terça-feira, 10 de janeiro de 2012

José Carlos Brandão (O Velho Van Gogh)

As árvores são esqueletos trêmulos na tristeza da tarde. O ar é cinza e frio. É essa a paisagem que vejo quando lembro a figura de van Gogh, as suas idéias, o seu sonho artístico.

Sempre o chamei van Gogh. Conheci-o na venda do Moisés. Eu tomava um aperitivo e olhava distraído um velho exibindo a cada freguês um quadrinho, que logo me pareceu sem interesse: cores baças, um vaso e duas flores pendidas. Era uma natureza-morta apagada, esfumada, as figuras sujas e sem graça.

- O senhor está olhando com ironia nos olhos, mas eu sei - era o velho encaminhando-se para meu lado.

Aponta o quadro: - Gostou?

- É interessante - eu disse.

- Não, não é - ele diz. - Eu sei, eu disse que eu sei.

Ri. Depois, sério, pergunta:

- O senhor é um artista, não é?

- Sou - respondi. - Sou poeta.

- Eu sabia, eu sabia. Você fica se disfarçando, mas não me engana. - Faz uma pausa e explica: - Vou chamá-lo de você. Somos colegas.

- Sim, claro - eu digo.

- Pois sim! Você é um poeta? Você é um emparedado. As palavras escondem, não mostram a face real do homem. Eu sei o que é um emparedado. Essa gente aí, como todo mundo, ninguém entende nada. Eu sei. Eu sou um artista como você. Um emparedado.

Penso em meu livro O Emparedado, mas não tenho tempo para relacionar essas idéias com os meus poemas, muito menos para responder. O velho van Gogh, o que lhe interessa é falar.

- Um emparedado - abre os braços em cruz. - Esse ar cinzento, a cidade de pedra, a estreiteza mental. Eu sei o que é um emparedado. Tenho ou não tenho razão?

Pergunta, mas não me deixa responder.

- Por isso o poeta se cala. O poeta usa palavras: um disfarce. As palavras são um espelho, mas as imagens são sempre deformadas. Não tenho razão?

Tento explicar. Van Gogh fala e fala. Olho a sua roupa larga, desleixada; o seu jeito de ignorante; o seu quadrinho, que me parece insignificante, como o dono.

- Ah, está gostando da pintura? Pois isto não quer dizer nada. O que você está vendo aqui?

Tento responder. O que lhe diria? Penso: "Estou vendo um quadro". Não digo nada.

- Pois você está vendo um quadro - ele diz. - E um quadro é um quadro. Pois esse é todo mal. Um quadro é um espelho que deforma a realidade. É como um poema. O que nós temos no final das contas? Imagens gastas.

A minha opinião não lhe interessa. Eu não lhe interesso: olha para além de mim, os olhos pasmados.

- Sabe quem eu gostaria de ser? Com quem me pareço?

Quero dizer, não sei por quê: "Van Gogh". Ele antecipa-se:

- Van Gogh. Ele não era um louco? Eu também sou. Que grande louco esse van Gogh! Nunca vendeu um quadro, não é? Eu também não. Nem quero vender; meus quadros eu dou; meus quadros eu jogo fora. Não, não pense que eu não respeito o que eu faço. Por isso eu gosto de lixo: eu detesto o lixo dos entendidos míopes. Míopes? Eu quero a cegueira.

Não o entendo. Quero acabar logo a conversa. Não é possível.

- Então eu não sou van Gogh? O diabo do homem pintou a angústia, o desespero. Eu não quero mostrar sentimento nenhum. Eu quero um quadro frio como a vida. A vida não é fria? A imagem da vida deve ser fria. Eu quero pintar o nada. O nada é o espaço vital do homem de hoje. Van Gogh inventou a cor. A cor de van Gogh tem consistência, você sente o peso da cor do homem, a coisa sai do quadro, tem vida própria. Muito bem: é lindo, é doloroso e lindo. Pois veja só: eu quero inventar a não-cor. Você está me entendendo? Não. Não está.

Sorri. Despedimo-nos amigavelmente. Prometo mostrar-lhe algum poema; ele, um novo quadro.

Passam-se os dias. Somos vizinhos e encontro-o com freqüência; mas ele não me vê, cruza ao largo, não me dá sequer a oportunidade de cumprimentá-lo.

