domingo, 20 de julho de 2025

Asas da Poesia * 54*


Trova de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Antes: alegre e festivo
convívio de todos nós...
Hoje, o celular é o "vivo"
de alguém "dialogando a sós"!
= = = = = =

Poema de
LUCIANA SOARES
Rio de Janeiro/RJ

No caminho

Quero morar num caminho
para ouvir o teu canto com alegria.
Onde o vento roda o moinho
dia e noite, noite e dia.

Percorrer um caminho de doçura
onde pudesse acariciar teu rosto, sereno. 
Que tu sorvesses um café ao amanhecer, 
com um beijo teu e um adeus ameno. 

Encontrar um lar ao longo desse caminho, 
onde o sol sempre viesse brilhar, 
e juntos sentíssemos o calor desse amor, 
de mãos entrelaçadas ao luar. 

Queria habitar um caminho assim, 
onde, ao canto suave da cotovia, 
sorríssemos para a vida que desabrocha 
na poesia de cada novo dia. 
= = = = = = 

Trova de
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP

Vive a “página da vida”
nem que seja a “solavanco”!…
Pior é quem na “partida”,
carimba a página: “Em branco”!
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Escravo do adeus

Um lenço branco ao longe é uma constante
na solidão que eu mesmo construí,
escravo do meu ego ao seu talante;
verdugo da humildade que perdi.

No pensamento agora tão errante
vislumbro espelho frágil que parti.
Malgrado a juventude me acalante
macróbio em lassidão detenho aqui.

Foi tudo uma serpente intempestiva.
Fugimos em veredas dolorosas...
mas hoje estás feliz, muito bem viva.

Divides teu caminho com as rosas...
e eu somo à solidão a minha vida
multiplicando as mãos da despedida!
= = = = = = 

Trova de
CLÓVIS WILSON DE MATTOS ANDRADE
Senhor do Bonfim/BA

Num vai e vem incessante
sobre um solo tão estreito
saudade é eterna migrante
que nunca emigra do peito.
= = = = = = 

Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O "Adeus" de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala

E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa

E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
= = = = = = 

Quadra Popular
AUTOR ANÔNIMO

Deus não criou infelizes...
Os infelizes se fazem...
Mas quem pode interromper
o destino que eles trazem?!
= = = = = = 

Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Audaciosa

O torpor de engenhosa carícia
Dos meus olhos as nuvens desfaz
Esse toque frenético, edaz
Que fascínio, gostosa perícia!

Como quero o calor dessa audácia
O carinho enlaçando a cerviz
Bem assim os sussurros sutis
Pra minh'alma elixir de eficácia

Pura seda, arrebata-me o siso
Meu pensar viajante, impreciso
É refém da leveza da tez

Na viveza constante me aprazo
Tu fizeste mais fausto o parnaso
Sou brinquedo da tua avidez
= = = = = = 

Trova de
P. DE PETRUS
(Pedro Bandettini)
São Paulo/SP, 1920 – 1999, Rio de Janeiro/RJ

Certos olhos, já cansados
pelo tempo que passou,
lembram faróis embaçados
que o mar da vida embaçou.
= = = = = = 

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Floresta /PR

A Iara

Das águas profundas, um canto a seduzir,
Iara, sereia de beleza infinita,
com olhos de lua, faz homens sucumbir,
na dança das ondas, sua alma é bendita.

Mas cuidado, viajante, ao te aproximar,
pois seu canto é doce, mas pode enganar,
com promessas de amor, te fará naufragar,
nos braços da morte, não há como escapar.

Ela é a rainha do rio encantado,
com flores de lótus seu corpo adornado.
Enquanto as estrelas a iluminam no céu,

os homens a seguem, perdidos no véu,
e ao som de sua voz, em desespero,
se entregam ao abismo, ao doce desterro.
= = = = = = 

Trova de
ZENI DE BARROS LANA
Belo Horizonte/MG

Nas asas da inspiração,
alço voos de esperanças
e na lira da emoção,
dedilho velhas lembranças.
= = = = = = 

Soneto de 
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

O dilema

A concepção da vida, é um poema…
Que se compõe, sem nunca se escrever!
É um bailado a dois, que irá fazer,
Um musical de amor… um sonho… um tema!

