sexta-feira, 10 de abril de 2020

Professor Garcia (Cantigas do Meu Cantar) 1


A ganância ofusca a luz
dos olhos da caridade...
E a fome é a mais negra cruz,
dos ombros da humanidade!
- - - - - -

Até o mar que carrega
violência quando se alteia,
também se rende e se entrega
aos braços mansos da areia!
- - - - - –

Basta martelo e cinzel,
que minha mão de escultor,
dispensa tinta e papel
e esculpe a estátua do amor!
- - - - - –

Enquanto a cruel ganância,
agride, avançando os passos...
Sinto a negra mendicância
pondo algemas noutros braços!
- - - - - –

Fui preso e fugi dos laços
da mais negra solidão!
E agora, preso em teus braços,
quero morrer na prisão!
- - - - - –

Morre a flor, na flor da idade,
padece a planta de dor!
A ausência deixa saudade,
até na morte da flor!
- - - - - –

Na insônia que me permeia,
enquanto a fé me conduz...
No quarto, a velha candeia
enche o meu quarto de luz!
- - - - - –

Na mais triste soledade,
chora a viola tão bela!...
Talvez chore com saudade,
dos dedos do dono dela!
- - - - - –

Não há palácio mais nobre
nem templo mais sedutor,
que o ventre de uma mãe pobre
que abriga o fruto do amor!
- - - - - –

Na pobreza, há luz e brilho;
e, às vezes, tanta bravura...
Que a mãe, que amamenta o filho,
vira a filha da ternura!
- - - - - –

Na praça, um vulto abraçado,
em silêncio, e até sem voz,
fez me lembrar de um passado
que foi presente entre nós!
- - - - - –

Nesses conflitos da terra,
a minha fé se refaz,
vendo que a bomba da guerra,
não vence a pomba da paz!
- - - - - –

No instante em que o sol declina,
grito e ninguém me responde!...
Porque Deus fecha a cortina
da alcova onde o sol se esconde!
- - - - - –

No rosto, um silêncio mudo,
nos lábios, quanta magia,
e os olhos dizendo tudo
que o silêncio não dizia!
- - - - - –

O tempo, ampulheta ingrata,
conta segundo a segundo,
todas as mães que ele mata,
mesmo as mais santas do mundo!
- - - - - –

O tempo, com seus desvelos,
não raro, com seu desdém...
Pôs, na cor de meus cabelos,
o encanto que o branco tem!
- - - - - –

O tempo, velho malandro,
tem por destino, somente...
Serpentear, cada meandro,
que há no destino da gente!
- - - - - –

Pés grossos, mãos calejadas,
que tu vês, nesta aquarela,
são marcas das enxadadas
que eu herdei dos braços dela!
- - - - - –

Quando a noite me insinua,
se expondo à beleza extrema,
ponho mais versos na lua
e em cada estrela, um poema!
- - - - - –

São tantas as consequências,
ante o amor que se desfaz...
Que há medos temendo ausências
e há gritos pedindo paz!
- - - - - –

Sou qual jangada perdida,
sem rumo, num mar de ateus,
em busca do mar da vida,
no amor, dos abraços teus!
- - - - - –

Sozinha... E, arrastando os pés,
vovó tem, por proteção...
Seus dois amigos fiéis:
A bengala e a solidão!
- - - - - –

Uma gotinha de orvalho
no pistilo de uma flor,
quem fez todo esse trabalho,
deu grande exemplo de amor!
- - - - - –

Vejo, no tempo que passa,
mais um mistério profundo:
Nosso amor perdendo a graça,
que foi a graça do mundo!
- - - - - –

Vitória de fronte erguida,
é a do poeta que se esmera,
pintando, o outono da vida,
com cores de primavera!

Fonte:
Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar. Natal/RN: CJA, 2017.
Livro enviado pelo autor.

Nenhum comentário: