quarta-feira, 6 de março de 2019

Thalma Tavares (LUIZ OTÁVIO)


Como bem disse o trovador Izo Goldman numa de suas palestras sobre este tema, não é fácil falar em tão curto espaço de tempo sobre alguém cujo perfil tencionamos traçar com realidade e justiça, desde que se faz necessário, para tanto, uma serie de citações com datas corretas, fatos, pormenores importantes e sobretudo comentários e pensamentos que outros emitiram acerca de sua pessoa e de seu trabalho. É mais difícil ainda falar sobre alguém, quando além de sua grandeza pessoal, há uma obra importante a ser comentada e, acima de tudo quando fala mais alto a emoção sincera do comentarista. Tem razão o nosso irmão trovador quando assim afirma. Não é fácil, mas vamos tentar.

18 de Julho é o dia consagrado ao trovador porque nesse dia, há setenta e oito anos atrás, nascia aquele que mais tarde seria, merecidamente, eleito o Príncipe dos Trovadores Brasileiros: LUIZ OTÁVIO. Nasceu, portanto, aos 18 de julho de 1916, no Rio de Janeiro. Seu nome de batismo era GILSON DE CASTRO, Luiz Otávio foi o pseudônimo que ele adotou para assinar suas trovas, suas poesias e outras manifestações de seu talento literário. Era Cirurgião-Dentista, profissão que exerceu no Rio, onde se formou e mais tarde em Santos para onde se transferiu já no final de sua vida.

A partir de 1950, interessou-se pela Quadra Popular Portuguesa [ou trova de rima simples). Estudando sua forma e suas origens, passou a divulga-la através de publicações diversas. Em razão disso, ingressou no GBT (Grêmio Brasileiro de Trovadores) sediado em Salvador, Bahia. Mais tarde fundou e dirigiu a seção Guanabarina daquela entidade que congregava, alem de trovadores, violeiros, cantadores, repentistas do Nordeste e autores de Cordel. Tempos depois, por questões de divergência quanto a forma poética das "quadrinhas" que compunham aqueles cantadores e trovadores de Cordel, Luiz Otávio, sem criar ressentimentos ou animosidades, deixou o GBT e partiu para a fundação da União Brasileira de Trovadores da qual foi o Presidente Nacional até cair gravemente enfermo, quando foi substituído pelo Trovador CARLOS GUIMARÃES do Rio de Janeiro.

A ideia, no entanto, da criação de uma nova entidade trovadoresca, onde a trova ganhasse a sua maioridade literária, em âmbito nacional, vinha desde 1959, ou antes disso, amadurecendo no espirito de Luiz Otávio. Mas apenas em 1966 pode fundar a Seção do então Estado da Guanabara e esperou até 8 de janeiro de 1967, data em que as seções de outros estados se organizaram em definitivo, para considerar oficialmente fundada a UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES.

Espírito metódico. organizado e detalhista, Luiz Otávio esperou oito anos para concretizar com segurança o seu sonho maior, a verdadeira e harmoniosa união nacional de trovadores, a U.B.T., que, sobrepondo-se às demais academias e agremiações de trovadores já existentes no Brasil, tornou-se uma das maiores, das mais influentes e mais bem organizadas no gênero, em todo o país.

De parceria com outros trovadores notáveis, Luiz Otávio elaborou inúmeros sistemas, métodos e regulamentos que ainda hoje servem de estrutura ao movimento trovadoresco brasileiro, como é o caso dos Estatutos Sociais que até hoje regem legalmente as atividades da U.B.T. em todo território nacional. Ao lado de outro grande trovador e poeta, J. G. de Araújo Jorge, instituiu os Jogos Florais para Trovas, começando por Nova Friburgo, cidade do Estado do Rio que ficou conhecida como a "Capital da Trova no Brasil". Isto, em 1959, muito antes da fundação da U.B.T. É autor de diversos livros de trovas e poesias, entre eles a famosa e disputadíssima Coletânea de Trovas intitulada "Meus Irmãos os Trovadores".

Mas não é isto apenas o que se poderia dizer de Luiz Otávio e sua vida extraordinária. Seria preciso um alentado compêndio, e, sabe-se lá de quantas páginas. E por não podermos alongar demasiadamente estas notas, vamos deixar que ele mesmo nos fale de seus sentimentos e de suas emoções através de suas Trovas,

Inicialmente ele nos fala da trova chamando-a carinhosamente de "quadrinha" e nos diz, falando de si:

Cada quadrinha que faço
em hora calma ou incalma,
é pequenino pedaço
que eu mesmo furto à minha alma.

