quarta-feira, 5 de março de 2008

Adriano Macedo (O Velório das Fotos ... Defunto Velado)

Os olhos vividos acompanhavam cumprimentos consternados, sorrisos escassos, rostos disformes, sentimentos divididos e solidários, cenas típicas de um velório comum. Mas aquele não era como outro qualquer para o tio Aristides. O ambiente ganhava um ar diferente ao chegar com a máquina a tiracolo e o álbum com as fotos do encontro no ano anterior, o enterro do primo Alberto. As imagens provocavam alegre nostalgia nos familiares, especialmente quando se detinham em algum retrato onde estivesse tia Joaquina. Enquanto o semblante gélido da tia causava consternação na câmara mortuária, as fotos incitavam recordações de outros velórios, quando Joaquina, como a parenta mais velha da família, assumia a responsabilidade de consolar irmãos, sobrinhos e primos.

Franzino, careca, de comportamento delgado e pensamento robusto, tio Aristides, ao contrário de todos, sentia íntima satisfação nos velórios da família, raras oportunidades de rever os parentes. Tirava fotos dos sobrinhos - alguns com a rebeldia estampada no rosto -, dos primos de feições dilapidadas pelo consumo excessivo de bebida, das cunhadas a tricotarem experiências reveladas em novos fios brancos na cabeça, e dos agregados que regavam a paciência com benevolente apatia para tolerar as birutices da tia Nazaré.

O ritual se repetia a cada velório. Com uma única regra: o corpo não podia ser fotografado. Para Aristides, as últimas lembranças do parente deveriam ser apenas as fotos batidas em ocasiões anteriores. Daí a importância dada aos álbuns de fotografia levados por Aristides. No entanto, a norma para não fotografar o corpo existia por uma questão técnica. “Foto de defunto dá azar, vela o filme inteiro”, dizia com a autoridade de quem perdeu todas as chapas na primeira e única vez a infringir a lei. Aconteceu no velório de tia Honorina. Ao buscar as fotos no laboratório, o moço do balcão deu a notícia com a mesma frieza dos mortos:

- O filme velou.

- Como velou?

- Não sei, deve ter sido o espírito de porco do laboratorista de segunda-feira.

- O sujeito estraga o meu filme e você vem com gracinha pra cima de mim?

- Sinto muito, mas não posso fazer nada.

- Me chama o Joaquim!

O máximo que tio Aristides conseguiu com o proprietário foi um novo filme, as fotos ficaram no esquecimento. “Deve ter sido praga da tia Honorina”, presumiu. Aristides era jovem naquela ocasião e tia Honorina, irmã do pai, era uma das poucas da família a repudiarem as fotografias em cemitério.

Quando começou a fotografar os velórios da família, Aristides, com apenas dezessete anos, provocou um escândalo. A primeira vez foi no Cemitério do Bonfim, com a Rolleiflex que um tio lhe dera de presente. Era o enterro do avô Geraldo, que cedeu à cirrose. Ao chegar em casa, Aristides levou algumas varadas de bambu e ainda teve o filme retirado à força da máquina.

- Isso é uma falta de respeito, Aristides. Onde já se viu reunir parentes pra fazer foto num velório?

- É uma recordação pra posteridade...

- Não me responda, Aristides.

E toma varada de bambu. Aristides ficou tão indignado com a incompreensão que pensou inúmeras formas de vingar a humilhação sofrida pelo pai. O que mais incomodou não foi a surra recebida e sim uma espécie de dor moral, como se o pai tivesse arrancado de dentro dele um sonho oculto e jogado no lixo, junto com o filme, uma íntima esperança de imortalizar os familiares. Mas Aristides nem precisou executar qualquer plano porque o próximo enterro foi o do progenitor, atropelado na avenida Afonso Pena. Lá estava ele, no mesmo Cemitério do Bonfim, tirando fotos da família. A mãe sofreu tanto com o falecido que nem se preocupou com o filho. Com o tempo, os parentes não estranharam mais a atitude de Aristides, agora tio de quase vinte sobrinhos. Os irmãos censuraram no começo, hoje se divertem ao comparar fotografias antigas com as mais recentes.

- Tides, ela tava tão bem no velório do Zé. Manda uma cópia pra mim? – pediu a irmã Antônia, ao ver a foto de Joaquina no álbum, tirada três anos antes.

. Flashes digitais .

A novidade no velório de Joaquina era a máquina digital. Depois de quase cinqüenta anos fazendo fotos com a Rolleiflex alemã de estimação, Aristides se modernizou, economizou mais de um ano de aposentadoria para comprar o último modelo de uma Canon digital. Não porque fosse tecnicamente melhor, apenas para mostrar as imagens em alta resolução aos familiares quase no mesmo instante em que as batesse, antes de copiá-las em papel fotográfico.

- Ainda continuo bonita, hein Tides? – brincou Nazaré, ao ver as imagens no visor da nova máquina.

- Formosa e gostosa, Naná – cochichou Aristides no ouvido da cunhada, mulher do Olavo.

- Me respeita, Aristides!

- Você que insinuou.

Em mais de quatro décadas de registros fotográficos, Aristides gastou quase cinco mil chapas e tem em casa pelo menos trinta álbuns com fotos de velórios da família. Talvez pudesse até entrar para o Guinness Book, idéia sugerida pelo amigo Zacarias. Porém, tio Aristides nunca quis saber de recordes e sim de recordações. Era curioso como ele se afeiçoava mais aos parentes mortos que vivos. “Parentes que convivem muito tempo tornam-se assassinos da relação. Toda relação é uma relação de poder e o poder corrompe completamente, prefiro sentir saudade por quem partiu a me ver invadido pela apatia da onipresença”, explicava com aparente frieza aos curiosos de plantão.

Último filho a nascer em um lar de oito crianças, Aristides foi criado pelos irmãos, em especial o Olavo, oito anos mais velho e que costumava inventar histórias de fantasmas antes de dormir. Ao invés de assustado, Aristides ficava fascinado com as narrativas, tecia aventuras no além-mundo com os fios da imaginação. Olavo dormia e ele ficava ainda um bom tempo acordado tentando ver alma penada para ter o que contar ao irmão no dia seguinte. Sentia enorme prazer nessas brincadeiras, talvez para compensar a realidade de uma educação rígida e repressora, numa família em que o pai era ausente de afeto, um comerciante beberrão que, sóbrio, tentava impor aos filhos severa disciplina. A mãe não podia trabalhar, não só porque o marido a proibia, mas por causa do excesso de atividades em casa.

- Ontem eu vi uma alma penada na sua cama, Olavo.

- Que bobagem, Tides. Fantasma gosta de atazanar os adultos.

- Você que pensa. Ele até roncou no seu ouvido.

- Aristides, se você continuar inventando essas coisas vou parar de contar história de noite.

- Se você não quer acreditar tudo bem, só que ele tá dormindo no seu armário.

- Que idéia besta é essa agora?

- Eu vi. Alma penada adora lugar escuro e meia de criança porque o chulé não sai de jeito nenhum. Lembra daquela meia furada na semana passada? O fantasma que comeu.

Afoito, Olavo correu até o armário. Sabia que o irmão tinha aprontado mais uma travessura. Constatou o estrago em mais um par de meias da escola. Para se vingar de Aristides, fez greve de silêncio o dia inteiro e preparou o contra-ataque. Nada de brincadeiras e histórias de fantasmas naquela noite. Foi se deitar. Assim que Aristides dormiu, levantou-se da cama e iniciou a ofensiva. Acendeu uma vela e a colocou no chão, ao lado da cama de Aristides, que se encontrava de bruços, com o rosto voltado para a parede. Olavo subiu numa cadeira, colocada no meio do quarto e cobriu-se com um lençol branco, deixando apenas uma das mãos livres. Com ela, arremessou um travesseiro na direção da cabeça de Aristides, que acordou atordoado ao ouvir, em seguida, o grito do irmão.

Aristides e Olavo conviveram com histórias e brincadeiras desse tipo durante quase toda a infância, até o dia em que Aristides cortou uma das meias prediletas do pai, colocadas, por engano, no armário de Olavo.

- Foi o fantasma que comeu, papai.

- Que estupidez é essa moleque?

Aristides recebeu varadas de bambu e ficou de castigo uma semana. Nada de bola ou brincadeira na rua. Só voltou a pensar no mundo dos mortos lá pelos dezessete anos, quando tio Higino lhe deu de presente a Rolleiflex. Desde criança, Aristides fantasiava invenções engenhosas; certa vez sonhou criar uma máquina para fotografar fantasmas. Agora, com a câmera na mão, voltou a pensar no assunto. Não tinha convicção se existia vida após a morte, mas gastou mais de um ano em visitas freqüentes a cemitérios - de dia e de noite - na tentativa de flagrar algum fantasma errante. Depois do resultado previsível, Aristides encontrou o que buscava nos velórios da família.

Desabafo .

Introspectivo, tio Aristides, solteirão não tão convicto, mas sozinho por força das circunstâncias – tentou duas vezes, no entanto não conseguiu compartilhar o mesmo teto com outra pessoa -, convivia pouco com os familiares. Consumia o tempo entre o serviço público e a fotografia. Aposentado, passou a se dedicar mais a este ofício e aos poucos, porém fiéis amigos, com quem dividia as angústias numa cantina italiana perto de casa.

Nos últimos anos, Aristides passava algumas horas diárias em conversas existenciais com o Roberto, amigo trinta anos mais novo, conhecido, curiosamente, num cemitério. Enquanto fotografava mais um velório da família, Roberto acompanhava, a meia distância, os movimentos de Aristides, até resolver se aproximar.

- O senhor trabalha em algum jornal?

- Não. Por quê?

- Fotógrafo só aparece em cemitério quando é enterro de gente importante... pra sair no jornal.

- Os enterros na minha família são sempre importantes.

- Desculpa. Não foi isso que quis dizer... Meu nome é Roberto, sou jornalista.

Roberto ficou fascinado com a história de Aristides e, aos poucos, ganhou a confiança do amigo. Assim que deixava a redação do jornal no início da noite, passava na casa de Aristides, no bairro Floresta. Quando conheceu, pela primeira vez, o acervo de fotos, ficou impressionado com a diversidade de imagens. Roberto passou a admirar Aristides e a maneira inusitada de o amigo estar próximo dos parentes. Certa ocasião, Roberto quis saber quem era a moça bonita de cabelos pretos, olhos escuros e calça boca de sino.

- É minha irmã Teresa – disse Aristides, que selecionou outras vinte e cinco fotos que batera dela no correr dos anos.

Instigado pelos inúmeros retratos de Teresa, Roberto colocou as imagens lado a lado e constatou como o tempo escapou das garras daquela mulher, hoje de cabelos grisalhos, pés de galinha, rugas e óculos, porém com o mesmo sorriso cativante. As roupas denunciavam, ao mesmo tempo, uma moda fugaz e cíclica. O jornalista percebeu que o amigo era fonte de boas histórias, no entanto Aristides era avesso à notoriedade. “Depois que eu morrer você conta o que quiser”. Os encontros cada vez mais freqüentes terminavam na mesa da cantina, onde, naquela noite, foi comemorado o aniversário de setenta anos de Aristides entre meia dúzia de amigos.