Entrego-me às minhas atividades. Às minhas aulas. À feitura de um e outro poema. À constante reflexão sobre o problema da criação artística. De como a arte é uma imagem deformada, como queria o meu van Gogh, e é a nossa própria imagem. De como o espelho pode estar partido, mas é una a imagem refletida nos múltiplos fragmentos.

Acontecimentos sucedem-se; foi um ano grave em minha vida - morreu meu pai, nasceu meu filho. Mas o esquisito personagem a que chamei van Gogh, não posso esquecê-lo. Vejo-o diariamente. Paro e olho-o, o passo trôpego, as maneiras abobadas. Sorrio e continuo o meu caminho.

Um dia resolvo-me, paro em sua frente.

- Licença - diz.

- Boa tarde - eu digo.

- Está bom. Agora eu quero passar - ele diz.

- Não me reconhece? - eu digo.

Ele empurra-me e entra em sua casa, a dois passos da minha. Nada perdido, penso. O tempo se nos dá em partículas, é o espaço humano de que a consciência perde e recupera resíduos imperfeitos. Divago; o caso é que, meia-hora depois, na mesma venda onde primeiro nos encontráramos, sou tomado pela surpresa de um abraço efusivo.

- Há quanto tempo, meu amigo - e o meu van Gogh colhe-me nos braços, quase me levanta no ar. - Meu irmão! Como vai a poesia? Ah, a poesia lava a alma. É a única razão para viver. Sem a poesia, que seria do mundo? "Um vácuo atormentado de erros", como dizia um filósofo. Mas a filosofia não vale nada, meu amigo. São teorias que afastam o homem da realidade. Abstrações. Abstrusas, obtusas, oclusas - não é, irmão, você que sabe mexer com as palavras? Eu mexo as tintas. Ah, um desperdício, irmão. Abstrações. Estou desconsolado. O mundo não tem conserto. "A miséria não tem fim".

Estou sem palavras. Ofereço-lhe um conhaque, bebida que eu o vira tomar várias vezes. Ele recua, diz que não bebe. Tiro de uma pasta dois poemas que ele, acompanhando com os dedos, com movimentos do corpo, lê muito pausadamente, mexendo os lábios grossos, erguendo e abaixando as sobrancelhas; depois, repete de cor, como a mostrar interesse, ou treino de memória, mas pronuncia mal as palavras, diz os versos sem ritmo, como se lesse uma nota fiscal. Comentou o uso de um artigo, a posição de um adjetivo, por que esse e não outro; fez um ou dois comentários pertinentes, ao menos assim me pareceram. Depois falou:

- Não gostei. Você é um poeta, está certo. Um poeta reconhece-se de longe. Mas seus poemas são bem ruinzinhos, hein?

Falou, e logo pediu desculpas. Que não quisera ofender. É que eu tinha a obsessão da forma. O apuro formal é necessário, disse, mas não deve transparecer.

Saberia o homem o que estava falando? Bom. Não era novidade e, se algo me interessava, era a sua pintura.

- Sim, como não? Tenho um quadro. Estou no caminho. Já lhe falei do meu projeto, não? Venha, venha comigo; tenho uma cachaça especial lá em casa. Você vai ver que cachaça!

No caminho, uns duzentos metros, explicou-me por que fazia quadrinhos: o trabalho é mais difícil; o resultado, mais perfeito. Era preciso eliminar a cor; que houvesse uma pintura, mas sem nenhum colorido; que se criasse a imagem do nada. Van Gogh, explicou-me com detalhes, era um apaixonado do desenho, espinha dorsal da pintura; ele, novo van Gogh, também apaixonado do desenho, buscava não fazê-lo: todo desenho seria um apelo à pintura.

Estamos parados junto ao portão, ele falando e remexendo os bolsos. Quando por fim encontrou as chaves, abre o portão sem usá-las. Numa pequena despensa no quintal, sobre um cadeira, à guisa de cavalete, um quadrinho, 7,5 x 12,25 cm (é a medida que me deu). Mas não falamos logo do quadro; antes enche dois copos de pinga, elogia-a repetidamente, ri, derruba várias caixas vazias, sempre ruidoso, não fala coisa com coisa, bebe, enche de novo o copo.

