Tops. You're terrific. 

Para quem não sabe inglês, esse diálogo inteligente exprimia a admiração da moça por Carmen, a quem ela chamava de "do diabo", de "a máxima" e toda essa coisa. Passado o quê, dá ela de repente comigo lá embaixo, pobre de mim que tive bronquite em criança, e olhando-me por cima de suas pirâmides, fez-me a seguinte pergunta num tom de rainha para vassalo: 

- Who are you? (- Quem é você?) 

Declinei minha condição de modesto servidor da pátria no estrangeiro, o que não pareceu interessá-la um níquel. Em seguida, sem aviso prévio, ela debruçou-se a ponto de eu poder ver o algodãozinho que havia juntado no seu umbigo, pôs as mãos sobre os meus braços, trouxe o rosto até um centímetro do meu e cuspindo-me todo como devia fez-me a seguinte indagação: 

- Do you think I'm beautiful? (- Você me acha bonita?) 

Fiz-lhe os elogios de praxe. Ela esticou-se novamente e concordou comigo: 

- You're right. I'm very beautiful. But morally, I stink! (- Você está certo. Eu sou muito bonita. Mas moralmente eu... como traduzir sem ofender tanta beleza, tirante os ouvidos do leitor? - não cheiro muito bem.) 

Dito o quê, partiu como chegara, através da mesma cortina, para onde suponho houvesse um bar privado. Só sei que aquilo deu-me uma grande animação, a festa continuou até "Ele" raiar e eu acabei dançando com a linda moça, ela bastante mais alta do que eu, o que permitia ouvir-lhe bater o coração, de resto levemente taquícárdico. Antes de sair vi vários casais no Jardim que não se sabia mais quem era quem, vi Sonny Tuffs atravessado num sofá, vi coisas como só se vê em baile de carnaval. Festinha familiar, como diria a finada dona Sinhazinha. 

Fora perguntei a Carmen se ela sabia quem era a deusa. 

- É uma atriz nova que está entrando agora. Bonita, não é? Chama-se Ava Gardner.

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para viver um grande amor.

Emílio de Meneses (Poemas ao Anoitecer) IV


DIES IRAE
(Sobre o Desastre do “Aquidabã”)

I
Na vastidão das águas da baía
Tudo é luz, íudo é paz neste momento.
Límpido, ao alto, nos acaricia
O amplo côncavo azul do firmamento.

Do mar ao céu, é mais profunda a calma.
Quer junto a nós, quer na amplidão remota,
Raramente nos ares a asa espalma.
Solitária branquíssima gaivota.

À barra, um transatlântico que ao mastro
Alto., estrangeiro pavilhão desfralda,
Deixando empós um marulhoso rastro,
Corta, solene, a líquida esmeralda.

Nuns tons leves de nítida aquarela,
Sobre um barco de pesca tardo e lento,
Em forma de triângulo, uma vela
Desenha ao longe o bojo pardacento.

Dentro do porto alteia-se a floresta
Dos mastros com suas flâmulas aflantes,
E, num silêncio abrigador de sesta,
Dormem os transatlânticos possantes.

O sol envolve com seu manto de ouro
As fortes naus afeitas às tormentas,
Que, ora, na quietação do ancoradouro,
Parecem grandes aves sonolentas.

Um que, certo, entre todos é o mais forte,
Parece estar sonhando em pompa de galas,
Num tempo em que ele se entregava à sorte.
Debaixo de uma abóbada de balas!

II
Sonha o grande couraçado,
Sonha o navio, e, no sonho,
Revê todo o seu passado
De heroísmo no mar medonho.

Tem dentro de si, contente,
A marujada louça
Que a glória nunca desmente
Do nome de Aqindabã.

Todo ele é uma alma sonora,
É da pátria a própria imagem,
A dar provas, de hora em hora,
De nobreza e de coragem.

Sonha que a sonhar desperta
Por uma alegre manhã
A uma voz que brada: Alerta!
Marujos do Aquidabã.

III
Ao balouço do mar que aos beijos o rodeia,
Todo em galas desperta o potente navio,
E aquela nobre gente aos perigos alheia,
Presto, provas quer dar de luzimento e brio.

