quarta-feira, 13 de maio de 2009

Bruce Chatwin (13 maio 1940 – 18 janeiro 1989)


Nascido em Sheffield, Inglaterra a 13 de maio de 1940, e falecido em Nice, França, a 18 de janeiro de 1989,era um promissor especialista em arte moderna da Sotheby's de Londres quando decidiu abandonar a carreira para seguir uma vida nômade, em viagens e aventuras que relatou em vários livros. Morreu em 1989.

Bruce Chatwin, um escritor-viajante, numerava as páginas de cada caderno novo, escrevia seu nome e pelo menos dois endereços, e uma promessa de recompensa no caso de perda do seu Moleskine. “Perder meu passaporte era a menor das minhas preocupações, perder um caderno de anotações seria uma catástrofe”, dizia ele.

Chatwin, a moral em movimento
(Revista Bravo!, 01 de setembro de 2005)

É clichê dizer de um livro de não-ficção que tenha trama fluente e personagens marcantes que “se lê como romance”. Os romances do inglês Bruce Chatwin (1940-1989) se lêem como obras de não-ficção, como reportagens – de jornalismo literário, por certo – que se destacam pela quantidade e precisão das informações, pela sensação de realidade que dá ao que descreve. Isso fica muito evidente em Colina Negra, tradução de seu romance On the Black Hill, de 1983. Há um apuro visual na narrativa, uma curiosidade por todos os detalhes daquelas vidas, que um jornalista do porte de um Gay Talese assinaria com júbilo.

Não é o melhor romance de Chatwin, um especialista em arte da Sotheby’s que no início dos anos 70 abandonou seu status e, depois de também abandonar a faculdade de arqueologia, foi peregrinar pelas diversas culturas e escrever livros sobre elas, na maravilhosa tradição dos viajantes ingleses, de John Ruskin e Richard Burton, de Charles Darwin e Jan Morris, de estetas e naturalistas que fizeram da escrita seu passaporte sensível pelas fronteiras. Daí veio Na Patagônia, seu extraordinário livro sobre a busca dos fósseis de um brontossauro; O Vice-Rei de Uidá, sobre um comerciante de escravos brasileiros; e Utz, a história de um judeu em Praga que coleciona porcelanas – para citar seus três melhores livros, pela ordem de preferência, todos os quais já traduzidos pela Companhia das Letras.

Colina Negra é o relato de dois gêmeos, Lewis e Benjamin Jones, que vivem numa zona rural do País de Gales, fronteira com Inglaterra. Tal sinopse soa como um romance de Thomas Hardy, a quem, de fato, Chatwin cita, mas não espere pelos aprofundamentos psicológicos do genial autor de Tess d’Ubervilles. Chatwin percorre os 80 anos de vida dos irmãos quase como uma sucessão de vinhetas, em parágrafos curtos, sem tentar recriar diretamente os estados de ânimo, mas mostrando nas linhas e entrelinhas a influência da passagem do século sobre a vidinha daquela comunidade. Por mais que ela pretenda estar imune à história, não consegue.

Um trecho que dá boa idéia das virtudes literárias de Chatwin: “Certo dia, Lewis Jones saiu em perseguição a um carneiro fugido. Chegou a um ribeiro, próximo a uma mata de aveleiras, onde a água deslizava numa rocha. Ali havia pilhas de ossos brancos trazidos pelas enchentes de inverno. Olhando por entre as folhas, viu Rosie Fifield, de vestido azul, sentada do outro lado da ravina. Sua roupa estava secando nas moitas de tojo, e ela estava absorvida na leitura de um livro. Um menino correu até ela e colocou um botão-de-ouro sob seu queixo. ‘Por favor, Billy!’, disse ela afagando-lhe os cabelos. ‘Agora chega!’, e o menino sentou-se no chão para fazer um colar de margaridas. Lewis ficou observando-os por dez minutos, paralisado como se estivesse vendo uma raposa brincando com seus filhotes. Depois voltou para casa.” Chatwin tem um poder de descrição tamanho que primeiro sentimos o frescor de suas plantas e riachos e depois captamos o que há de travado e tenso na existência dessas pessoas; com tal contraste, com tal combinação de clima e sugestão, ele nos prende até o fim.

Há sempre um segredo nas histórias de Chatwin, um mistério tão fundamental quanto insondável, e em Colina Negra é: por que ficamos onde estamos? Os velhinhos gêmeos cresceram sem quase nunca ir a um raio de distância superior a 35 km de sua fazenda. Ora, Chatwin acreditava exatamente no oposto disso: para ele a condição humana – para citar uma expressão de um escritor que admirava, André Malraux – é o estar em movimento, libertando-se continuamente do acostumar e acomodar, pois a rotina atrofia a percepção. Por isso seu olhar se detém mais em Lewis, um sujeito rude e taciturno, que exalta a limitação de sua vida, mas simultaneamente é um admirador fanático de aviões, os quais vê cruzar o céu e apontar o invisível. Apenas o contrapõe a Benjamin, que é mais amável e tímido e exercita a imaginação de outra forma: lendo livros como os de Hardy. E um dia Benjamin é convocado para a Primeira Guerra, onde sofre humilhações: justo para ele, o mais sensível, a história abriu as portas com um chute de coturno.

Há um agudo senso de drama em Chatwin e, no entanto, ele não censura seus personagens, ainda que nos mostre uma comunidade perdida entre bebidas e missas. A chegada do automóvel, por exemplo, sinaliza o fim de um modo de existência para aquele grupo de camponeses. Chatwin, porém, não demoniza o progresso, como seria ao gosto das culturas periféricas; nos dá inclusive a brecha para pensar que, se aquelas pessoas não tivessem tanto medo do novo, poderiam lidar melhor com ele. A bela seqüência da morte de sua mãe, por exemplo, mostra ao mesmo tempo seu sofrimento e sua alienação. Ela morre segurando a mão de ambos. De manhã, os gêmeos “cobriram as colméias com crepe preto, para anunciar às abelhas que a mãe se fora”. Na noite seguinte, tomaram o “banho semanal” juntos, depois vestiram os camisões que pertenceram ao pai e foram dormir em harmonia um com o outro. Chatwin escreve: “Unidos finalmente pela memória de sua mãe, esqueceram q ue toda a Europa estava em chamas”. Esses tipos de detalhes poderosos, apresentados de maneira direta, com concisão poética, só se encontram em autores como Hemingway.

Chatwin, que morreu de Aids no sul da França, sob os cuidados da mulher, era um viajante, não um turista, e correu o planeta, do Afeganistão à Patagônia, do Nepal à Austrália, com seu “moleskine” à mão (o caderno de viagens para anotações e desenhos), e como tal estava interessado na diversidade e na história, não num modelo de sociedade que seria igual em toda parte. Mas jamais se rendeu à visão antropológica que glamouriza o estranho e relativiza todos os valores; era um humanista, amante da arte e da natureza, e não um romântico desses que se negam a aceitar que nenhum cultura é perfeitamente pura. Superou a dicotomia entre colonialistas e anticolonialistas.

Assim, embora pareça tão diferente de seus outros livros, marcados por enredos exóticos e reflexões eruditas, Colina Negra é Chatwin em essência. Seu estilo oscila entre o romance e a literatura de viagem, entre vidas interiores e cenários exteriores, e seus personagens estão sempre à procura de uma explicação única, de uma chave-mestra que acabe com os dilemas e tragam o conforto da revelação. E ela nunca vem. Como uma sonata de Chopin, da famosa cena de Na Patagônia (livro já incluído entre os Penguin Classics), sua escrita tem uma tônica melancólica, ainda que na superfície uma miríade de eventos e acentos excitem a imaginação.

Fontes:
http://www.danielpiza.com.br/interna.asp?texto=1889
http://www.companhiadasletras.com.br/20anos/autores.php3?autor=Bruce%20Chatwin
http://montalvomachado.com.br/blog/?cat=15
http://en.wikipedia.org/

Alphonse Daudet (Woodstown)



O lugar era magnífico para construir uma cidade. Seria preciso, apenas, limpar as margens do rio, abatendo uma parte da floresta, da imensa floresta virgem enraizada ali desde o nascimento do mundo. Então, abrigada em volta por colinas arborizadas, a cidade desceria até o cais de um porto magnífico, instalado na foz do Rio Vermelho, a somente quatro milhas do mar.

Assim que o governo de Washington deu a concessão, carpinteiros e lenhadores puseram-se ao trabalho; mas você nunca viu uma floresta parecida. Enganchada ao solo por todos os seus cipós, por todas as suas raízes, quando nós abatíamos de um lado, ela crescia do outro, rejuvenescendo de seus ferimentos; e cada golpe de machado fazia sair brotos verdes. As ruas, os lugares da cidade recém traçados eram invadidos pela vegetação. As paredes cresciam mais devagar do que as árvores e, assim que construídas, desabavam sob o esforço das raízes sempre vivas.

