quinta-feira, 11 de julho de 2024

Vereda da Poesia = 57 =


  Trova Humorística de São Paulo/SP


MARIA HELENA CALAZANS DUARTE

"Mas que preguiça'' e, no escuro,
o pau-d'água, chave à mão,
espera, encostado ao muro,
que ali passe o seu portão!
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Solau* de Curitiba/PR

DARIO VELLOZO
(Dario Persiano de Castro Vellozo)
Rio de Janeiro/RJ, 1869-1937, Curitiba/PR

Solau a Nestor de Castro

Eu sou o pajem de Dona Morte,
Loura de olhos monacais;
Eu rezo salmos a Dona Morte,
Sou o coral das Catedrais;
Nos meus idílios flavesce a morte,
A morte, — vinho das bacanais.

Volvei os olhos de esperança
A um cavaleiro Rosa-Cruz;
Os vossos olhos de esperança
São liras de ouro, alvas de luz;
São pulvinários de esperança,
Valquíria astral da Rosa-Cruz.

 Nos cinerários de meus sonhos
Arderam Silfos e Quimeras;
Em que sepulcro andam meus sonhos,
Ó Peregrina de outras eras?!...
Noiva, — sepulcro de meu sonhos,
Crisoberil das primaveras!

Eu sou o pajem de Dona Morte,
Entre castelos e solares;
Seguindo os passos de Dona Morte,
Subi a torres de sete andares,
Os belvederes de Dona Morte
Andam suspensos de meus olhares.

Andam suspensos de minha boca
Os nove arcanos da Alquimia;
Nos setiais de minha boca
Rezaram monjas noite e dia;
Jamais oscules a minha boca,
Estrela d´alva da Nostalgia!...

 Deixa que mortos enterrem mortos,
Loura, de olhos monacais,
A Morte embala meus sonhos mortos
Nas absides das Catedrais.
A Morte é a noiva dos sonhos mortos,
A Morte é círio das bacanais.

Deixa que mortos enterrem mortos,
Loura, de olhos monacais!
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* Solau - Composição bem antiga, da época anteclássica renascentista, de caráter melancólico e habitualmente acompanhada por música. Autores que a cultivaram: Bernardim Ribeiro,Sá de Miranda, Jorge de Vasconcelos, Gonçalves Dias, Almeida Garret, Carlos D. Fernandes (simbolista brasileiro). Poetas modernos como Manuel Bandeira e Mário Quintana, também, escreveram poemas com o título de Solau.
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Aldravia de Mariana/MG

HEBE RÔLA

Humilhado
Galo
Acordou
Relógio
Não
Despertou
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Soneto de Bauru/SP

JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA

Silêncio

Quando eu pensei que tudo estava certo...
eis que você, na calma de serpente,
virou meu mundo assim tão de repente
numa miragem plena de um deserto.

Meu pensamento sóbrio, tão presente,
não alertou-me como estava perto
um coração fechado... e bem aberto
à pequenez de um sopro tão latente!

Me refazendo aos poucos, fui olhando
nas passarelas de um mundo nefando
desfiles frágeis, quem olha e não vê.

Hoje agradeço sua insensatez
silenciando o vazio de vez
feliz por mim e triste por você!
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Trova Premiada em Campos dos Goytacazes/RJ, 1961

LUIZ OTÁVIO
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Nossa Língua Portuguesa
bem menos rica seria
se não tivesse a riqueza
deste teu nome - Maria!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTÓNIO GEDEÃO
(Rómulo Vasco da Gama Carvalho)
1906 – 1997

Lição sobre a água

Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com exceções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
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Quadra Popular de Minas Gerais

Vou tirar o teu retrato,
na beira do poço fundo;
estando com ele na mão,
estou com a joia do mundo.
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Soneto de São Paulo

ADÉLIA VICTÓRIA FERREIRA
Sete Barras/SP, 1929 – 2018, São Paulo/SP

Amor que não tem preço

Depois que te perdi, só depois, mãe querida,
notei que me fugira um bem que não tem preço,
o maior bem do mundo, o melhor desta vida,
e, se um dia existiu igual, não o conheço.