A azáfama começa e em toda a plenitude,
Do vigor de um pulmão, as vozes de comando,
Qual hino triunfal de alegria e saúde
Brotam de um peito heróico os ares recortando.

Vibra em roda o estridor clangoroso de festa.
Move-se lado a lado a marujada ativa.
O grande couraçado orgulhoso se apresta
Pronto para aguardar luzida comitiva.

A hora de levantar e de partir não tarda;
Todo o navio anseia em grande açodamenlo
E em cima, no convés, o sol, de cada farda,
Tira efeitos de estranho e ideal deslumbramento.

Brilham fulvos galões; brilham, presas aos ombros,
Dragonas de retrós metálico de escarcha,
E tudo a refulgir envolve a nau de assombros
Nesse apresto sem par de uma imprevista marcha.

O ouro do fivelame e dos botões rebrilha,
Fulge, dos espadins, o ouro que o punho encerra.
E tudo é o resplendor e tudo é a maravilha
De uma festa de paz na grande nau de guerra!

IV
Ei-lo que chega ao porto entressonhado.
Foi suave a travessia
Mas em todos que estão no couraçado,
Não é a mesma a alegria.

A tarde desce. A noite se aproxima.
Foi todo alegre o dia.
Mas agora, nos astros, lá por cima.
Anda a melancolia.

Não pode ser mais calmo nem sereno
O vir da Ave-Maria.
Para a noite que chega sobre um trenó
De meiga nostalgia:

Foi nas águas do Amazonas
Que aprendi a navegar.
Meu Deus, por que me abandonas
Nas feias águas do mar?!

Ao vibrar melancólico da viola,
Aquele ingênuo canto
De um coração nostálgico se evola
Como sonoro pranto.

Do Pará nas ribanceiras
Deixei meus pais a chorar.
E aqui estou nestas canseiras
Da triste vida do mar!

O céu arqueia protetoramente
O amplo azul constelado,
Como que para ouvir a voz dolente
Que embala o couraçado.

Ai! Maranhão do meu berço.
Para por ti eu rezar,
Tem mais contas o meu terço
Do que vagas tem o mar!

Em torno, à vasta quietacão das águas
Mais o silêncio cresce
E só se escuta este gemer de mágoas
Num sussurro de prece:

Do Piauí nas densas matas
Vivia alegre a cantar
E hoje choro estas ingratas,
Duras tristezas do mar!

Este simples e rústico lamento
Tem talvez a virtude
De espairecer algum pressentimento
Do marinheiro rude:

Ao meu Ceará com certeza
Nunca mais hei de voltar.
Foi meu berço a Fortaleza,
Vai ser meu túmulo o mar!

Seja pressentimento ou desengano,
A meiga singeleza
Daqueles sons, tem do destino humano
A infinita tristeza:

Do Rio Grande do Norte
A terra quer se queimar;
Prefiro na seca a morte,
A morrer dentro do mar!

Fonte:
Emílio de Meneses. Obra Reunida. 
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1980.

IV Concurso Infantil Dê o Nome do Personagem do Livro “Pegadas na Vila” (Prazo: 30 de Novembro)

REGULAMENTO

A partir do livro “PEGADAS NA VILA” da Escritora Neida Rocha, crianças de 4 a 13 anos de idade, de qualquer cidade do Brasil, poderão participar do IV CONCURSO INFANTIL: DÊ O NOME DO PERSONAGEM DO LIVRO “PEGADAS NA VILA”.

A inscrição é GRATUITA e deverá ser feita até o dia:
30 de NOVEMBRO de 2018, através da ficha de inscrição abaixo e o envio para o e-mail neidarocha@terra.com.br ou colocado na URNA no Parque Educativo Vila Encantada.

A título de premiação, a criança que tiver o nome escolhido no CONCURSO INFANTIL, receberá um final de semana em Pomerode com 1 noite de hospedagem, 2 refeições e ingressos para a vila para 2 adultos e 2 crianças.

A entrega do prêmio acontecerá em local e data a confirmar e a divulgação do resultado, com fotos da premiação constará do site: www.vilaencantada.com.br.