Roberto reparou que Aristides bebia mais que o normal. Sabia que aquela cerveja era para aliviar um outro tipo de sede, uma singular aventura para tentar congelar o tempo e dispersar o futuro, carregado de esperança quando distante, porém retraído, indiferente e desiludido ao se aproximar do presente. Depois do quinto copo, uma câmara escura dentro de Aristides parecia ampliar um difuso estado de felicidade, revelado em sinceros sorrisos compartilhados com os amigos.

Do outro lado da mesa, o jornalista focava uma íntima preocupação. No dia anterior àquela comemoração, Roberto percebera, ao visitar Aristides, o cenho pesado e o abatimento do amigo, mais introspectivo que o habitual. Aristides acabara de remexer papéis e fotos. Os retratos dos parentes mortos preenchiam quase a metade do acervo. “O tempo passa, a fila diminui e a nossa vez vai chegando”. Pela primeira vez se deu conta de que o fantasma, em pouco tempo, seria ele mesmo. O desabafo de Aristides deixou Roberto pensativo.

- Quem vai continuar a fotografar depois que eu morrer?

Na manhã seguinte ao aniversário, Aristides foi encontrado estirado na porta de casa, distante deste mundo. Os amigos se sentiram culpados, acharam que a morte fora provocada pela bebida. Aristides morreu mesmo foi do coração, um ataque fulminante, disse o médico da família. Para homenagear o amigo, Roberto publicou, um dia depois, uma reportagem especial sobre Aristides. Jornalistas de outros veículos, estudiosos e colecionadores se interessaram não só pela história de Aristides como pelo destino das fotografias.

O jornalista, porém, respeitou a última vontade do amigo, já que nenhum familiar se habilitou a perpetuar o ofício. “Todo velório exige um enterro”, dizia Aristides. As fotos dos parentes mortos, já velados e enterrados, foram entregues aos familiares. O restante cumpriu o destino desejado por Aristides. “Não quero velas nem flores no meu enterro, cubra o meu corpo somente com os retratos de quem estiver vivo para eu me lembrar dos que ficaram”.

Fonte:
http://triplov.com/contos/adriano_macedo/

terça-feira, 4 de março de 2008

Dorothy Jansson Moretti (Trovas ao Vento)


Tecendo trovas ao vento
nascidas do coração,
num pouco de luz e alento,
Eu disfarço a solidão.
***
Que bela seria a vida
se, acima de ódios mortais,
uma ponte fosse erguida
unindo margens rivais!
***
Ora eloqüente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de tudo,
no fútil revés de um Nada.
***
Somos tão bem afinados,
que, em termos gramatical,
podíamos ser chamados
"encontro consonantal"!
***
Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombros fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos...
e eis-me sonhando outra vez!
***
"Para sempre!" Será mesmo?
Não importa a duração;
é promessa feita a esmo,
mas aquece o coração.
***
A lua, em passo indeciso,
muda o andante da sonata,
pondo pausas de improviso
nas pentagramas de prata.
***
Em bando sutil, as garças,
pontilhando o lamaçal,
são quais pérolas esparsas,
adornando o pantanal.
***
A brisa afasta a cortina,
e uma nesga de luar,
fugindo à fria neblina,
vem aos meus pés se abrigar.
***
Chá da tarde, requintado...
Mas, em teus gestos, servindo...
Com jeitinho e com agrado
Tu me descartas, sorrindo
***
Os erros que fiz na vida
Quero apagar sem alarde
Mas, a consciência revida
E, aos brados, me diz: é tarde!
***
Em cada tarde a cair,
Vejo a vida em agonia,
Aos poucos se despedir
Na morte de mais um dia.
***
Eu me faço de blindado
Amor? Bobagem... Pieguice...
Meu medo é que, apaixonado
Eu me envolva na tolice.
***
O amor ao término da vida
Deixa na pauta apagada
Uma só nota sentida
Canto do cisne, mais nada.
***
A existência é definida
Não por azar, mas por sorte
Quanto mais cheios da vida
Mais perto estamos da morte.
***
Do coveiro, a noiva, rente
É tão magra o estrupício
Que ele diz, literalmente:
Casei com os ossos do ofício.
***
Na taça de cada dia,
a transbordar de amargura,
cai um pingo de alegria,
e o fel se torna doçura.
***
Do que agitou nossas almas
restam sonhos calcinados,
cingindo as crateras calmas
de dois vulcões apagados.
***
Nossa terra e a terra lusa,
Na doce língua que as liga,
São cordas nas mãos da musa,
Cantando a mesma cantiga.
***
O alto-falante anunciava
a valsa de um "querer-bem",
e o parque inteiro aguardava
ouvir seu nome, também.
***

(Centenário de Mário Quintana)
Marotinho, molecote
Irriquieto e turbulento
Parece um mini Quixote
Perseguindo um cata-vento.
***
Trem-de-ferro, o teu apito
lembra-me um sino plangente:
tanta mágoa no seu grito,
Tanta saudade na gente!
***

Trovas Infantis

Por que é que eu te chamo, Nei,
de 'porquinho' ... faz favor?
É que ainda eu não cheguei
ao tamanho do senhor...
***
"Que tanto estudas, Leal?"
"Geografia, Seu Garcês."
"Humm... e onde está Portugal?"
"Na página cento e três."
***
"Ao céu vai o bem dotado.
E o criminoso aonde vai?"
Diz o filho do advogado:
"Não sei... isso é com meu pai..."
***
"O canivete, meu bem",
diz ao garoto o vizinho,
"é teu! Vai ver o que tem
dentro do teu tamborzinho!"
***
Pancada de chave inglesa
amontoou o Garcês,
que para a própria surpresa,
acordou falando inglês!
***
Guri do boné virado,
estilingue... palavrão...,
hoje, vigário ordenado:
- Pax vobiscum, meu irmão!
***
"Vovô, feche os olhos já!
Vi papai dizendo à Guida
que quando você fechá,
vamo ficá bem de vida!"

Fontes:
Ruy Albuquerque. Chá da Tarde com Dorothy . 16 agosto 2006
http://www.bomdiasorocaba.com.br/

José Ouverney. Trovas de todos os recantos.
http://www.falandodetrova.com.br/

http://sorocult.com/el/talentos/djm.htm

Folclore Brasileiro (Sertão do Boi Santo)

Vindo de Juazeiro, apareceu pelos sertões o beato Zebedeu. Preto, alto, muito esperto, conduzia um boi, tendo atrás penitentes, retirantes, mulheres e crianças.

O boi era zebu e estava enfeitado de fitas e flores.

Excitado e majestoso, igual a um Moisés caboclo, conduzindo seu povo, o beato preto avançava pelas caatingas, tangendo com sua vara santa o boi santo, já de fama afamado.

Ao subir encostas, Zebedeu fazia parar seu bando, deitando falação ao povo:

-Foi num tempo de seca barba; o verdor dos pastos havia desaparecido e eu fui dar a esse boi uma ração roubada dos pastos de meu padrinho Padre Cícero. Roubei o capim porque via que o meu boi sofria, mascando a língua com fome. Corri para furtar um capim mais mimoso, daqueles que só os veados comem, na manga particular do meu padrinho, a única, que nesse tempo tinha capim verde. De noite peguei um feixe e quando na manhã seguinte fui oferecer a ração ao boi, ele a recusou, batendo os cascos e balançando a cabeça. Parecia dizer que não comia capim roubado, ainda mais sendo dos pastos do seu dono. Desde então eu nas virtudes milagreiras desse boi acreditei...

Entusiasmado, continuava:

-Houve outra e desta feita, o meu boi santo mostrou que era mesmo de natureza casta e abençoada. Botei ele no pasto pra cobrir a vaca Mordaça, de raça, que era pra se tirar um bom cruzamento. Pois o boi, solto no pasto, recusou no cheiro e no curral, a cobertura dessa vaca. Desde aí acreditei nele, acreditando que meu boi santo, chamado Mansinho, como então o batizei, não nascera pra safadeza de pasto. Era um boi de manjedoura santa, mugindo a comer flores, ouvindo os lamentos dos meus penitentes.

Apressa-se logo, explicando:

- Não que esse boi seja castrado; ele é inteiro, conforme os irmãos podem olhar pra seus bagos caídos, todos enfeitados de rosas vermelhas, escolhidas pelas minhas beatas, dentre as quais se destaca a Maria Urubu, sempre abraçada com um urubu-rei, de cabeça vermelha. Ela ajuda no preparo do altar sagrado, mudando flores, a enfeitar os bagos do animal com rosas vermelhas.

Mais adiante o bando, por entre serras, descobriu uma chapada, onde baixou. Inspirado, o beato Zebedeu botou profecia:

-Aqui será minha morada. Riacho do Sangue será meu nome. Aqui correrá muito sangue, de inocente e pecador, tudo nas misturas. Quando vires o sol escuro, amole a faca para comer do couro do boi do futuro.

No alto, falando por entre tochas acesas que seus penitentes acendiam, já que a noite baixava pelas quebradas, Zebedeu, iluminado, atroava:

"Intentos grandes haverão, porém, na era de 1922, antes e depois, verás coisas mil no mês mais vizinho de abril. Quando vires o sol escuro, amola a faca pra comeres do couro do boi do futuro. Que o Século Vinte verá rebanhos de vinte mil, sob o comando do meu padim Padre Cícero, que me mandou na frente pra pregar o verbo Divino. Aqui ficarei, trazendo meu povo-camelo pro Egito, pras as Babilônias das necessidades. Tudo há de acontecer, arder e depois florescer, porque Deus quer e eu sei por ser assim que está escrito."

Assim a fama desse beato negro, Chamado Zebedeu com seu boi santo Mansinho espalhou-se pelos sertões de quatro Estados. Vieram mil romeiros, conduzindo cabras, jumentos, criações de pequena monta. Todos atrás dos milagres propagados. Colocaram o boi numa manjedoura, passando a adorá-lo como a um santo. O excremento do boi era vendido e dos seus chifres eram tirados lascas para se fazer chá. Do excremento do boi o povo dizia:

- É remédio divino, remédio que cura ligeiro.

Da sua urina, porções eram guardadas em garrafas, relíquia de valor, pela qual as mulheres brigavam, pedindo as garrafadas pelo "Santo Amor".

Improvisaram-se cantorias e, de longe, vieram famosos violeiros, que em versos famosos, cantaram o beato e o boi, sua aparição e seu encantamento no sertão.


EXALTAÇÃO DO BOI

Do Boi só não se aproveita o "berro" e embora tenha sido de vital importância, no período colonial, a criação de gado era considerada uma atividade secundária.

Mas, para os que viviam no sertão, a vida era muito difícil. Abundância mesmo só de carne e leite, fornecida pelo rebanho. O vaqueiro dessa época viveu a "Era do Boi", pois dele tudo era feito. Era de couro tudo o que os cercava: a porta das cabanas, leitos, cordas, cantil, alforje, mochila, bainhas de faca e até as roupas com que enfrentavam a caatinga.

Portanto, nada mais justo de considerar o boi um animal sagrado. O Pseudo-Dionísio Aeropagita resumiu bem o simbolismo místico do boi:

"A figura do boi marca a força e o poder, o poder de rasgar sulcos intelectuais para receber as chuvas fecundas do céu, ao passo que os chifres simbolizam a força conservadora e invencível".

