sexta-feira, 5 de setembro de 2008

A. A. de Assis (Triversos travessos)

01
Ah, havia o espaço
e no espaço havia ação.
Apertem os cintos.

02
Passa a teoria
por debaixo do arco-íris.
Vira poesia.

03
Saudade por quê?
Pra voltar a ser criança,
basta um bilboquê.

04
Andorinha sobe,
andorinha sobe e desce,
faz um “s” e some.

05
Dizem que a cigarra
nada faz senão cantar.
Ah, é indispensável.

06
Pergunte às crianças
se há vida onde ninguém brinca.
– Polegar pra baixo.

07
Da folha de amora
para o lencinho da amada.
Mágico tear.

08
Estrela cadente.
Vaga-lumes se alvoroçam
cobiçando a vaga.

09
Na prova de salto
quem tem chance de medalha?
– A de salto alto.

10
Na mesa grandona
vinho, massa e cantoria.
Almoço na Nona.

11
Segura, peão...
Segura, que a vida é dura
e mais duro o chão.

12
Se borda é prendada,
bem mais ainda se pinta.
E se pinta e borda?

13
Sagüi faz xixi
na mudinha de embaúba.
Tudo bem: aduba.

14
Casal de velhinhos
na janela olhando a Lua.
Tão longe a de mel...

15
A uva e a codorna.
Da uva se tira o vinho,
da codorna ovinho.

16
Balas e gorjeios.
O canarinho nem tchum
para os tiroteios.

17
Quem foi que afinal
tantas matas derrubou?
Ah, o pica-pau.

18
E agora, vovô?
– Agora, nas mãos dos netos,
sou que nem ioiô.

19
Assanhadas rosas.
Disputam a preferência
de um raio de sol.

20
No lombo do boi
faz-lhe um cafuné o anu.
E ele gosta: muuu...

21
Ursinha moderna.
Toda noite, após a lida,
na internet hiberna.

22
Menina no zôo
faz bilu-bilu na onça.
Isaías, onze.

23
Que delícia de cantigas
na vozinha das vozinhas.
Seresta na praça.

24
Xexéu na gaiola
para o peixinho no aquário:
– Como vai, colega?

25
No meio do pasto
um ponto de exclamação.
Último coqueiro.

26
Tarzã do terreiro
solta o seu grito de guerra:
Cucurucucu...

27
Ante o Pão-de-Açúcar,
dá as costas a Lua ao mar.
A lei do mais doce.

28
Abelha se aninha
no colo do girassol.
Vai ter mel quentinho.

29
Alô... é da Lua?...
Manda uma cheia, com flores,
para a minha amada.

30
Relampeja e... troomm...
– Afia a enxada, compadre,
que vem chuva boa!

31
Florzinha silvestre
no jardim do shopping-center.
Êxodo rural.

32
No topo do poste
a mansão do joão-de-barro.
Tá podendo o cara.

33
Do asfalto se avista
ao longe um carro de boi.
Cheinho de histórias.

34
Serás a sereia
que na lua cheia cantas?
Serei-a, serei-a.

35
Pálidas pernocas
na areia pegando cor.
Ou pescando amor?

36
Mosca na parede.
Avisem à lagartixa
que o jantar chegou.

37
Ao luar, no Éden,
primeiro jantar a dois.
Que deu no que deu.

38
Menino de sete
versus menino de oitenta.
Jogo de botão.

39
Diz o sapo à sapa:
– Coá-coaxá... coará-coaxá...
E ela a ele: – Topo.

40
Um pulo, medalha.
Milhões de cabeças boas
tão longe das loas.

41
Trenzinho da serra.
Pa... Pa-ra-ná... Pa-ra-ná....
pra Paranaguá.

42
Piupiu canta à porta
da gaiola da piupia.
Se arrepia a bela.

43
Crocante e cheiroso,
com garapa, na feirinha.
Pastel de saudade.

44
Na fila de idosos,
troca-troca de sintomas.
Quem não tem inventa.

45
Flagra na cozinha.
Um par de abelhas aos beijos
sobre o meu pudim.

46
Manhêêê – diz o piá –,
trouxe uma flor pra você.
Troco por um beijo.

47
Galinha caipira
desposa um pavão real.
Continho de fada.

48
Veja a parasita:
parece gente que a gente
acha até bonita...

49
É a cegonha, bem...
Tá caçando uma barriga
pra ninhar neném...

50
Tudo bem, poeta.
Minha terra tem Palmeiras,
mas sou são-paulino.

51
“Por que não te calas?”,
diz a arara ao papagaio.
– Se calo, me peias.

52
Na agüinha da bica
molha o bico o tico-tico.
Depois bica a tica.

53
Céu de “brigadeiro”.
– Aniversário de quem?,
me pergunta o neto.

54
Zunzunzum... zunzum...
É um pernilongo brincando
de fórmula um.

55
Futebol é assim:
só se ganha uma partida
na base do chute.

56
Balança o palanque.
O peso na consciência
do nobre orador.

57
Xô daqui, Seu Grilo.
Pega a tua cantoria,
pousa noutra cuca.

58
Banho de butique.
Mariposa bem-cuidada
vira borboleta.

59
Dó-ré-mi-fá-sol,
dó-ré-mi-fá-sol-lá-si.
Sabiá-laranjeira.

60
Bons tempos aqueles
da escola risonha e franca.
A bênção, fessora!

Fontes:
E-mail enviado pelo autor

Fotomontagem: José Feldman

Alcantara Machado (O Revoltado Robespierre)

(Senhor Natanael Robespierre dos Anjos)

Todos os dias úteis às dez e meia toma o bonde no Largo de Santa Cecília encrencando com o motorneiro.