Ternura ardente e casta, oculta em manto espesso
de preocupações, quando não, diluída
nesse olhar, cujo certo e único endereço
é seu filho, que a fez vaidosa ou mais sofrida.

Depois que te perdi, só depois... (como forço
o espírito a afastar a constante tortura!...)
é que a mente me invade um dorido remorso

de não ter, junto a ti, quando então me fitavas,
com mil beijos provado esta minha ternura,
num reflexo do amor imenso que me davas!
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Trova de Mogi-Guaçu/SP

OLIVALDO JÚNIOR

Cada verso que dedico
para os tristes, na ilusão,
mais alegre, sim, eu fico,
pois sou eles, coração...
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Poema de Rutherford/New Jersey/ Estados Unidos

WILLIAM CARLOS WILLIAMS
1883 – 1963

Prelúdio ao Inverno 

A mariposa sob as goteiras
 com asas como
 a casca de um tronco, estende-se

e o amor é uma curiosa
 coisa suavemente alada
 imóvel sob as goteiras.
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Haicai de Curitiba/PR

MÁRIO ZAMATARO
(Mário Augusto Jaceguay Zamataro)

Nas asas imóveis
da borboleta pousada:
as cores mais vivas.
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Soneto de Santos/SP

ARISTHEU BULHÕES
Maceió/AL, 1909 – 2000, Santos/SP

Novo alento

Encontrei-te na estrada do Destino,
e tuas mãos fidalgas me levaram
pelos campos do amor, num desatino
que meus próprios sentidos estranharam.

Novo horizonte, agora, descortino...
As paisagens sombrias se alegraram.
Sou, de novo, feliz, como em menino,
pois meus anseios já se realizaram.

Antes, na vida, conduzido a esmo,
compartindo o pesar comigo mesmo,
via o meu sonho transformar-se em pó.

Hoje, alentado pelo teu carinho,
tenho flores brotando em meu caminho,
e já não sofro e nem sorrio só!
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Trova de Paranavaí/PR

RENATO FRATA

Beber desse seu sorriso
é algo mais que sublime:
vale dessa vida o riso
que a felicidade exprime.
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Glosa do Rio Grande do Sul

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

MOTE:
Vai, riozinho, sem pressa...
Lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que ele é grande, mas começa
num modesto olhinho d’água!
A. A. de Assis 
(Maringá/PR)

GLOSA:
Vai, riozinho, sem pressa...
desliza tranquilamente,
não há nada que te impeça
de ser puro e transparente!

Quando chegares ao mar,
lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que nesse teu desaguar
existe um amor em frágua!

Que do orgulho, se despeça
esse mar tão envolvente...
Que ele é grande, mas começa
numa pequena vertente!

Sangas correm para o rio,
o rio, no mar deságua,
mas nasce a correr ...vadio,
num modesto olhinho d’água!
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Aldravia de Ipatinga/MG

GORETH DE FREITAS

O
trem
vai
o
tempo
passa
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Soneto de Minas Gerais

BELMIRO BRAGA
Vargem Grande/MG, 1872 – 1937, Juiz de Fora/MG

Risália

Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
não são as aves festejando o dia:
— São os últimos gritos que te envia
meu triste coração, morto de amores...

Se sentires uns tépidos olores,
não penses que é o rosal que te inebria:
— É minha alma nas ânsias da agonia
que, só por te beijar, se muda em flores...

Se vires baloiçar as níveas gazas
do docel de teu leito, não te afoites,
nem te assustes, querida! São meus zelos

que vão, de leve, sacudindo as asas,
carinhosos, beijar, todas as noites,
teus olhos, tua fronte e teus cabelos...
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Trova Premiada em Campos dos Goytacazes/RJ, 1961

ONILDO DE CAMPOS
Cachoeira/BA, 1924 – 2002, Rio de Janeiro/RJ

Maria, sem coração,
encontra-se em demasia...
Mas, quase nunca se encontra
um coração sem Maria.
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Poema de Belo Horizonte/MG