Tomo o quadro na mão. Estarei na casa de um maníaco? De um bêbado qualquer?

- Deixe isso aí - diz. - Não, não. Pode levar; faça com isso o que quiser; isso não vale nada.

Aborrecido, despeço-me e saio. Amizade acabada; o que é que eu esperava, afinal?

Alcança-me no portão; desculpa-se. Se gostei?

Que é que vira no quadro? Árvores, mal adivinhadas, na cerração. Mas não eram árvores; eram pessoas. Ou seriam árvores mesmo? Não importa: era uma pintura.

Mostra-me como mal se delineava a imagem, um disfarce. A ausência de perspectiva - um engano de ótica - buscada.

O cuidado minucioso com a criação, técnica pontilhista, sombreada de manchas. Diz que van Gogh foi ofuscado pela cor; então, a cor se tornou um ser vivo. Um trigal, o amarelo crescendo, e iludindo o espectador; o verdadeiro espírito de van Gogh estaria nas pinceladas violentas, as manchas que destroem a falsa impressão de estabilidade. Explica-me como sentir um quadro: deixar-se penetrar por ele; se você se sente dentro da pintura, o quadro é bom; ou se a pintura está dentro de você. Com ele, o meu van Gogh, isto não se dá; ou não se dará quando atingir um estágio mais avançado de seu trabalho.

Promete-me novos quadros, e cumpre a palavra.

Recebo cinco novas obras; ainda as tenho comigo, inúteis. Mostrei-as a alguns críticos de arte, que torceram o nariz, como se fosse pilhéria minha.

O autor explicou-me as primeiras. Uma eram maçãs, cerejas e um rato degolado; confessei que não via figura alguma, e ele sentiu-se encantado. Nem o sangue eu via? Mas ainda não era a negação da cor, disse. Como não o era a outra: pombas no meio da rua comendo migalhas de pão; eu via apenas algo como um espelho baço, mas certamente estava enganado.

As outras, não sei o que são. O meu van Gogh morreu. Contaram-me que morreu suavemente; foram-se-lhe apagando as cores da face, quando convalescia de uma gripe, e expirou. Recebi um pacotinho com três telas, e um recado: tarefa cumprida. Para mim, o que diferencia as telas é tão-só o tamanho: uma menor que a outra; a terceira, pouco maior que uma tampinha de garrafa. E que vejo nelas? Cerração. Ondas densas de cerração, e vagas ao mesmo tempo. Um cinza frio.

Abro a janela. Esqueletos tremulam na tarde triste, estendem os braços, gesticulam. Árvores desfolhadas.

Estou vendo o meu van Gogh, torto, o ar ingênuo, declamando o seu discurso sem fim.

Fonte:
Garganta da Serpente. Contos do Coral

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 448)

Uma Trova de Ademar

De viver sem teu amor
não tenho mais estrutura.
Você me fez morador
do palácio da tortura.
ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Jamais lamentes a chaga
que em teu peito apareceu...
– Nenhum desabafo apaga
o que a saudade escreveu!
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova Potiguar


Os que dizem ser ateus,
menosprezando Jesus,
são também filhos de Deus,
cada qual com sua cruz.
–LUIZ XAVIER/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Amizade é bem, riqueza,
não tem preço, nem medida,
é verdade em paz, grandeza
é benção com Deus vivida.
–JOSEFINA DA SILVA CARVALHO/SP

Uma Trova Premiada


1999 - Nova Friburgo/RJ
Tema: BILHETE - M/E


Para aumentar meu queixume,
puseste sim, por maldade,
em teu bilhete um perfume:
"A fragrância da saudade".
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Simplesmente Poesia

Mãos Desunidas
–LUIZ OTAVIO OLIANI/RJ–


não serei o poeta do passado
embora dele me alimente

canto o presente
que Drummond não vê

nada de serafins
cartas de suicida
— os homens aterraram
a palavra amor
num canteiro de obras

as mãos desunidas
traduzem: os espinhos
inda sufocam as flores.