Depois, já se referindo ao tamanho das quadrinhas, aparentemente pequenas em seus quatro versos, ele diz:

Ó Trovas - simples quadrinhas
que tem sempre um que de novo…
- Como podem quatro linhas
trazer toda a alma de um povo?!

e completa:

Às vezes uma emoção
que na minha alma se aninha,
não cabe bem num poema...
…mas cabe numa quadrinha...

Passando a tratar as quadrinhas por Trovas, reforça a sua opinião sobre a grandeza da “pequena” trova:

Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves,
como a Trova nos faz bem!

e assim conclui sua ideia:

Uma trova pequenina,
tão modesta, tão sem glória,
bem pouca gente imagina,
que também tem sua história.

E reforça assim a sua conclusão:

"Pequena" - dizem zangados,
muitas vezes com desdém.
Jamais saberão, coitados,
que grandeza a trova tem!

Depois de falar do tamanho da Trova, Luiz Otávio nos dá algumas definições desta joia de quatro versos:

Há Trovas, ricas, sonoras,
tem brilho, cintilação...
Lembram "Foguetes de Lágrimas"
nas noites de São João...

e, ainda:

A Trova, quando perfeita,
três reações pode causar:
a gente ri... ou suspira,
ou então, fica a pensar...

Mas, qual é o destino da Trova? Para mostrar os diversos destinos que pode ter uma Trova, ele diz assim:

Toda trova herdou o espírito
navegante português...
Nasce… Foge… Corre o mundo
e abandona quem a fez…

Dura menos que um suspiro
ou como a folha que cai… 
Mas quando penetra na alma,
a Trova fica… Não sai..

Quando a Trova é mesmo boa,
É sempre assim que acontece:
- o dono fica esquecido,
mas a Trova não se esquece…

E dos trovadores? O que é que Luiz Otávio diz dos trovadores ou para os trovadores? Vejamos:

A Trova é tão pura e humilde
que eu julgo, pensando nisto,
que o primeiro Trovador
foi, por certo, Jesus Cristo.

Nem sempre nós conseguimos
traduzir as nossas dores...
Quantas trovas ficam mortas
nas almas dos trovadores…

Mediunidade esquisita
de duração muito breve:
- a Trova - é o povo quem dita,
o trovador… só escreve…

Nesta Trova ele nos diz da maior alegria que um trovador pode ter:

É um prazer bem diferente
e de sabor sempre novo,
ouvir a Trova da gente
andar na boca do povo!…

Nesta outra ele nos fala do desafio, do sonho que é escrever a trova definitiva, se é que ela existe:

Trovador, grande que seja
tem esta mágoa a esconder:
- A Trova que mais deseja,
jamais consegue escrever...

E, completa, falando com modéstia de si mesmo:

A Trova definitiva,
ideal do Trovador,
por mais que eu padeça e viva
eu jamais hei de compor…

Amigo que aconselha, que avisa, Luiz Otávio diz aos trovadores porque é preciso pensar muito ao escrever uma Trova:

Toma cuidado poeta
com teu sentir mais profundo;
a Trova é muito indiscreta:
- e conta tudo a todo mundo…

Voltando a falar de si mesmo, ele confessa em suas Trovas o que significa para ele, ser um trovador:

Não digo não: "minha" Trova
quando faço um verso novo:
- não é minha, nem é nova
quando cai na alma do povo…

Muitas vezes me pergunto,
ao enfrentar duras provas,
se eu suportaria o mundo
sem o meu mundo de Trovas!

 Trova tomou-me inteiro!
Tão amada e repetida
que agora traça o roteiro
das horas de minha vida...