RELVA DO EGYPTO 
(Relva do Egypto Rezende Silveira)

Ao encontro do sol-posto

Não quero me entregar ao desencanto,
depois de superar tantas mazelas!...
Do sofrimento
vou fazer meu canto,
pois sei que ainda existem
muitas coisas belas.
Não pretendo afastar de mim o encanto
da esperança, sempre, a abrir suas janelas.
Também não quero apagar mágoas
com desvarios... prantos,
mas preciso ter fé
e ter cautelas.
Quando o sorriso me ilumina o rosto,
é parte deste “jogo do contente”, pois, em solidão,
vou ao encontro do sol-posto.
Mas tento disfarçar o meu sofrer,
seguir minha vida, olhar em frente,
buscando, na partilha, no afeto, renascer
para, enfim, harmonizar todo o meu ser.
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Triverso de Santa Maria/RS

MARCELO DE ANDRADE BRUM

Noite de inverno
a lua brilha despida
na face do lago
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Setilha de Juiz de Fora/MG

ARLINDO TADEU HAGEN

Como faz falta uma praia
aqui nas Minas Gerais!
Um espaço democrático
feito a praia não há mais
pois, de chinelo e calção,
na areia ou no calçadão,
os homens são mais iguais!
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Trova de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Chego à velhice, contente
e o meu ocaso é bem-vindo,
ao ver que o sol, no poente,
faz o entardecer mais lindo!
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Hino de Foz do Iguaçu/PR

Somos Filhos da terra querida
que é famosa, onde quer que se vá
Natureza imponente e garrida
que, no mundo, mais bela, não há

Nestes rios se confundem nações,
num abraço de mútuo fervor;
somos porto de mil corações,
Foz de eterno, ameríndio vigor!

Três fronteiras de pátrias amigas
Iguaçu-Paraná...que emoção!
suas águas que entoam cantigas,
rumo ao sul, irmanadas, se vão!

Quadro eterno que os olhos fascina
eis o sol o horizonte a romper;
catadupas! surgi da neblina,
para o mundo, outra vez, surpreender!

Sob o imenso dossel destas matas,
Sim! Palpita lembrança tupi;
Tarobá, no fragor das cascatas
ainda chama, saudoso, Naipi.

Sim, mil graças por tanta beleza,
Ó Senhor! Sempre mais progredir,
que um passado de heroica nobreza,
seja o aval de um fecundo porvir!

Honra eterna aos ingentes pioneiros
deste solo, onde é grande o labor;
aqui estão corações brasileiros,
palpitando co' idêntico amor!

Estribilho:
Foz do Iguaçu! Foz do Iguaçu!
Quem tua glória negará?
Onde achar maior que tu,
Esplendor do Paraná!!!
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A Grandeza e Beleza de Foz do Iguaçu: Um Hino de Orgulho e História
O 'Hino de Foz do Iguaçu - PR' é uma celebração poética e musical da cidade de Foz do Iguaçu, localizada no estado do Paraná. A letra exalta a beleza natural e a importância histórica da região, destacando suas características únicas e a união entre diferentes nações que se encontram nas suas fronteiras. A cidade é famosa mundialmente pelas Cataratas do Iguaçu, uma das maravilhas naturais mais impressionantes do planeta, e o hino faz questão de enaltecer essa grandiosidade.

A letra menciona a fusão de nações e culturas que ocorre em Foz do Iguaçu, onde os rios Iguaçu e Paraná se encontram, simbolizando um abraço de fervor mútuo. Essa união é um reflexo da convivência pacífica entre Brasil, Argentina e Paraguai, que compartilham as Três Fronteiras. A música também faz referência à rica herança indígena da região, mencionando figuras lendárias como Tarobá e Naipi, personagens de uma famosa lenda tupi-guarani que explica a origem das cataratas.