Os chifres tem sentido de eminência ou elevação, e evoca a inviolabilidade, o origem divina e espiritual, oposta ao poder temporal. O chifre é ainda, sinal de comunicação com forças naturais ou superiores; se os artistas da Idade Média representavam os heróis ou os personagens bíblicos com chifres, não era para indicar alguma natureza diabólica, mas para mostrar sua comunicação direta com as forças divinas.

O boi no Brasil foi a alma engenhos e o folclore brasileiro é enriquecido com sua presença. São muitas as festas de exaltação ao boi: Bumba-meu-boi, Boi-Bumbá, etc. O bumba-meu-boi é um auto popular que gira em torno da morte e da ressurreição do boi. Junta-se ao bumba-meu-boi o batuque e outras brincadeiras.

Mas o boi brasileiro tem muitos sotaques, estilos e variedades. Tem o boi de zabumba, de matraca, de orquestra, de barrica, da ilha, de Pindaré, de Baixada. Todos Maravilhosos!

Aqui o boi freqüenta o natal, o carnaval e outros festejos com o seu animado cotejo, suas orquestras e toadas, reafirmando a força da cultura e da arte popular.

Fonte:
http://www.rosanevolpatto.trd.br/

segunda-feira, 3 de março de 2008

Paulo Tortello (1952 - 2000)

Nascido em Sorocaba, no dia 02 de julho de 1952, Paulo Fernando Nóbrega Tortello ou simplesmente Paulo Tortello, era o primeiro dos cinco filhos do também professor João Tortello e de Maria Helena Nóbrega Tortello, sempre teve a língua portuguesa como uma paixão.

Consultando alguns arquivos como o livro “Nossa Arte à Meia Luz” (1996) de Werinton Kermes, temos os seguintes dados:

Paulo Tortello: Poeta, apaixonado pela língua portuguesa. Formado em Letras e em Ciências Sociais, foi professor desde 1979, tendo lecionado e organizado cursos de Português e Redação em varias escolas e instituições da cidade, região e capital. Membro-fundador da Academia Sorocabana de Letras e membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba.

Um dos fundadores da Academia Sorocabana de Letras (ASL), da qual era sócio emérito, Tortello, comenta o presidente da entidade Geraldo Bonadio, "transitava com desenvoltura por todos os estilos literários".

- Traduziu o livro “Esquemas para a Interpretação da Realidade”, de Gregório Uriarte, 1986, livro que é autor da quarta parte (sobre o Brasil).

- Primeiro lugar na Bienal do Livro de 1984, com a monografia sobre o tema ”O Livro na Sociedade Competitiva”. Prêmio Alceu Amororso Lima, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.

- Monitor de Língua Portuguesa da SEC. Coordenador do Projeto “Poesia em Debate”, da Biblioteca Municipal de Sorocaba. Primeiro lugar no concurso literário da UNISO/93, entre outros.

- Tortello foi cronista do jornal Diário de Sorocaba. Dedicou-se ao ensino da língua portuguesa e apresentou na rádio Jovem Pan o quadro "A língua ao pé da letra", em que respondia dúvidas dos ouvintes a respeito do tema. No Cruzeiro do Sul escrevia a coluna semanal "Língua Portuguesa", aos domingos, no caderno Mais Cruzeiro.

- Tortello foi sociólogo, fato citado pelo amigo José Carlos de Campos Sobrinho, na homenagem póstuma feita em outubro/2000 no SENAC – Sorocaba:

... aconteceu um episódio curioso do qual eu participei. Um dia, ele me telefona à tarde - é o seguinte, vem comigo que hoje à noite nós vamos ter de receber uma pessoa que está chegando do Chile, um intelectual, um político que está querendo começar a fazer política após o período de exílio. Era na época do governo Figueiredo. E falei - vai, que beleza, quem era? Uma pessoa que você deve conhecer – o Professor Fernando Henrique Cardoso.

E a noite, eu e o Paulo recebemos o Professor, isto em 1977, logo em seguida foi candidato a Deputado, Senador, Governador e depois Presidente da República. Foi muito curioso”.

Paulo Tortello era marxista, não apenas no aspecto filosófico, era comunista e também cidadão dos mais revolucionários, isto nos anos 70.

Entrevistado por Marcelo Boraczynski, em junho de 2000, Tortello definiu o “Poesia em Debate” da seguinte forma:

...ele (Poesia em Debate) foi elaborado tendo em vista a reunião de quatro ou seis pessoas, no máximo, para fazermos uma orientação aos que pretendiam mostrar seus poemas ao público. Mas, hoje é um projeto que visa atingir o maior número de pessoas, indiferenciadamente, da comunidade e mesmo cidades próximas a Sorocaba.”

Questionado sobre o público do Poesia em Debate : ” São poetas profissionais ou amadores?” e Tortello respondeu: “ O Poesia em Debate visa atingir os poetas que podemos dizer amadores. São iniciantes em sua grande maioria, embora o projeto reúna também alguns escritores que já vem desenvolvendo seu trabalho há algum tempo.

Questionado sobre a Lingua Portuguesa, Tortello diz: "fechar os olhos à contribuição lingüística é querer negar as evidências históricas de qualquer idioma; já, por outro lado, expor a Língua à descaracterização indiscriminada é abrir-se imprudentemente à mais abjeta das dominações – que é a da cultura (porque é completa). Erram por isso os que pretendem impor decretos e regulamentos à expressão livre que mora na boca dos falantes de uma língua. Erram e em vão laboram. A língua vive da fala. Erram, não menos, os que pretendem ver nos esforços de preservação de nossa identidade cultural – consubstanciada, "in totum", em nosso idioma – o ranço do xenofobismo e até a excrescência da censura. Não ser xenófobo não implica ser xenófilo, vale dizer: não é por não ter horror à contribuição estrangeira que devo prostar-me perante o modo de falar dos poderosos, mais ainda se se trata de poderosos estrangeiros. Nem é censurar traduzir à linguagem que usamos falar palavras e expressões que nos venham de fora – de modo a adaptá-las às tradições de nossa história e ao desenvolvimento de nossa cultura. Creio ser obrigação dos brasileiros. Creio ser obrigação dos brasileiros – mais- um direito! O expressar-mo-nos em Português".

"Sua morte representa a perda de um dos maiores estudiosos locais de questões relativas à língua portuguesa", destacou Bonadio. Tortello trabalhou durante anos como redator de "O São Paulo", órgão informativo oficial da arquidiocese de São Paulo. Na época, cursava Ciências Sociais e se reportava diretamente ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns.

No começo da década de 90, o escritor ainda organizou dois volumes da coleção "O Pensamento Vivo de..", editado pela Martin Claret. Produziu os textos introdutórios com dados biográficos, cronológicos e a interpretação das obras de Marx e Lenin.

Após a morte de Paulo Tortello, foram feitas duas homenagens póstumas, sendo a primeira no SENAC e a segunda na UNISO. No funeral, D. Maria Nóbrega pede ao Marcelo: ”Não deixe o projeto do meu filho morrer”. No que Marcelo responde: ”Enquanto eu estiver vivo e morando em Sorocaba, não deixarei o Poesia em Debate morrer”. Promessa feita em 24 de setembro de 2000...Cumprida até hoje!

Fato que resultou na fundação do Instituto Literário Paulo Tortello – Poesia em Debate, em 05 de maio de 2005.

Fontes:
http://www.sorocult.com/
http://www.partes.com.br/
http://www.educlique.com.br/

Paulo Tortello (Poesias: Sonetinho Ridículo - Sonetilho todo teu)

SONETINHO RIDÍCULO

Eu te odeio, meu amor,
eu não gosto de você.
Pois, então, faça um favor:
se me esquece, sivuplê.

Eu odeio o meu amor
que eu não sinto por você.
Por isto eu não sinto dor:
eu nem ligo, pode crer.

Não é verdade que eu ame
quem não liga para mim.
Por isso, melhor não chame:

quer dizer... me chame, sim:
vou dizer que eu não te amo.
Se não me chamar eu chamo...

SONETILHO TODO TEU

Você está em tudo
que eu quero esquecer;
tudo está em você,
você é meu tudo.

Choro por escrito
sua ausência intensa
de presenças densa,
imenso infinito.

E declaro, imune
(que o Amor perdoa),
que eu não sofro à toa:

quem amou assume
sempre estar presente,
mesmo estando ausente.
Fonte:

domingo, 2 de março de 2008

Lendas do Japão (As origens de Maneki-Neko)

Atualmente conhecido em todo o mundo como talismã da sorte e, particularmente, como talismã que atrai fregueses para casas comerciais, o Maneki-neko, o gatinho sentado que tem a patinha levantada, tem diferentes lendas a respeito de sua origem, conforme região do Japão. Esta é uma das versões do lado leste do Lago Biwa, na região central do Japão.

Conta a lenda que quando o lorde guerreiro Ii Naotaka (1590~1659) voltava do cerco e tomada do Castelo de Osaka, após ter comandado 3,2 mil homens e se destacado na Batalha de Tennoji, em março de 1615, surpreendido por uma chuva repentina, abrigou-se em baixo de uma árvore próximo do Templo Gotokuji, em Setagaya.

Gotokuji, na época, era um templo decadente, com pouca freqüência de fiéis e, portanto, muito pobre. No templo, vivia um monge budista e uma gata de nome Tama. Solitário, o monge conversava com a gatinha lamentando quase sempre a situação de penúria do templo.

– A situação está cada vez pior. Hoje, nem temos arroz para comer. Bem que você podia dar uma ajuda para melhorar nossa situação, em vez de ficar dormindo o dia inteiro.

Esperando a chuva passar sob a árvore, Ii Naotaka olhou para o velho templo e viu um gato sentado sobre suas patas traseiras e acenando com a pata dianteira levantada. O samurai ficou encantado pela habilidade do bichinho e foi em direção do templo para ver de perto a façanha.

Quando Naotaka chegou junto ao templo, um raio fulminante atingiu a árvore exatamente no local em que ele estava encostado. O guerreiro imediatamente percebeu que aquele gesto do gato havia salvado sua vida. Então, entrou no templo para rezar em agradecimento à graça recebida.

No salão principal, havia várias goteiras, e todo o templo estava em condição lamentável. Naotaka fez oferenda de todo o dinheiro que carregava ao altar, comentando com o monge que a sabedoria de Buda iria usar aquele dinheiro para reformar o templo. Após esse episódio, Naotaka passou a freqüentar o Gotokuji, e o local tornou-se, então, o templo oficial da família de Ii Naotaka. Conseqüentemente, tornou-se um local próspero e visitado por todas as pessoas do feudo.

Para homenagear o gesto de Tama, que tanta sorte trouxe ao templo e salvou a vida de Naotaka, foi esculpido e colocado no local uma estátua da gata com a mão levantada. As réplicas em miniaturas da estátua, que eram distribuídas no Templo Gotokuji como lembrança, tornaram-se, mais tarde, amuleto da sorte, com o nome de Maneki-Neko.

Outra versão

História também bastante conhecida, surgida nos meados da Era Edo (1615~1868), conta que existiu, no bairro de Imado, em Edo (hoje Tóquio), uma velha senhora que tinha um gato de estimação. A velhinha estava em péssimas condições financeiras, porque, devido à idade avançada, não conseguia arranjar um trabalho para garantir seu sustento.

