domingo, 9 de junho de 2019

Isabel Furini (História de Escritores)


Escritores! Todo mundo sabe que os escritores gostam de reunir-se. Associações, academias, grupos de leitura, seminários, debates.  Mas, em pouco tempo, descobrem que não suportam os colegas. Afinal, um ego de escritor já preenche qualquer sala por maior que seja. Já muitos egos de escritores na mesma sala tornam o local asfixiante. Alguns egos escorregam nas palavras dos outros. Os outros chutam as costas dos egos que falaram. Os que não falam nada esperam o momento oportuno para jogar o título de seu novo livro na cabeça de qualquer escritor.

O título de seu novo livro na cabeça de qualquer escritor? Perguntarão os que desconhecem a tribo dos escritores. Poucas pessoas alheias a tribos sabem disso. Eu vou fazer uma revelação: os títulos dos livros são seres vivos. Sim. Eles atraem e rejeitam. Jogados na cabeça de um escritor inimigo machucam a subjetividade.  O escritor atingido grita: Ai! Fui atingido por um título desse escritor maluco! Socorro!

Socorro! Grita o escritor machucado, e imediatamente é retirado da sala e considerado bipolar com mania de perseguição.

Mania de perseguição é uma doença traiçoeira. Disse a senhora de óculos. É verdade, disse o velhinho de paletó cinza. Estamos reunidos para falar de nossos livros! Grita o homem de barba. Imediatamente os egos crescem. Qual será o livro escolhido para a ocasião? Será o livro novo livro de papel reciclado?

Papel reciclado? Papel é papel, grita o escritor de camisa azul mexendo o celular. Todos olham para ele. Acanhado, desliga o celular. Temos que fazer livros virtuais, exclama veementemente. E um dos escritores, vestido de terno marrom, muito serio, apoia-o. O futuro é livro na internet, e-book, livro virtual, o nome que vocês desejem. O nome não é importante, o importante é... O homem de terno marrom se cala, olha todo mundo e começa a tossir. Quase disse a verdade. E isso seria tão inconveniente.

Tão inconveniente é dizer a verdade que há alguns meses um escritor fora banido da tribo por dizer a verdade. Dizer a verdade! Ninguém merece! Teria gritado um jovem. A juventude está sempre inovando, disse o escritor de terno marrom e blá, blá, blá. Não revelou que defende o livro virtual porque acaba de criar uma editora virtual. Afinal, livro é produto. E produto é para lucrar. Viva o lucro!

Viva o lucro! Pensa o escritor de terno marrom e olha de ladinho para seu sócio, o homem de gravata vermelha. O homem de gravata vermelha entende o recado. Levanta-se e começa um longo discurso sobre as vantagens do livro virtual. Repete os argumentos. São poucos e precisa repeti-los para fortalecer seu ponto de vista.

Seu ponto de vista parece-me excelente, disse a senhora de blusa amarela.  E aplaude. Todos aplaudem. Entre escritores é comum aplaudir. Afinal, todos gostam de receber aplausos, elogios. Bom, quase todos. Existem poucos exemplares de uma raça em extinção que não gosta de aplausos. Isolados, raramente são entrevistados pela mídia.

Raramente são entrevistados pela mídia. Existe um problema maior que esse para um escritor? Afinal, o mais importante não é escrever bem, mas ser um escritor de sucesso. Sucesso é tão bom. Todo mundo sonha com o sucesso.

Todo mundo sonha com sucesso. A maioria dos escritores sonham com o Prêmio Nobel de Literatura - mas ninguém quer confessar. Sonhos são parte da subjetividade humana. Sonhos revelam muito das pessoas, por isso é difícil falar dos sonhos. Bom, Prêmio Nobel de Literatura é difícil, mas talvez um Prêmio Nacional ou Internacional pode se tornar realidade. Sempre é bom ter sucesso.

Sucesso! Sucesso quer dizer ser o melhor escritor do mundo. E nunca pergunte. Nunca. Qualquer escritor dirá que você está errado. E é aqui o ponto central de minha história: Quando ao declamar um poema o velhinho de paletó cinza caiu morto, os escritores aproximaram-se dele e escutaram as últimas palavras do velho. "Sou o melhor escritor do mundo!"

Afastaram-se.  - Que ilusão! - disse a senhora de blusa amarela - O melhor escritor do mundo?

E todos, em silêncio, pensaram a mesma frase: O melhor escritor do mundo sou eu!

Fonte:
Isabel Furini, in Recanto das Letras

Um comentário:

Isabel Furini disse...

Muito obrigada pela publicação dessa crônica... eu já nem lembreva dela. Remexer no baú de textos é muito bom. Grata, Feldman.