Além de celebrar a natureza e a história, o hino também expressa um desejo de progresso e desenvolvimento contínuo, agradecendo a Deus pela beleza da região e pedindo por um futuro fecundo. A letra presta homenagem aos pioneiros que desbravaram e trabalharam arduamente para construir a cidade, ressaltando o amor e o orgulho dos habitantes de Foz do Iguaçu. O estribilho finaliza com uma exaltação à glória e esplendor da cidade, afirmando que não há lugar mais grandioso no Paraná. https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/1784610/ 
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Poetrix de Brasília/DF

PEDRO CARDOSO

fome

o abismo
entre a mão e a boca,
tem nome…
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

CARLOS GUIMARÃES
1915 – 1997

Último soneto

Este soneto — o último que faço —
põe um ponto final em nossa história,
que, hoje, termina de maneira inglória,
sem um beijo de adeus, sem um abraço.

Peço, apenas, que guardes na memória,
qual de nós teve culpa do fracasso;
quem primeiro deu mostras de cansaço,
reduzindo a farrapos nossa glória...

Pedes que eu parta e eu cedo. Indiferentes,
teus lindos olhos nem me seguirão...
Trilharemos caminhos diferentes,

porque temos destinos desiguais:
— Tu vais feliz, em busca de ilusão,
e eu carregando um desengano a mais!
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Trova de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Uma caneta… Um papel…
– foste escritor sem igual! -
Nome?... Nilto Maciel.
Livro da Vida: - IMORTAL!

(Tributo ao amigo, escritor cearense Nilto Maciel, falecido em 2014)
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O homem e a cobra

«Morre, animal virulento,
Emblema da ingratidão!»
Dizia Agrário a uma cobra
Que pedia compaixão.

«Na ponta deste cajado
Hás de teus dias findar,
És duma raça de ingratos
Que se não deve poupar.

Um homem viu uma cobra
Pelo frio entorpecida,
Teve dó dela, e no seio
Lhe volveu calor e vida;

Porém assim que a traidora
O movimento cobrou,
No peito do benfeitor
Os feros dentes cravou!»

Nisto, um chuveiro de golpes
Descarregou na serpente,
Que entre os arrancos da morte
Replicou com voz tremente:

«Nossas crônicas referem
Como o caso aconteceu;
O homem foi o culpado,
A serpe bem procedeu:

Não lhe acudiu por piedade,
Mas por lhe a pele tirar,
E ela somente o matou
Por não deixar-se esfolar.»

Há muitos que, por mal pagos,
Choram benefícios seus,
Porém se as partes se ouvissem,
Seriam eles os réus:

Dando pouco, exigem muito,
E até mesmo a escravidão;
Quem faz bem por seu proveito,
Perde o jus à gratidão.

(tradução: Costa e Silva)
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Nota do blog: Esta vereda está sendo republicada com nova numeração, com algumas correções.  

quarta-feira, 10 de julho de 2024

A. A. de Assis (Camões 500 anos)

Luís Vaz de Camões deixou para todos nós, povos lusófonos, uma herança cultural preciosíssima

Em todos os países de língua portuguesa está em andamento uma série de comemorações alusivas ao quinto centenário de Luís Vaz de Camões. Serão dois anos de congressos, seminários e outros eventos enfatizando a importância do nosso poeta máximo.  

Em verdade, não se sabe exatamente onde e quando ele nasceu: uns dizem que em Lisboa, outros que em Coimbra; uns dizem que em 1524, outros que em 1525. O que se tem por certo é que em Lisboa ele morreu, num bairro humilde, no dia 10 de junho de 1580.

Morreu pobrinho… ele que serviu de modelo para a formatação definitiva do nosso maior tesouro, a língua portuguesa, “última flor do Lácio”, filha caçula do velho latim.

Sabemos também que Luís de Camões foi soldado do Reino e como tal esteve na África, na  Ásia e em outros tantos ondes, fazendo guerras, fazendo versos, fazendo amor. Metonímia perfeita das mais vulcânicas paixões.

Perdeu a visão de um olho, dizem que numa batalha no Marrocos. Mas com o olho que sobrou ele brigou, namorou, navegou, sobreviveu a naufrágios. Consta até que numa dessas escapou nadando com um só braço, enquanto com o outro sobraçava os originais de “Os lusíadas”.