- Quando a gente levanta o guarda-chuva é para você parar essa joça! Ouviu, sua besta?

Gosta de todos aqueles olhares fixos nele. Tira o chapéu. Passa a mão pela cabeleira leonina. Enche as bochechas e dá um sopro comprido. Paga a passagem com dez mil-réis. Exige o troco imediatamente.

- Não quero saber de conversa, seu galego. Passe já o troco. E dinheiro limpo, entendeu? Bom.

Retém o condutor com um gesto e verifica sossegadamente o troco.

- O quê? Retrato de Artur Bernardes? Deus me livre e guarde! Arranje outra nota.

Levanta-se para dar um jeito na cinta, chupa o cigarro (Sudan Ovais por causa dos cheques), examina todos os bancos, vira-que-vira, começa:

- Isto até parece serviço do governo! Pausa. Sacudidela na cabeleira leonina. Conclui:

- O que vale é que os homens um dia voltam...

Primeiro sorriso aparentemente sibilino. Passeio da mão direita na barba escanhoada. Será espinha? Tira o espelhinho do bolso. É espinha sim. Porcaria. Segundo sorriso mais ou menos sibilino. Cara de nojo.

Não sei que raio de cheiro tem este Largo do Arouche, safa!

Vira a aliança no seu-vizinho. Essa operação deixa-o meditabundo por uns instantes. Finca o olhar de sobrancelhas unidas no cavalheiro da esquerda. Esperando. O cavalheiro afinal percebe a insistência. É agora:

- Perdão. O senhor leu a última tabela do Matadouro? Viu o preço da carne de leitão por exemplo? Cinco ou seis ou não sei quantos mil-réis o quilo!

Não espera resposta. Não precisa de resposta Berra no ouvido do velho da direita:

- É como estou lhe contando: o quilo!

Quase despenca do bonde para ver uma costureirinha na Rua do Arouche. As pernas magras encolhem-se assustadas.

- O cavalheiro queira ter a bondade de me desculpar. São os malditos solavancos desta geringonça. Um dia cai aos pedaços.

Dá um tabefe no queixo mas cadê mosca? Tira um palito do bolso, raspa o primeiro molar superior direito (se duvidarem muito é fibra de manga), olha a ponta do palito, chupa o dente com a ponta da língua (tó! tó!), um a um percorre os anúncios do bonde. Ritmando a leitura com a cabeça. Aplicadamente. Raio de italiano para falar alto. Falta de educação é cousa que a gente percebe logo. Não tem que ver. O do ODOL já leu. Estava começando o da CASA VENCEDORA. Isto de preço de custo só engana os trouxas.

- Oh estupidez! O senhor já reparou naquele anúncio ali? Bem em cima da mulher de chapéu verde. CONSERTA-SE MÁQUINAS DE ESCREVER. ConserTA-SE máquinassss! Fan-tás-tico! Eu não pretendo por duzentos réis condução e ainda por cima trechos seletos de Camilo ou outro qualquer autor de peso, é verdade... Mas enfim...

É preciso um fecho erudito e interessante ao mesmo tempo.

- Mas enfim...

A mão procura inutilmente no ar dando voltinhas.

- Mas enfim... Seu Serafim...

Fica nisso mesmo. Acerta o cebolão com o relógio do Largo do Municipal. Esfrega as mãos. O guarda-chuva cai. Ergue-o sem jeito. Enfia a cartolinha lutando com as melenas. Previne os vizinhos:

- Este viaduto é uma fábrica de constipações. De constipações só? De pneumonias mesmo. Duplas!

Silêncio. Mas eloqüente. Palito de fósforo é bom para limpar o ouvido. Descobre-se diante da Igreja de Santo Antônio.

- Não está vendo, seu animal, que a mulher; não se sentou ainda? Aprenda a tratar melhor os passageiros! Tenha educação!

Cumprimenta rasgadamente o Doutor Indalécio Pilho, subinspetor das bombas de gasolina, que passa no seu Marmon oficial e não o vê. Depois anota apressadamente o número do automóvel no verso de uma cautela do Monte de Socorro do Estado.

- O povo que sue para pagar o luxo dos afilhados do governo! Aproveite, pessoal! Vá mamando no Tesouro enquanto o povo não se levanta e manda vocês todos... nada! Mas isto um dia acaba.

Terceiro sorriso nada sibilino. Passa para a ponta. Confirma para os escritórios da I.R.F. Matarazzo:

- Ora se acaba!

Outro cigarro. Apalpa todos os bolsos. Acende-o no do vizinho. E dá de limpar as unhas com o canivete de madrepérola. Na esquina da Rua Anchieta por pouco não arrebenta o cordão da campainha. Estende a destra espalmada para o companheiro de viagem:

- Natanael Robespierre dos Anjos, um seu criado.

Desce no Largo do Tesouro. Faz a sua fézinha no CHALET PRESIDENCIAL (centenas invertidas). Atravessa de guarda-chuva feito espingarda o Largo do Palácio.

E todos os dias úteis às onze horas menos cinco minutos entra com o pé direito na Secretaria dos Negócios de Agricultura e Comércio onde há vinte e dois anos ajuda a administrar o Estado (essa nação dentro da nação) com as suas luzes de terceiro escriturário por concurso não falando na carta de um republicano histórico.