Estrofe do Dia

E viva! LUIZ GONZAGA!
O cantador do sertão
Gonzaga – Rei do Baião!
Transformou-se em grande saga
Ninguém completa esta vaga
Do saudoso menestrel
Um sanfoneiro fiel
Que cantou nossa raiz
O nordeste é mais feliz
Com seu legado papel.
–DJALMA MOTA/RN–

Soneto do Dia

Se Eu Não Fosse Poeta
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–



Se eu não tivesse pela vida em fora
encontrado, por vezes, a poesia,
francamente, confesso que o teria
conseguido no próprio lar, agora.

Cantam as aves quando, em flor, a aurora
rompe. O paterno coração, um dia,
noutra aurora enlevada de harmonia,
canta, ilumina, devaneia, enflora.

Há no sorrir do filho pequenino
algo indizível, celestial, divino
que ao pai deleita e causa maravilha.

Hoje sou pai, e, se não fosse poeta,
sê-lo-ia com a inspiração dileta
do sorriso infantil de minha filha.
-
Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://alucard.weebly.com

Gastão de Castro (Indicações)

Guarde este ensino da estrada
Se desejar ser feliz:
-Nem tudo é bom para todos,
Nem tudo a todos se diz.

Haja o que houver no caminho,
Não pense mal de ninguém.
Cada qual vê o vizinho,
Conforme os olhos que tem.

Benefício que aconselho
E esforço nele não ponho,
Donativo imaginário,
Auxílio que faço em sonho.

Quanto à injúria e calúnias,
Não perca tempo você.
A vida fala por si,
A fé nas obras se vê.

Cultura, fama, dinheiro...
Tudo isso vale ou não.
A caridade é que mede
A força do coração.
-
Fonte:
Francisco Cândido Xavier (psicografia). “Trovas Do Outro Mundo”. Digitado Por: Lúcia Aydir

Lendas e Contos Populares do Paraná (CAMPO MOURÃO – A lenda de São Tomé (o caminho do Peabiru) )

Num dos dias mais frios do mês de junho, Nhô Juca, figura muito conhecida na região, por ser uma personagem enigmática e muito amável com todos que o conheciam, estava em seu rancho, às margens do rio Piquiri, acendendo uma pequena fogueira para se aquecer. Ia assar pinhão, fruto da Araucária. Era costume dos moradores dali comer pinhão e também saborear o chimarrão, a erva nativa. 

Nhô Juca tinha muitos compadres, pois sendo uma pessoa muito antiga no lugar, ajudava todos que o procuravam, com seus remédios caseiros, seus conselhos de ancião e seus belos causos. No rústico rancho onde vivia, nos finais de tarde, recebia seus amigos. Sentados em banquinhos, ou pedaços de troncos, ouviam e contavam histórias, principalmente causos de assombração, boitatá, saci-pererê e muitas outras. Além da iluminação da fogueira, no centro do rancho usava-se uma lamparina de querosene.

Então nesse final de tarde, como um ritual, seus companheiros, após um dia de lida na roça, vieram conversar com o compadre Juca e também ver se ele não estava precisando de nada, pois era sozinho na vida. Dele não se conhecia a existência nem de mulher, nem de filhos. A conversa estava tão animada que nem perceberam a tempestade que se aproximava. O vento era tão forte que atravessava de um lado para outro do rancho, ficando impossível manter a lamparina acesa.

Os visitantes estavam assustados, porém Nhô Juca, em sua calma, começou a lhes contar uma nova história. Disse que aquela região já havia pertencido aos índios e que estes haviam construído um caminho muito importante: o caminho do Peabiru. Era uma trilha muito antiga e comprida, começava no Oceano Atlântico e terminava no Oceano Pacífico, atravessando a América do Sul. Tinha mais ou menos 3 mil quilômetros de comprimento e cerca de 1,4 metro de largura, mais parecendo uma grande valeta no meio da floresta.

– E este caminho ainda existe? Perguntou Pedro, maravilhado.

– Pois bem, os índios, nossos antepassados, tinham a sua sabedoria, não eram bobos não. Eles plantavam nesse caminho uma grama miúda que evitava que a chuva lavasse a terra e, ao mesmo tempo, impedia que as ervas daninhas invadissem a valeta. Assim, o caminho ficaria sempre limpinho, mais parecendo um corredor encarpetado de verde, bem fofinho.

– Ah! Que espertos, hein, compadre? Disse Pedro, admirado.