Um tema transformado num dilema,
Que terão de enfrentar, de resolver!
Mais uma personagem vai haver,
Há que pôr no guião, mais uma cena!

Um corpo de mulher em movimento.
Um cântico de amor. Um nascimento.
Atores desempenhando um novo lema!

Vai ter mais um compasso, a melodia.
Vai ter mais uma estrofe, a poesia.
Mas tem final feliz, este dilema!
= = = = = = 

Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

Fiz da vida um Carnaval,
mas terminei num impasse:
- A máscara do irreal
grudou-se na minha face!
= = = = = = 

Soneto de 
THALMA TAVARES
São Simão/SP

Milagre

Eu era um deserto cinzento, sem flores
- um chão de tristeza em que não cresce a palma.
Então ela vem e me fala de amores,
e sobre o meu ermo a esperança se espalma.

Cobrindo de estrelas o ocaso sem cores,
trocando amarguras por noites de calma,
com rimas e afagos calou minhas dores,
e pôs em meu peito o candor de sua alma.

O vulgo não sabe quem é a criatura
que a mim favorece com tanta doçura,
repondo em meu ser a perdida alegria.

Os bardos já sabem do que estou falando,
mas vou concluir feito um bardo, cantando,
dizendo entre versos: - seu nome é Poesia!
= = = = = = 

TROVA FUNERÁRIA CIGANA

Descansa, esposo querido,
a par de Deus tão divino.
Pede-lhe, sim, que melhore
o meu infeliz destino.
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Ar

Aroma de vento
dorido, na brisa
sinto seu soluço.

Vidas marcadas, lançadas no tempo
sem respostas, sem ouvir desculpas,
enquanto más almas armam rebuço.
Desesperados clamam aos céus; só,
verto lágrimas. Em túmulos, debruço.
= = = = = = 

Trova de 
FRANCISCO JOSÉ MOREIRA LOPES
Maranguape/CE

O teu carinhoso abraço
alegra meu coração
e neste lindo compasso
canto uma bela canção.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Insensatez

É natural até não se esquecer
do mal que certa feita alguém nos fez;
mas não dar-lhe o perdão nos faz sofrer,
além de ser enorme insensatez.

Quem não perdoa sofre o desprazer
de um duplo padecer, pois a altivez
destrói a índole do bem-querer
e com ela a alegria de viver!

Se alguma vez alguém o contristar,
experimente logo o desculpar;
verá você que é bom não ter rancor...

Criados fomos para o amor, mormente,
e amar, por si, já é mais inteligente
conforme ensina o nosso Criador!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Cidadania é civismo, 
sobretudo é comunhão; 
é ajuda mútua, é altruísmo, 
partilha justa do pão. 
= = = = = = 

Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Oração  ao  despertar
  
Abrindo os olhos, Senhor, 
para um dia a mais viver,
vejo a Luz de Vosso amor 
abençoando meu ser.
 
Ponho-me assim na frequência 
das graças que do Alto vêm,
pronto a exercer a clemência, 
buscando fazer o bem.
 
Que a fé me tire o desânimo, 
o rancor, a impaciência;
deixe o coração magnânimo, 
facho de amor por essência.
 
Pai, que durante este dia 
eu tenha a oportunidade
de sustentar a harmonia 
e de fazer caridade.
 
Nesta jornada, que eu veja 
a todos como um irmão,
numa atração benfazeja, 
a promover compreensão.
= = = = = = 

Trova de
ADOLFO MACEDO
Magé/RJ (1935 – 1996)

Tenho minha alma sentida,
vivo sempre amargurado.
- Minha vida não tem vida,
sem tua vida ao meu lado!
= = = = = = 

Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

Sonetando

Ele começa no verso primeiro,
Passa ao segundo, de poesia farto,
E adentra afoito já pelo terceiro,
Enquanto escrevo mais um verso: o quarto!

E passo ao quinto, verso alvissareiro,
Depois ao sexto bem ligeiro eu parto,
E neste sétimo me atiro inteiro
Já que este oitavo contigo reparto.