Voluptuoso daquele jeito, Luís Vaz de Camões foi todavia o gênio maior da cultura lusíada. Ponte entre o passado e o futuro; entre os símbolos da mitologia pagã e os valores do pensamento cristão. Porta de saída da Idade Média; porta de entrada para a civilização moderna.  O poeta do Renascimento português, o poeta épico, o poeta filósofo, o poeta lírico. O poeta flama, com quem aprendemos que “amor é fogo que arde sem se ver;/ é ferida que dói e não se sente;/ é um contentamento descontente;/ é dor que desatina sem doer”.

Embora fosse um poeta erudito, inspirou-se com frequência em canções e trovas populares e escreveu poemas que lembram as cantigas medievais, nos quais revela acentuada sensibilidade para os dramas amorosos ou existenciais. A maior parte da sua obra lírica é composta de sonetos e redondilhas.

Em 1572, com ajuda do rei Dom Sebastião, Camões conseguiu finalmente publicar sua obra-prima, “Os lusíadas”, onde sintetiza as principais marcas da história de Portugal: o humanismo e as expedições ultramarinas – em especial a descoberta do caminho para as Índias por Vasco da Gama.

Luís Vaz de Camões deixou para todos nós, povos lusófonos, uma herança cultural preciosíssima. Agora nos convida para celebrar com ele, no parnaso eterno, seus 500 anos de poesia e amor.

Fonte> Portal do Rigon. 27.06.2024, 

Vereda da Poesia = 56 =


Trova Humorística do Rio de Janeiro/RJ

MARIA NASCIMENTO SANTOS CARVALHO

No documento é solteira,
mas vendo a idade da dona,
diz a patroa encrenqueira:
solteira, não, solteirona...
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Poema do Estado de São Paulo

MIGUEL REALE 
São Bento do Sapucaí/SP, 1910 – 2006, São Paulo/SP

Colunas do tempo

Ardem meus pés na turfa da existência,
pés doridos de avanços e recuos,
nem há como atenuar a dor intensa
que é látego de nervos e perguntas.
Sinto-me planta um plátano partido
pés fincados no chão,
estaca lavrada e fria
relegada à beira do caminho.

É o que resta da vida em labirinto
esgalhada em mil aspirações,
vida barroca incerta e retorcida
à sombra de arabescos e ouropéis.
Como as colunas dóricas perduram!
Esguias retilíneas intocáveis
em sua heráldica forma para o alto,
sem frisos ou volutas perturbando
a serena ascensão vertical.

Quem já se lembra dos antigos ritos
à luz do templo - templo eleusínio
na secreta unidade da semente
donde brotam vitórias e derrotas
que são vaidade e cruz da espécie humana?

É tarde, é muito tarde!
Nem há mais púlpito ou monge que o proclame
para que as horas voltem à sua fonte
na comunhão dos homens e dos deuses.
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Trova de Portugal

AUGUSTO CÉSAR FERREIRA GIL
Lordelo de Ouro/Portugal, 1873 – 1929, Guarda/Portugal

Riquezas tenhas tão grandes,
e tal bondade também,
que ao redor donde tu andes
não fique pobre ninguém.
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Soneto de Maceió/AL

LÊDO IVO
Maceió/AL, 1924 – 2012, Sevilha/Espanha

Soneto de Outubro 

Se mais que a forma e mais que o pensamento
guardado na vigília, sem temor.
Fica no meu olhar, como no amor
verteria teu nome em verso atento.

Sê mais que a forma sempre em movimento
tornada mais humana pela dor.
Fica dormindo em mim, quando eu me for
e te deixar entregue ao desalento.

Sê minha mesmo que eu não te conheça
e te ame sem te ver, sempre te vendo
na forma que jamais fuja ou pereça.