Para vencer esta resistência na qual diminuíam o ferro dos machados e dos grandes machados, fomos obrigados a recorrer ao fogo. Dia e noite uma fumaça sufocante encheu a densidade das clareiras, enquanto as grandes árvores flambavam como círios. A floresta ainda tentou lutar, retardando o incêndio com enxurradas de seiva e com a frescura sem pressa de suas folhagens. Finalmente chegou o inverno. A neve caiu como uma segunda morte sobre os grandes terrenos cheios de troncos enegrecidos, de raízes consumidas. De agora em diante, poderíamos construir.

Logo uma cidade imensa, toda em madeira como Chicago, estendia-se pelas margens do Rio Vermelho, com suas grandes ruas alinhadas, numeradas, dispostas em círculo em torno das praças, sua Bolsa, seus mercados, suas igrejas, suas escolas e toda uma aparelhagem marítima de galpões, de alfândegas, de docas, de entrepostos, de canteiros de construção para os navios. A cidade de madeira, Woodstown - como a chamávamos - foi rapidamente povoada pelos ocupantes de cidades novas. Uma atividade febril propagou-se por todos os seus bairros; porém, sobre as colinas circundantes, dominando as ruas cheias de pessoas e o porto abarrotado de navios, uma massa sombria e ameaçadora se estendia em semicírculo. Era a floresta que olhava.

Ela olhava esta cidade insolente, que havia tomado seu lugar à margem do rio, e três mil árvores gigantescas. Toda Wood'stown estava feita com sua vida. Os altos mastros que se balançavam ao longe no porto, estes telhados inumeráveis abaixados uns em direção aos outros, até a última cabana do mais afastado subúrbio, ela havia fornecido tudo, mesmo os instrumentos de trabalho, mesmo os móveis, medindo seus serviços somente pelo comprimento dos galhos. Por isso que rancor terrível ela guardava contra esta cidade de ladrões!

Enquanto o inverno durou, não nos apercebemos de coisa alguma. As pessoas de Wood'stown ouviam às vezes um estralo surdo nos seus telhados, nos seus móveis. De tempos em tempos, uma parede rachava, ou o balcão de loja partia-se em dois ruidosamente. Mas a madeira nova está sujeita a esses acidentes e ninguém dava importância a isso. Entretanto, à aproximação da primavera - uma primavera súbita, violenta, tão rica de seiva que nós sentíamos sob a terra um murmúrio de fontes - o solo começou a se agitar, soerguido por forças invisíveis e ativas. Em cada casa, os móveis, as paredes inchavam, e nós víamos sobre os assoalhos longos inchaços como com a passagem de uma toupeira. Nem portas, nem janelas, nada mais funcionava. - "É a umidade, diziam os habitantes. Com o calor, isto passará".

De repente, no dia seguinte a um grande temporal vindo do mar, que trouxera o verão nos seus relâmpagos brilhantes e na sua chuva morna, a cidade ao despertar soltou um grito de estupefação. Os telhados vermelhos dos monumentos públicos, os campanários das igrejas, o soalho das casas e até a madeira das camas, tudo estava salpicado com uma cor verde, fina como o mofo, leve como uma renda. De perto, era uma quantidade de brotos microscópicos, onde já se via o enrolamento de folhas. Essa esquisitice da chuva divertiu sem inquietar; mas, antes da noite, buquês de verdura desabrochavam por tudo, sobre móveis, sobre as paredes. Os ramos cresciam a olhos vistos; levemente retidos na mão, nós os sentíamos crescer e debaterem-se como asas.

No dia seguinte, todos os apartamentos tinham o ar de estufas. Cipós acompanhavam os corrimãos da escada. Nas ruas estreitas, galhos uniam-se de um telhado a outro, recobrindo a cidade barulhenta com a sombra das avenidas florestais. Isto se tornava inquietante. Enquanto os sábios reunidos deliberavam sobre o caso da vegetação extraordinária, a multidão comprimia-se do lado de fora para ver os diferentes aspectos do milagre. Os gritos de surpresa, o rumor assombrado de todo este povo inativo dava solenidade a este estranho acontecimento. Subitamente, alguém gritou: "Olhem para floresta" e nós percebemos com terror que em de dois dias o semicírculo verdejante aproximara-se muito. A floresta tinha o ar de descer em direção à cidade. Toda uma vanguarda de espinheiros, de cipós se alongava até as primeiras casas dos subúrbios.

Então, Woodstown começou a compreender e a ter medo. Evidentemente a floresta vinha reconquistar seu lugar à margem do rio; e suas árvores, derrubadas, dispersadas, transformadas, libertavam-se para ir a frente delas. Como resistir à invasão? Com o fogo, nós nos arriscávamos a incendiar a cidade inteira. E que podiam os machados contra esta seiva que renascia sem cessar, essas raízes monstruosas atacando embaixo o solo, essas milhares de sementes voadoras que germinavam ao se abrir e faziam crescer uma árvore por tudo onde elas caíam?

No entanto, todo mundo se pôs ao trabalho corajosamente com foices, com ancinhos, com machados; e derrubaram uma grande quantidade de ramos. Mas em vão. De hora em hora a confusão de florestas virgens, onde o entrelaçamento de cipós unia entre si brotos gigantescos, invadia as ruas de Wood'stown. A partir de agora os insetos e os répteis faziam irrupção. Havia ninhos em todos os cantos, e grandes bater de asas, e massas de pequenos bicos tagarelas. Em uma noite os celeiros da cidade foram esvaziados por todas as ninhadas recém-nascidas. Em seguida, como por ironia no meio deste desastre, borboletas de todos os tamanhos, de todas as cores, voavam sobre os cachos floridos, e as previdentes abelhas, que procuravam abrigos seguros, instalavam, nos ocos destas árvores rapidamente desenvolvidas, seus favos de mel como uma prova de duração.

Vagamente, pela onda barulhenta de ramos, escutávamos os golpes surdos dos machados e dos grandes machados; mas, no quarto dia, qualquer trabalho foi reconhecido impossível. A grama estava alta demais, densa demais. Os cipós de trepadeira se enroscavam nos braços de lenhadores, reprimindo seus movimentos. Aliás, as casas tinham se tornado inabitáveis; os móveis, carregados de folhas, haviam perdido suas formas. Os tetos desabavam, transpassados pela lança dos iúcas, o longo espinho dos mognos; e no lugar de telhados esparramava-se a imensa cúpula dos carvalhos. Acabou. Tinham de fugir.

Através da rede de plantas e de galhos de árvores, que se estreitava cada vez mais, as pessoas de Woodstown apavorados se precipitaram em direção ao rio, carregando o máximo que podiam de riquezas, de objetos preciosos. Mas que dificuldade para alcançar a margem! Não havia mais cais. Nada além de gigantescos juncos. Os canteiros marítimos, onde se guardava a madeira de construção, foram substituídos por florestas de pinheiros; e no porto, cheio de flores, os novos navios pareciam ilhotas de verdura. Felizmente havia algumas fragatas blindadas sobre as quais a multidão se refugiou e de onde ela pôde ver a velha floresta unir-se vitoriosamente à floresta nova.

Pouco a pouco as árvores confundiram suas copas e, sob o céu azul e ensolarado, a enorme massa de copas se estendeu das margens do rio ao horizonte distante. Nenhum traço da cidade, nem tos tetos, nem das paredes. De tempos em tempos um barulho surdo de desabamento, último eco da ruína, ou o golpe de machado de algum lenhador enraivecido, ressoava sob a profundidade da folhagem. Depois, nada mais que o silêncio vibrante, barulhento, sussurrante, nuvens de borboletas brancas voavam em círculos sobre a margem deserta, e, ao longe, em direção ao alto mar, um navio que fugia, com três grandes árvores verdes podadas no meio de suas velas, levando os últimos emigrantes do que fora Woodstown...

(Tradução: Ana Carolina da Costa e Fonseca)
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Fontes:
http://www.bestiario.com.br/3_arquivos/Wood.html
Imagem =
http://www.historicwoodstown.org/

Alphonse Daudet (1840 – 1897)



Alphonse Daudet (Nimes, 13 de maio de 1840 - Paris, 17 de dezembro de 1897) foi um romancista, poeta e dramaturgo francês.

Biografia

Daudet nasceu em Nimes, Provença, Departamento de Bouches-du-Rhône, filho de um fabricante de tecidos e comerciante. Fez seus estudos no liceu de Lyon, mas antes de poder acabá-los, adversidades de família o obrigaram a aceitar um lugar de vigilante no colégio de Alais, para se manter. Foi esse um dos períodos mais tristes e sombrios de sua vida, que ele relatou pateticamente num das seus mais sugestivos livros, "Le Petit Chose" (1868), páginas quase inteiramente autobiográficas, em que há muito mais realidade que fantasia.