Luiz Otávio mostra, também, como o seu destino, nem sempre muito alegre, se refletiu em suas Trovas e como, através disto, se uniu a nós a quem fraternalmente chamou de "seus irmãos os trovadores":

Enfrentando tantas provas,
ao desenrolar dos anos,
vou tirando da alma Trovas,
e enchendo-a de desenganos…

A sina dos trovadores,
e o meu destino também,
É sofrer as próprias dores
e as dores que os outros tem… 

Mas, apesar de tudo, também houve alegrias em sua vida. E, nestes momentos, ele fazia aquelas Trovas que os nossos irmãos portugueses chamam, acertadamente, de "facetas". Trovas chistosas, que tem graça, que tem alegria sem, no entanto, serem humorísticas. Vejam:

Toda noite ao me deitar,
por certo você reprova,
eu me esqueço de rezar
e fico fazendo Trova…

Nesta Trova pequenina,
quero deixar o sabor 
do beijo que ainda há pouco
eu roubei do meu amor…

Sou devoto, sou um crente!
Não zombes, não rias não…
Trago um rosário de Trovas
no fundo do coração…

De santo tu me chamaste…
Eu juro, ri um pedaço…
Pois nunca vi nenhum santo
fazer as Trovas que eu faço…

A Trova também amenizou o sofrimento de Luiz Otávio. Foi apoiado nela, e no seu ânimo sempre forte, que ele conseguiu superar, senão as intempéries da vida, pelo menos as injustiças humanas:

Louvo a Deus por me ter dado
a sorte de trovador,
pois o mal, quando encantado,
diminui o seu rigor…

Mas não foi apenas o ânimo forte e as Trovas que ampararam Luiz Otávio. Uma outra grande força o apoiou, o animou e o manteve sempre ativo: foi o amor! E o seu amor, como não poderia deixar de ser, foi um grande amor; um amor que ele cantou em Trovas quase sempre marcadas por um traço de tristeza. Trovas como:

Estas Trovas foram sonhos
que um trovador já sonhou…
São uns farrapos tristonhos
de um grande amor que passou…

Saudade - brisa tristonha…
e o meu coração magoado
desprende Trovas… e sonha…
é um rosal despetalado…

Digo tudo sem receio…
Sei amor que não aprovas.
Meu coração retalhei-o
e, de pedaços, fiz Trovas…

Longe de ti triste eu passo,
se vivo mesmo, nem sei…
E, cada Trova que faço
um beijo que não te dei…

Este doce e grande amor,
esta saudade indiscreta,
fizeram de um trovador
o mais tristonho poeta…

Por estar em solidão
tu de mim não tenhas dó.
Com Trovas no coração,
eu nunca me sinto só!

Como dissemos no princípio, não é fácil falar sobre alguém quando a nossa emoção interfere. Não é fácil falar de Luiz Otávio, sabendo que e!e pode estar num canto qualquer deste recinto, sorrindo com certeza de nosso atrevimento de tentar, em alguns minutos, falar de uma vida que levaria outra vida para ser contada. Mas, não faz mal: contamos com a indulgência de Luiz Otávio e, é claro, com a indulgência dos presentes." Até porque, de repente, nos lembramos que para contar quem foi Luiz Otávio, bastariam duas de suas inúmeras Trovas publicadas. Através delas vocês teriam um retrato vivo deste poeta e trovador que foi capaz de plantar uma roseira e faze-la transformar-se no roseiral imenso que hoje ultrapassa as fronteiras deste país. Como dissemos, bastariam estas duas Trovas:

Tirem-me tudo o que tenho
neguem-me todo o valor!
Numa glória só me empenho:
- a de humilde trovador!

Não desejo nem capela
nem mármore em minha cova…
Apenas escrevam nela
pequenina e humilde Trova…

Após este ligeiro esboço do retrato espiritual de LUIZ OTÁVIO, resta-nos completa-lo dizendo que e!e, depois de lutar desesperadamente contra a insidiosa moléstia que o acometeu, e de ver solidamente concretizado o seu grande sonho nacional a UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES; faleceu aos 31 de janeiro de 1977, em Santos, cidade que adotou e da qual recebeu incontáveis manifestações de carinho e apreço, como a Medalha do Mérito Cultural que a Prefeitura daquela cidade lhe outorgou em justa e merecida homenagem póstuma.

Com a sua morte, a Trova ficou de luto, mas continuou florescendo nas Rosas Vermelhas dos inúmeros canteiros que ele espalhou por este Brasil à fora, como símbolo do amor e da paz. Continua vivo nesta Rosa que nem sempre enfeita nossas lapelas, porque a trazemos dentro, definitivamente dentro do coração.

Fonte:
Palestra de Thalma Tavares na União Brasileira de Trovadores/ Seção São Paulo – palestra integrante da Oficina de Trovas ministrada por Izo Goldman, na Oficina da Palavra (Casa Mário de Andrade), em 1991.
Imagem de Luiz Otávio: Desenho de Jaime Pina

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