quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Lourdes Bagatim Scheffer (O Encanto e o Desencanto das Fadas)

Pintura de Salvador Dali
Esta estória aconteceu lá pelos anos de 1890, num lugarejo próximo a Castelfranco di Veneto, no norte da Itália. Tempos muito difíceis, as famílias eram numerosas, não possuíam grandes recursos e tinham o mínimo de conforto em suas casas. O inverno, rigorosíssimo, arrastava-se por boa parte do ano. Durante os poucos meses quentes, as pessoas trabalhavam arduamente para acumular e estocar comida para os meses frios. Essa era a prática mais comum.

Ali, nesse lugar, vivia uma família muito numerosa. Os filhos casaram-se e trouxeram suas esposas para ali viverem em companhia de seus pais. O tempo passou e vieram seus filhos, que muito cedo aprendiam o quão difícil era ganhar o próprio sustento e também como era divertida aquela convivência com os irmãos, primos, tios, tias e avós. Todos trabalhavam, os adultos faziam os trabalhos mais pesados e às crianças eram oferecidas tarefas mais leves e que não exigiam grande esforço, fosse ele físico ou mental. Dessa maneira, elas as executavam rapidamente, para sobrar mais tempo para suas brincadeiras. Devido as dificuldades para enfrentar os dias difíceis de inverno, e como não contavam com uma boa lareira para se aquecer, tinham por hábito reunir-se em estábulos, onde os animais iam à procura de abrigo, escondendo-se das tempestades de neve. Procuravam estar muito próximos dos animais, pois isto os mantinha aquecidos. Nessa época, as mulheres eram também responsáveis pelo bem estar da família e juntamente com suas crianças, passavam o dia todo fazendo trabalhos manuais e conversando, porém tinham grande dificuldade para confeccionar suas roupas. Por essa razão, tinham que recorrer a outras pessoas para fazê-las. Tinham, por hábito, encomendar suas roupas para algumas criaturas que viviam próximo dali, embora ninguém soubesse onde, nem como. Outra característica interessante é que não havia uma comunicação pessoal entre eles, porém o que se acreditava é que essas bondosas criaturas tinham poderes especiais, muito diferentes das pessoas comuns. Eram chamadas de fadas.

Para que as roupas fossem confeccionadas, era necessário que se colocasse todo o material a ser usado para a confecção embaixo de uma ponte. Num dia, colocava-se tudo que era necessário para a confecção de uma peça e, no dia seguinte, podia-se procurar no mesmo lugar e lá estava a peça de roupa, pronta para uso. Diziam até que a presença dessas criaturas era identificada por um perfume forte e muito agradável.

As pessoas ficavam perplexas com a rapidez com que elas teciam tais peças de roupa. Por mais que se tentasse, não foi possível saber como eram costuradas aquelas roupas. O que se sabia é que tudo era feito de maneira rápida e perfeita, não ficando qualquer fio solto para que se pudesse desfazer a peça já confeccionada.

Esse mistério em tomo dessas criaturas, chamadas popularmente de fadas, foi crescendo e passou a ser objeto de grandes discussões durante os momentos em que as famílias se reuniam. O tempo passava e no dia a dia, ninguém estava interessado em saber o que acontecia lá fora. A única preocupação era manter-se aquecido, para não morrer de frio. Mas, entre as mulheres que ali compareciam diariamente, havia uma que todos os dias, à mesma hora, ausentava-se, sem dar qualquer explicação aos demais. Aquilo, que no início parecia ser uma coisa sem importância, passou a chamar a atenção de outras mulheres, que intrigadas, começaram a questionar tal ausência.

Foi então que uma delas falou para as demais:

- Não entendo o que ela possa estar fazendo ao sair sempre no mesmo horário e retomando muito tarde da noite. Vou tentar segui-la e descobrir aonde vai e com quem.

No início, algumas não concordavam, pois achavam que não seria correto invadir a privacidade da companheira. Aos poucos, a curiosidade tomou conta de todas e passaram a encorajá-la a tomar tal decisão. E assim aconteceu.

Certo dia, quando a tal senhora deixou o local, sua amiga a seguiu de longe e viu quando ela se aproximou da chaminé do fogão. Rapidamente foi ao mesmo lugar, a tempo de ouvir quando ela proferiu algumas palavras até então desconhecidas. Imediatamente após, desapareceu pela chaminé do fogão. Esta então, ao chegar muito próximo do fogão, pronunciou as mesmas palavras que ouviu de sua amiga e foi sugada pela chaminé. Alguns segundos se passaram. De repente, ela se deu conta de estar numa festa, com muitas pessoas, algumas até conhecidas suas. Avistou sua amiga e foi ter com ela. Qual não foi a surpresa quando sua amiga a viu.

- Você, por aqui? - disse a primeira.

- Como foi que você entrou neste lugar ?

Esta imediatamente respondeu:

- Segui você e pude ouvir as palavras que pronunciou antes de entrar pela chaminé. Fiz exatamente o mesmo e aqui estou - respondeu esta última.

Falando assim, começou a prestar atenção a tudo que a cercava, maravilhada com a beleza do salão e as mesas repletas de comida. Não se conteve e pegou uma guloseima, levando à boca com muita ansiedade,

- Meu Deus! Não tem sal?

Ao proferir essas palavras, todo o encanto se desfez e ambas se viram na sala de suas casas.
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Lourdes Bagatim Scheffer, é natural de Joaquim Távora/PR, em 1953. Formada em Letras Português/Inglês e especialização na área de Metodologia da Língua Inglesa e tradução na PUCPR. Estudou e trabalhou em Londres. Lecionou Inglês. Trabalha com traduções em literatura.

Fonte:
Isabel Florinda Furini (org.). 50 Contos por 14 Autores. Curitiba: JM, 2008.

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