– Pois bem, como eu lhes falei, os índios não eram burros não, essa grama era plantada em alguns trechos e ia se reproduzindo e avançando o caminho. E também soltava umas sementinhas gelatinosas que grudavam nos pés e pernas dos que por ali passavam e a levavam pelo caminho; dessa forma, as sementes iam caindo e novos trechos iam sendo formados.

E a conversa continuou, falaram dos índios, seus costumes e até da sua saída da região. Nhô Juca, então, resolveu contar-lhes sobre a lenda que envolve este caminho milenar.

– Sabem, compadres, dizem que por este caminho andava muita gente importante da nossa história. Ouvi, certa vez, um moço lá da capital, que tava cavoucando uns buracos na beira do rio, procurando sei lá o que, dizer que por aqui passou um homem branco, pois só existiam os índios e este homem fez muita coisa boa para eles. Dizem que ele veio das águas e que seu nome era Tomé ou Pai Zumé, como os índios o chamavam. Era um homem branco, alto, com longas barbas. Usava cabelos curtos com uma tonsura no alto da cabeça, igual às que os padres tinham. A roupa branca ia até os pés, amarrada por um fino cinturão de couro. Nas mãos trazia um livro semelhante ao Breviário dos sacerdotes e também uma cruz.

– Por todos os lugares onde passava, deixava seus ensinamentos, condenando a poligamia e a antropofagia. Ele evangelizava os índios falando sobre o único Deus. Também ensinou aos índios o cultivo de outras culturas como a cana-de-açúcar e o milho. Por pregar a palavra do bem e censurar a imoralidade, causou grande revolta nos chefes e pajés que, furiosos, mandaram persegui-lo, incendiando as cabanas onde se abrigava para descansar, disparando flechas e pedras no profeta. Ileso dos atentados sofridos, sempre fugia pelas águas dos rios ou do mar.

– Muitos dos antigos dizem que o homem branco era Tomé, apóstolo de Jesus Cristo, o mesmo que duvidou da ressurreição, pois pediu para colocar seus dedos nas chagas de Cristo para ver o sinal dos cravos em suas mãos. Como foi descrente, Jesus lhe deu a missão de pregar o evangelho nas terras mais longínquas do mundo. Naquela época, o mundo era apenas o Oriente, a Europa, África e a Ásia. Dizem que Tomé foi primeiro para a Pérsia. Assim que concluiu suas pregações, entrou num barco de mercadores rumo às Índias. Alcançou a Índia chegando até a China. Depois avançou no mar, indo parar em ilhas não determinadas. Como chegou ao Brasil, não se sabe, apenas alguns padres jesuítas relatam sua passagem por estas terras. Seu percurso começava no oceano Atlântico e terminava no Pacífico.

– Nossa, compadre, esse caboclo viajou muito, hein! Exclamou Pedro.

– Pois é, era a sua missão e nada o impedia. Porém, certo dia os inimigos conseguiram pegá-lo e o amarraram numa grande pedra. Furiosos, surraram-no e o largaram desmaiado. Então, três grandes águias desceram do céu, cortaram as amarras e o libertaram.

Ele fugiu pelas águas da mesma maneira que havia chegado e nunca mais ninguém soube
do seu paradeiro.

– E esse caminho do Peabiru ainda existe, compadre? Pergunta Pedro.

– Olha, eu escutei uns moços, lá no boteco do seu João-Pé-Grande, falando desse caminho, dizem que ainda existem alguns lugares dele. Mas ainda tem mais. O Apóstolo Tomé ou Pai Zumé, dizia que era para preservarem o caminho do Peabiru, e se um dia ele fosse destruído pelos gigantes de ferro e aço, haveria muita seca, as aves e animais iriam acabar e as águas dos rios se tornariam escuras.

Nhô Juca enche a cuia com a água fervente da chaleira preta de ferro e repassa para Pedro. Todos ficam em silêncio. Apenas a fumaça dos palheiros sobe no ar.

– É preciso ver para crer.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Isabel Furini (Oficina de Crônicas, em Curitiba)

A oficina é prática e tem como objetivo conhecer as técnicas básicas desse gênero, incentivar a criatividade e a originalidade.

Data: 01,02 e 03 de fevereiro de 2012.