Fontes:
MACHADO, Alcantara. Laranja da China. Ed. Nova Alexandria, 1996. Também disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br
Capa do Livro:
http://www.americanas.com.br

As Mil e Uma Noites (O Mercador e o Gênio)

Conta-se, ó afortunado rei, que viveu noutro tempo um mercador que possuía grandes riquezas e negócios em diversos países. Um dia, montou seu melhor cavalo e dirigiu-se a um desses países. No caminho, sentou-se sob uma árvore para descansar e alimentar-se. Ao comer tâmaras, lançava ao longe os caroços.

De súbito, apareceu um enorme Afrit que se aproximou dele, brandindo uma espada e gritando:

"Levanta-te que te mato como mataste meu filho!"

Perguntou o mercador:

"Quando e como matei teu filho?"

Respondeu o Afrit:

"Quando atiraste os caroços, um deles atingiu meu filho no peito, e ele morreu na hora”.

Vendo que não tinha outro recurso, o mercador disse ao Afrit:
"Fica sabendo, ó grande Afrit, que sou um crente que nunca falto à minha palavra. Possuo riquezas e filhos e uma esposa e inúmeros depósitos a mim confiados. Concede-me, pois, um prazo para que me despeça de minha família e distribua a cada um o que lhe é devido. Prometo voltar aqui no primeiro dia do ano, e tu disporás de mim como quiseres”.

O gênio confiou no mercador e deixou-o partir. Em casa, ele pôs em ordem suas obrigações, distribuiu suas riquezas e revelou a parentes e amigos a triste sorte que o esperava. Todos choraram, mas nada podiam fazer. No primeiro dia do ano, voltou ao lugar do encontro como prometera.

Sentou-se a chorar sobre sua sorte quando apareceu um xeque venerável conduzindo uma gazela presa.

"Por que estás sozinho neste lugar assombrado pelos gênios?" Perguntou ao mercador. "E por que estás chorando?"

O mercador contou-lhe a história.

- Por Alá, retrucou o velho, teu respeito pela palavra dada é coisa rara, e tua história é tão prodigiosa que se fosse escrita com uma agulha no canto interno dos olhos, seria matéria de meditação para os que refletem.

Sentou-se, dizendo que ficaria lá até ver o que aconteceria. De repente, apareceu um segundo xeque, conduzindo cães lebréus pretos. Saudou o mercador e o primeiro xeque e perguntou-lhes:

"Que fazeis neste lugar assombrado pelos gênios?"

Contaram-Ihe a história, e ele também disse que esperaria lá para ver como acabaria essa curiosa aventura. Logo em seguida chegou um terceiro xeque conduzindo uma mula. Saudou a todos e quis saber o que estavam fazendo naquela terra perigosa. Repetiram toda a história, e ele também se sentou para aguardar os acontecimentos. Momentos depois se levantou um turbilhão de poeira, e o gênio apareceu com um gládio afiado na mão e os olhos soltando chispas.

Agarrando o comerciante, disse-lhe:

"Vem que te mato como mataste meu filho, que era o sopro de minha vida e o fogo de meu coração”.

O primeiro xeque, mestre da gazela, criou coragem, beijou a mão do gênio e disse-lhe:

"Ó grande gênio, o mais elevado entre os reis dos gênios, se eu te contar a história desta gazela e ficares maravilhado, conceder-me-ás a graça de um terço do sangue deste mercador?"

O gênio concordou, e o xeque começou sua história:

“Ó grande Afrit, esta gazela era a filha de meu tio. Casei-me com ela quando éramos bem jovens e vivemos juntos trinta anos. Mas Alá não nos concedeu filho algum. Por isso tomei uma concubina que, com a graça de Alá, me deu um filho varão lindo como a lua nascente. Quando atingiu quinze anos, tive que viajar a negócios.

Ora, a filha de meu tio fora iniciada na feitiçaria desde a infância. Aproveitando minha ausência, transformou meu filho num bezerro e a mãe dele numa vaca, e juntou-os a nosso rebanho. Ao voltar, perguntei por eles. Minha esposa respondeu:

- A mulher morreu, e teu filho fugiu para não sei onde.

Um ano inteiro fiquei chorando, o coração reduzido a pedaços. No Dia do Sacrifício, pedi a meu pastor que me trouxesse uma vaca gorda. Trouxe-me a vaca que havia sido minha concubina. Mal me aproximei dela para matá-la, pôs-se a gemer e chorar. Parei, e pedi ao pastor que a degolasse. Cumpriu a ordem, mas não encontramos na vaca nem carne nem gordura, mas apenas pele e ossos.

Tive remorsos, inúteis como a maioria dos remorsos, e pedi ao pastor trazer-me um bezerro bem gordo. Trouxe-me meu próprio filho enfeitiçado. Quando me viu, rebentou a corda e jogou-se a meus pés com gemidos e lágrimas. Tive pena dele e ordenei que fosse substituído. Mas a malvada filha de meu tio disse:

- Devemos sacrificar é este bezerro mesmo. Está gordo como convém.

Obedecendo a não sei que instinto ofereci, antes, o bezerro de presente a meu pastor.

No dia seguinte, o pastor procurou-me e disse:

- Vou revelar-te um segredo que te alegrará e me valerá sem dúvida uma recompensa.

- O que é? - perguntei.