Com a ajuda do irmão, o historiador e escritor francês Ernest Louis Marie Daudet, foi para Paris aos 18 anos, inciando sua vida literária. Seu irmão contou, no livro Mon Frère et Moi, as aventuras dos dois em Paris.

Estreou com uma coletânea de versos, Les Amoureuses, em 1858, conseguindo um emprego no Le Figaro e trabalhou (1860-1865) como secretário do Duque de Morny, ministro de Napoleão III. período em que se consagrou como poeta. Nesse mesmo ano publicou em "Le Figaro" um estudo intitulado "Les gueux de province", impregnado de viva emoção, sendo do gosto dos leitores daquele periódico e assegurando-lhe no mesmo assídua colaboração.

No ano seguinte deu à publicidade um novo volume de poesias sob o título "La double conversion", que foram também muito festejadas.

Em 1862 publicou um volume de contos, Le Roman du Chaperon Rouge. Em Paris, tornou-se íntimo de Goncourt e Emile Zola.

"Lettres sur Paris" data de 1865, e embora este livro tivesse êxito, não se pode comparar ao que alcançava pouco depois "Lettres de mon moulin" (1866), que colocou Daudet entre os grandes escritores franceses de seu tempo.

Durante a guerra franco-prussiana alistou-se no exército e participou na defesa de París (1870) quando esta esteve assediada pelas tropas prussianas. Sua experiência bélica apareceu refletida em vários trabalhos seus.

Tornou-se secretário do Duque de Morny, presidente do Senado e, por problemas de saúde, viajou pela Argélia, onde se inspirou para escrever Tartarin de Tarascon, em 1872. Fez várias tentativas no teatro, mas só teve algum sucesso com L'Arlésienne, em 1872, cujo texto seria musicado por Bizet.

"Contes du lundi" apareceu em 1873, e um anos depois, "Fromont jeune et Risler ainé", uma das suas mais belas produções, romance que foi premiado pela Academia Francesa e cujo êxito em breve transpunha as fronteiras da pátria do escritor.

Em 1876, o mais realista e comovente de seus romances, e também o mais discutido, "Jack" vem afirmar ainda mais a reputação que de grande romancista já gozava Daudet.

"Le nabab" (1877) é um excelente romance de clave, que deu muito que falar e conseguiu grande ressonância quando de sua aparição. Seguiram-se-lhe o irônico "Les rois en exil" (1879), "Numa Roumestan" (1881), "L'Évangeliste" (1883 ) , " Sapho " (1884), "Tartarin sur les Alpes" (1885), "L'immortal" (1888), "Port-Tarascon" (1890), "l,a Petite Paroise" (1895), "Soutien de famille'' (1898).

Alphonse Daudet pertenceu à Academia de Goncourt desde sua fundação. Tendo uma vez rejeitado sua candidatura à Academia Francesa, o glorioso romancista abominou aquela instituição e escreveu contra ela o romance "L'Immortal", de grande alento satírico, no qual pintou bem ao vivo certos membros daquela douta casa.

Foi pai do jornalista e também escritor Léon Daudet, um monarquista, nacionalista e anti-semita, que colaborou em jornais como o Le Figaro e o Le Gaulois, entre outros.

Os últimos anos de Daudet foram amargados por pertinaz moléstia que o arrastou prematuramente no sepulcro, quando ainda podia esperar-se muito do seu talento. Este grande escritor morreu em Paris, a 16 de dezembro de 1897, vítima de uma ataxia incurável.

Características literárias

Filiou-se à escola naturalista, produzindo uma obra variada, satírica, tirando as personagens da vida parisiense. Seu estilo é cristalino, brilhante, deixando transparecer, com freqüência, os sentimentos de paixões recalcadas.

Criou o héroi Tartarin, personagem alegre e gabola, das novelas Tartarin de Tarascon e Tartarin nos Alpes.

Foi amigo de Frédéric Mistral, e pertenceu ao grupo de escritores de língua ocidental Le Félibrige, fundado em 1854, escrevendo várias composições poéticas em provençal. A lingua provençal, ou languedoc, é o idioma falado ao sul do Loire, entre o mar, os Alpes e os Pireneus, compreendendo o provençal propriamente dito, o languedocino e o gascão. A Provença foi a pátria primeira da poesia trovadoresca, em especial na Idade Média. Além de Frédéric Mistral, Roumanille, ao qual Daudet se refere em Cartas de meu Moinho, também foi um desses poetas.

Tartarin de Tarascon

Tartarin de Tarascon é a importante obra do romancista. O livro retrata personagens da vida parisiense. Tartarin vive na pequena cidade francesa de Tarascon, onde é respeitado por seus conhecimentos teóricos sobre caçadas. Certo dia, passa por Tarascon uma exposição de animais, incluindo um leão. A atitude destemida do protagonista diante do felino faz com que toda a população o instigue a ir à África caçar leões.

Fontes:
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/AlphDaud.html
http://pt.wikipedia.org/
http://www.bestiario.com.br/3_arquivos/Wood.html
http://www.record.com.br/

terça-feira, 12 de maio de 2009

Emílio de Menezes (Trova)


A velhinha alçava a cruz…
Agonizava o Monteiro,
Ela dizia: - Jesus!…
Ele dizia:…dinheiro…

Evaristo da Veiga (Sonetos)

SONETO AO BRASIL

Minha Pátria, oh Brasil! tua grandeza
Por léguas mil imensa se dilata
Do Amazonas caudoso ao rico Prata,
Os dois irmãos sem par na redondeza:

Das tuas serranias na aspereza,
Na fechada extensão da intensa mata,
No solo prenhe d'oiro se recata
Tosca sim, mas sublime a Natureza:

Da antiga Europa os dons em ti derrama
junto dos mares a civil cultura,
Que das artes, e Indústria os frutos ama:

De teus filhos o amor mil bens te augura,
E aos lares teus a Liberdade chama:
Não: não tens que invejar maior ventura.

17 de outubro de 1821.
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SONETO AO DIA EM QUE SE DECLAROU A INDEPENDÊNCIA

Com traidoras promessas de igualdade
Mascarando mil pérfidos enganos,
Tinham tentado bárbaros tiranos
Despojar o Brasil da Liberdade.

Mas Pedro, o Nosso Herói na tenra Idade
Soube prudente desfazer seus planos:
Seu Peito Forte os iminentes danos
Afastou da horrorosa Tempestade.

Que prêmio a tantos Feitos. Neste Dia,
Em que por nos salvar do cativeiro.
À terra o Céu benéfico te envia.

O Povo, oh Pedro, Imperador Primeiro
Entre vivas Te aclama de alegria
Neste nascente Império Brasileiro.

11 de outubro de 1822.
Fonte:
VEIGA, Evaristo da. Poesias de Evaristo Ferreira da Veiga. RJ: Officinas Graphicas da Biblioteca Nacional, 1915.

Evaristo da Veiga (1799 – 1837)

Evaristo Ferreira da Veiga e Barros (Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1799 — Rio de Janeiro, 12 de maio de 1837) foi um poeta, jornalista, político e livreiro brasileiro.

Infância e adolescência

Filho de um português mestre-escola, Francisco Luís Saturnino Veiga, chegado ao Brasil aos 13 anos, soldado miliciano na paróquia de Santa Rita, no Rio de Janeiro, depois nomeado professor régio de primeiras letras na freguesia de São Francisco Xavier do Engenho Velho. Passou a professor na rua do Ouvidor, onde abriu uma loja. Andou por Vila Rica em 1788 e 1789, deve ter conhecido alguns dos inconfidentes, pois recopiou as Cartas Chilenas de Tomás Antônio Gonzaga, publicadas meio século mais tarde por seu neto Luís Francisco da Veiga. Casou com uma brasileira, D. Francisca Xavier de Barros, nascendo três filhos, dos quais Evaristo foi o segundo. Teve grande influência sobre seus filhos, sobretudo Evaristo, ótimo estudante que no Rio de Janeiro de D. João VI aprendeu francês, latim, inglês, cursou aulas de retórica e poética e estudou filosofia. Neste período adquiriu interesse por jornalismo ao visitar as oficinas da Impressão Régia, nos porões do palácio do conde da Barca.

Quando concluiu os estudos, o pai já abrira uma livraria na rua da Alfândega e os livros que trazia da Europa tinham em Evaristo o primeiro leitor, o mais curioso. Seu projeto frustrado de partir para a Universidade de Coimbra encontrou compensação na livraria do pai.

Poeta

Autor da letra do "Hino à Independência", cuja música se deve a D. Pedro I. Conta entre os precursores do Romantismo no Brasil.