Horário: 19h às 21h30 horas.

Preço: R$ 180,00

Professora: Isabel Furini - www.isabelfurini.blogspot.com

Informações:
Solar do Rosário (41) 3225-6232.

Adelmar Tavares (Cantigas de Amor)

Renúncia de amor profundo
Guarda sublime troféu:
Transforma pedras do mundo
Em construções para o Céu.

Amor que eu saiba em vitória,
No rumo do firmamento,
Deve perder toda escória
No fogo do sofrimento.

Celeste amor que perdura
Atende a roteiro assim:
Ilimitada ternura
No entendimento sem fim.

Chagas de amor que se eleva
Recordam Cristo na cruz...
De cada golpe da treva
Jorra uma fonte de luz.

Amor vence espinho, ultraje,
Agravo, calúnia e lama.
Amor puro é Deus que age
No coração de quem ama.

Fonte:
Francisco Cândido Xavier (psicografia). “Trovas Do Outro Mundo”. Digitado Por: Lúcia Aydir

Guerra Junqueiro (Perfeição das Obras de Deus)

A filha. – Oh! mamã, quebrou-se-me a agulha.

A mãe. – Vou dar-te outra.

A filha. – Como se fazem as agulhas, mamã?

A mãe. – Vê se adivinhas.

A filha. – Não sei, mamã.

A mãe. – Conheces os metais?

A filha. – Conheço, mamã; tenho lá dentro muitos bocadinhos dentro de uma caixa.

A mãe. – Ora muito bem, diz-me cá, as agulhas são de pau, de pedra, de mármore?

A filha. – Oh! não; são de metal; mas de que metal?

A mãe. – Antes de perguntar qualquer coisa vê sempre se a adivinhas primeiro.

A filha. – Ora espere; uma agulha é de metal; não é de prata, porque não é branca; não é de ouro, porque não é de um lindo amarelo muito brilhante; não é de cobre, porque não é de um amarelo muito feio, que cheira mal... Então é de ferro, mamã?

A mãe. – Adivinhaste.

A filha. – Mas, mamã, o ferro não é liso e brilhante como as agulhas.

A mãe. – É que primeiro é polido e preparado de certo modo, e depois já se não chama ferro, é aço.

A filha. – Bem, as agulhas são de aço. Agora quero adivinhar como é que as fazem.

A mãe. – É impossível, não és capaz disso; mas hei-de levar-te a uma fábrica onde se fazem agulhas. Hás-de vê-las fazer, e hás-de gostar muito.

A filha. – Tinha vontade de saber como se fazem todas as coisas de que nos servimos.

A mãe. – Tens razão; é uma vergonha ignorá-lo.

A filha. – Mamã, deixe-me ver as suas agulhas.

A mãe. – Olha, aí tens o meu estojo.

A filha. – Meu Deus! Que pequeninas algumas! Que lindas! São tão fininhas, tão fininhas! Muita habilidade há-de ser necessária para fazer uma coisinha tão delicada!

A mãe. – Lembras-te de ver na feira um carrinho de marfim puxado por uma pulga, presa por uma cadeia de ouro?

A filha. – Lembro-me, mamã; era tão bonito!

A mãe. – Li num jornal alemão que um operário chamado Nerlinger fez um copo de um grão de pimenta, e que dentro deste copo havia mais doze...

A filha. – Que pequeninos deviam ser os doze copos para caberem num grão de pimenta!

A mãe. – E ainda não é tudo; cada um desses copinhos tinha as bordas douradas, e sustentava-se no pé.

A filha. – Que vontade eu tinha de ver isso!

A mãe. – Tens razão de te admirares da habilidade dos homens. É efetivamente espantoso, e deve saber-se o modo por que se fabricam certas coisas; contudo ainda há outras obras mais dignas de admiração.

A filha. – Quais, mamã?

A mãe. – Já te digo. (Levanta-se).

A filha. – Que quer, mamã?

A mãe. – Quero que vejas o microscópio de teu papá.

A filha. – Pois sim; eu gosto de olhar pelo microscópio.

A mãe. – Este é magnífico, e aumenta prodigiosamente os objetos. Vais ver a mais pequenina das minhas agulhas. Repara primeiro como é fina, lisa e brilhante... Agora olha; que é que vês?