Numa determinada ocasião, a situação ficou tão crítica, que ela não tinha mais como alimentar seu gatinho. Então, conversando com o bichinho, disse:

– É com o coração partido que terei de abandonar você. Devido à minha condição de extrema pobreza, não tenho como continuar lhe alimentando.

Depois, com lágrimas nos olhos e barriga roncando, a velhinha foi dormir. Em seu sonho, o gato apareceu e disse:

– Molde minha imagem em barro, que trará muita sorte a você.

No dia seguinte, ela resolveu fazer uma estatueta do gato, conforme o sonho havia sugerido. Enquanto ela moldava o barro, o gato estava “lavando a cara” com gestos exagerados e, achando engraçado, a velhinha resolveu moldar o bichinho com a pata levantada. Nisso, passou uma pessoa em frente de sua casa e, achando interessante, quis comprar a estatueta. Como estava dias sem comer, a velhinha vendeu a estatueta e comprou comida para ela e o gato. Assim, de barriga cheia, resolveu fazer outra estatueta para deixar como talismã da sorte. Porém, apareceu outra pessoa e comprou a segunda estatueta

Quanto mais a velhinha fazia estatuetas, mais aparecia gente para comprá-las. Com isso, ela mudou de vida e nunca mais passou necessidades. E a estatueta da sorte passou a ser conhecida como Maneki-Neko.

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Lendas do Japão (O cavalo dos sonhos e as sete berinjelas)

No Japão, existe um ditado que diz: “Se ama seu filho, deixe que ele viaje”. O imigrante japonês no Brasil conhece bem o sentido dessa frase.
Há muitos e muitos anos, numa aldeia rural do Japão, viviam dois inseparáveis amigos. Eisuke era filho do chefe da aldeia, uma família abastada, dona das terras daquela região. Goro era filho de pobres lavradores, que trabalhavam nas terras do pai de Eisuke. Apesar da diferença social e econômica das famílias de ambos, eles viviam sempre juntos, desde quando pequeninos.

Certa ocasião, os dois, cansados de viverem dentro dos limites da aldeia, resolveram conhecer outras paragens e ganharam a estrada.

Caminhavam alegremente, ora cantando, ora tirando músicas assoprando folhas de bambu esticadas nos lábios. Prosseguiam a viagem despreocupados.

Dias depois, na travessia de uma montanha, perderam-se no meio da mata. A noite caiu, e a floresta transformou-se em completa escuridão. Apesar do medo, continuaram caminhando, pois permanecer ali parecia por demais perigoso. De repente, avistaram uma luz no meio da mata. Os dois rumaram apressados em direção à luz, pois devia, com certeza, ser uma casa. Por sorte, era uma hospedaria. Os meninos ficaram aliviados e pediram uma pousada para a velha dona da pensão. Cansados que estavam, Eisuke logo adormeceu. Goro, que nunca tinha dormido numa hospedaria, apesar de exausto, não conseguia pegar no sono.

De repente, percebeu que alguém estava abrindo o shoji (parede móvel de papel), então fechou os olhos e fingiu que estava dormindo. De olhos semi-serrados, viu que a dona da pensão olhou para dentro do quarto e, vendo que os dois estavam dormindo, deu uma risada horripilante e se afastou corredor. Goro ficou arrepiado de medo, aquela não era uma situação normal.

Da porta corrediça que a velha deixou semi-aberta, Goro podia vê-la na sala no fim do corredor. A velha sentou-se perto do irori (fogareiro), mexeu as cinzas com dois palitos de ferro e acendeu o fogo assoprando as brasas no centro do irori. Em seguida, depositou algumas sementes nas cinzas. Goro não estava entendendo nada do que estava acontecendo.

Para a surpresa do menino, as sementes plantadas começaram a brotar e a crescer em segundos. As folhas finas e compridas denunciavam que eram pés de arroz, que incrivelmente começaram a soltar cachos, que ,carregados, fizeram as hastes curvarem. Segundos depois, os cachos pendentes ficaram amarelos e prontos para ser colhidos.

A velha colheu o arroz, tirou a casca esfregando-o em uma peneira de bambu e cozinhou-o no fogareiro. Depois, amassou-o num pequeno pilão e fez quatro motis (bolinhos de arroz glutinoso). Goro, que assistiu a tudo, pensou em contar para o amigo, mas, vendo Eisuke roncando, resolveu deixar para o dia seguinte. Cansado, Goro também acabou pegando no sono.

No dia seguinte, quando Goro despertou, o sol já estava alto. Olhou para o leito ao lado e viu que Eisuke já havia se levantado. Então, levantou-se depressa e correu para a sala. A dona da hospedaria estava oferecendo os bolinhos para Eisuke. Goro gritou para que ele não comesse aquele moti, porém, era tarde. Eisike havia posto o bolinho na boca e degustou-o com satisfação.

– Nossa, que bolinho gostoso. Quero mais.

– Sim, coma! – disse a dona da pensão.

– Não coma! – gritou Goro.

Mas era tarde. Eisuke botou as mãos sobre a barriga, começou a se contorcer e, por mais incrível que possa parecer, transformou-se num cavalo. Um cavalo bonito, mas diferente de todos os cavalos que o menino tinha visto até então. Um cavalo todo colorido, como se fosse um cavalo de sonhos. Goro ficou paralisado de susto. Compreendeu que a velha dona da pensão era, na verdade, uma Yamanbá (bruxa da montanha), que transforma todos os viajantes que ali se hospedam em cavalos de sonhos. Já havia ouvido qualquer coisa a respeito, mas não acreditou que pudesse ser verdade. No entanto, seu amigo Eisuke era agora um cavalo de sonhos, com colorido impressionantemente belo e maluco.

– É sua vez. Coma os motis, garoto – disse a velha, esticando o prato com dois bolinhos ao garoto.

Goro estava paralisado de medo, mas, numa reação desesperada, derrubou o prato dos bolinhos com a mão e saiu correndo da casa. Correu desesperadamente, sem rumo, até que avistou uma casa de lavrador no vale.

Quando Goro abriu os olhos, estava estirado sobre um tatame (esteira de palha) na casa do vale. Um velhinho com barba e cabelos compridos, que aguardava pelo seu despertar, sorriu e disse:

– Vejo que está melhor. Você bateu na minha porta e desmaiou de canseira.

– Estou com sede. Muita sede – disse Goro, percebendo que estava diante de um Sennin (sábio imortal), e que só ele poderia ajudá-lo a salvar seu amigo.

Depois que tomou várias tigelas de água, Goro contou o ocorrido ao bom velhinho e pediu ajuda para salvar seu amigo. O ancião ensinou, então, que o único modo de salvar Eisuke era fazer ele comer sete berinjelas de um mesmo pé.

– Só assim seu amigo voltará a ser humano. Em seguida, o velho fez um mapa ensinando onde o menino poderia encontrar uma grande plantação de berinjelas e como chegar de volta à casa da Yamanbá. Assim, Goro, agradecendo ao velhinho, seguiu o que indicava o mapa.

A plantação de berinjela era enorme. Goro saiu contando pé por pé quantas berinjelas tinha cada um. Depois de várias horas, finalmente achou um pé com as sete berinjelas. Então, arrancou o arbusto e foi em direção à casa da Yamanbá.

O cavalo estava amarrado em uma árvore ao lado da “hospedaria”. Goro aproximou-se sorrateiramente, desamarrou a corda e disse:

– Eisuke, escute, sou eu, Goro.

O cavalo olhou-o como se reconhecesse o amigo e balançou a cabeça no sentido vertical.

– Olha, você tem que comer estas sete berinjelas. Assim que as comer, o encanto se quebrará, e você voltará a ser gente – o cavalo fez movimento horizontal com a cabeça, como quem desaprova a idéia.

– Puxa, agora lembrei que você não gosta de berinjelas. Sua mãe vive dizendo para você comer berinjelas, mas você as detesta. Só que, desta vez, você vai ter de comer as sete, se não quiser continuar cavalo para o resto da vida. Essas berinjelas foram sugeridas por um Sennin, não tem erro.

Assim, fazendo cara de poucos amigos, o cavalo começou a comer as berinjelas. Depois, ao digerir a última, como num passe de mágica, voltou a ser Eisuke. Os dois se abraçaram de alegria e trataram de fugir do local o mais rápido possível. De volta à aldeia, cada um foi para sua casa e, durante bom tempo, tiveram histórias para contar. Anos depois, tornaram-se sócios em plantação de berinjelas e continuaram bons amigos para sempre.

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Lendas do Japão (O legendário Hidesato)

Tawara Touda Hidesato, historicamente Fujiwara-no-Hidesato, foi um guerreiro da Era Heian (794~1185) que se tornou conhecido por combater na rebelião de Taira-no-Masakado na província de Hitachi, matando seu líder na batalha de Kojima, em 940. Esta foi a primeira e a principal rebelião da classe dos guerreiros contra o governo imperial. Muitas histórias fantasiosas nasceram em torno de Hidesato, que ficou conhecido popularmente como Tawara Touda.

Entre as legendárias histórias atribuídas a Hidesato, a mais conhecida é aquela na qual ele enfrenta uma lacraia gigante.

Tudo começou quando Hidesato atravessava a Ponte Seta-no-Karashi, no Lago Biwa, a maior lagoa do Japão. No meio da ponte, havia um dragão adormecido, obstruindo a passagem. Sem se incomodar, Hidesato passou por cima do rabo do dragão e seguiu seu caminho. Depois que deu alguns passos, ouviu uma voz feminina chamando por ele. O guerreiro virou-se e deparou-se com uma linda donzela que o chamava.

– Sou a filha do rei Dragão, que tem um palácio no meio deste lago. Há dias que estou aqui na ponte na forma de um tenebroso dragão, tentando encontrar alguém corajoso que não tenha medo de monstros. Todas as pessoas chegavam até a ponte e, quando me viam, saíam correndo. O senhor foi o único que seguiu seu caminho por cima de meu corpo.

– Se isso é um elogio, eu agradeço – disse Hidesato.

– Queria lhe pedir um grande favor.

– Se estiver ao meu alcance, terei prazer em atendê-la.

– A pedido de meu pai, estava a procura de um guerreiro corajoso e acho que finalmente o encontrei. Uma lacraia gigante desce do Monte Mikami e está devorando todos os membros da minha família. Um a um estão sendo vitimados pelo monstro, que fez de nós, do palácio de Dragão, seu alimento. Creio que serei a próxima vítima, pois minhas irmãs foram todas devoradas pela criatura gigante.

Hidesato, que nada temia e adorava aventuras, concordou prontamente em ajudá-la. Assim, ele seguiu a donzela e foram para o palácio do rei Dragão.

Lá chegando, conheceu o rei Dragão, que havia preparado uma grande festa para lhe dar boas-vindas. Foi um grandioso banquete com muitas iguarias deliciosas, regadas com fino saquê (vinho de arroz). Todos da corte dançavam e cantavam como não faziam há muito tempo, pois estavam esperançosos de que havia chegado o salvador. Em plena festa, o dia começou a escurecer e uma bateria de trovões ribombou nas nuvens.

Hidesato correu para a varanda do segundo andar com arco e flecha em punho. O Monte Mikami estava irreconhecível. Envolta em neblina, dava para perceber uma forma espiral com mil pernas, enrolando completamente a montanha. A lacraia gigante tinha uma enorme cabeça com duas bolas de fogo no lugar dos olhos.