Cada criança poderá participar com quantas sugestões desejar, desde que seja feita uma ficha de inscrição para cada sugestão.

A escolha do nome será feita pela autora e dois representantes do PARQUE EDUCATIVO VILA ENCANTADA e levará em consideração a criatividade da criança.

A participação no IV CONCURSO INFANTIL: DÊ O NOME DO PERSONAGEM DO LIVRO “PEGADAS NA VILA” pressupõe a aceitação desse regulamento, por parte do concorrente, cedendo o ganhador, os direitos autorais e autorizando o uso de seu nome e de sua imagem no material de divulgação do resultado e inclusão do seu nome nos próximos livros da autora, sem ônus para a mesma, desde que autorizado por um responsável.

As fichas participantes e não premiadas serão incineradas.

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Para Conhecer o Parque Educativo Vila Encantada, Acesse o Site: www.vilaencantada.com.br
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FICHA DE INSCRIÇÃO

NOME DA PERSONAGEM
NOME DA CRIANÇA
DATA NASCIMENTO
ENDEREÇO
CIDADE/UF/CEP
E-MAIL
NOME RESPONSÁVEL
CPF RESPONSÁVEL
ASS. RESPONSÁVEL

Fonte:
email enviado por Neida Rocha

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Joaquim de Melo Freitas (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol. 5) V


BARCAROLA

«Corre, voa, borboleta, vai graciosa
Libar ondas de néctar delirante
A anêmona cingir, o lírio, a rosa
Com a asa fugitiva, coruscante.

«Vai sôfrega d'amor e sê ditosa.
Dá-se no céu um caso semelhante
Quando estrelas em noite vaporosa
Se abismam n'uma queda extravagante.

«Vai mariposa, a chama te fascina
Na aresta do ludibrio, como esfinge
Em deserto d'areia cristalina.»

Calam-se as vozes; picam-se as amarras;
A gôndola desliza e o mar atinge
Ao som dos bandolins e das guitarras.

BRIC-À-BRAC

O dono miserável da locanda
O “brocanteur” terrível, sanguinário
Agoniza n'um catre solitário
D'uma alcova minúscula, execranda.

Afinca as mãos convulso n'um rosário,
Ao céu a vida, súplice, demanda,
N'uma imagem de Cristo veneranda
Crava os olhos de abutre, de corsário.

Pois apesar das lágrimas-remorsos
Das vítimas do seu medonho trama
Ruins fantasmas de lívidos escorços.

Nos paroxismos vende, além da cama,
O Cristo a um judeu, e em vis esforços
A alma entrega a Satã, que lh'a reclama.

PAISAGEM

O sol adormecera no horizonte;
As nuvens em retalhos sonolentos,
Parecem nos bizarros tons cinzentos
O grupo despenhado de Phaetonte.

O riacho desliza ao pé do monte
Em frequentes e turgidos lamentos;
A philomela ensina o canto aos ventos
No chorão, que murmura junto á fonte.

A várzea rescende à laranjeira!
Da catedral nas frestas em ogiva
Um rancho d'andorinhas s'enfileira;

E nas trevas soluça a sombra esquiva
Do coveiro, que planta uma roseira
Onde jaz a venal filha adotiva.

"VAE VICTIS"

Rasga sacrílego a amplidão celeste
Um milhafre com azas pardacentas
E a cotovia harmoniosa investe
Armando as garras torpes e cruentas.

Negro como o letargo do cipreste,
Rosna o vento nas franças macilentas,
O sol dardeja n'um palor agreste
Que entusiasma as nuvens corpulentas.

A luz crua p'lo espaço se derrama,
Engrossam os trovões em alcateia,
Rutila do corisco a alegre flama.

A presa que o milhafre saboreia
É o emblema do fraco, o velho drama
Que o sistema do mundo patenteia.

EPISÓDIO BALNEAR

N'uma “soirée” heroica, ígnea e linda
Jurara o fulvo Arthur até à morte
Ser da formosa e pudibunda Olinda
Chumbando a ela p'ra sempre a sua sorte.