São só catorze, e já estou no nono!
No verso dez não quero mais parar,
Pois sei que o onze vai tirar meu sono,

Mas vou ao doze, falta só um terceto...
Este não digo, pois dá muito azar
Décimo quarto: fim deste soneto!
= = = = = = 

Trova de
OLYMPIO COUTINHO
Belo Horizonte/MG

Eu não lamento a saudade, 
que a tudo invade porque 
é tão bom sentir saudade 
quando a saudade é você.
= = = = = = 

Poema de 
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964

Canção póstuma

Fiz uma canção para dar-te;
porém tu já estavas morrendo.
A Morte é um poderoso vento.
E é um suspiro tão tímido a Arte...

É um suspiro tímido e breve
como o da respiração diária.
Choro da pomba. E a Morte é uma águia
cujo grito ninguém descreve.

Vim cantar-te a canção do mundo,
mas estás de ouvidos fechados
para os meus lábios inexatos
- atento a um canto mais profundo.

E estou como alguém que chegasse
ao centro do mar, comparando
aquele universo de pranto
com a lágrima da sua face.

E agora fecho grandes portas
sobre a canção que chegou tarde.
E sofro sem saber de que arte
se ocupam as pessoas mortas.

Por isso é tão desesperada
a pequena, humana cantiga.
Talvez dure mais que a vida.
Mas à Morte não diz mais nada.
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Partiste e no Adeus... risonho,
teu bilhete sem carinho,
provou- me que o nosso sonho
eu sonhei... sempre sozinho!
= = = = = = 

Hino de 
SANTO ANDRÉ/SP

Santo André, livre terra querida,
Forja ardente de amor e trabalho,
Em teu solo semeias a vida,
Em teus lares há pão e agasalho.

Salve, salve, torrão Andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal!

Três figuras de heróis bandeirantes
Isabel, 0 Cacique e 0 Reinol
Constituíram os troncos gigantes
Das famílias paulistas de escol.

Salve, salve, torrão Andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal!

Se tu foste, no início, um castigo
Hoje és benção dos céus sobre nós.
Santo André , o teu nome bendigo,
Berço e tumba de nossos avós.

Salve, salve, torrão Andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal!

Eia, pois, a caminho da glória,
Santo André do herói quinhentista!
Tu serás para sempre na história
Marco zero da história Paulista!

Salve, salve, torrão Andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal!
= = = = = = 

Poema de 
OLIVER FRIGGIERI
Floriana/Malta

A nova estação agora és tu

A nova estação agora és tu, pomba,
Que ontem comes-te de minha mão, solitária,
Como o sol que sobre mim desliza e geme sobre ti,
Furtivamente fala-me neste silêncio
de uma mente usada que se abriu em catacumbas
Diante tu e para que caminhes descalça – entra.
Agora és um piano calado e em ti há
A melodia purpúrea que escreverá
Com as notas que tu me prometeste.  Uma poesia,
Agora tu és minha grande poesia,
As palavras que se encontram em um dicionário
E os ritmos choram, as sílabas gaguejam
Porque tu, muda és, nova solidão.
Ó, andorinha que bebes dos charcos
E conta os anéis que me agrada desenhar
Todas as tardes com o arremesso de uma pedra,
Filha das almas caladas, tu só as folheias
E lês os tristes livros do poeta.
(Tradução:  José Feldman)
= = = = = = = = = 

Trova de
RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Não temo quedas, barreiras,
por mais que a tristeza insista.
Águas que são cachoeiras
não tem lodo que resista!
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
AVE MARIA DOS NAMORADOS 
(samba-canção, 1963) 

Ave-Maria, 
rogai por nós os namorados
Iluminai, 
com vossa luz, nossos amores
Se somos nós, 
hoje ou depois, mais pecadores
Por nós rogai, 
e o nosso amor, perdoai 

Bendita sois, 
por todo o bem que me fizestes
E abençoai o amor que destes para mim
Mas não deixeis que entre nós dois   
exista mais ninguém
Que seja assim,
Até o fim,   
Amém.
= = = = = =

Aparecido Raimundo de Souza (Cena urbana)


NA RECEPÇÃO do hospital infantil da cidade, o atendente chama o próximo da fila para fazer a ficha.  