A filha. – Meu Deus, que coisa tão feia!

A mãe. – Vês-lhe buracos, riscos, asperezas, não é verdade?

A filha. – Parece um prego muito grande e muito malfeito.

A mãe. – Pois todas essas imperfeições são verdadeiras, existem na agulha; a nossa vista, por ser muito fraca, é que não dá por elas.

A filha. – O operário que fez esta agulha ficaria envergonhado, se a visse ao microscópio.

A mãe. – Tiremos a agulha e vejamos outra coisa.

A filha. – O quê, mamã?

A mãe. – O aguilhãozinho de uma abelha.

A filha. – Oh! que pequenino, que bonito!... Como é liso, como é brilhante!... Mas já sei que visto ao microscópio há-de acontecer o mesmo que com a agulha.

A mãe. – Pronto: olha.

A filha. – (Olhando). – É esquisito, mamã!

A mãe. – Então?

A filha. – Aumentou, aumentou como a agulha, mas não é áspero, pelo contrário, é perfeitamente liso... A agulha parecia que não tinha ponta, e o ferrãozinho da abelha tem uma ponta tão fina como um cabelo. Porque será isto, mamã?

A mãe. – É porque o operário que fez este aguilhão é muito mais hábil do que o que fez a agulha.

A filha. – Quem é esse operário tão hábil?

A mãe. – É o mesmo que fez o céu, os astros, a terra, as plantas e as criaturas.

A filha. – É Deus.

A mãe. – Exatamente. Pois não é Deus que fez as abelhas e todos os animais?

A filha. – Decerto.

A mãe. – Foi ele por conseguinte que fez o aguilhão desta abelha; e aí tens por que o aguilhão é superior à agulha; é obra de Deus. Mas continuemos a olhar pelo microscópio. Aqui está um pedacinho de musselina finíssima. Olha pelo microscópio; que é que vês?

A filha. – Vejo uma rede grossa, desigual, muito malfeita.

A mãe. – Aqui tens agora um pedacinho de renda delicadíssima.

A filha. – Essa estou bem certa que há-de ser linda, mesmo vista pelo microscópio.

A mãe. – Então?

A filha. – É horrorosa... Parece feita de pêlos grosseiros com grandes buracos
desiguais.

A mãe. – As obras do homem são todas assim.

A filha. – Oh! mamã, vejamos agora as obras de Deus.

A mãe. – Sabes que é isto?

A filha. – Sei, mamã, é um casulo de bicho-da-seda.

A mãe. – Os fiozinhos que o compõem são muito finos, muito Lisos; olha pelo microscópio a ver se te parecem muito desiguais.

A filha. – (Olhando pelo microscópio) – Não, mamã; os fios são todos iguais, e o casulo é sempre muito liso, muito brilhante.

A mãe. – É porque é obra de Deus. Examinemos outras coisas. Que há sobre este papel?

A filha. – Pontinhos feitos com tinta e manchazinhas redondas feitas também com tinta.

A mãe. – Estes pontinhos e estas manchas parecem-te perfeitamente redondos?

A filha. – Sim, mamã, perfeitamente redondos.

A mãe. – Vê-os agora ao microscópio.

A filha. – Oh! já não são redondo; são todos desiguais.

A mãe. – Tira o papel: vejamos a obra de Deus. É uma asa de borboleta; vês que está mosqueada de pequeninas manchas redondas; olha pelo microscópio: que é que vês?

A filha. – Vejo a mesma coisa que via sem o vidro, só com a diferença que agora é maior. Que belas são as obras de Deus!

A mãe. – Merece bem a pena estudá-las.

A filha. – Decerto. Farei sempre por isso, comparando-as com as obras dos homens.

A mãe. – E sempre e em tudo hás-de encontrar defeitos nas obras do homem, enquanto que as obras de Deus, quanto mais se observam, mais perfeitas se acham. Deve isto fazer-nos meditar em duas coisas: a primeira é que Deus merece tanto a nossa admiração como o nosso amor; a segunda é que os homens orgulhosos são insensatos, porque não podem fazer nada perfeitamente belo, perfeitamente regular, e as suas obras mais primorosas são cheias de imperfeições, se as compararmos com as obras do Criador.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.