Por ela ao inferno iria, o mar ainda
Beberia d'um trago! Ela é seu norte,
Meiga estrela de lúcido transporte,
Palpitante de rubra graça infinda.

De manhã cedo a nossa "Julieta"
Desce nas crespas vagas a banhar-se
Mascarada n'um fato de baeta,

E quando grita prestes a afogar-se,
Chega "Romeu", exibe uma gorjeta,
Mas não vai lá, que teme constipar-se.

“REISCHOFFEN”
6 de Agosto de 1870.

Desfraldam-se estandartes e trombetas,
Ouve-se o crepitar da espingarda;
Quando o canhão rouqueja á retaguarda
Cintila a larga messe das baionetas.

As couraças protegem a vanguarda,
Dos capacetes pousam nas facetas
As crinas marciais, vermelhas, pretas,
Com expressão terrível e galharda.

Bonnemain determina a voz de carga:
Os estribos tilintam, fulge a espada,
Debalde a morte os esquadrões embarga.

N'esta luta ciclópica, gigante,
O exercito francês em retirada
Teve assomos d'heroísmo deslumbrante.

Fonte:
Joaquim de Melo Freitas. Garatujas. 
Aveiro/Portugal: Imprensa Commercial, 1883

Antonio Brás Constante (Engarrafamentos [sem álcool])


Quer conhecer um pedaço do inferno? É fácil (você nem precisa fazer um pacto com o “Tinhoso” para saber como é), basta sair com o seu automóvel e ficar preso em algum engarrafamento. Entramos nos engarrafamentos como alguém que entra em uma garrafa, pois os dois casos acabam sendo um porre. Diferentes de um drinque, que pode ser destilado, os engarrafamentos são amontoados de carros deste lado, daquele lado, de todos os lados. Você fica ali parado, preso naquele lugar por um longo tempo, sentindo-se como um vinho que fica em uma adega para ser envelhecido, porém, ao contrário do vinho, aquela situação não melhora os seus atributos ou lhe faz uma pessoa mais doce e especial; ao contrário, a única coisa que consegue é deixá-lo extremamente azedo.

Os engarrafamentos, assim como as bebidas, nos deixam em uma situação complicada aos olhos de nossos empregadores, que não gostam de funcionários cheirando a álcool, do mesmo modo que não gostam de funcionários chegando atrasados. Seu veículo acaba se transformando em uma garrafa de luxo (pois, novo ou velho, ele ainda custa uma bela grana), onde nesta metáfora você é o líquido ali aprisionado, molhado, suado e exalando o odor de sua própria transpiração. Louco para “vazar” dali. Se pudesse escolher, iria preferir virar um pouco de uísque em um copo para beber, em vez de ter que ficar literalmente “virando roda” na estrada.

Nessas horas, lembra da frase onde orientam: “se beber não dirija”, e fica pensando que o engarrafamento causa o mesmo efeito, pois o impede de dirigir, de seguir o seu caminho. Atrapalhando sua vida. Trazendo sentimentos de frustração, impaciência e raiva, que são servidos de forma seca para você. Sem direito sequer a umas pedrinhas de gelo e rodelas de limão.

Somos pequenas gotas humanas dentro dos engarrafamentos. Somadas a uma infinidade de outras gotas que se encontram na mesma situação que a nossa, esperando o trânsito fluir, para enfim seguirem suas vidas, e quem sabe acharem um rumo melhor para seus destinos do que aqueles reservados para as tais bebidas em nosso organismo.

Fonte:
Constante, Antonio Brás.  Hoje é o seu aniversário! “Prepare-se” : e outras histórias. 
Porto Alegre, RS : AGE, 2009.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Olivaldo Júnior (Com a mala cheia de livros*)


Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
Clarice Lispector

Pelas ruas, com a mala cheia de livros, acho que pareço um fugitivo de minha própria vida, clandestina essência que me habita e me transmuta em ser. Sou o quê? Poeta, escritor, ensaísta? Não, acho que não sou nada disso. Mas, na instância de tentar fugir com a mala cheia de livros, me livro um pouco de mim, do eu que não tem gostado de ser eu. Eu, que me revisto de palavras, me disfarço com poesia, me refaço a cada letra e melodia, eu mesmo.

