quinta-feira, 27 de junho de 2019

Baú de Trovas e Versos Afins n.4


SAUDADE
(1905)

Quando a aurora vem surgindo
pela floresta acreana,
brilha a estrela matutina
na minha pobre cabana.

Por entre as réstias das palhas
eu contemplo o belo céu,
a pobre estrela desmaia
envolta num denso véu.

O galo que então desperta,
canta alegre no poleiro,
soluçam as saracuras
no copado castanheiro.

Soltando ternos queixumes
geme na selva a cascata,
sussurra o vento que passa
no longo seio da mata.

Além das águas do rio
ouvindo longos bramidos
e nos leques das palmeiras
ouço da brisa os gemidos.

Sozinho, triste, exilado,
minh'alma sentida chora,
levanto, venho ao terreiro
contemplar do Acre à aurora.

Tão liso manto esmeraldo,
as verdejantes campinas,
onde pendidas nos galhos
brilham flores cristalinas.

Nas pétalas das brancas rosas
a minha lira desperta,
chorando, soluça, geme
a minha musa deserta.

Sentindo eternas saudades,
choro a quadra que perdi,
e os beijos de minha mãe,
e as plagas onde nasci.

Assim no Acre cismando,
passando as noites sofrendo,
sinto saudades infindas
quando a aurora vem rompendo.

Fonte:
Iba Mendes (seleção/organização). Trovas e Cantigas. São Paulo, 2019.

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