Respondeu: Minha filha é feiticeira. Ontem, quando me deste o bezerro, levei-o para a casa de minha filha. Mal o viu, cobriu o rosto com o véu e censurou-me: `Pai, agora estás me expondo aos olhos de homens estranhos?' Perguntei: `Onde vês homens estranhos?' Respondeu: `Este bezerro é o filho de nosso amo, mas está encantado. E foi a mulher de nosso amo que o encantou, ele e a sua mãe!'

Fui imediatamente com o pastor à casa de sua filha, e perguntei-lhe:

- É verdade o que contaste a teu pai acerca desse bezerro?'

- Sim, respondeu.

- Ó gentil e compassiva adolescente, se libertares meu filho, dar-te-ei todo meu gado e todas as propriedades que teu pai administra. "Sorriu e disse: `Ó amo generoso, aceitarei estas riquezas com duas condições: que me cases com teu filho e que me permitas enfeitiçar tua mulher. Sem isso, não tenho a certeza de poder prevalecer contra as suas perfídias.

"- Seja, respondi.

"Apanhou então uma bacia de cobre encheu-a de água e pronunciou conjurações mágicas. Em seguida, aspergiu o bezerro com a água, dizendo-lhe: ‘ Se Alá te criou bezerro, permanece bezerro; mas se estás enfeitiçado, volta a tua forma verídica, com a permissão de Alá.' Após tremer e agitar-se, o bezerro recuperou a forma humana. Era meu filho! Joguei-me em seus braços e cobri-o de beijos. Depois casei-o com a filha do pastor, e ela encantou a minha esposa e metamorfoseou-a nesta gazela."

- Bem espantosa, a tua história, bradou o Afrit. Concedo-te o terço do sangue deste malvado.

O segundo xeque adiantou-se então e disse: "Ó rei dos gênios, se te contar a história destes dois cachorros e a achares tão espantosa quanto a da gazela, conceder-me-ás um terço do sangue deste homem?"

- Vai falando, disse o Afrit.

"Saberás, ó senhor dos reis dos gênios", disse o segundo xeque, que estes dois cachorros são irmãos meus. Quando nosso pai morreu, deixou-nos três mil dinares. Com a minha parte, abri uma loja e comecei a comprar e vender. "Meus irmãos preferiram a aventura e viajaram com as caravanas por um ano inteiro. Quando voltaram, tinham desperdiçado todo o seu capital. Estavam pobres e tinham aspecto lamentável”.

Tive pena deles. Mandei-os ao hammam, comprei-lhes roupas finas e, pondo meu capital de lado, dividi com eles, em igualdade, todo o lucro daquele ano. E moramos juntos por muito tempo. Mas de novo queriam partir e insistiram para que fosse com eles. Embora os resultados de sua primeira viagem não fossem alentadores, consenti em acompanhá-los com uma condição: dividir o dinheiro que tínhamos - 6 mil dinares -- em duas partes iguais; deixar a metade escondida para nos amparar em caso de necessidade e partilhar a outra metade entre nós três. Concordaram e agradeceram-me. Com os 3 mil dinares, compramos as mercadorias mais indicadas, alugamos um navio, e embarcamos. Após viajarmos um mês, chegamos a uma cidade portuária onde vendemos nossas mercadorias com um lucro de dez por um. Quando voltamos ao porto para embarcar, encontramos lá uma mulher mal vestida que se aproximou de mim e beijou-me a mão, dizendo:

‘ Mestre, aceitas ajudar-me e me salvar? Por favor, casa-te comigo e me leva, e tudo farei para agradar-te.' Aceitei. Levei-a para o navio, vesti-a com esmero e partimos.

"Pouco a pouco fui tomado de um grande amor por ela. Não conseguia separar-me dela nem de dia nem de noite, e preferia sua companhia à de meus irmãos. Por sua vez, revelou-se uma mulher linda, inteligente, devotada e de nobre caráter”.

Infelizmente, meus irmãos me invejavam cada dia mais e, uma noite, quando estava deitado com minha mulher, insinuaram-se em nosso aposento, apanharam-nos e jogaram-nos em alto mar. Minha mulher despertou nas águas e, de repente, transformou-se numa Afrita e carregou-me nos ombros até uma ilha. Depois, desapareceu e só voltou na manhã seguinte, ainda mais bela, e disse-me: ‘ Não me reconheces? Sou tua esposa. Como vês, sou uma Afrita. Amei-te desde o primeiro instante em que te vi. Tiveste pena de mim e te casaste comigo. Agora salvei-te da morte com a permissão de Alá. Estamos quites. Quanto a teus irmãos, sinto-me cheia de ódio contra eles e vou afundar o navio em que estão e matá-los.'

Muito me custou convencê-la a não os matar. Carregou-me então nos ombros, ergueu-se no espaço e depositou-me em minha casa. Retirei os 3 mil dinares de seu esconderijo, reabri minha loja e comprei novas mercadorias.

"Quando voltei para casa, achei estes dois cachorros presos num canto. Ao me verem levantaram-se e começaram a chorar e agarrar-se às minhas vestes. ` São teus irmãos,' disse minha mulher. `Pedi à minha prima, que é mais versada em encantamentos do que eu, para dar-lhes esta forma, da qual só poderão libertar-se daqui a dez anos.'

"É por isto, ó poderoso gênio, que me encontro neste lugar. Estou a caminho da morada daquela prima de minha mulher a quem vou pedir que restitua a meus irmãos sua forma anterior, pois os dez anos já decorreram.”

