terça-feira, 14 de maio de 2019

Isabel Furini (A Descoberta)


A literatura tem várias funções. Na minha opinião, a função mais importante da literatura é ajudar-nos a compreender e recuperar nosso próprio eu. Nosso eu fragmentado. Nosso eu oculto. Talvez o segredo dos personagens não seja sua aparência, nem verossimilhança, nem seus traços típicos, nem seu retrato detalhado. O mais importante de um personagem é sua capacidade de levar-nos por estradas desconhecidas até nosso próprio eu. Mostrar-nos aspectos de nós mesmos que ignorávamos. Dar-nos a possibilidade de experimentação e compreensão. A descoberta do personagem transforma-se em nossa própria descoberta (aquela epifania de que falava Joyce). O descortinar do personagem nos ajuda a enxergar-nos. Espelhamo-nos neles.

Ao compreendê-los, podemos nos compreender.

E como chegar a esse estado de percepção de nós mesmos e do mundo que nos permita, ao escrever, criar um espelho com as palavras? Um espelho onde os leitores poderão deleitar-se, observar-se e compreender-se?

Entramos em um caminho questionador. O escritor recebe um dom dos deuses ou seus acertos são fruto de trabalho duro? Arte ou técnica? Talento ou esforço? Quando o espírito se expressa na matéria, surge a ordem no mundo. Caos se transforma em cosmos. Na arte da escrita é o próprio autor, como um deus, que projeta sua obra. Plasma seu pensamento. Concretiza suas intuições estéticas. Talvez, por isso, alguns afirmem que não existe técnica para escrever um livro.

continua...


Fonte:
Isabel Furini. O Livro do escritor: técnicas e estratégias de como escrever um livro. Curitiba/PR: Instituto Memória.

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