— Bom dia, minha senhora. Como chama a sua filha?

— Essa que vai consultar, aquela ali, de blusa vermelha, sentadinha. Eu chamo como todo mundo, senhor.  Pelo nome. 

— Que seja. E como a senhora chama?

— Meu nome é Mocanhimbara, sem aquela cobrinha pendurada no “c”, seu moço. 

— Senhora, o que eu quero saber é como a senhora a chama?

— Ah, eu a chamo de Ca.
 
— E o nome da sua outra filha. Só pra constar aqui. Qual é o patronímico dela?

— Como é o quê? Traduza...

— O patronímico de batismo...

— O que é patro... pato... patro o quê?

— Patronímico, senhora. O mesmo que nome, apelido, alcunha essas coisas...

— Ah, agora entendi. “Paitromínico”

O atendente, visivelmente se fecha numa cara irritada. Fala:

— Graças à Deus. Já era tempo. Repassando, pela última vez: Uma é a Ca... 

— Isso. Só Ca? A Ca é aquela sentadinha ali, de blusa vermelha...

— Só Ca... muito bem... ainda estou perdido feito cego em tiroteio, minha prezada. Não são duas para passar pelo clínico geral?

— Sim, são duas... uma é uma e a outra é a outra... as duas “forma” uma só. Aliás, a outra está lá fora com o pai. Minha princesinha está de blusa preta. 

— Meu Deus, dai me paciência. E como é o nome dessa outra?

— Dessa outra, lá fora, com o meu esposo, a de blusa preta, o nome que eu já lhe falei...

— Pode repetir, por favor?

— Sim.  

— Ca e Sandra 

— Cassandra? 

— Meu senhor. Voltando a fita: Temos duas filhas.

— Isso estou cansado de saber, senhora. Temos duas filhas... 

— Não, seu moço. Todas são de meu marido, o Nicanor. Nunca me deitei com ninguém, menos ainda com o senhor... o senhor quer que eu...

— Senhora dona Moça... Mo... pelo amor de Cristo. Eu não quis dizer isso.

— Não é moça, senhor, é Mocanhimbara, sem a cobrinha no “C”. Uma se chama Ca, e essa é a mais nova... aquela ali, de blusa vermelha, sentadinha. 

— OK, senhora. E a outra? 

— A que está lá fora? 

— Sim, minha senhora...

— A outra, a que está lá fora, a mais velha é a Sandra. Juntando as duas, dá a impressão de que é uma só: Ca Sandra. Mas como eu expliquei, meu senhor, e volto a repetir, são duas. Ca e Sandra. Lá em casa, meu marido e eu, quando chamamos as gurias, economizamos. A gente grita: Vem Ca, Sandra. O almoço está pronto. Vem Cá, Sandra, hora de fazer pipi pra dormir...

— Entendi. Fique calma. Elas são gêmeas?

— Como o senhor adivinhou. Elas “geme” muito...  nessas horas, “ninguém dormi”.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Laé de Souza (O vendedor de bonecas)


A beleza feminina, sem dúvida, abre caminho e facilita negociações. Determinados ramos utilizam-se do expediente com relativo sucesso.

Há pouco tempo, um amigo que já andava endividado confessou-me ter adquirido um veículo novo a prestações, por não conseguir fugir aos argumentos e, principalmente, à beleza de uma vendedora. E já anda quase enrascado com um consórcio.

Guilhermindo, vendedor de seguros, de quem o chefe, um machista nato, sempre chamava a atenção e lhe mostrava a planilha de vendas da colega, ferindo os brios do infeliz, sob os argumentos de como permitia que uma mulher o ultrapassasse em volume de negócios.

Ramiro, estabelecido com escritório de cobranças de cheques sem fundos, trocou todo o seu departamento jurídico por formosas donzelas que, após uma semana de treinamento, saíram a campo em busca dos emitentes dos “voadores”, que hoje são recebidos com acréscimos, sem muita dificuldade (com raríssimas exceções) e sem a emissão de um grande número de correspondências e intermináveis batalhas jurídicas.