Exclamou o Afrit: "Tua história também é surpreendente. De coração, concedo-te mais um terço do sangue deste maldito. Mas vou tirar-lhe o terço que me é ainda devido”.

O terceiro xeque, o da mula, interveio então dizendo:

"Ó grande Afrit, se te contar uma história ainda mais maravilhosa que essas duas, conceder-me-ás o último terço do sangue deste homem?"

O Afrit, que gostava muito de histórias raras, acedeu, dizendo: "Qual é a tua história?"

O terceiro xeque falou: “Ó sultão e chefe de todos os gênios, esta mula que vês aí é minha esposa. Uma vez, tive que fazer uma longa viagem, e quando voltei, certa noite, achei-a deitada com um escravo negro na minha própria cama”.Estavam conversando, rindo, beijando-se e excitando-se mutuamente com pequenos jogos. Assim que me viu, lançou sobre mim uma água mágica que me transformou em cão e me expulsou de casa. Saí a errar pela cidade. Um açougueiro apanhou-me e levou-me para sua família.

"Assim que a sua filha me viu, cobriu a face com o véu e censurou o pai por expô-la a um homem estranho.

`Onde vês homens?' perguntou o pai.

Ela respondeu: `Este cão é um homem. Uma mulher o enfeitiçou, e eu sou capaz de libertá-lo.' "-

Liberta-o, então, minha filha, pelo amor de Alá.

"Ela pegou uma vasilha de água, pronunciou certas palavras mágicas sobre a água, aspergiu-me com algumas gotas e disse: `Sai desta forma e retoma tua forma primeira.'

"Logo, voltei a ser homem e, beijando a mão da rapariga, disse-lhe que desejava muito que minha mulher fosse enfeitiçada do modo como me enfeitiçara. "

` É fácil,' disse a filha do açougueiro. E deu-me num vidro um pouco da água que usara para me salvar, dizendo: `Se encontrares tua mulher adormecida, borrifa-a com esta água, e ela tomará a aparência que tu indicares.'

"Fui para casa, encontrei minha mulher dormindo, aspergi-a com a água mágica, dizendo-lhe: `Sai dessa forma e toma a forma de uma mula.' Num instante, transformou-se numa mula, como podes verificar, ó sultão e chefe dos reis dos gênios."

O Afrit virou-se para a mula e perguntou: "É verdade?"

Ela abanou a cabeça como para responder: "Sim, é verdade”.

Ao escutar essa história, na qual o mal era punido, o gênio estremeceu de emoção e prazer e concedeu ao xeque a graça do último terço do sangue do mercador. O mercador, muito feliz, agradeceu aos três xeques e ao Afrit, e os xeques o felicitaram por sua salvação. E cada um voltou para sua terra.

Fontes:
Anônimo. As Histórias das Mil e Uma Noites. Ed. Globo, 2007.
Desenho:
http://heroi.weblog.com.pt

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Tatiana Ferraz (A Literatura “Fantástica” do Século XIX e o Nosso Tempo)

A arte é uma das muitas formas de expressões humanas, expressões sobre as impressões dos sentimentos produzidos através do amor, da filosofia, da guerra ou, unindo tudo isso, de um tempo.

O tempo, para um historiador, além de ser a matéria prima do seu trabalho, é uma palavra bastante complexa no sentido de definição. Mas como forma de consenso entre os historiadores, o tempo se tornou condição sine quo non para analisar o homem em seu espaço, outra palavra bastante desconcertante, pois no mundo das ciências humanas o espaço e o tempo são quase tão complexos quanto à teoria da Relatividade de Einstein.

O texto não poderia está mais prolixo!

Tudo isso para situar o sujeito em questão – a literatura Fantástica do século XIX. A pergunta que não quer calar é: por que não – A Fantástica Literatura do século XIX? A resposta está no “simples” ato de contextualizar a palavra - Fantástico no seu tempo e no seu espaço. O “Fantástico”, nesse caso específico, não se trata de um adjetivo, mas de uma tendência literária também conhecida como Literatura Gótica.

Um rápido esclarecimento. A Literatura Gótica foi um movimento literário que surgiu no século XIX num contexto inglês conhecido como época Vitoriana. Esse movimento literário surge como uma forma de oposição à literatura produzida no período Iluminista, onde o racionalismo e o cientificismo lutavam contra o sentimentalismo das trevas medievais.

Caros leitores, as trevas medievais foram quase que um “dogma” forjado pelas “luzes” iluministas, que a favor da razão, promessa de salvação da humanidade, condenaram literalmente a idade média e toda a tragédia grega à escuridão. Enquanto na idade das trevas se punia com a fogueira, na idade das luzes se condenava a escuridão. Os autores da Literatura Fantástica ou Gótica ambientavam suas histórias em lugares que inspiravam uma mente assustada como florestas escuras, cemitérios, castelos, igrejas e ruínas em geral. Os escritores góticos também eram chamados de poetas de cemitérios. Na verdade o gótico é uma tendência romântica de expressar as inquietudes da natureza humana com relação ao seu tempo e seu espaço. É como se o homem, insatisfeito com o seu momento na história, expressasse através da arte os seus medos e os solucionassem através do “fantástico”. O século XIX foi um período de grandes promessas. A proposta da ciência de auxílio à modernidade e garantia dos espaços do indivíduo na sociedade, se mostrava como uma grande balela na história. Na Inglaterra Vitoriana a Revolução Industrial trouxe consigo uma série de problemas sociais, dentre os quais uma superpopulação que trabalhava em regime semi-escravo nas fábricas, onde velhos e crianças se transformavam em restos humanos. Depois do trabalho essas pessoas tinham a opção de se amontoarem nas vilas operárias, onde a marginalidade, a prostituição e a sífilis co-habitavam harmoniosamente.