Em suas poesias mais antigas se sente a influência da escola arcádica e sobretudo de Bocage. Datam de 1811, tinha 12 anos. Um ano depois, em 1812, celebra os desastres militares dos franceses em Portugal. Aos 14 anos era um poeta português que refletia no Brasil com atraso de 20 anos o movimento da Nova Arcádia em que haviam excedido Bocage, José Agostinho de Macedo, Curvo Semedo.

Em 1817 era súdito fiel de D. João VI, um luso no Rio de Janeiro: o malogro da revolução de Pernambuco o encheu de alegria. Seus versos cantaram o casamento de D. Pedro com D. Leopoldina, os anos de S. Majestade em 13 de maio de 1819, o aniversário da aclamação do rei. Diversas poesias são dedicadas a amigos, uma característica que se manterá: primou sempre nele o sentimento da amizade. Aos vinte anos começaram a aparecer Marílias, Nises, Lílias, Isbelas mas seus sonetos, cantigas e madrigais continuam arcádicos - com ligeira influência dos mineiros.

Em 1821, porém, vivia-se no Rio de Janeiro «o ano do constitucionalismo português», como afirma Oliveira Lima em O Movimento da Independência. Ninguém podia ficar indiferente. O elemento conservador, receoso de desordens, alimentava esperança de que a chegada das novas instituições não importaria em ruptura com Portugal, pois haveria uma monarquia dual, servindo a coroa como união. Era o pensamento de Evaristo da Veiga, ilusão de que participaram muitos brasileiros. Não tardaram os constitucionalistas de Portugal a demonstrar sua incompreensão das coisas do Brasil e foram aparecendo as resoluções das Cortes que tinham como propósito estabelecer a antiga submissão colonial, embora de outra forma. Foi nesse instante que nele despertou o patriota: um soneto em 17 de outubro de 1821 é intitulado O Brasil. Outro, de fevereiro de 1822, já estigmatizava «a perfídia de Portugal».

Daí em diante vibrou com o movimento que se espalhava pelo país. Em 16 de agosto de 1822, sem ser figura saliente em nenhum acontecimento, escreveu o Hino Constitucional Brasiliense, o célebre «Brava Gente Brasileira / longe vá temor servil», etc. Compôs sete hinos, no total, entoados por milhares de bocas. O «Brava Gente» recebeu duas músicas, uma do maestro Marcos Portugal, outra do próprio Príncipe Regente D. Pedro! E como Evaristo era tímido e o príncipe notoriamente melômano, logo se lhe atribuiu a letra... Só mais tarde, em 1833, Evaristo reivindicaria a letra (os originais estão na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional).

O ato da aclamação do imperador lhe inspirou três sonetos - e outros dedicou à Liberdade, à instalação da Assembléia Constituinte, a lorde Cochrane, à fuga do general Madeira. Mas teria papel obscuro e modesto nos sucessos da Independência. Seu nacionalismo era novo, faltava-lhe paixão, e ademais não tinha posição social, era um rapaz modesto e avesso a turbulências que trabalhava no balcão da livraria do pai. Em 1821, porém, assina com pseudônimo «O Estudante Constitucional» uma réplica a panfleto anônimo contra o Brasil, intitulado Carta do Compadre de Belém, impresso em Portugal.

Cedo deixou de ser um espectador desenganado da ação do imperador. 1823 era o ano da instalação da Constituinte e o de sua dissolução por um golpe de força. Em 30 de maio ele já fala no «despotismo mascarado»... Deixou de fazer sonetos, fez hinos. Ainda publicaria em 1823 Despedida de Alcino a sua Amada, pois Alcino foi seu nome poético. Mas era poeta bastante medíocre e disso teve convicção antes de que outros lhe dissessem. Sua atividade poética foi esmorecendo, subindo apenas em 1827, ano em que se casou. Sua vocação, logo descobriria estar na política, no serviço público, na imprensa, no parlamento.

Livreiro

Morreu sua mãe em 1823 e o pai, que desejava casar-se de novo, escrupuloso e exato como era, entregou aos filhos a parte que lhes tocava na herança materna. Evaristo e João Pedro, seu irmão, abriram então uma livraria. Era empreendimento lucrativo. O país se europeizava e os livros e jornais eram os agentes dessa europeização. Em 1821 no Diário do Rio de Janeiro havia anúncios de oito lojas de livros. Datam de outubro de 1823 os primeiros anúncios da loja de Evaristo («João Pedro da Veiga & Comp»), 14 dias antes de D. Pedro I dissolver a Assembléia.

Leu tudo que vendia, formou seu pensamento, fixou-se na posição da monarquia constitucional, pois a república lhe parecia um exagero e era moderado por temperamento. Vendendo livros e fazendo cada vez menos versos passou os anos até 1827, quando, economicamente independente, se separou do irmão e estabeleceu livraria própria ao comprar a livraria e tipografia de João Batista Bompard na rua dos Pescadores nº 49.

Em 1827 casou-se com D. Ideltrudes Maria d'Ascensão, começando nova vida.

Jornalista

Em 21 de dezembro de 1827 surgiu o primeiro número de seu próprio jornal, logo famoso, o A Aurora Fluminense, que exerceu importante papel na política do Primeiro Reinado por suas tendências antilusófilas.

Os fundadores foram um jovem brasileiro cedo falecido, José Apolinário de Morais, o médico francês José Francisco Sigaud e Francisco Crispiano Valdetaro. Evaristo resolveu associar-se e passou em pouco tempo de colaborador a redator principal e finalmente único. Assinava seus artigos apenas como Evaristo da Veiga.

A imprensa do Rio de Janeiro era então detestável, pasquineira. A Gazeta do Brasil era favorável ao governo, órgão ministerial, defendendo o Gabinete de 15 de janeiro de 1827, e quem enviava seus artigos, como depois se descobriria, era Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, oficial do Gabinete Imperial, íntimo e detestável amigo de D. Pedro I. A Gazeta chamava A Aurora Fluminense de fedorenta sentina da demagogia e do jacobinismo, a Astréa de João Clemente Vieira Souto de insolente e demagógica, O Universal de Ouro Preto, de inspiração de Bernardo Pereira de Vasconcelos, de jacobino e anárquico.

Os fundadores de A Aurora Fluminense queriam linguagem imparcial, guiada pela razão e virtude, e havia para servir à liberdade constitucional um Evaristo da Veiga, imbuído de leituras francesas e inglesas, com o sonho de ver adotadas as instituições que seus autores prediletos preconizavam como indispensáveis à grandeza das nações. Uma quadrinha de versos pífios, composta por D. Pedro I, foi seu lema:

Pelo Brasil dar a vida / Manter a Constituição / Sustentar a Independência / É a nossa obrigação.

E foi seu programa o devotamento ao país, o respeito pela sua liberdade, a manutenção de sua Constituição. Os seus temas, no jornal, foram a liberdade constitucional, o sistema representativo, a liberdade de imprensa. Por isso deu apoio ao Gabinete de 20 de novembro de 1827. Mas havia assuntos de momento em que tocou, como o descalabro da instrução, a questão do crédito público. Combatia a indiferença em matéria política, sobretudo, a mais funesta de todas as enfermidades morais. Havia a mesma pregação em outros jornais liberais (o Farol, O Astro, de Minas, a Astréa), combatidos pelos jornais corcundas. Batia-se pela abolição dos morgados, extinção da Intendência de Polícia, da Fisicatura, do Desembargo, da Mesa da Consciência e da Ordem, instituições obsoletas. A oposição dos ministérios excluía escrupulosamente a pessoa do monarca, a quem tratava com deferência e até louvava. Ainda não desesperançados do imperador, os liberais queriam estimulá-lo. O imperador, porém, é que parecia ir-se distanciando do herói brasileiro que fora em 1822 e voltar-se mais para Portugal do que para o Brasil, comenta Octavio Tarquinio de Sousa. A separação entre a corrente nativista liberal e o imperador aumentou sempre, a sessão parlamentar de 1829 seria da maior agitação, o governo sempre acusado. A Aurora era o mais autorizado reduto da oposição governamental, e sua popularidade - e a de Evaristo - crescia sempre.

Quando do atentado ao jornalista Luís Augusto May, redator da A Malagueta, órgão liberal, repetição do que fora vítima em 1823, sem temor a que lhe sucedesse o mesmo, Evaristo condenou-o energicamente e continuou impassível em suas campanhas. Estavam do seu lado a Astréa, a Luz Brasileira - e do lado ministerial, o Diário Fluminense, O Analista, o Courrier du Brésil, o Jornal do Commercio. A federação era moda, havia gente que queria ir até a República. De seu lado não viriam provocações, pois em artigo de 9 de dezembro de 1829 escreveu: Nada de jacobinismos de qualquer cor que ele seja. Nada de excessos. A linha está traçada - é a da Constituição. Tornar prática a Constituição que existe sobre o papel deve ser o esforço dos liberais.