O guerreiro preparou a flecha no arco e retesou a corda o quanto pôde. A flecha partiu em direção ao brilho dos olhos do monstro e acertou-o no meio da testa. Porém, o gigantesco inseto continuou avançando em direção ao palácio, como se nada tivesse acontecido.

Imediatamente, Hidesato colocou outra flecha no arco e disparou. E mais uma vez nada aconteceu. Só lhe restou uma flecha das três que ele levara para a varanda. A lacraia gigante estava bem perto. A princesa e o rei Dragão estavam apavorados e tremendo de medo. Ao colocar a última flecha no arco, o guerreiro lembrou que as crianças brincavam cuspindo em centopéias, pois diziam que a saliva humana era mortal para esse tipo de inseto. Então, colocou, por um momento, a flecha na sua boca, lubrificou-a com saliva e mirou-a na testa do monstro. Quando atirou a flecha, um grito horrível ecoou no palácio. Trovões ribombaram, relâmpagos cortaram o ar, e o palácio parecia desmoronar. Em seguida, as bolas de fogo apagaram-se e começou a cair uma chuva torrencial.

Todas as pessoas do palácio estavam prostradas no chão, tamanho o susto. A tempestade assustadora atravessou a noite, clareando ao amanhecer.

No dia seguinte, o céu estava claro. O sol brilhou radiante. Na superfície do Lago Biwa, boiava o corpo sem vida da lacraia gigante. O rei Dragão e toda a corte festejaram com euforia o fim do pesadelo. Hidesato foi festejado como o grande herói do Lago Biwa.

Quando Hidesato foi se despedir do rei Dragão para continuar suas andanças pelo Japão, recebeu deste alguns presentes: um saco de arroz, um rolo de seda, dois sinos e uma caçarola.

– São lembranças simples, mas de todo o coração.

Uma comitiva liderada pela bela princesa Dragão carregou os presentes até a ponte, onde se despediram do herói.

Quando chegou em casa, Hidesato descobriu que os presentes não eram nada comuns. O rolo de seda, quando se cortava um pedaço para fazer quimonos, aumentava automaticamente na mesma proporção, portanto, nunca acabava. Da mesma forma, o saco de arroz, à medida que era esvaziado, tornava a se encher. Era inesgotável. Então, quando a vizinhança ficou sabendo disso, passaram a chamá-lo de Tawara Touda, ou seja, senhor saco de arroz.

Por sua vez, a caçarola cozinhava mesmo sem fogo, e os sinos, cujo som ecoava até os limites da província Oomi (atual Shiga), foram doados ao Templo de Mii para serem tocados em horas determinadas, servindo de marcador de horas para toda a população.

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Lendas do Japão (O gato assombrado de Nabeshima)

As folhas de momiji (acer), que da cor verde passaram para o amarelo e depois para o laranja, agora ganhavam uma cor vermelho vivo. Não só as árvores como o chão, forrado de folhas caídas, davam a impressão de que todo o jardim do castelo de Nabeshima havia pegado fogo. Era final de outono no Japão.

O príncipe de Hizen, um membro da família honrada de Nabeshima, tinha como sua concubina favorita uma mulher charmosa, cujo nome era Otoyo. Certa ocasião, os amantes passeavam no jardim do castelo e permaneceram apreciando as flores até o pôr-do-sol. No retorno, sem que eles percebessem, foram seguidos por um enorme gato negro.

Otoyo dirigiu-se para o seu quarto e sentiu uma inesperada indisposição. Tentou manter-se acordada, mas logo dormiu. À meia-noite, foi despertada por uma estranha sensação e viu dois olhos enormes que a fixavam brilhando na escuridão. Prestando bastante atenção, percebeu que se tratava de um enorme gato negro. Porém, antes que ela pudesse gritar pedindo ajuda, o animal saltou em sua garganta e mordeu-a profundamente, estraçalhando seu pescoço até a morte. O gato, então, foi lambendo o sangue da moça e adquirindo forma humana, ficando igual a sua vítima. Então, arrastou Otoyo para baixo do assoalho e enterrou o corpo sob a varanda.

O príncipe, que de nada sabia, não desconfiou nem um pouco da bela mulher que naquela noite o procurou para fazer amor. Assim, nos dias seguintes, como um ritual, ela o procurava no meio da noite e ia sugando seu sangue sem que a vítima percebesse. Em poucos dias, o príncipe de Hizen perdeu toda a força e seu rosto estava mais pálido que uma vela. Permanecia o dia todo deitado, pois já não tinha força para se levantar.

Os médicos do palácio prescreveram vários medicamentos, mas nenhum fez o efeito desejado. Suspeitaram então que alguém estava envenenando o príncipe.

Vários samurais montaram guarda ao redor de seu quarto. Porém, quando chegou o meio da noite, todos pegaram no sono e só acordaram na manhã seguinte. Nas noites que se seguiram, as mesmas coisas aconteceram. Nenhum soldado conseguia ficar acordado.

Os conselheiros concluíram que alguma força estranha, de poder sobrenatural, estava agindo naquela alcova. Chamaram monges budistas e sacerdotes xintoístas para fazer exorcismo no quarto, já que a saúde do príncipe ia piorando dia a dia. Foram semanas de orações e rituais diversos, mas de nada adiantou, a saúde do príncipe de Hizen ia de mal a pior.

Naquela ocasião, um samurai de nome Ito Soda, que serviu na infantaria de Nabeshima, atravessou o jardim de inverno e invadiu as proximidades do quarto do príncipe. Ele solicitou aos conselheiros que permitissem a ele permanecer escondido no quarto do enfermo, para desvendar como agia o espírito maligno que estava prejudicando seu senhor.

Seu pedido foi prontamente aceito, já que todas as tentativas tinham se mostrado infrutíferas. Ito ficou firme em seu posto, no entanto, como aconteceu com os guardas que o antecederam, a partir das dez horas, começou a sentir um sono irresistível. Para espantar seu sono, espetou sua faca profundamente em sua coxa, de modo que a dor aguda o mantivesse acordado.

De repente, as portas deslizantes do quarto do príncipe abriram-se, e uma linda mulher entrou e dirigiu-se ao leito. Ela agachou na cabeceira do príncipe e esticou o pescoço como quem vai beijar o adormecido. Porém, a mulher, pressentindo a presença de mais alguém no quarto, virou a cabeça e, com olhos brilhantes, disse:

– Tem alguém aí?

Ito permaneceu escondido e em silêncio, espiando pela fresta da porta do quarto ao lado. Percebendo que alguém a observava, ela levantou e saiu do quarto às pressas.

Na noite seguinte, a cena se repetiu. Assim, por não ter sido subjugado por duas noites seguidas enquanto dormia, a saúde do príncipe melhorou consideravelmente. Para Ito Soda, ficou claro que Otoyo era alguma entidade maligna tentando acabar com a vida do príncipe de Hizen. Diante disso, traçou um plano para acabar com ela.

Fingindo ser um mensageiro do príncipe, foi até o quarto dela, para entregar um bilhete que sua alteza lhe enviara. Ao aproximar-se da falsa Otoyo para entregar o suposto bilhete, Ito sacou da espada e desferiu um golpe na direção dela. Porém, com percepção felina, ela esquivou-se da lâmina pulando para trás. Na seqüência, assumiu a forma de um gato preto e saltou pela janela. Ganhou o telhado do castelo e, segundos depois, fugia em direção à montanha.

Esse gato que gostava de lamber sangue humano passou a incomodar os habitantes da montanha. Tempos depois, o príncipe de Hizen, completamente recuperado, organizou uma caçada ao gato maldito de Nabeshima. Um exército com milhares de samurais vasculhou a montanha. Somente no oitavo dia, finalmente, o gato maldito foi liquidado e a paz voltou à região.
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Comentário:
Os primeiros gatos foram introduzidos no Japão por Fujiwara-no-Sanesuke, um nobre da corte do imperador Ichijo (987–1011). Trazidos da China, esses animais de estimação eram vistos com reserva pelos japoneses. Além de não serem obedientes como os cachorros, eram considerados destrutivos por natureza, por rasgarem tatami de palhas (tablado que servia de assoalho) e fazerem furos no shoji (parede de papel) para apanhar insetos que vinham as casas atraídos pelas lamparinas. Na época, a iluminação das casas era à base de lamparina a óleo, e os gatos gostavam de lamber esse óleo combustível, muitas vezes causando incêndio.

Assim como a raposa, o texugo e a serpente, o gato era considerado um animal assombrado no antigo Japão.

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Lendas do Japão (Hariko Inu, o cão-guardião)

Os cães são protetores naturais dos homens, são fiéis aos seus donos e estão sempre ao seu lado, com a incrível capacidade de detectar situações perigosas às quais estão sujeitos no cotidiano. Antigamente, os japoneses acreditavam que os cães tinham faro para identificar os oni (demônios), que, muitas vezes, se disfarçavam em forma humana para infiltrar-se em povoados e praticar o mal. A crença popular nipônica conta que os cachorros são associados à proteção de crianças, por isso existe um talismã antigo, que até hoje é muito popular, chamado Hariko Inu; trata-se de um cachorrinho feito de papel machê e pintado com cores fortes. Dizem que esse talismã traz sorte, saúde e proteção. Por isso, as mães, quando vão ganhar um filho, ou quando a família tem bebê em casa, deixam o Hariko Inu enfeitando o quarto, para que a criança cresça com saúde e esteja sempre protegida dos demônios.

Existem algumas versões sobre a origem do Hariko Inu, mas esta é particularmente interessante, porque envolve o grande mestre Kukai (nascido no Ano do Tigre de Madeira – 774) que ficou conhecido, após a sua morte, como Kobo Daishi, o fundador da seita budista Shingon.

Durante sua peregrinação na ilha de Shikoku, o monge Kukai passou a noite na cabana de um lavrador. O dono da casa era um senhor muito amável e o hospedou com grande alegria e cordialidade. Kukai, então, disse que gostaria de recompensá-los pela hospedagem e pediu que dissessem como ou quanto deveria pagar.

O lavrador recusou pagamento, mas, devido à insistência do monge, disse que gostaria de receber um amuleto e justificou:

- Nós não tivemos sorte com o tempo nesses últimos anos. Nossa plantação de arroz tem sido devastada por javalis selvagens e, quando os cachos de arroz estão madurando, são devorados pelos pássaros. Sem dizer que, às vezes, existem secas em época de crescimento ou enchentes antes da colheita.

O monge, então, rabiscou alguma coisa em um pedaço de papel, depois dobrou-o cuidadosamente em forma de envelope. Essa dobradura foi pregada na porta do celeiro.

Naquele ano, a colheita foi normal, nenhuma intempérie veio a prejudicar a boa safra. No ano seguinte, a mesma felicidade. Os agricultores festejaram a boa colheita com um festival de tambores e danças. No terceiro ano, a mesma coisa.

O agricultor e a esposa estavam muito felizes com a simpatia que o monge Kukai havia lhes presenteado. Porém, durante os três anos a curiosidade foi crescendo, crescendo e até que, não agüentando mais, abriram o papel para ver o que o monge havia rabiscado ali.