Bram Stoker soluciona os problemas sociais da época vitoriana criando um monstro – o conde Drácula, que se alimenta do sangue humano e se dirige para a Inglaterra onde existe uma superpopulação, pronta para ser devorada. O vampiro, na verdade, será uma espécie de peste necessária, um Jack, o Estripador.

A ciência no século XIX, quanto à questão da medicina e da física, “progride” a olhos vistos. A sangria do período das trevas já é considerada uma “heresia”. O corpo humano deixa de ser a última fronteira para exploração científica, onde a culpa cristã não encontra moradia. Para as doenças são descobertas as curas e a longevidade humana deixa de ser desejo para se tornar um fato, o homem brinca de ser Deus. Eis que então Mary Shelley vem com seu monstro Frankenstein, pedaços humanos que tem vida através de uma mão humana que desafia o criador. Dr Victor Frankenstein é punido com o seu próprio crime. O desejo de se tornar o próprio Deus criador, se rebelando contra o mesmo, ao criar sua própria criatura, faz com que a sua condição de “filho rebelde” seja punido com a perda da família, do amor e, por fim, da sanidade, ou seja, a sociedade cristã torna-se inacessível ao humano que sofre da síndrome de Adão e Eva e desafia Deus – a criatura que se volta contra seu criador. Na França do século XIX a fonte de inspiração para os escritores, pintores, músicos e todas as formas de expressão artística vão convergir para o baixo meretrício onde a proliferação da sífilis e da tuberculose forjaram uma única saída de felicidade para a literatura - o monstro morte.

O racionalismo e o cientificismo não solucionam os conflitos da alma nem os da mente. As inquietudes humanas são analisadas pelos românticos não apenas na realidade vivida, mas num universo paralelo produzido pela mente, onde o “fantástico” habita no inconsciente humano e utiliza-se do simbólico para se contrapor ao racional. Charles Baudelaire (fonte de inspiração para os poetas malditos) será o totem dos escritores simbolistas onde a mistura dos sentidos e das percepções do mundo (Sinestesia), por uma mente em conflito, geram a beleza das Flores do Mal.

No Brasil Augusto dos Anjos será um dos principais expoentes dos artistas dos cemitérios, afetados pelas DSTs, pela tuberculose e pela falta de perspectiva que as luzes prometeram, mas não cumpriram, ou seja, “...a mesma mão que afagas é a mesma que te apedrejas”,foram a fonte de inspiração para a tendência do mal do século que, também elegeram o monstro morte como solução.

E hoje qual o monstro criaríamos para solucionar os problemas da nossa sociedade? O que seria supostamente “fantástico” que nos fizesse combater a fome, a miséria, a falta de emprego e de perspectiva para o futuro, mesmo que seja na ficção?

A literatura contemporânea utiliza o “fantástico” para criticar. O caso de Gabriel Garcia Marquez com os seus Cem anos de Solidão,vem nos mostrar que todo caudilhismo, mesmo sendo “fantástico”, tende a sucumbir nele mesmo. Será que vai ser o caso do nosso presidente? Observação infeliz!

O grande expoente da literatura contemporânea Latino Americana – Juan Rulfo – com o seu Pedro Páramo, traz um manifesto de luta de classe, através de um diálogo entre os mortos embaixo da terra. Entretanto os tais zumbis não solucionam os problemas sociais dos países sul americanos.

A verdade é que nem na fantasia a nossa sociedade moderna ou pós-moderna cosmopolita encontra a salvação. Entretanto, apesar da riqueza e da sedução que a literatura nos fornece, talvez a fórmula não esteja na solução oferecida pela mesma, mas na análise dos medos que levaram a sua concepção. Os problemas sociais não foram resolvidos pelo “fantástico”, entretanto são os mesmos problemas que a humanidade sofre que reincidem em outros tempos, em nosso tempo, em vários espaços, em nosso espaço e, talvez o “fantástico” esteja no simples fato de que podemos até sucumbir diante de nossos medos, mas a história continua!

Fonte:
http://www.duplipensar.net/artigos/2005-Q2/literatura-fantastica-seculo-xix.html

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Luciane dos Santos Iriyoda (Teatro Português: Alguns Marcos do Século XX)

RESUMO: O ano marco da história moderna da literatura dramática portuguesa é 1946, assinalada com a peça O Mundo Começou às 5 e 47 de Luís Francisco Rebello. No entanto, a produção teatral desse período teve seu crescimento entre os anos de 50 e 60, pois em 40, Portugal como tantos outros países, passava por um momento de estruturação após guerra, o que criara um clima de esperança por dias melhores. Assim, no presente trabalho traçaremos uma rápida linha no tempo da produção teatral portuguesa entre meados dos anos de 1940 a 1980.