Para tocar-te, eu sempre as mãos estendo
mas não te alcanço, e em minhas mãos transformas
teu corpo imaginário em puras formas. 
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Trova Premiada  em Rio Bonito/RJ, 2006

JOSÉ OUVERNEY 
(Pindamonhangaba/SP)

Não deixe que a vida o leve
por caminhos viscerais;
a vida já é tão breve!
Por que encurtá-la ainda mais?
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Poema de Itajaí/SC

SAMUEL DA COSTA

Afra

Um sorriso apenas!!!
Seduz-me.
Manda-me para casa.
Alegra o meu dia...
Embriaga-me de desejo.
Derrota-me por fim,
Esvanece-me!

Re-luz na minha treva diária.
Lança-me para luz...
Na minha luta diária!
Derrota-me...
Por fim.

Um sorriso apenas, e nada mais.
Beltia imortal!
Dos meus desejos mais profanos!
Visita-me no meu sonho, mais sagrado...
Na infinitude, de todo o meu ser.
Imperfeito!

Deusa sagrada.
Me da um sorriso apenas,
Evanece-me por fim!
Sorri e me derrota.
Manda-me para casa.
Sozinho e derrotado

Lança-me para minha treva diária.
Para a minha vida vazia.
Derrote-me...
Esvanece-me por fim.
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Trova Popular

Hei de fazer um relógio
de um galhinho de poejo,
para contar os minutos
do tempo que não te vejo.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

BEATRIZ FRANCISCA DE ASSIS BRANDÃO
Vila Rica (atual Ouro Preto)/MG, 1779 – 1868, Rio de Janeiro/RJ

Soneto

Estas, que o meu Amor vos oferece,
Não tardas produções de fraco engenho,
Amadas Nacionais, sirvam de empenho
A talentos, que o vulgo desconhece.

Um exemplo talvez vos aparece
Em que brilheis nos traços, que desenho:
De excessivo louvor glória não tenho,
E se algum merecer de vós comece.

Raros dotes talvez vivem ocultos,
Que o receio de expor faz ignorados;
Sirvam de guia meus humildes cultos.

Mandei ao Pindo os voos elevados,
E tantos sejam vossos versos cultos,
Que os meus nas trevas fiquem sepultados.
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Trova de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

Sempre que um tronco desaba,
sob o machado inclemente,
tarde ou cedo a gente acaba
sentindo a dor que ele sente!
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Poema de Porto Alegre/RS

ADÉLIA EINSFELDT

Desconhecida

Sou desconhecida
      irreconhecida
entre a multidão.
Minha luz é apagada
Sigo pela estrada
Seguindo trilhas
      caminhos
Perdida estou.
A lua clara
       brilhante
Me acompanha
Todo instante
       intrigante
Andante que sou.
O amanhecer
me pega cansada
Sombras ao longe
Tento reconhecer
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Haicai de Santos/SP

MADÔ MARTINS

Goiaba madura -
Aberta a competição
entre homens e larvas.
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Soneto do Ceará

FRANCISCA CLOTILDE
Tauá/CE, 1862 – 1935, Fortaleza/CE

Teu Nome

É bálsamo de amor que os lábios suaviza 
É cântico do céu... encanta, atrai, consola, 
Essência lirial que para Deus se evola, 
É hino de esperança e as dores ameniza. 

Maria! Ao repetir teu nome se matiza 
De bençãos meu viver que a dor cruel. 
Doce réstia de luz, confortadora esmola 
Da graça e do perdão que as almas sublimiza. 

Permite, oh! Mãe bondosa, oh! Virgem sacrossanta 
De teu nome ideal que a melodia santa, 
Vibrando dentro em mim as horas de amargura, 

Seja a nota eteral, a nota harmoniosa 
Que minha alma murmure, a te fitar ansiosa, 
Estrela que nos guia à pátria da ventura!
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Trova de Osório/RS

SUELY BRAGA

      Muitas rosas só não falam.
      Não nos ferem com espinhos.
      Um doce perfume exalam
      e nos cobrem de carinhos.
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Mote:
As trevas se dissiparam 
quando apareceu uma luz 
que todos abençoaram, 
bendito nome... Jesus!
José Feldman 
(Campo Mourão/PR)

Glosa:
As trevas se dissiparam 
quando os anjos do Senhor, 
aos homens, anunciaram 
a vinda do Salvador! 