Não deu tempo de o casal ver o que estava escrito no papel. Bastou começar abrir a dobradura e um cachorro pulou para fora do papel. O cachorro sumiu, nunca mais voltou, e ninguém sabe para onde ele foi. O papel estava em branco, mas o lavrador e sua esposa haviam visto Kukai rabiscar alguma coisa nele. Desde então, a colheita não foi mais boa. Como se houvesse perdido a proteção divina, a plantação de arroz passou por toda sorte de dificuldades, até mesmo ataque de insetos.

O pessoal da aldeia raciocinou que o cachorro estava protegendo a casa e a plantação de arroz. E, desde então, passaram a confeccionar pequenos cachorros de papel machê, para ficar de guarda, protegendo a casa e as crianças enquanto os pais trabalhavam na roça.

Restou a curiosidade do povo. Alguns disseram que o monge teria escrito simplesmente a palavra inu (cão); outros disseram que ele fez desenho de um cachorro, pois, além de monge, calígrafo e poeta, era excelente desenhista. Há também estudiosos de seitas que afirmam que Kukai escreveu Inukami, que pode ser traduzido como “deus cão” (inu=cão e kami = deus). Uma vez que papel também é kami em japonês, quando o casal abriu a dobradura, a palavra ganhou vida e materializou-se em animal.

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Lendas do Japão (O cachorro de Michinaga)

No Japão, existem várias lendas que contam façanhas de cachorros. E todas elas testemunham que ele é o melhor amigo do homem. A julgar pelas descrições das lendas, elas foram acontecendo ao longo do tempo, até chegar a grande quantidade que hoje existem. A lenda que escolhemos para esta edição aconteceu na Era Heian (794~1192), envolvendo o ministro plenipotenciário Fujiwara-no-Michinaga (966~1027).

Em 1022, Mizunoe Inudoshi (Ano do Cachorro de Água-Yin), Michinaga mandou construir, em Quioto, o Templo Hojoji, tendo ao redor o “Jardim da Terra Pura”. Contam os historiadores que ele gostou tanto do jardim, que deixava seu palácio para visitar o templo diariamente e sempre levava consigo seu fiel cachorrinho branco.

Certa ocasião, naquele mesmo ano, quando o carro de boi que levava Michinaga aproximou-se do templo, o cachorrinho correu na frente, parou na entrada e latiu tanto, que impediu a carruagem de continuar. Michinaga desceu da carruagem, ficou observando o comportamento do animal e concluiu, pela reação do cachorro, que havia algo de errado. Então, mandou um de seus criados chamar Abe-no-Seimei, o astrólogo e adivinho da Corte.

Não tardou muito, e Seimei chegou ao local. Michinaga queria saber o que o cachorrinho estava querendo dizer com seu estranho comportamento. Seimei andou para frente, mas o cachorro não tentou impedi-lo. Pediu, então, que um dos criados fosse em direção ao templo, mas, igualmente, o cachorro não esboçou reação. Quando Michinaga tentou andar para frente, o cachorro começou a latir e a impedir sua passagem. Então, Seimei concluiu:

– Em algum lugar desta estrada existe um feitiço enterrado. Essa mandinga foi elaborada com o objetivo de prejudicá-lo. Se Vossa Excelência pisar o local em que ela está enterrada poderá ser acometido por uma terrível doença. Ainda bem que seu cachorro farejou esse instrumento do mal.

– Sabe me dizer onde o feitiço está enterrado? – perguntou o regente Michinaga.

– Ali – disse Seimei, fazendo gesto mágico e atirando um guiso no ar.

O local onde o guiso caiu foi cavado pelos criados de Michinaga. Foram encontradas duas tigelas unidas pelas bocas e amarradas em cruz com um fitilho amarelado.

– Conheço esse tipo de magia, acho que é obra do mago Doman Ashiya, meu desafeto.

Abe-no-Seimei pegou um pedaço de papel e fez origami em forma de tsuru (garça grou). Sacudiu o tsuru no ar e disse palavras sagradas. A dobradura de garça transformou-se em garça de verdade e voou na direção sul. Seimei ordenou que dois fortes criados de Michinaga seguissem a garça para ver onde ela pousaria.

Pouco tempo depois, os dois criados voltaram trazendo um velho monge à força. O regente Fujiwara-no-Michinaga fez questão de interrogá-lo pessoalmente. Interrogado por tão ilustre figura, o monge confessou que Akimitsu, o ministro da esquerda, ordenou que ele fizesse um feitiço para impregnar o regente de praga.

Michinaga tirou o cargo de Akimitsu e o exilou na distante Harima. Dizem que Akimitsu maldisse o regente pelo resto de sua vida. E, ao falecer, teria se transformado em um fantasma vingativo que andava assombrando Michinaga.

O cachorrinho que salvou a vida de Michinaga foi tratado como nobre pela criadagem de seu senhor e viveu como um rei para o resto de sua vida.

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Lendas do Japão (Nezumi no Yomeiri)

Um noivo para a ratinha

A Era Heian (794~1192) foi uma época de florescimento cultural do Japão, e muito gloriosa para a aristocracia. Uma era onde o luxo e o refinamento faziam parte do cotidiano. Como havia muitos homens ricos e poderosos senhores de terras e fortunas, também os ratos que viviam nos requintados palácios eram muito sofisticados e exigentes.

Em Heian-kyo, então capital do Japão, existiu um rato milionário que tinha uma única e linda filha. A ratinha era tão bonita e meiga, que seus pais sentiam grande orgulho dela. Quando ela chegou na idade de casar, os pais ficaram muito preocupados, pois achavam que rato nenhum no mundo merecia as mãos de sua linda filha. Ela merecia alguém muito mais importante que um simples rato, alguém mais poderoso do mundo!

Depois de tanto pensar e discutir a respeito, o casal chegou à conclusão de que o sr. Sol era o ser mais importante e poderoso do mundo, pois, sem ele, não existiria luz e calor. E, sem a luz, não existiria vida no mundo. Assim, levando a filha ricamente vestida, foram foi conversar com o sr. Sol, que imperava absoluto no céu.

– Sr. Sol, o senhor é o ser mais poderoso do mundo, por isso, gostaríamos que se casasse com nossa linda filha.

– Fico muito honrado com a proposta, porém, quero preveni-los de que não sou o mais poderoso do mundo. Existe o sr. Nuvem, que muitas vezes aparece no céu e impede minha missão, que é a de iluminar o mundo. Ele é tão poderoso, que me esconde de todos que querem me ver, e eu nada posso fazer.

Diante desse argumento, a família foi procurar o sr. Nuvem.

– Sr. Nuvem, o senhor é o ser mais poderoso do mundo, portanto, ficaríamos muito honrados se se casasse com nossa linda filhinha.

– Realmente, é linda a filha de vocês, porém não sou o mais poderoso do mundo.

– Existe algum ser mais poderoso que o senhor? Quem é?

– É o sr. Vento. Todas as vezes em que tento envolver o mundo inteiro, chega o sr. Vento e com um simples assopro me dissipa. Ele me leva para onde quer, e eu fico sem ação. Por isso, ele é muito mais poderoso que eu.

Assim, como queriam o noivo mais poderoso do mundo para a ratinha, foram falar com o sr. Vento.

– Sr. Vento, o senhor é o ser mais poderoso do mundo. Gostaríamos que ficasse noivo de nossa filha.

– Não sou o ser mais poderoso do mundo, porém a idéia de noivar sua linda filha me agrada muito.

– Nós queremos que ela se case com o ser mais poderoso do mundo!

– Nesse caso, acho que é o sr. Parede. Ele é tão firme, que mesmo eu, soprando com toda força, não consigo derrubá-lo. Ele é mais poderoso que eu.

– É, tem razão, vamos falar com o sr. Parede.

Assim, a família foi falar com uma parede na casa onde moravam.

– Sr. Parede, nós sabemos que o senhor é o ser mais poderoso do mundo. Aceitaria se casar com nossa linda filha?

– Eu ficaria feliz em me casar com sua filha, conheço-a desde que nasceu e ela é lindíssima. Mas devo dizer que existe um ser mais poderoso que eu.

A família ficou espantada. Seria possível existir um ser mais poderoso e resistente que o sr. Parede?

– Por favor, diga quem é este ser tão poderoso!

– Ho, ho, ho! Os seres mais poderosos do mundo são vocês, os ratos. Por mais que eu seja duro e resistente, não posso com os dentinhos afiados de vocês.

Veja quantos buracos já me fizeram.

– O senhor tem razão. Por que não pensamos nisso antes? Foi preciso conversar com os seres mais importantes que existem para descobrir essa verdade. Nós, ratos, somos os seres mais poderosos do mundo!

– Sim, nossa filha precisa se casar com um rato!

Nisso, o casal lembrou que, no buraco vizinho, morava um rato de nome Chusuke, que vivia olhando apaixonadamente para sua linda filha. E a filha ficava corada sempre que Chusuke estava por perto.

Dias depois, foi realizada uma bonita festa de casamento, que durou três dias e três noites. Chusuke foi o noivo felizardo que se casou com a mais bela ratinha do mundo. E os dois foram felizes para sempre e tiveram vários ratinhos.

Fonte:
http://www.nippobrasil.com.br/

sábado, 1 de março de 2008

Folclore (Elfos na Mitologia Nórdica)

Elfos Nórdicos (Freyr)
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Este é o primeiro de uma série de artigos sobre os Elfos externos à obra de J. R. R. Tolkien, retiradas de mitologias que serviram de inspiração para alguns aspectos do grande legendarium Tolkieniano.

A descrição mais antiga existente dos elfos vem da mitologia Nórdica. Em Nórdico Antigo eles são chamados álfar (no singular nominativo álfr) e embora não existam descrições mais antigas ou mesmo contemporâneas, a existência de seres etimologicamente relacionados aos álfar em vários folclores posteriores sugere fortemente que a crença em elfos era comum entre todas as tribos Germânicas, e não limitada apenas aos antigos Escandinavos.

Embora o conceito em si nunca seja claramente definido nas fontes existentes, os elfos parecem ter sido concebidos como seres humanóides poderosos e belos. Os mitos sobre os elfos nunca foram registrados. Homens famosos podiam ser elevados à posição de elfos após a morte, como o rei Olaf Geistad-Elf. O herói ferreiro Völundr é identificado como 'Regente dos Elfos' (vísi álfa) e 'Rei dos Elfos' (álfa ljóði), no poema Völundarkviða, cuja prosa introduzida tardiamente também o identifica como rei dos 'Finns', um povo Ártico respeitado por sua magia xamânica. Na Saga de Thidrek uma rainha humana se surpreende ao descobrir que o amante que a engravidara é um elfo e não um homem. Na Saga de Hrolf Kraki um rei chamado Helgi estupra e engravida uma elfa vestida em seda que é a mulher mais bela que ele já vira.

A reprodução entre as raças era, portanto, possível entre elfos e homens na antiga crença Nórdica. A rainha humana que teve um amante elfo deu a luz ao herói Högni, e a elfa que foi estuprada por Helgi deu a luz a Skuld, que se casou com Hjörvard, assassino de Hrólfr Kraki. A saga de Hrolf Kraki destaca que uma vez que Skuld era uma meio-elfa, ela era bastante habilidosa em magia (seiðr), a ponto de ser praticamente invencível em batalha. Quando seus guerreiros caíram, ela os fez se erguerem novamente para continuarem lutando. A única maneira de derrotá-la era capturá-la antes que pudesse invocar seus exércitos, que incluíam guerreiros élficos.