1. Teatro e Censura

No dia 18 de maio de 1926, mediante um golpe de Estado, é implantada a ditadura militar portuguesa, período chamado de Estado Novo. Toma posse como Ministro das Finanças Oliveira Salazar, que em 1932 passa a ser o Presidente do Conselho de Ministros, cargo em que permaneceu por mais de quarenta anos (1926-1968). Esse período ditatorial vivido por Portugal é denominado, dentro da história política, de ditadura salazarista. Nessa época, a legislação que administrou a imprensa portuguesa foi organizada basicamente em três decretos - de 1926, 1933 e 1936 - absolutamente contrários às constituições anteriores, desde 1822. A censura passou a fazer parte da legislação, como órgão de formação e propaganda política, tendo como responsável o Serviço Nacional de Informação (SNI), que diretamente tomava providências com apoio do Presidente do Conselho, neste caso, Salazar.

Como conseqüência, os jornalistas, poetas, dramaturgos e escritores em geral não podiam se expressar livremente, pois corriam o risco de ter suas obras apreendidas pela censura. Logo, engenhosamente, utilizavam habilidades lingüísticas, como metáforas apropriadas, a fim de escrever para serem lidos nas entrelinhas, através da percepção da leitura implícita. Muitas palavras formavam um novo vocabulário dentro dos textos que queriam desviar a censura oficial. Primavera, por exemplo, passou a significar revolução; vampiro, polícia; camarada, prisioneiro, aurora ou amanhecer, socialismo; papoila, vitória popular.

No teatro português, esse aniquilamento cultural não aconteceu de maneira diferente; muitas peças então publicadas não chegavam a ser representadas, pois não era interessante a existência de uma atividade teatral livre, que contestasse a situação sócio-política que vivia Portugal. Existia, sim, um teatro engajado, dominado pelo Estado: companhias como a de Reis Colaço-Robles Monteiro, que seguia a linha clássica; a Companhia Nacional de Teatro D. Maria II, cuja missão de cumprir o papel de divulgação da arte dramatúrgica portuguesa estava longe de se concretizar; ou ainda o teatro de revista, pífio e pouco atraente, produzido na área do teatro comercial. O fato de serem estas companhias patrocinadas por empresários colaborava para a impossibilidade de levar a cena outras tendências da arte cênica que não fossem ligadas a eles, que concomitantemente tinham a liberação do SNI (Serviço Nacional de Informação).

Entre a maioria das peças escritas e não encenadas desse período constituem exemplos as obras de Bernardo Santareno, cuja representação era proibida para a maioria. Tal proibição concorria para que o autor estendesse os diálogos das personagens, ampliando conseqüentemente sua estrutura e tornando-a mais apropriada a um público leitor. É o que aconteceu com a peça O Judeu, publicada em 1966, que subiu ao palco somente em 1981, no Teatro Nacional D. Maria II, tendo a colaboração do ator Rogério Prado e do dramaturgo e crítico de teatro Luís Francisco Rebello para reduzir o texto às proporções adequadas à representação. O autor teve ainda sua primeira obra, A Promessa (1957), de estirpe basicamente dramática, encenada em novembro do mesmo ano; porém, após nove dias de apresentações, foi proibida pela censura. Outra obra bastante conhecida no teatro português é Felizmente Há Luar! (1961), de Luís Sttau Monteiro. Impulsionada vigorosamente pela força dramática, é o processo narrativo que dá à peça a linha do teatro épico, trabalhando as intenções políticas e sociais do reinado de D. João VI, que se refugia no Brasil e deixa a metrópole a ser governada por um conselho de regência. Esta não pôde ser apresentada, assim como acontecera com quatro anteriores do mesmo dramaturgo: Todos os Anos pela Primavera (1963), O Barão (1964), adaptada de uma novela de Branquinho da Fonseca, A Guerra Santa e A Estátua (1966). Tal como a única peça do ficcionista José Cardoso Pires, O Render dos Heróis (1960), que trabalha problemas da ética social e política, peças de Luís Francisco Rebello, Jaime Salazar Sampaio e muitos outros, como relata Rebello, não puderam ser representadas:

[...] a simples análise dos últimos cinco anos de actividade teatral mostra-nos que o número de peças originais representadas pela primeira vez nesse período foi de dez em 1969 (das quais cinco haviam sido já publicadas há mais de cinco anos), cinco em 1970, quatro em 1971 (três das quais publicadas há mais de dez anos), uma em 1972, nenhuma em 1973. A curva descendente que este número descreve não pode deixar de causar as maiores apreensões, sobretudo se os compararmos com a produção real dos autores nacionais, que, embora afastados (involuntariamente) do palco para eles continua, todavia a escrever. (1977, p. 166)

Essas peças eram vigiadas pela PIDE (Política Internacional e de Defesa do Estado), que não permitia fossem apresentadas, pois algumas obras teatrais eram vistas pelos políticos como instrumento de conscientização dentro da luta de classes - o que não deixava de ser verdade. “O teatro como obra de criação pessoal e veículo de comunicação social foi, através dos tempos, objeto de especial cuidado da censura por razões que se tornaram evidentes” Deste modo, a censura afastava o teatro do povo, vivenciando-se nesta fase política um momento de grande crise no teatro português de então; crise não referente ao número de obras escritas nesses anos de ditadura, mas sim, à quantidade mínima das que foram a cena. A citação abaixo, escrita por Nilza Maria Leal Silva e Jorge Fernandes da Silveira no artigo intitulado Santareno: um teatro de denúncia, ajuda a esclarecer:

Consciente que a função social é mais ativa no teatro, cabe ao dramaturgo propiciar ao leitor os recursos para que este estabeleça a ponte que contacta o texto à realidade que o produziu. De acordo com isto e com os depoimentos citados, é fácil concluir que a crise do teatro português moderno não se deve à baixa produção de textos dramáticos, mas ao choque entre a Censura e a temática do novo teatro, que se centra na denúncia dos problemas sociais.