Ao mundo se fez presente, 
quando apareceu uma luz 
nos céus, vinda do Oriente, 
anunciando o Rei Jesus! 

Os homens glorificaram 
a vinda do Deus menino, 
que todos abençoaram, 
pelo seu nascer divino! 

Nasceu numa estrebaria 
pra morrer na rude Cruz; 
só assim nos salvaria: 
bendito nome... Jesus!
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Trova do Rio Grande do Norte

CLARINDO BATISTA DE ARAÚJO
Jardim do Piranhas/RN, 1929 – 2010, Natal/RN

Contra o perigo atual
já não há quem se previna
porque, do gênio do mal,
há um clone em cada esquina!
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Soneto de Poços de Caldas/MG

LAÉRCIO BORSATO

Tributo a Nilton Tuller
(homenagem ao Pastor maringaense)

Há muito ouvi falar de seu talento
Por todos caminhos por onde pisavas.
Ainda agora na cultura em que lavras,
Traze-nos total louvor... Encantamento!

Certo, na vivência e a cada momento,
Nas veredas do altíssimo trilhavas;
Com maestria no manejo das palavras,
Sempre a expor o mais puro sentimento.

Assim em sua missão de fiel e bom pastor,
Em versos, disse ESTOU PRONTO SENHOR,
Daí o reconhecimento de todo povo...

Numa prova de amor santo, verdadeiro,
Deus, como pediste, tal qual o oleiro,
Transformou sua vida, num VASO NOVO!
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Trova Premiada  em Caxias do Sul/RS, 2012 

ROBERTO TCHEPELENTYKY 
(São Paulo/SP)

Sobre a parreira, o luar 
no sereno te retrata… 
E os teus olhos a brilhar: 
“Duas uvas”… cor de prata… 
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Poema de Curitiba/PR

CERES DE FERRANTE
1928 – 2016

Simples Geometria

Caminhamos em busca de um encontro…
Nossas vidas eram apenas paralelas.
A curva de nossos braços
não chegou a completar
seu círculo de ternura…
nem eram perpendiculares
nossos caminhos…
por isso permanecemos
dois pontos no infinito.
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Triverso de Guarulhos/SP

ANTONIO LUIZ LOPES TOUCHÉ

A paixão revigora, 
Faz o outono primavera 
Na hora. 
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Setilha de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Pausa na chuva. Gostei.
Aproveitam-se as florinhas
para alegres se exibirem
quais festivas menininhas.
De múltiplas cores elas,
brancas, azuis, amarelas,
auspiciosas rainhas.
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Trova de Santa Rita do Sapucaí/MG

ANTONIO SIÉCOLA MOREIRA

As paredes que sustentam
meus sonhos, meus ideais,
são tão sólidas que aguentam
os mais fortes vendavais!
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Hino de Piracicaba/SP

Autor: Newton de Almeida Mello

Numa saudade, que punge e mata
Que sorte ingrata longe daqui,
Em um suspiro, triste e sem termo,
vivo no ermo, dês que parti.

Piracicaba que eu adoro tanto,
Cheia de flores, cheia de encantos...
Ninguém compreende a grande dor que sente
o filho ausente a suspirar por ti !

Em outras plagas, que vale a sorte ?
Prefiro a morte junto de ti.
Amo teus prados, os horizontes,
o céu e os montes que vejo aqui.

Piracicaba que eu adoro tanto,
Cheia de flores, cheia de encantos...
Ninguém compreende a grande dor que sente
o filho ausente a suspirar por ti !

Só vejo estranhos, meu berço amado,
Tendo ao teu lado o que perdi...
Pouco se importam com teu encanto,
Que eu amo tanto, dês que nasci...

Piracicaba que eu adoro tanto,
Cheia de flores, cheia de encantos...
Ninguém compreende a grande dor que sente
o filho ausente a suspirar por ti !
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Saudade e Amor à Terra Natal
O 'Hino de Piracicaba - SP' é uma ode à cidade de Piracicaba, expressando um profundo sentimento de saudade e amor por essa terra natal. A letra, repleta de emoção, retrata a dor de estar longe de casa e a constante lembrança dos encantos e belezas da cidade. A saudade é descrita como algo que 'punge e mata', uma dor intensa que acompanha o eu lírico desde que partiu de Piracicaba.

