sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Isabel Furini (Saudade: O Grande Amor de Roberto)


Chuva intensa. Volto a Curitiba depois de 30 anos. Os relógios pararam no tempo. Meu coração se espalha pelas ruas e sobe pelos edifícios modernos procurando o passado.

O passado morreu. Só ficaram lembranças. Meu coração persistente, achatado, esticado, dilacerado, busca meus amigos, a cidade que foi minha...

Procuro até meu próprio rosto no espelho. O espelho mostra a verdade: os cabelos brancos. Cabelos não mentem, podem ser pintado mas voltam a crescer e a mostrar o passo do tempo. Tempo rápido, vagaroso, intenso, morno, indeciso. Tempo que cresce com as árvores e decresce com os prédios que envelhecem. Tempo que se esgota a si mesmo, que avança sem pressa mas que é impossível deter.

Meu coração de homem aventureiro estica seus olhos vermelhos pelas praças: Tiradentes, Osório, Rui Barbosa. Espiona nos shopping e nos cafés inaugurados há pouco tempo e se reencontra no Largo da Ordem e no Passeio Público. Tenho 51 anos, nasci nesta cidade num mês de setembro e também chovia. A chuva de Curitiba lava as casas, limpa as ruas, purifica as almas, grita nos telhados, ri espalhando-se pelos vidros dos carros. É uma chuva sapeca, como meus anos de criança. Já se foram os anos das alegrias simples.

Sinto-me velho, acho que tenho mais anos que a cidade. Onde está Taisha, meu grande amor? Onde está Taisha com seus olhos de amêndoas orientais e seu olhar tranquilo de japonês sábio que olha o monte Fuji? Onde está minha linda namoradinha filha de brasileira e japonês, que estudava comigo no Belas Artes e sonhava com renovar a pintura moderna?

Uma manhã, enquanto pintava uma tela do Paço Municipal, disse-me:

— Roberto... Gosto de Renoir, gosto de Monet, gosto de Picasso, mas acho que posso ser igual a qualquer deles, igual a quem eu quiser... – Fez uma pausa. — Até posso ser igual a mim mesma! — exclamou deixando de lado o pincel. Colocou as mãos na cintura e levantou a cabeça de forma arrogante, mas com um sorriso sapeca.

Menina de coração de mel e roupa preta, nunca esqueci teu sorriso. Teu riso iluminava as cores de teus quadros. Nunca esqueci tua atitude numa exposição de um pintor questionado — pois com seu modernismo chocava a moral provinciana da Curitiba dos anos 70. Você, num gesto de desafio, abriu a bolsa preta, pegou o batom vermelho e escreveu em português: "Exposição para loucos". Eu gostei. Assinou Taisha em caracteres japoneses. Era essa mistura de Oriente e Ocidente que fazia de você uma flor exótica e delicada.

Taisha, os teus olhos orientais sempre me seguiram pelo mundo afora. Estiveram diante de mim em Paris observando a torre Eiffel, descobriram comigo os mistérios celtas em Stonehenge, contemplaram o ocaso em Machu Picchu. Teus olhos negros, orientais, navegaram comigo pelos oceanos Atlântico e Pacífico.

Doe a saudade.

Onde estará minha menina sensível e rebelde? Minha flor de cerejeira. Sento-me sob uma árvore nas ruínas de São Francisco. Abro minha mala de viagem, pego uma folha de papel e com lápis de cores, desenho o relógio das Flores com o encanto de teu sorriso.

Fonte:
Blog de Isabel

Um comentário:

Isabel Furini disse...

Querido amigo poeta José Feldman, você é um grande trabalhar em prol da Literatura.
Muito obrigada.