Político

Em 1830 foi eleito deputado por Minas Gerais, tendo sido reeleito até morrer. Era nome conhecido no Brasil inteiro. Deputado, continuou jornalista e foi sempre livreiro.

Aproximava-se de Bernardo Pereira de Vasconcelos, pela coincidência da posição ideológica. Na nova Câmara abundavam adeptos do liberalismo e para formar a opinião liberal do Brasil ninguém concorrera mais que Evaristo, que jamais assinara um artigo sequer, e a Aurora Fluminense, que em 1830 fora aumentada para seis páginas. Sem nunca ter saído do Rio de Janeiro, recebeu seu mandato de deputado por Minas Gerais, substituindo Raimundo José da Cunha Matos, que optara pela cadeira de Goiás. Em seu mandato tentou pôr as instituições monárquicas a serviço do grande problema brasileiro - a unidade do vasto país. Cumpria cuidar dos interesses mais vitais do povo, fomentar a indústria, sanear zonas quase inabitáveis, difundir a instrução. Batia-se pelo estreitamento das relações com as demais nações americanas, desconfiando das da Europa. Sempre assíduo, queria que os assuntos fossem discutidos com calma, nas Comissões, longe do tumulto do plenário. Opunha-se às liberalidades à custa do Tesouro: «Devemos desgostar antes aos afilhados do que à nação», dizia. Falava pouco, sem retórica, indo direto ao assunto sem divagações. Tinha qualidades raras como deputado: senso de proporções, espírito objetivo, modéstia patriótica.

Quando, trabalhado por intrigantes, D. Pedro I demitiu inopinadamente Barbacena da Fazenda, com os desenvolvimentos que se conhecem, os mais otimistas se foram convencendo de que o Brasil nunca seria um país livre com semelhante imperador. Precisamente nesse clima caiu como um raio a noticia da revolução de julho de 1830 na França, derrubando Carlos X, e recrudesceu a campanha na imprensa em favor das idéias liberais. Surgiu no Rio o jornal O Repúblico, e nenhum teria papel mais ativo para desencadear a crise. Pregava-se abertamente a federação, querendo mesmo a Nova Luz uma ´federação democrática´. Evaristo combatia-os e ao mesmo tempo os órgãos absolutistas: o Imparcial, o Diário Fluminense, o Moderador, em posição difícil de equidistância. Mas a agitação popular se alastrava. D. Pedro, mal aconselhado, resolveu ir a Minas Gerais, onde foi friamente recebido. Diz Octávio Tarquínio de Sousa que «já se apagara da imaginação popular a figura romântica do príncipe que fora o melhor instrumento da Independência

Evaristo enfrentou com destemor os dias de atentados que precederam o Sete de Abril. Foi ele o autor da representação enérgica de 17 de março de 1831 na chácara da Flora, propriedade do padre José Custódio Dias, um verdadeiro ultimato ao imperador. P. Pedro I, que chefiava em Portugal a campanha constitucionalista, se foi no Brasil distanciando de suas atitudes liberais de 1822 e a ele se foram chegando cada vez mais os portugueses aqui residentes, sendo então abandonado pelos próprios elementos moderados da política brasileira. Já estavam conspirando Evaristo, Odorico Mendes, Nicolau de Campos Vergueiro e esforçando-se por conseguir a adesão da tropa. «O dia 6 de abril seria de fato a verdadeira data revolucionária em que se verificaria a insurreição da tropa e do povo no Campo de Santana; a 7 de abril apenas se completaria a vitória liberal com a abdicação do monarca

Evaristo anuiu ao golpe quando se esgotaram as possibilidades de uma solução menos violenta, como ele próprio declarou num discurso em 12 de maio de 1832 na Câmara. Aderiu para evitar a anarquia, o desmembramento, a desunião das províncias. Evaristo correu ao Senado para dar forma legal à nova situação por meio da reunião extraordinária que elegeu a Regência provisória (o marquês de Caravelas, Nicolau de Campos Vergueiro, o brigadeiro Francisco de Lima e Silva). Coube-lhe redigir a proclamação, e o documento, nobre, nacionalizava a independência e pedia não macular a vitória com excessos. Terminava: «Do dia 7 de abril de 1831 começou a nossa existência nacional; o Brasil será dos brasileiros, e livre

Aberta a Câmara a 3 de maio, Evaristo foi escolhido para a Comissão de criação da Guarda Nacional, a ´força cidadã´, como ele chamava, que teria o importante papel de manter a ordem em todo o período regencial. Elegeu-se a 17 de junho de 1831 a primeira Regência permanente, sendo escolhidos Francisco de Lima e Silva, Costa Carvalho e João Bráulio Muniz, este representando o Norte. Evaristo teve imenso papel na elaboração da lei que a regulou.

A Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional

Ao mesmo tempo, empenhou-se pela criação de um outro instrumento de ordem, de disciplina social, de orientação política, que foi a Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, instalada no Rio de Janeiro a 19 de maio de 1831. Inspirava-se em sua congênere paulista e teve por iniciador Antônio Borges da Fonseca, o redator de O Repúblico. Evaristo se tornou seu adepto mais fervoroso e de 1831 a 1835 a Aurora Fluminense, a tribuna da Câmara e a Sociedade se tornaram seu centro de ação diária.

Foi instrumento de ação dos moderados, e se disse, com algum exagero, que ´governou o Brasil pelo espaço de quatro anos´. Abreu Lima em História do Brasil acha que «foi em realidade outro Estado no Estado, porque sua influência era a que predominava no gabinete e nas Câmaras; e sua ação, mais poderosa que a do governo, se estendia por todos os ângulos do Império.» O grande elemento de ação da ´Defensora´ foram as representações à Câmara, ao governo, publicadas nos jornais do partido moderado desde 1º de junho de 1831.

Evaristo vinculou-se também a diversas outras sociedades e agremiações, animando-as, procurando colocá-las sob sua orientação política. Foi um dos fundadores da Sociedade de Instrução Elementar, da Sociedade Amante da Instrução, da Sociedade Filomática do Rio de Janeiro. Sua luta foi incansável, em época propícia aos excessos, pois não era o simplista que acredita no milagre das leis. Joaquim Nabuco dele dirá, em Um Estadista do Império, que quis exercer no Brasil a ditadura de sua opinião - uma opinião lúcida, desinteressada, de bom senso, serenidade e medida de proporções.

Os Andradas haviam-se logo alistado entre os descontentes,Evaristo se tornou alvo de ataques e calúnias. Em julho de 1831 era profunda a divisão dos liberais. Nomeado Feijó para a Justiça, recebeu todo o apoio de Evaristo, na Câmara e pela Aurora Fluminense mas havia grandes embaraços ao governo com a indisciplina militar, a separação entre exaltados e moderados. Evaristo era já, por consenso, o chefe do partido moderado. Formigavam apodos: ´Farroupilhas´ e ´jurujubas´ seriam os exaltados, ´chimangos´ ou ´chapéus redondos´ os moderados, ´caramurus´ os restauradores. Era moço, tinha 32 anos. A Malagueta o achava feio e menoscabava sua profissão de livreiro.

A partir de 1832 os restauradores pareciam mais perigosos do que os exaltados, o Carijó e o Caramuru iniciaram ofensiva contra o governo. Uma grave crise foi a campanha de Feijó para destituir José Bonifácio da tutoria dos filhos do imperador, cujo desfecho se daria com o malogrado golpe de 30 de julho de 1832. Membro da comissão de resposta à Fala do Trono, Evaristo fez um de seus mais longos discursos, quase de improviso, eloquente. Serviu-se também da Aurora Fluminense, enquanto o Carijó obediente a Antônio Carlos o chamava de «sanefa da Pátria, sabugo versicolor da Aurora». Em julho, a Câmara aprovou a destituição de José Bonifácio de seu posto como tutor, muito comprometido com o faciosismo dos irmãos, mas o Senado não, e Feijó pediu demissão. Os moderados já viam D. Pedro I de novo sentado no trono... Ficou decidido o golpe de Estado tramado na chácara do Padre José Custódio Dias, mas Evaristo não teve nenhuma iniciativa, nenhum entusiasmo, não deu seu assentimento nem adesão formal - instava, entretanto, por uma ´medida salvadora´ e demonstrou sua solidariedade completa, irrestrita a Feijó. Malogrado o golpe, Feijó e outros ministros saíram do governo e a Regência continuou - o bastão de líder escapou de suas mãos. No novo ministério organizado a 3 de agosto de 1832 não havia amigos seus. O Carijó chegou a escrever: "Evaristo está morto".