A cidade é personificada como um lugar cheio de flores e encantos, um refúgio de beleza e paz que o eu lírico anseia reencontrar. A repetição do estribilho 'Piracicaba que eu adoro tanto, cheia de flores, cheia de encantos...' reforça o amor incondicional e a conexão profunda com a cidade. A letra também destaca a incompreensão dos outros em relação à dor do 'filho ausente', enfatizando a solidão e a saudade que acompanham aqueles que estão longe de sua terra natal.

Além disso, o hino contrasta a vida em outras plagas com a vida em Piracicaba, sugerindo que, apesar das oportunidades e sorte que possam existir em outros lugares, nada se compara ao conforto e à felicidade de estar em casa. A preferência pela morte junto à cidade natal em vez de viver longe dela é uma metáfora poderosa que ilustra a intensidade do amor e da saudade. A letra também critica a indiferença dos 'estranhos' em relação aos encantos de Piracicaba, ressaltando a conexão única e insubstituível que o eu lírico tem com sua cidade de origem. (https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/473057/significado.html
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Poetrix de São Paio de Oleiros/Portugal

ANTHERO MONTEIRO
(Antero Manuel Dias Monteiro)
1946 – 2022

morte

uma cadeira vazia na alameda
sentada numa tarde de outono
a olhar o meu ponto de fuga
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)

Ampulheta

Quem se concentra no volume da areia
Que se transporta ao outro lado da ampulheta,
Não sabe olhar a solidão da lua cheia
Nem vê o sangue escorrer da baioneta.
 
Quem se divide entre o sonho e a vida
Encontra tempo entre a dor e a fantasia,
Vê que é real o surgimento da ferida,
Mas faz da vida um motivo de poesia.
 
Quem exercita o amor de forma rara
Em um planeta onde a inveja vira a cara
Para o sucesso de quem crê no ser humano,
 
Sabe que o tempo da ampulheta entorpece,
Porém o tempo do amor sempre enternece
Quem sobrevoa a solidão em outro plano.
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Trova de Santos/SP

ANTONIO COLAVITE FILHO

As lágrimas das meninas,
 Deus, não podendo contê-las,
 recolhe nas mãos divinas
 e com elas faz estrelas…
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

A mosca e a formiga

Uma mosca importuna contendia (discutia)
Com a negra formiga, e lhe dizia:
«Eu ando levantada lá nos ares,
E tu por esse chão sempre a arrastares;
Em palácios estou de grande altura,
Tu debaixo da terra em cova escura.
A minha mesa é rica e delicada;
Tu róis os grãos de trigo e de cevada:
Eu levo boa vida, e tu, formiga,
Andas sempre em trabalho e em fadiga.»

A formiga lhe disse: «Tu me enfadas
Com essas tuas vãs fanfarronadas.
Que te importa que eu ande cá de rastos
Com desprezo das pompas e dos fastos?
Para amparo e abrigo não há prova
De valer mais palácio do que cova.
O palácio é do rei ou da rainha,
E não teu; mas a cova é muito minha;
Eu a fiz com a minha habilidade;
Porventura tens tal capacidade?
Para aqui. Tuas prendas afamadas
Não passam de zunir e dar picadas.
No que toca a comer, os meus bocados
Não me sabem pior que os teus guisados.
Teus lhe chamo? — os que furtas; nesta parte
Vais comigo, que eu uso da mesma arte;
Porém não vivo em ócio e em preguiça,
Como tu, lambareira, metediça;
Por isso te aborrecem e te enxotam
Com uma raiva tal, que ao chão te botam.
Fazem-me porventura esse agasalho?
Louvam-me em diligência e em trabalho:
Eu faço para inverno provimento;
Morres nele — ou por falta de alimento,
Ou por vir sobre ti algum nordeste,
Que para a tua casta é uma peste.»
(tradução: Couto Guerreiro)