Há também no Heimskringla e na Saga de Thorstein, Filho de Viking registra uma linhagem de reis locais que reinavam sobre Álfheim, que corresponde à moderna província Sueca de Bohuslän,e uma vez que eles tinham sangue élfico é dito que eram mais belos que a maioria dos homens.

A terra governada pelo Rei Alf era chamada Alfheim, e toda sua descendência era relacionada aos elfos. Eles eram mais belos do que qualquer outro povo...

O último dos reis é chamado Gandalf.

Em adição a estes aspectos humanos, eles são comumente descritos como seres semidivinos associados com a fertilidade e o culto dos ancestrais. A noção dos elfos portanto parece similar às crenças animísticas em espíritos da natureza e dos mortos, comum a praticamente todas as religiões humanas; isto também é verdade para a antiga crença Nórdica nos dísir, fylgjur e vörðar (espíritos "seguidores" e "protetores", respectivamente). Como espíritos, os elfos não eram presos a limitações físicas e podiam atravessar muros e portas como os fantasmas, como acontece no Norna-Gests þáttr. É dito que os elfos são o equivalente Germânico das ninfas da mitologia Greco-Romana, e os vili e rusalki da mitologia Eslava.

O mitógrafo e historiador Islandês Snorri Sturluson se refere aos anões (dvergar) como "elfos da escuridão" (dökkálfar) ou "elfos negros" (svartálfar); mas é incerto se isso reflete a crença medieval geral na Escandinávia, Ele se refere aos demais elfos como "elfos da luz" (ljósálfar), o que freqüentemente foi associado com a conexão dos elfos com Freyr, o deus do sol (de acordo com Grímnismál, Edda Poético). Snorri descreve as diferenças entre os elfos como se segue:

"Há um lugar lá [no céu] que é chamado de Lar dos Elfos (Álfheimr). As pessoas que vivem lá são chamadas de elfos da luz (Ljósálfar). Mas os elfos da escuridão (Dökkálfar) vivem sob a terra, e são diferentes em aparência - e ainda mais diferentes na realidade. Os Elfos da Luz são em aparência mais brilhantes do que o sol, e os Elfos da Escuridão são mais negros que betume." (Snorri, Gylfaginning 17, Edda em Prosa)

"Sá er einn staðr þar, er kallaðr er Álfheimr. Þar byggvir fólk þat, er Ljósálfar heita, en Dökkálfar búa niðri í jörðu, ok eru þeir ólíkir þeim sýnum ok miklu ólíkari reyndum. Ljósálfar eru fegri en sól sýnum, en Dökkálfar eru svartari en bik."

Evidências adicionais sobre os elfos na mitologia Nórdica vêm da poesia Escáldica, o Edda Poético e as sagas lendárias. Nestes os elfos são ligados aos Æsir, particularmente pela frase comum "Æsir e os elfos", que presumivelmente significa "todos os deuses". Alguns estudiosos compararam os elfos aos Vanir (deuses da fertilidade). Mas no Alvíssmál ("As Citações do Todo-Sábio"), os elfos são considerados distintos tanto dos Vanir quanto dos Æsir, como revelado por uma série de nomes comparativos na qual Æsir, Vanir e elfos dão suas próprias versões pára várias palavras em uma reflexão das preferências individuais de suas raças. É possível que as palavras designem uma diferença em posição entre os principais deuses da fertilidade (os Vanir) e os secundários (os elfos). Grímnismál relata que Van Frey era o senhor de Álfheimr (significando "mundo-elfo"), o lar dos elfos da luz. Lokasenna relata que um grande grupo de Æsir e elfos se reuniram na corte dos Æsir para um banquete. Várias forças menores, apresentadas como Byggvir e Beyla, que pertenciam a Freyr, o senhor dos elfos, e eram provavelmente elfos, uma vez que não foram registrados entre os deuses. Dois outros servos mencionados são Fimafeng (que foi assassinado por Loki) e Eldir.

Alguns especulam que os Vanir e elfos pertencem a uma antiga religião Escandinava da Idade do Bronze Nórdica, e foram mais tarde substituídos pelos Æsir como os deuses principais. Outros (mais notavelmente Georges Dumézil) argumentam que os Vanir eram os deuses dos Nórdicos comuns, e os Æsir os deuses daqueles pertencentes às castas dos sacerdotes e dos guerreiros.

Um poema de aproximadamente 1020, o Austrfaravísur ('Versos da Jornada-Ocidental') de Sigvat Thordarson, menciona que, como um Cristão, lhe foi recusado abrigo em uma casa pagã, na Suécia, porque um álfablót ("sacrifício aos elfos") estava sendo conduzido ali. Contudo, não temos mais informações sobre o que um álfablót envolvia, mas como outros blóts ele provavelmente incluía ofertas de comida, e o folclore Escandinavo tardio manteve a tradição de sacrificar petiscos aos elfos. A partir da época do ano (próxima ao equinócio de outono) e a associação dos elfos com a fertilidade e os ancestrais, podemos assumir que tinha a ver com o culto dos ancestrais e a força de vida da família.

Em adição a isto, a Saga de Kormáks registra que aparentemente se acreditava que um sacrifício aos elfos seria capaz de curar um sério ferimento de batalha:

Þorvarð se curava lentamente, e quando pode ficar de pé ele foi ver Þorðís, e perguntou a ela o que seria melhor para ajudá-lo a se curar. "Existe uma colina", respondeu ela, "não muito longe daqui, onde os elfos têm suas moradas. Pegue o touro que Kormák matou, e pinte o lado externo da colina com seu sangue, e faça uma festa para os elfos com sua carne. Então você será curado".

Fonte:
Fabio Bettega . 28 de fevereiro
http://www.valinor.com.br/

Folclore (Elfos no Folclore da Escandinávia)

Dança dos Elfos
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No folclore Escandinavo, que é uma mistura tardia de mitologia Nórdica e elemento da mitologia Cristã, um elfo é chamado de elver em Dinamarquês, alv em Norueguês, e alv ou älva em Sueco (o primeiro é masculino, o segundo feminino). Os termos em Norueguês raramente aparecem no folclore genuíno, e quando o fazem sempre são usados como sinônimos de huldrefolk ou vetter, uma categoria de seres que moram na terra geralmente mais parecidos com os anões Nórdicos do que com os elfos, o que é comparável com o huldufólk (povo escondido) Islandês.

Na Dinamarca e Suécia os elfos aparecem como seres distintos dos vetter, mas mesmo assim o limite entre eles é difuso. As fadas com asas de inseto do folclore das Ilhas Britânicas são freqüentemente chamadas älvor em Sueco moderno ou alfer em Dinamarquês. De forma similar, o alf encontrado no conto de fadas The Elf of the Rose ("O Elfo da Rosa") do escritor Dinamarquês H. C. Andersen é tão pequeno que pode ter uma rosa como casa, e tem "asas que vão dos seus ombros até seus pés". Além disso, Andersen também escreveu sobre elvere em The Elfin Hill ("A Colina dos Elfos"). Os elfos nesta história são mais como os tradicionais do folclore Dinamarquês: lindos seres do sexo feminino, vivendo em colinas e rochas, capazes de matar um homem com sua dança. Como a huldra na Noruega e Suécia, são ocos quando vistos de trás.

Os elfos da mitologia Nórdica sobreviveram no folclore principalmente como seres do sexo feminino, vivendo em colinas e montes de pedra (compare com o relato de Galadriel sobre o que aconteceria aos Elfos que permanecessem na Terra-média). Os Suecos älvor (singular älva) eram garotas extremamente belas que viviam na floresta com um rei élfico. Elas tinham vida longa e coração leve, na natureza. Os elfos são tipicamente representados como tendo cabelos claros, vestimentas brancas e (como a maioria das criaturas no folclore Escandinavo) malévolos quando ofendidos. Nas histórias eles freqüentemente assumem o papel de espíritos de doença. O mais comum, embora também os casos mais inofensivos, eram as várias irritações de pele, que eram chamadas de älvablåst (sopro élfico) e poderia ser curado com um forte contra-sopro (um par de foles era o mais útil para este propósito). Skålgropar, um tipo especial de petroglifo encontrado na Escandinávia, era conhecido em temos antigos como älvkvarnar (pedras de moinho élficas), indicando seu uso presumido. Podia-se aplacar os elfos lhes oferencendo comida (preferencialmente manteiga) colocada em uma pedra de moinho élfica - talvez um costume com raízes no antigo hábito Nórdico do álfablót.

Para se proteger contra os elfos maldosos, os Escandinavos podiam utilizar a então chamada cruz Élfica (Alfkors, Älvkors ou Ellakors), a qual era esculpida em construções e outros objetos. Ela existia em dois formatos, uma como um pentagrama e freqüentemente usada até o início do século 20 na Suécia, pintada ou esculpida em portas, muros e utensílios domésticos de forma a protegê-los contra os elfos. Como o nome sugere, os elfos eram percebidos como um perigo em potencial contra as pessoas e utensílios. A segunda forma era de uma cruz normal esculpida em um prato de prata redondo ou oblongo. Este segundo tipo de cruz élfica era usado como pingente em um colar e para ter magia suficiente tinha que ser forjado durante três anoiteceres com prata de nove fontes diferentes de prata herdada. Em alguns locais ele também deveria ficar sobre o altar de uma igreja durante três domingos consecutivos.

Os elfos poderiam ser vistos dançando sobre gramados, particularmente à noite e no sereno da manhã. Eles deixavam um tipo de círculo onde haviam dançado, o qual era chamado älvdanser (danças dos elfos) ou älvringar (círculos dos elfos), e urinar em um deles pensava-se que fosse fonte de doenças venéreas. Tipicamente, círculos élficos eram círculos das fadas consistindo de um anel de pequenos cogumelos, mas havia também outro tipo de círculo élfico:

Na margem dos lagos, onde a floresta se encontrava com o lago, você poderia encontrar círculos élficos. Eles eram locais circulares onde a grama havia sido amassada como um piso. Elfos haviam dançado lá. No Lago Tisaren, eu vi um desses. Podia ser perigoso e alguém poderia ficar doente se pisasse em tal lugar ou destruísse qualquer coisa lá.

Se um humano observasse a dança dos elfos, descobriria que mesmo pensando terem se passado poucas horas, muitos anos teriam se passado no mundo real (este fenômeno é recontado em O Senhor dos Anéis de Tolkien quando a Sociedade do Anel descobre que o tempo parece correr mais lentamente na élfica Lothlórien. Também tem um paralelo remoto com a sídhe Irlandesa). Em uma música do final da Idade Média sobre Olaf Liljekrans, a rainha élfica convida-o para dançar. Ele recusa, pois sabia o que aconteceria se unisse á dança e ele estava a caminho do próprio casamento. A rainha oferece presentes, mas ele recusa. Ela ameaça matá-lo se ele não se juntasse à dança, mas ele foge cavalgando e morre com a doença que ela lançou sobre ele, e sua jovem noiva morre de coração partido.

Contudo, os elfos não eram exclusivamente jovens e belos. No conto folclórico Sueco "Little Rosa and Long Leda" ("Pequena Rosa e Grande Leda"), uma mulher élfica (älvakvinna) chega no final e salva a heroína, Little Rose ("Pequena Rosa"), com a condição de que o gado do rei não mais pastasse em sua colina. Ela é descrita como uma mulher velha e por seu aspecto as pessoas viram que ela pertencia aos subterrâneos.