Ninguém sabe que, dentro da mala, do oco sem fundo, um mundo, moinho, gira e gera um novo mundo em si. A mala, cheia de livros, denota que um dia eu lerei o que ela contém. Ainda que tenha mais livros do que tempo para ler. “Mas quem quer mesmo sempre acha tempo para tudo...”, dirão alguns, talvez você. Mas careço de tempo. Aliás, não só de tempo, mas de um ser que o administre de forma a fazer meu dia caber em mim, em minha vida.

Abençoado pela mala cheia de livros, que os ganhei, meio que pedi, não vou para casa de pronto. Antes, vou à Oração, quem sabe, só pelo gosto de andar mais um pouco nas ruas com a mala nas mãos, como a exibir seu obscuro conteúdo por aí. Clarice escrevera: Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada. Carrego, então, o peso da bênção esta noite nas mãos. Ninguém sabe que a mala está cheia de livros. Mas eu, meu ser, ele sabe.
____________________
Nota:
* Escrito ao som de Tocando em frente, canção de Almir Sater e Renato Teixeira, na voz de Maria Bethânia.

Fontes:
Texto enviado pelo autor 

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) V


PRIMAVERA III

Primavera das estações és a mais bela,
Com teu olhar extremamente lindo,
Com teu sorriso, nunca esquecido,
Que nunca foi, e não será fingido.

Quando chega setembro...
Já começo a te esperar.
Pois sei que é nesse mês que voltas,
Voltas a nos encantar!
Não só com a beleza que trazes para a terra,
Como também a do mar.

Com teus jardins floridos,
Aqui ou, em outro lugar.
Ou mesmo com o teu perfume,
Começam a nos deslumbrar.
Mostrando que na verdade...
Igual a ti outra não há.

AMOR PROFUNDO

Quantas saudades
Que me fazem lembrar
Daquela que me disse:
- Eu te amo!
Nunca vou te ferir
Trazendo inseguranças e desenganos

Pois eu te amo
Com amor profundo
Meu coração por ti
Ele enlouquece
Minha alma então
Se enche de alegria
E de ti jamais esquece

Na verdade isso acontecia
Ela era todo carinho e ternura
Que alma doce
Ela possuía

Mas infelizmente aconteceu
O que nem eu nem ela preferiríamos
Numa noite ao amanhecer
Ela passou mal
E suas últimas palavras
Foram essas:
- Sei que vou partir
Mas onde estiver
Estarei sempre pensando em ti

CADA VEZ MAIS BONITA

Quando te vejo sorrindo,
Sinto-me realizado revigora.
Minh’ alma e o coração se agitam,
E passo a ver-te cada vez mais bonita.

Que prazer que alegria,
Quando te vejo contente.
A nossa casa que parecia sombria,
Volta a sorrir novamente.

Tudo porque voltaste, a ter felicidade.
Graças a Deus...
 Que essa infelicidade foi passageira.
Antes éramos infelizes,
E hoje somos felizes a semana inteira.

COM CERTEZA

Quando te vejo com esses olhos tristes,
Pois nascestes para ser feliz.
Porque sofrer por um amor distante!
 Que só te trás magoas e desilusões.

Esquece esse amor sem esperança,
Segue em frente sem desfalecer.
 Sempre buscando alternativas,
 E a vida te ajudará a esquecer.

Procura analisar teus sentimentos,
E verás que tens tudo que almejas...
Segue adiante pensando em Jesus,
Que cedo ou tarde a vitória virá...
Com certeza.

ETERNAMENTE APAIXONADO

Só tu que me fazes esquecer,
Aquele amor de outrora.
Faz tanto tempo,
Que isso passou.
Desde os tempos de escola.
Ela era linda apesar de adolescente,
Vivia alegre e sorria a toa.
Com seus olhos belos...
E sua tez bem clara.
Igual a ela,
Não conheci outra pessoa

Adolescentes iguais a mim.
Vivíamos encantados,
Todos nos queríamos.
Que ela nos desse um sorriso,
Um beijo ou qualquer...
Outro agrado.