A reforma constitucional e a eleição de Feijó

A 30 de julho de 1832 a Aurora Fluminense publicou: " Evaristo é o mesmo homem, deputado livre, jornalista defensor da ordem púbica e homem da classe industriosa, vivendo do seu trabalho. Nunca aspirou nem procurou o poder." A 13 de setembro, Evaristo exultava com o novo ministério com Vergueiro e Honório Hermeto, e neste tinha Feijó um substituto... Voltavam ao poder os moderados e do malogro do golpe de 30 de julho resultaria a vitória do ideal que o alimentara: houve acordo para reforma constitucional que foi consubstanciada na lei de 12 de outubro de 1832. A Câmara cedeu, cedeu o Senado, o Poder Moderador foi mantido, a vitaliciedade do Senado, não prevaleceu o cunho federalista que a Câmara desejava mas o Conselho de Estado foi abolido.

Sofreu um atentado em sua livraria mesmo, a 8 de novembro de 1832. Recebeu mais de mil visitantes, desde os regentes, ministros de Estado, senadores, ao povo miúdo. Atentado de um pobre sapateiro a mando de um certo coronel Ornelas, amigo de José Bonifácio. Evaristo confessou suspeitar mais do Sr. Martim Francisco, "cuja alma rancorosa todos conhecem". O certo é que os jornais restauradores, particularmente o Caramuru, tinham seu quinhão de culpa na formação do ambiente de ódios. Em 1833 recrudesceu a campanha da imprensa, empenhada nas eleições para a legislatura 1834-1837 pois a Câmara tinha poderes para realizar a reforma constitucional. Reapareceram jornais antigos como o Brasileiro, e o Nacional, surgiram novos como o Independente, o Sete de Abril, das simpatias de Bernardo Pereira de Vasconcelos. Mas os moderados já não tinham o prestígio anterior, a campanha caramuru causara impressão - exceto na zona rural. Eram os chamados ´eleitores do campo´.

Todo o ano 1833 se consumiu na expectativa do retorno do duque de Bragança... Evaristo, convencido de que a trama restauradora era sério perigo, combateu-a, usando a Defensora, e chefiou mesmo a campanha que impediu a volta de D. Pedro, sob qualquer título, e clamava pela suspensão de José Bonifácio do lugar de tutor como ´centro e instrumento dos facciosos´. Com sua queda, passou o momento de maior tensão, tudo prometia melhorar.

A 14 de junho de 1833 entrou em discussão o projeto de reforma da Constituição. Discutiu-se inicialmente a quem competia, e a opinião de Evaristo - a competência era da Câmara - foi aprovada por enorme maioria. Depois de Bernardo Pereira de Vasconcelos, seu autor, ninguém mais do que Evaristo estudou o projeto. Declarou inicialmente que, por seu voto, não se tocaria na Constituição - mas cedia à opinião geral, às aspirações autonomistas das províncias, sem esquecer os interesses superiores da unidade nacional. Foi voto vencido na questão da temporariedade da função de Regente pois a Câmara mostrou-se mais liberal que ele, Limpo de Abreu, Paula Araújo e Vasconcelos e quase estabeleceu no Brasil uma verdadeira república provisória.

A facilidade com que se votou a reforma tinha explicação no temor à volta de D. Pedro I. Quando o ex-imperador morreu em 24 de setembro (a notícia chegou ao Rio em dezembro de 1834), a desagregação dos moderados se processou com rapidez pois nunca houve coesão partidária. Evaristo o julgou com serenidade: "não foi um príncipe de ordinária medida, existia nele o germe de grandes qualidades, que defeitos lamentáveis e uma viciosa educação sufocaram em parte. (...) Se existimos como corpo de nação livre, se a nossa terra não foi retalhada em pequenas repúblicas inimigas, onde só dominasse a anarquia e o espírito militar, devemo-lo muito à resolução que tomou de ficar entre nós, de soltar o primeiro grito de nossa Independência."

A situação política do Brasil dava sinais de persistência de divisão e indisciplina. No Rio Grande do Sul começara a guerra que ia durar dez anos, havia relução no Pará. A grande questão era a escolha do Regente único, de acordo com o Ato Adicional. O candidato de Evaristo foi Feijó, pois dele não via os defeitos e o que temia era a desordem, a anarquia, que prometia a candidatura Holanda Cavalcanti, tido como arrebatado e frenético. Fez a campanha com as mesmas agrúrias anteriores, destemido, sereno, até que a 7 de abril de 1835 votaram em todo o Brasil os eleitores, que eram seis mil, cada um com direito a sufragar dois nomes. Com as dificuldades de comunicação, os resultados chegaram morosamente - feita a apuração final a 9 de outubro, Feijó ficou em primeiro lugar (2.826 votos), Holanda Cavalcanti em segundo (2.251). Com maioria na Câmara, o «partido holandês» tentaria ainda fazer de D. Januária regente, mas nada conseguiu.

O fim da Aurora Fluminense

A eleição de Feijó foi a última demonstração do prestígio de Evaristo da Veiga. Estava afastado de Bernardo Pereira de Vasconcelos, de Honório Hermeto, de Rodrigues Torres, era combatido pelos caramurus e ainda teve a amargura de desavir-se com Feijó, regente único - por culpa sua, pensavam todos.

Em 30 de dezembro de 1835 saiu o último número de seu jornal, com oito anos de existência. Recolhia-se a uma vida que desejava tranquila, com as três filhas e a mulher. Mas não se retirou da vida pública, pois em 1836 compareceu normalmente à Câmara. Depois decidiu fechar por uns tempos sua casa na rua dos Barbonos, hoje rua Evaristo da Veiga, e em novembro partiu para Campanha, onde vivia um irmão. Voltou ao Rio a 2 de maio de 1837. Visitou Feijó, foi para cama presa de violenta ´febre perniciosa´, como diagnosticaram os médicos. Morreu a 12 de maio, repentinamente, aos 37 anos.

Apreciação

Contribuiu decisivamente para a defesa das instituições públicas, além de trabalhar para o desenvolvimento intelectual e artístico, estimulando jovens escritores.

Segundo Octávio Tarquínio de Sousa: «Sua influência nos acontecimentos políticos se fez sentir desde o aparecimento da Aurora Fluminense e ninguém mais do que ele concorreu para criar o ambiente liberal que caracterizaria os primeiros anos da Regência. (...) Evaristo não fez mais do que conformar-se com a revolução, aceitá-la como uma fatalidade.» Caixeiro sem ancestrais ilustres, gordo e deselegante, sem a ajuda de poderosos, sem dons de sedução, que nunca esteve em qualquer universidade, sem deixar o Rio, sem mencionar seu nome do jornal que escrevia, foi eleito e reeleito deputado, assumindo papel de guia e conselheiro- sem improvisação, sem imposturas. Foi jornalista, deputado, político, orientando a opinião do país porque tinha um espírito sério, probidade moral, sinceridade e, sobretudo, uma inteligência lúcida, desapego aos altos cargos, um grande desejo de servir e de ser útil.

Acadêmico

Membro do Instituto Histórico de França e da Arcádia de Roma. Patrono da cadeira nº 10 da Academia Brasileira de Letras, por escolha de seu fundador, Rui Barbosa.

Obras:
Hinos patrióticos (1877); Poesias (1915);O homem e a América (1832); redator da Aurora Fluminense, Rio de Janeiro, 1827-1835.

Fontes:
ASLAN, Nicola. Pequenas Biografias de Grandes Maçons Brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Maçônica, 1973.
Academia Brasileira de Letras.
http://pt.wikipedia.org/

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Fernando Pessoa (Lâmpada deserta)

LÂMPADA deserta,
No átrio sossegado.
Há sombra desperta
Onde se ergue o estrado.

Na estrada está posto
Um caixão floral.
No átrio está exposto
O corpo fatal.

Não dizem quem era
No sonho que teve.
E a sombras que o espera
É a vida em que esteve.
------
Fonte:
PESSOA, Fernando. Poesias. Portal Domínio Público.

Mais sobre Trovadorismo


A época do trovadorismo abrange as origens da Língua Portuguesa, a língua galaico-portuguesa (o português arcaico) que compreende o período de 1189 a 1418. Portugal ocupava-se com as Cruzadas, a luta contra os mouros, e estava marcado pelo teocentrismo (universo centrado em Deus, a vida estava voltada para os valores espirituais e a salvação da alma) e pelo sistema feudal (sistema econômico e político, entre senhores e vassalos ou servos), já enfraquecido, em fase de decadência. Quando finalmente a guerra chega ao fim, começam manifestações sociais de período de paz, entre elas a literatura, e em torno dos castelos feudais também desenvolveu-se um tipo de literatura que redimensiona a visão do mundo medieval e aponta para novos caminhos, essa manifestação literária é o Trovadorismo.