Estes mitos e lendas sobre os elfos são tão populares entre os Escandinavos e bem visíveis no dia-a-dia. É dito que até hoje muitos Escandinavos continuam a acreditar na existência do "povo escondido", e freqüentemente mudam de caminho para garantir que não perturbem estas criaturas. Por exemplo, logo fora de Reykjavik, Islândia, uma partida de futebol que estava sendo disputada foi interrompida quando uma bola mal chutada rolou para o mato e parou perto de um sinal que marcava o lar de três elfos, que se acreditava morarem perto das pedras onde a bola parou. Ao invés de recuperar a bola, os jogadores optaram por deixá-la por lá, para não incomodar os elfos.

Fonte:
Fabio Bettega . 28 de fevereiro de 2008
http://www.valinor.com.br/

O que ler de Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade
Autor: Francisco Achcar
Editora: Publifolha
Páginas: 128

Consagrado como um dos maiores poetas do Brasil e um dos grandes do mundo em sua época, Carlos Drummond de Andrade e sua obra são explicadas em "Drummond", livro da coleção "Folha Explica".

O livro sobre o escritor, que tem o núcleo de sua obra em dez livros, apresenta um roteiro de leitura tanto para quem nunca leu nenhuma obra de Drummond quanto para quem já as conhece e pretende repassar sinteticamente a obra do poeta, iluminada por comentários pontuais e interpretações de contexto.

O volume da série "Folha Explica" é assinada por Francisco Achcar, professor de língua e literatura latina da Unicamp.

De 1930, ano de sua estréia em volume, até 1962, quando completou 60 anos, Carlos Drummond de Andrade (1902-87) publicou dez livros de poesia que contêm um dos conjuntos de textos mais prestigiados e importantes de toda a nossa tradição literária. Esses poemas fizeram que a opinião predominante no Brasil consagrasse seu autor como o maior poeta do país e um dos grandes do mundo em sua época. Mesmo os que preferem atribuir a primazia brasileira a João Cabral de Melo Neto consideram que caberia a Drummond, não fosse o isolamento imposto pela língua portuguesa, uma posição de destaque no panorama internacional.

Sua obra, elaborada ao longo de mais de seis décadas, compreende poesia e prosa. Apesar das qualidades e da quantidade da prosa (17 livros de crônicas e contos, fora o que ficou nos jornais), o núcleo de sua produção é a poesia - mais de 20 livros cuja porção capital é o conjunto de poemas acima referido, ou seja, os melhores poemas das dez primeiras coletâneas.

É matéria de discussão quais sejam, exatamente, os melhores poemas (ou mesmo apenas os bons poemas) daquela extraordinária série de livros. Drummond é irregular e há divergências quanto ao que seriam seus altos e baixos. Por exemplo: boa parte dos críticos incluiria em sua antologia drummondiana dois poemas narrativos, "O Padre, a Moça" e "Os Dois Vigários", que Haroldo de Campos descarta como "poemas padrescos". A "mineiridade" (o que quer que seja), valorizada por muitos, para alguns é parte da quota de "prendas" provincianas de que o poeta não se teria livrado. Os sonetos dos anos 50 são vistos por uns (José Guilherme Merquior, por exemplo) como uma das culminâncias da obra do poeta; outros (Haroldo de Campos, notadamente) os tomam como retrocesso "neoclássico" e melancólico tributo ao gosto "restaurador" em voga na época. Há quem inclua entre os melhores poemas de Drummond numerosas composições das mais de dez coletâneas de versos que ele publicou depois de 1962; outros, embora admitindo aqui e ali alguns momentos notáveis, consideram esses livros secundários, bem abaixo do nível da produção anterior. Apesar das divergências, porém, há um número significativo de poemas (todos dos dez livros iniciais) que constaria de todas as antologias, qualquer que fosse a tendência do compilador.

Aqui, propomos um passeio pela poesia de Drummond, privilegiando alguns livros capitais entre aqueles dez. O percurso deverá ser necessariamente rápido, mas não deixaremos de nos deter em alguns poemas. Tratando-se de textos geralmente sobrecarregados de significação, explicá-los será, conforme o significado original do verbo, "desdobrá-los" - desfazer algumas das "dobras" onde se alojam seus sentidos.

MODERNISMO

Quando Drummond começou a publicar poemas, na década de 20, o Brasil estava passando ainda pela fase inicial do abalo modernista, apesar de datarem dos anos de 1890 as tentativas dos simbolistas de atualizar a sensibilidade nacional. Gestos de renovação artística e literária já eram perceptíveis no fim dos anos 10 (despontavam Anita Malfatti, Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Mário de Andrade), mas eram gestos isolados, que só ganhariam momentum na Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922. A partir daí, o movimento se alastrou por grande parte do país, como testemunham as revistas que se publicaram e os grupos que se formaram um pouco por toda a parte. A esses "anos heróicos", de implantação polêmica de novas atitudes culturais, sucedeu um período de consolidação e diversificação, em meio a agitado contexto social.

A crise econômica, que se estendeu por toda a década, a partir de 1929 afetou duramente o café, e com ele a oligarquia dominante, logo golpeada pela Revolução de 1930. A imposição ditatorial que inaugura o Estado Novo em 1937, os anos de repressão, a guerra iniciada em 1939, as esperanças conseqüentes ao fim da guerra e da ditadura Vargas em 1945 --esperanças que logo cederiam lugar à ansiedade dos anos da Guerra Fria e da ameaça nuclear--, estes são alguns dos acontecimentos que balizaram uma época em que a literatura brasileira conheceu desenvolvimento e aprofundamento extraordinários.

O ano de 1930 foi memorável também para a poesia (embora a "revolução", no âmbito da literatura, tivesse eclodido oito anos antes). Nesse ano, além da estréia de Drummond, houve outras novidades: Mário de Andrade publicou Remate de Males, início de um período em que sua escrita se afasta de exterioridades e trejeitos do período anterior, e ganha em concentração e intensidade; Manuel Bandeira lançou Libertinagem, seu quarto livro, mas o primeiro de fato moderno, com alguns dos melhores poemas de toda a sua obra; Murilo Mendes e Vinícius de Moraes também estrearam em livro. Com Murilo e Jorge de Lima, iniciar-se-ia depois o influxo surrealista na poesia brasileira. Mas o modernismo, ao mesmo tempo que se afirmava diante da literatura acadêmica combalida, conhecia também tendências mais convencionais, de tons neo-românticos ou pós-simbolistas (primeira fase de Vinícius de Moraes, Augusto Frederico Schmidt, Cecília Meireles).

Nessa segunda etapa do movimento modernista --que vai, grosso modo, de 1930 a 1945--, desenvolvem-se na poesia algumas das características mais marcantes de seu primeiro tempo (inovações rítmicas, humor, paródia, temas cotidianos, linguagem coloquial, elipses e associações surpreendentes), ao mesmo tempo que se amplia a temática e se diversificam os recursos e as tendências estilísticas. Esboça-se então o perfil contemporâneo da literatura brasileira, que, como a literatura internacional, testemunha a emergência de três sistemas explicativos do homem e da sociedade: o existencialismo, a psicanálise e o marxismo. Independentemente de adesão por parte dos escritores, esses sistemas fornecem diversas das grandes imagens que integram o horizonte mítico da época. Contra tal fundo imaginário, novo em muitos de seus aspectos, desenha-se a figura de uma consciência fenomenológica, ou autoconsciência artística que, no caso da poesia, fará da linguagem e do trabalho do poeta temas privilegiados da obra poética.

Esquematicamente, o segundo momento modernista se distingue, sobretudo, por:

– generalização e aprofundamento da mistura de estilos (estilo misto ou mesclado), em que se combinam o elevado e o banal, o grave e o grotesco: temas sérios e problemáticos são tratados com linguagem vulgar e o tom sublime é aplicado a assuntos "baixos" ou banais;
– renovação da temática existencial, ou seja, busca de novos registros para temas como o tempo, o amor e a morte (lembre-se que, em seus inícios, o modernismo brasileiro tem preferência por assuntos nacionais, cotidianos e atuais, e não pelos "grandes temas", associados à poesia do passado);
– elaboração de imagens surpreendentes ou oníricas, em associações inesperadas, revelando influência do surrealismo e da então recente voga da teoria freudiana (importante na obra de Murilo Mendes e Jorge de Lima, a influência surrealista, embora restrita, é notável em momentos isolados da poesia de Drummond);
– envolvimento do escritor nas questões sociais, em textos marcados por revolta e esperança socialista. (durante a guerra e sob a ditadura Vargas, a temática social conheceu, compreensivelmente, seu momento de mais alta incidência);
– a reflexão da poesia sobre a própria poesia, ou seja, autoconsciência do poeta em relação a seu trabalho com as palavras. Curioso notar que, se a temática metalingüística interessou intensamente ao experimentalismo poético (que Drummond praticou não só nos anos "heróicos" do modernismo, mas também, ocasionalmente, na época de ebulição do vanguardismo - a poesia concreta - dos anos 50-60), os temas da linguagem e da própria poesia não deixam de estar presentes no neoclassicismo do Drummond dos anos 50, com incidências ocasionais em todo o seu desenvolvimento posterior.

Ao longo de todo o arco de tempo que vai de Alguma Poesia a Lição de Coisas (1930 a 1962), esse quadro de caracteres foi-se constituindo, desenvolvendo, alargando e aprofundando, de livro em livro. Com A Rosa do Povo (1945), a poesia drummondiana atingiu um dos pontos culminantes da estética modernista no Brasil. A partir de então, numa série de obras que inclui Claro Enigma (1951), Drummond realizou uma das mais bem-sucedidas tentativas de associar o modernismo a formas poéticas e lingüísticas da tradição (metros regulares, soneto, fraseado de gosto clássico). Em seu último período, o dado novo que se acrescentou ao repertório drummondiano foi a poesia erótica, surpreendentemente franca em seu espantoso amoralismo.

TEMÁTICA

No annus mirabilis de 1962, em que completou 60 anos de idade e publicou Lição de Coisas, Drummond lançou também a Antologia Poética, na qual distribuiu os poemas em nove seções, designadas segundo o "ponto de partida" ou a "matéria de poesia" predominante em cada uma delas. Os nove núcleos temáticos discernidos pelo poeta são (entre aspas os títulos das seções, que valem por súmulas do sentido de cada tema): 1. o indivíduo: "um eu todo retorcido"; 2. a terra natal: "uma província: esta"; 3. a família: "a família que me dei"; 4. amigos: "cantar de amigos"; 5. o choque social: "na praça de convites"; 6. o conhecimento amoroso: "amar-amaro"; 7. a própria poesia: "poesia contemplada"; 8. exercícios lúdicos: "uma, duas argolinhas"; 9. uma visão, ou tentativa de, da existência: "tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo".

Diversos poemas (observa o poeta) podem caber em mais de uma dessas seções; por outro lado (acrescento), serão poucos os poemas, no conjunto da obra, que não se encaixem em nenhuma dessas rubricas.


Fonte:
15/03/2007
http://www1.folha.uol.com.br/folha/publifolha/ult10037u352102.shtml