Mas ela sempre,
Não nos dava esperanças.
Mesmo assim apesar de tudo,
Um dia que foi maravilhoso.
Ela não sorriu
Perguntou-me:
- Queres ser o meu namorado?
Desde aquele dia...
Eu me tornei eternamente apaixonado

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Gabriela Pais (Amanhã)

Pintura de Fátima Marques (São Paulo/SP)

Amanhã será outro dia fluente,
mais um dia a pensar no futuro
que se vislumbra rio poluente,
na esperança de melhor auguro.

Poderá vir a ser um amanhã triste
com nuvens dispersas acinzentadas,
contudo o bem confiante resiste,
em águas límpidas dinamizadas.

Através das letras, dizer em verso,
que a paz é uma camena luminosa,
é amor que vem dimanar o universo.

Brotem flores na primavera ditosa
e as mentes pra quem o bem é reverso,
a alma esperte e amanheça virtuosa.


Amanhã! Um dia em que o sol nasce e nos traz novas probabilidades. É sempre esperada como se fosse o início de um novo caminho, em que surgem flores nas suas margens, dando vigor a cada mente, para que cada jornada seja repleta de êxito. Uma caixa de oportunidades e a esperança acrescida que alguma realidade ocorra na vida e que seja de melhor atributo para a geração futura, cada escolha abre um novo percurso humano, que às vezes se torna difícil, mas jamais se deve perder o alento, da dádiva do amanhã. 

O amanhã pode ser visto por vários prismas, onde os interesses extrapolam a razão. Viver nas cidades, onde por vezes falta a preocupação moral e nas aldeias e vilas aonde ainda se respira um pouco de amor e respeito. Tudo é um cesto carregado de emoções, em que cada ser necessita um pouco de amor e compreensão para poderem vislumbrar que os espera um amanhã auspicioso.

Nas cidades, em que a existência de lugares onde se erguem barracas sem condições de vivência, bairros onde também se levantam prédios em cimento armado que crescem hirtos e dormentes, estes resultado do progresso que brota por vezes sem qualquer conexão, transformam-se em sítios vazios, solitários e amorfos. 

Civilizações com um padrão de convivência citadina diferenciada devido a várias características, tais como religiosas e culturais entre outras, onde os interesses econômicos, a ganância, a inveja, a malvadez e outros vícios, onde impera a falta de emprego, de interesses, abandono escolar e familiar, fomentam a perversão. Quem dera que surgissem com céu aberto raiado de sol, uma paz áurea para as famílias, poderem ser detentoras de uma existência condigna e assim fruírem de dias mais resplandecentes.

Quem dera que o amanhã despertasse risonho na esperança de que os poderosos, os mandantes, possuíssem liberdade de estro, para se inspirarem e lutarem por um mundo de paz, onde progredisse a dignidade, onde houvesse nobreza de espírito, ética, honra, hoje em dia valores morais tão esquecidos. Que vivessem e pensassem no amanhã...Pois estão a perder o sentido do que será a vida futura de filhos e netos. Poderão, não ter um risonho amanhã!

Quem dera que cada amanhã fosse uma cascata de água límpida vinda da serra. Ouvir o murmurar nascido do lavar das pedras onde o líquido mergulha. Uma acalmia, um cantar em balada das folhas, das flores das árvores e dos arbustos, acompanhadas pelo trinado da passarada. 

Terra onde se conheçam as gentes, se cumprimentem dando a salvação quando se encontram, onde ainda existe a entre- ajuda, a compreensão, o respeito e dignidade.

Terra é mãe natureza, deusa da criação, tudo nos dá e vinga a sua destruição. Não a maltratem, não a queimem, não a decepem. O nosso amanhã nascerá todos os dias, distribuindo amor, cultivando o bem, respeitando o alvorecer do amanhã.

Sempre haverá um amanhã, se acordarmos. Bom... Mau, depende muito das circunstância da vida e da maneira como encaramos os desafios a que somos sujeitos.

Não se quer um paraíso, mas um lugar onde impere o respeito por tudo quanto é vivo, um lugar aprazível, sem receios, apenas pensar e sentir que existe um amanhã!

Fonte:
Gabriela Pais (Portugal)