Os poetas e cronistas dessa época eram chamados de trovadores, pois no norte da França, o poeta recebia o apelativo trouvère (em Português: trovador), cujo radical é: trouver (achar), dizia-se que os poetas “achavam” sua canção e a cantavam acompanhados de instrumentos como a cítara, a viola, a lira ou a harpa. Os poemas produzidos nessa época eram feitos para serem cantados por poetas e músicos. Os trovadores tinham grande liberdade de expressão, entravam em questões políticas e exerceram destacado papel social. O primeiro texto escrito em português foi criado no século XII (1189 ou 1198) era a “Cantiga da Ribeirinha”, do poeta Paio Soares de Taveirós, dedicada a D. Maria Paes Ribeiro, a Ribeirinha. As poesias trovadorescas estão reunidas em cancioneiros ou Livros de canções, são três os cancioneiros: Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Vaticana e Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (Colocci-Brancuti), além de um quarto livro de cantigas dedicadas à Virgem Maria pelo rei Afonso X, o Sábio. Surgiram também os textos em prosa de cronistas como Rui de Pina, Fernão Lopes e Eanes de Azuraram e as novelas de cavalaria, como A Demanda do Santo Graal.

Tipos de Cantiga.

Os primórdios da literatura galaico-portuguesa foram marcados pelas composições líricas destinadas ao canto.

Essas cantigas dividiam-se em dois tipos:

Refrão, caracterizadas por um estribilho repetido no final de cada estrofe,

Mestria, que era mais trabalhada, sem algo repetitivo.

Essas eram divididas em temas, que eram: Cantigas de Amor, Amigo e de Escárnio e Maldizer.

Mas com o surgimento dos textos em prosa e novelas de cavalaria, houve uma nova “classificação”, que deixou dividido em:

Lírico Amorosa, subdividida em: cantiga de amor e cantiga de amigo.

Satírica, de escárnio e maldizer.

Temas

Cantiga de Amor

Quem fala no poema é um homem, que se dirige a uma mulher da nobreza, geralmente casada, o amor se torna tema central do texto poético. Esse amor se torna impraticável pela situação da mulher. Segundo o homem, sua amada seria a perfeição e incomparável a nenhuma outra. O homem sofre interiormente, coloca-se em posição de servo da mulher amada. Ele cultiva esse amor em segredo, sem revelar o nome da dama, já que o homem é proibido de falar diretamente sobre seus sentimentos por ela (de acordo com as regras do amor cortês), que nem sabe dos sentimentos amorosos do trovador. Nesse tipo de cantiga há presença de refrão que insiste na idéia central, o enamorado não acha palavras muito variadas, tão intenso e maciço é o sofrimento que o tortura.

São cantigas que espelham a vida na corte através de forte abstração e linguagem refinada.

Cantiga de Amigo

O trovador coloca como personagem central uma mulher da classe popular, procurando expressar o sentimento feminino através de tristes situações da vida amorosa das donzelas. Pela boca do trovador, ela canta a ausência do amigo (amado ou namorado) e desabafa o desgosto de amar e ser abandonada, em razão da guerra ou de outra mulher. Nesse tipo de poema, a moça conversa e desabafa seus sentimentos de amor com a mãe, as amigas, as árvores, as fontes, o mar, os rios, etc. É de caráter narrativo e descritivo e constituem um vivo retrato da vida campestre e do cotidiano das aldeias medievais na região.

Cantigas de escárnio e de maldizer

Esse tipo de cantiga procurava ridicularizar pessoas e costumes da época com produção satírica e maliciosa.

As cantigas de escárnio são críticas, utilizando de sarcasmo e ironia, feitas de modo indireto, algumas usam palavras de duplo sentido, para que, não entenda-se o sentido real.

As de maldizer, utilizam uma linguagem mais vulgar, referindo-se diretamente a suas personagens, com agressividade e com duras palavras, que querem dizer mal e não haverá outro modo de interpretar.

Os temas centrais destas cantigas são as disputas políticas, as questões e ironias que os trovadores se lançam mutuamente.

As novelas de cavalaria - Surgiram derivadas de canções de gesta e de poemas épicos medievais. Refletiam os ideais da nobreza feudal: o espírito cavalheiresco, a fidelidade, a coragem, o amor servil, mas estavam também impregnadas de elementos da mitologia céltica. A história mais conhecida é A Demanda do Santo Graal, a qual reúne dois elementos fundamentais da Idade Média quando coloca a Cavalaria a serviço da Religiosidade. Outras novelas que também merecem destaque são "José de Arimatéia" e "Amadis de Gaula".

Autores (Trovadores)

Os mais conhecidos trovadores foram: João Soares de Paiva, Paio Soares de Taveirós, o rei D. Dinis, João Garcia de Guilhade, Afonso Sanches, João Zorro, Aires Nunes, Nuno Fernandes Torneol.

Mas aqui falaremos apenas sobre alguns.

Paio Soares Taveirós
Paio Soares Taveiroos (ou Taveirós) era um trovador da primeira metade do século XIII. De origem nobre, é o autor da Cantiga de Amor A Ribeirinha, considerada a primeira obra em língua galaico-portuguesa.

D. Dinis
Dom Dinis, o Trovador, foi um rei importante para Portugal, sua lírica foi de 139 cantigas, a maioria de amor, apresentando alto domínio técnico e lirismo, tendo renovado a cultura numa época em que ela estava em decadência em terras ibéricas.

D. Afonso X
D. Afonso X, o Sábio, foi rei de Leão e Castela. É considerado o grande renovador da cultura peninsular na segunda metade do século XIII. Acolheu na sua corte e trovadores, tendo ele próprio escrito um grande número de composições em galaico-português que ficaram conhecidas como Cantigas de Santa Maria. Promoveu, além da poesia, a historiografia, a astronomia e o direito, tendo elaborado a General Historia, a Crônica de España, Libro de los Juegos, Las Siete Partidas, Fuero Real, Libros del Saber de Astronomia, entre outras.

D. Duarte
D. Duarte foi o décimo primeiro rei de Portugal e o segundo da segunda dinastia. D. Duarte foi um rei dado às letras, tendo feito a tradução de autores latinos e italianos e organizando uma importante biblioteca particular. Ele próprio nas suas obras mostra conhecimento dos autores latinos.
Obras: Livro dos Conselhos; Leal Conselheiro; Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela.

Fernão Lopes
Fernão Lopes é considerado o maior historiógrafo de língua portuguesa, aliando a investigação à preocupação pela busca da verdade. D. Duarte concedeu-lhe uma tença anual para ele se dedicar à investigação da história do reino, devendo redigir uma Crônica Geral do Reino de Portugal. Correu a província a buscar informações, informações estas que depois lhe serviram para escrever as várias crônicas (Crônica de D. Pedro I, Crônica de D. Fernando, Crônica de D. João I, Crônica de Cinco Reis de Portugal e Crônicas dos Sete Primeiros Reis de Portugal). Foi “guardador das escrituras” da Torre do Tombo.

Frei João Álvares
Frei João Álvares a pedido do Infante D. Henrique, escreveu a Crônica do Infante Santo D. Fernando. Nomeado abade do mosteiro de Paço de Sousa, dedicou-se à tradução de algumas obras pias: Regra de São Bento, os Sermões aos Irmãos do Ermo atribuídos a Santo Agostinho e o livro I da Imitação de Cristo.

Gomes Eanes de Zurara
Gomes Eanes de Zurara, filho de João Eanes de Zurara. Teve a seu cargo a guarda da livraria real, obtendo em 1454 o cargo de “cronista-mor” da Torre do Tombo, sucedendo assim a Fernão Lopes. Das crônicas que escreveu destacam-se: Crônica da Tomada de Ceuta, Crônica do Conde D. Pedro de Meneses, Crônica do Conde D. Duarte de Meneses e Crônica do Descobrimento e Conquista de Guiné.

Algumas cantigas:
CANTIGA DE AMOR

No mundo non me sei parelha,
Mentre me for’como me vay
Ca já moiro por vos – e ay!
Mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraya
Quando vus eu vi em saya!
Mao dia me levantei,
Que vus enton non vi fea!
E, mia senhor, des aquel di’ ay!
Me foi a mi muyn mal,
E vos, filha de don Paay
Moniz, e bemvus semelha
D’aver eu por vos guarvaya
Pois eu, mia senhor d’alfaya
Nunca de vos ouve, nem ei
Valia d’ua correa.

CANTIGA DE AMIGO

- Ai flores, ai flores do verde pino,
Se sabedes novas do meu amigo?
Ai, Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
Se sabedes novas do meu amado?
Ai, Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo, Aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai, Deus, e u é?