No ramo de brinquedos, seguindo a tendência do mercado, é que Juju utilizou-se do expediente. Como esse segmento não é tão volumoso em vendas, apesar dos seus preços altos, não há como contratar terceiros. Assim, a coisa funciona na base da economia familiar e a sua linda mulher é quem oferece o produto. Enquanto o coitado carrega sacolas cheias, ela vai dois metros à frente como que numa passarela, exibindo sua beleza e o mostruário com uma dúzia de bonecas. Não há como evitar de olhar ou até de aproximar-se para, pelo menos, consultar os preços. Mulheres acompanhadas dos maridos ou namorados os arrastam para longe, fugindo como o diabo foge da cruz. Fecham a cara e se ligam nos olhares dos acompanhantes que, mesmo disfarçadamente, sempre dão uma olhadela. Creia, não dá para resistir, mesmo sob o risco de levar um beliscão ou uma bolsada da mulher.

Do meu lado, uma mulher vermelha de raiva, falava ao marido: “Me respeite. Quando estiver sozinho, faça suas cachorradas, mas quando eu estiver junto, exijo ser respeitada.” E o fulano, envergonhado, tentava disfarçar. Senhores sisudos olham de soslaio e muitos adquirem as tais bonecas. Os que só olham e recusam a oferta do produto, são intimidados pelo forte Juju que adverte: “Se não quer, então, pare de olhar.” Eu mesmo comprei duas, após demorada escolha e consulta à opinião da vendedora sobre a cor do vestido da boneca. E foi suave ouvir sua voz: “Juju, pega duas deste modelo para o cavalheiro.” Meu amigo, o tal endividado, queria comprar todo o estoque e foi duro convencê-lo a levar apenas vinte, sob forte argumentação minha ao seu ouvido de que a situação econômica dele anda mal.

Segundo comentários, Juju está na região. Se, eventualmente, seu marido chegar em casa com algumas bonecas de vestidinho bordado para lhe dar de presente, fique ligada e pode ter certeza de que a dupla está negociando na cidade.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 

Fontes:
Souza, Laé de. Coisas de Homem & Coisas de Mulher. SP: Editora Ecoarte, 2018. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Eduardo Martínez (Reveillon em Copacabana)

Esta história, confesso, hesitei contar por algum tempo. No entanto, resolvi escrever sobre o ocorrido, mesmo que isso possa ferir os sentimentos de alguns. Mas que seja, pois isso realmente aconteceu e, obviamente, não cabe a mim mudar os fatos simplesmente para agradar fulano ou sicrano. 

Lá estávamos minha esposa, a Dona Irene, e eu com alguns amigos, sentados à mesa de um bar em Copacabana. Quando o teor alcóolico já era capaz de quebrar qualquer bafômetro, chegou um outro conhecido, o Almeidinha. A minha mulher, que adora a companhia dele, puxou uma cadeira para que o nosso colega pudesse se sentar ao seu lado. 

Conversa vem, conversa vai, todos na mesa já estavam inebriados pelo humor sarcástico do Almeidinha. A Dona Irene, então, perguntou para o nosso amigo onde ele iria passar o réveillon, quando aconteceu esse pequeno interlúdio:

— Sei lá, mas não vai ser aqui!

— Não?

— Não!

— Ah, Almeidinha, Copa tem o melhor réveillon do mundo!

— Tinha! Tinha!!! - disse o Almeidinha, com o dedo indicador da mão direita erguido, quase se levantando da cadeira.

— E por que não tem mais?

— Desde que houve aquele acidente em que morreu uma pessoa, a queima de fogos deixou de ser na areia e passou a ser nas barcas. Ficou uma droga!

— Mas, Almeidinha, assim é mais seguro, evita acidentes.

— E você sabe quem morreu? 

— Não. Quem?

— Um paulista!!! Pode isso? Mudaram o réveillon carioca por causa de um paulista! Gente, que falta faz um paulista no mundo?
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

Fontes:
Blog do Menino Dudu. 02.03.2022
https://blogdomeninodudu.blogspot.com/2022/03/reveillon-em-copacabana.html
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing