SAUDADE
(1905)
Quando a aurora vem surgindo
pela floresta acreana,
brilha a estrela matutina
na minha pobre cabana.
Por entre as réstias das palhas
eu contemplo o belo céu,
a pobre estrela desmaia
envolta num denso véu.
O galo que então desperta,
canta alegre no poleiro,
soluçam as saracuras
no copado castanheiro.
Soltando ternos queixumes
geme na selva a cascata,
sussurra o vento que passa
no longo seio da mata.
Além das águas do rio
ouvindo longos bramidos
e nos leques das palmeiras
ouço da brisa os gemidos.
Sozinho, triste, exilado,
minh'alma sentida chora,
levanto, venho ao terreiro
contemplar do Acre à aurora.
Tão liso manto esmeraldo,
as verdejantes campinas,
onde pendidas nos galhos
brilham flores cristalinas.
Nas pétalas das brancas rosas
a minha lira desperta,
chorando, soluça, geme
a minha musa deserta.
Sentindo eternas saudades,
choro a quadra que perdi,
e os beijos de minha mãe,
e as plagas onde nasci.
Assim no Acre cismando,
passando as noites sofrendo,
sinto saudades infindas
quando a aurora vem rompendo.
Fonte:
Iba Mendes (seleção/organização). Trovas e Cantigas. São Paulo, 2019.
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