CANTIGA DE ESCÁRNIO

Conheceis uma donzela
Por quem trovei e a que um dia
Chamei dona Berinjela?
Nunca tamanha porfia
Vi nem mais disparatada.
Agora que está casada
Chamam-lhe Dona Maria.
Algo me traz enojado,
Assim o céu me defenda:
Um que está a bom recato
(negra morte o surpreenda
e o Demônio cedo o tome!)
quis chamá-la pelo nome
e chamou-lhe Dona Ousenda.
Pois que se tem por formosa
Quanto mais achar-se pode,
Pela Virgem gloriosa!
Um homem que cheira a bode
E cedo morra na forca
Quando lhe cerrava a boca
Chamou-lhe Dona Gondrode.
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Rubem Fonseca (Aniversário de Nascimento)

Fotomonatgem = José Feldman

Rubem Fonseca (O Outro)

Gustav Courbet(auto-retrato:O Homem Desesperado)

Eu chegava todo dia no meu escritório às oito e trinta da manhã. O carro parava na porta do prédio e eu saltava, andava dez ou quinze passos, e entrava.

Como todo executivo, eu passava as manhãs dando telefonemas, lendo memorandos, ditando cartas à minha secretária e me exasperando com problemas. Quando chegava a hora do almoço, eu havia trabalhado duramente. Mas sempre tinha a impressão de que não havia feito nada de útil.

Almoçava em uma hora, às vezes uma hora e meia, num dos restaurantes das proximidades, e voltava para o escritório. Havia dias em que eu falava mais de cinqüenta vezes ao telefone. As cartas eram tantas que a minha secretária, ou um dos assistentes, assinava por mim. E, sempre, no fim do dia, eu tinha a impressão de que não havia feito tudo o que precisava ser feito. Corria contra o tempo. Quando havia um feriado, no meio da semana, eu me irritava, pois era menos tempo que eu tinha. Levava diariamente trabalho para casa, em casa podia produzir melhor, o telefone não me chamava tanto.

Um dia comecei a sentir uma forte taquicardia. Aliás, nesse mesmo dia, ao chegar pela manhã ao escritório surgiu ao meu lado, na calçada, um sujeito que me acompanhou até a porta dizendo "doutor, doutor, será que o senhor podia me ajudar?". Dei uns trocados a ele e entrei. Pouco depois, quando estava falando ao telefone para São Paulo, o meu coração disparou. Durante alguns minutos ele bateu num ritmo fortíssimo, me deixando extenuado. Tive que deitar no sofá, até passar. Eu estava tonto, suava muito, quase desmaiei.

Nessa mesma tarde fui ao cardiologista. Ele me fez um exame minucioso, inclusive um eletrocardiograma de esforço, e, no final, disse que eu precisava diminuir de peso e mudar de vida. Achei graça. Então, ele recomendou que eu parasse de trabalhar por algum tempo, mas eu disse que isso, também, era impossível. Afinal, me prescreveu um regime alimentar e mandou que eu caminhasse pelo menos duas vezes por dia.

No dia seguinte, na hora do almoço, quando fui dar a caminhada receitada pelo médico, o mesmo sujeito da véspera me fez parar pedindo dinheiro. Era um homem branco, forte, de cabelos castanhos compridos. Dei a ele algum dinheiro e prossegui.

O médico havia dito, com franqueza, que se eu não tomasse cuidado poderia a qualquer momento ter um enfarte. Tomei dois tranquilizantes, naquele dia, mas isso não foi suficiente para me deixar totalmente livre da tensão. À noite não levei trabalho para casa. Mas o tempo não passava. Tentei ler um livro, mas a minha atenção estava em outra parte, no escritório. Liguei a televisão mas não consegui aguentar mais de dez minutos. Voltei da minha caminhada, depois do jantar, e fiquei impaciente sentado numa poltrona, lendo os jornais, irritado.}

Na hora do almoço o mesmo sujeito emparelhou comigo, pedindo dinheiro. "Mas todo dia?", perguntei. "Doutor", ele respondeu, "minha mãe está morrendo, precisando de remédio, não conheço ninguém bom no mundo, só o senhor." Dei a ele cem cruzeiros.

Durante alguns dias o sujeito sumiu. Um dia, na hora do almoço, eu estava caminhando quando ele apareceu subitamente ao meu lado. "Doutor, minha mãe morreu”. Sem parar, e apressando o passo, respondi, "sinto muito". Ele alargou as suas passadas, mantendo-se ao meu lado, e disse "morreu". Tentei me desvencilhar dele e comecei a andar rapidamente, quase correndo. Mas ele correu atrás de mim, dizendo "morreu, morreu, morreu", estendendo os dois braços contraídos numa expectativa de esforço, como se fossem colocar o caixão da mãe sobre as palmas de suas mãos. Afinal, parei ofegante e perguntei, "quanto é?". Por cinco mil cruzeiros ele enterrava a mãe. Não sei por que, tirei um talão de cheques do bolso e fiz ali, em pé na rua, um cheque naquela quantia. Minhas mãos tremiam. "Agora chega!”, eu disse.

No dia seguinte eu não saí para dar a minha volta. Almocei no escritório. Foi um dia terrível, em que tudo dava errado: papéis não foram encontrados nos arquivos, uma importante concorrência foi perdida por diferença mínima; um erro no planejamento financeiro exigiu que novos e complexos cálculos orçamentários tivessem que ser elaborados em regime de urgência. À noite, mesmo com os tranquilizantes, mal consegui dormir.

De manhã fui para o escritório e, de certa forma, as coisas melhoraram um pouco. Ao meio-dia saí para dar a minha volta.

Vi que o sujeito que me pedia dinheiro estava em pé, meio escondido na esquina, me espreitando, esperando eu passar. Dei a volta e caminhei em sentido contrario. Pouco depois ouvi o barulho de saltos de sapatos batendo na calçada como se alguém estivesse correndo atrás de mim. Apressei o passo, sentindo um aperto no coração, era como se eu estivesse sendo perseguido por alguém, um sentimento infantil de medo contra o qual tentei lutar, mas neste instante ele chegou ao meu lado, dizendo, "doutor, doutor". Sem parar, eu perguntei, "agora o quê?". Mantendo-se ao meu lado, ele disse, "doutor, o senhor tem que me ajudar, não tenho ninguém no mundo". Respondi com toda autoridade que pude colocar na voz, "arranje um emprego". Ele disse, "eu não sei fazer nada, o senhor tem que me ajudar". Corríamos pela rua. Eu tinha a impressão de que as pessoas nos observavam com estranheza. "Não tenho que ajudá-lo coisa alguma", respondi. "Tem sim, senão o senhor não sabe o que pode acontecer", e ele me segurou pelo braço e me olhou, e pela primeira vez vi bem como era o seu rosto, cínico e vingativo. Meu coração batia, de nervoso e cansaço. "É a última vez", eu disse, parando e dando dinheiro para ele, não sei quanto.

Mas não foi a última vez. Todos os dias ele surgia, repentina­mente, súplice e ameaçador, caminhando ao meu lado, arruinando a minha saúde, dizendo é a última vez doutor, mas nunca era. Minha pressão subiu ainda mais, meu coração explodia só de pensar nele. Eu não queria mais ver aquele sujeito, que culpa eu tinha de ele ser pobre?

Resolvi parar de trabalhar uns tempos. Falei com os meus colegas de diretoria, que concordaram com a minha ausência por dois meses.

A primeira semana foi difícil. Não é simples parar de repente de trabalhar. Eu me senti perdido, sem saber o que fazer. Mas aos poucos fui me acostumando. Meu apetite aumentou. Passei a dormir melhor e a fumar menos. Via televisão, lia, dormia depois do almoço e andava o dobro do que andava antes, sentindo-me ótimo. Eu estava me tornando um homem tranqüilo e pensando seriamente em mudar de vida, parar de trabalhar tanto.

Um dia saí para o meu passeio habitual quando ele, o pedinte, surgiu inesperadamente. Inferno, como foi que ele descobriu o meu endereço? "Doutor, não me abandone!" Sua voz era de mágoa e ressentimento. "Só tenho o senhor no mundo, não faça isso de novo comigo, estou precisando de um dinheiro, esta é a última vez, eu juro!" — e ele encostou o seu corpo bem junto ao meu, enquanto caminhávamos, e eu podia sentir o seu hálito azedo e podre de faminto. Ele era mais alto do que eu, forte e ameaçador.

Fui na direção da minha casa, ele me acompanhando, o rosto fixo virado para o meu, me vigiando curioso, desconfiado, implacável, até que chegamos na minha casa. Eu disse, "espere aqui".

Fechei a porta, fui ao meu quarto. Voltei, abri a porta e ele ao me ver disse "não faça isso, doutor, só tenho o senhor no mundo". Não acabou de falar ou se falou eu não ouvi, com o barulho do tiro. Ele caiu no chão, então vi que era um menino franzino, de espinhas no rosto e de uma palidez tão grande que nem mesmo o sangue, que foi cobrindo a sua face, conseguia esconder.
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Fonte:
FONSECA, Rubem. Contos Reunidos. SP: Companhia das Letras, 1994.