Por isso, temos um teatro surgido a partir do final da década de 1940 com intenções diferentes, por exemplo, das da geração de 1960, com compromisso de denunciar o sistema político-social vigente nesse período, tempo em que jovens dramaturgos apresentam propostas teatrais que convergiam totalmente ao teatro até então em vigor. Preocupados em trazer esta arte novamente a seu tempo, esses novos agrupamentos teatrais utilizavam-se de artifícios vistos como irreverentes e desobedientes, voltados para uma problemática humanística, do homem atrelado ao seu meio social e a problemas gerados por esse meio, remetendo à imagem de um Portugal em crise. Tem-se ainda o Teatro Independente da geração de 70, também empenhada em cumprir o papel iniciado pela estirpe dramatúrgica da década anterior.

Entre as principais companhias que lutaram por um espaço cênico têm-se: o Teatro Experimental do Porto (TEP), de (1953), dirigido pelo artista António Pedro, no qual temos uma das maiores tentativas de teatro experimental; o Teatro-Estúdio do Salitre (1946-50), o Teatro Experimental de Cascais (TEC), (1965), o Teatro-Estúdio de Lisboa (TEL), (1964), o Centro de Iniciação Teatral de Coimbra (C.I.T.C.), (1956) - entre outras companhias surgidas em meados de 70, que citaremos mais adiante.

Todas elas tiveram dificuldades de sobrevivência, mesmo as que tiveram efêmera duração, pois não tinham apoio institucional que as subsidiasse. Não precisamos detalhar que cada uma delas teve seus problemas com a censura, não conseguindo materializar no palco parte de seus trabalhos teatrais. Esperaram os anos precedentes ao 25 de Abril para ter a possibilidade de levar às platéias não somente textos portugueses, mas também de muitos autores estrangeiros cuja apresentação era então proibida em Portugal.

Um texto de teatro, quando escrito, o é inicialmente com a intenção de ser levado aos palcos para encenação. Devido a isso, em grande parte do século XX o teatro português sofreu o que poderíamos chamar de retalhamento. Preocupados com a ditadura, muitos dramaturgos não conseguiram que suas obras fossem representadas, por isso as tornaram próprias para serem lidas como se fossem romances. Muitos ainda esperaram por tempos artísticos melhores, que viriam nos anos posteriores à Revolução dos Cravos, quando a valorização teatral poderia acontecer em cena. Seriam então observadas por uma platéia que se interessasse pela função dos autores, atores, encenadores - enfim, por um espetáculo teatral como um todo, o qual poderia divulgar a cultura e o crescimento intelectual de uma nação, neste caso, a do povo português.

Não obstante, após a Revolução dos Cravos, assunto que será desenvolvido no tópico posterior a este, notamos certa resistência dos elaboradores de teatro aos textos nacionais, porquanto “o autor português continua a ser marginalizado pelos produtores do espetáculo por razões pouco claras que dificilmente têm haver com as reais potencialidades de seus textos”. (PORTO, 1985, p. 141). Acreditamos que os anos ditatoriais, cuja duração se estendeu por quatro longas décadas, trouxeram a Portugal profundo atraso político e social e, conseqüentemente, projetaram para os anos seguintes o reflexo da carência cultural, pois o povo sentia-se mais atraído pela cultura européia como um todo que pela apreciação de peças teatrais que refletiam a cultura de sua gente. Os produtores, muitas vezes, querendo formar e atrair um vasto público, sujeitavam-se a representar textos estrangeiros.

2. O Teatro Português entre meados de 1946 a 1974

Marina Gutman Toste Paranhos (1988), em seu artigo publicado na revista Caleidoscópio, faz referência a comentários de alguns críticos e suas respectivas opiniões sobre a dramaturgia portuguesa. Segundo ela, Eça de Queirós, certa vez, afirmou que o gênero dramático em Portugal é praticamente inexistente. Já João Villaret, ator e declamador, “dizia em tom pessimista que Gil Vicente escreveu teatro medieval no alvorecer do Renascimento, quando o teatro já alcançava outra dimensão [...], atraso jamais recuperado até à época em que viveu” (apud PARANHOS, 1988, p. 176). Villaret também menosprezou a obra de Almeida Garret, alegando que ela não deveria ter saído do armário. Já o crítico de teatro português Redondo Júnior, em sua obra Panorama do Teatro Moderno, de 1961, foi fortemente censurado por seus colegas por não ter dedicado ao menos um capítulo ao teatro português. Palavras dele: “Na verdade hesitei entre duas soluções: a primeira, escrever numa página à laia de título de capítulo – O teatro em Portugal – e, na página seguinte, apenas duas palavras: Não existe; a segunda: ignorá-la simplesmente” (apud PARANHOS, 1988, p. 176). Assim optou pela segunda. Mas então como explicar os 744 autores que escreveram para teatro nesse país, citados por Luiz Francisco Rebello? É certo que um terço deles contribuiu com apenas uma obra, menos da metade chegou à segunda, havendo aproximadamente cem profissionais que realmente se dedicaram ao teatro. Este número explicaria o pessimismo dos críticos citados acima?

Na verdade, a história do teatro português acompanha a história do país, “... contribuindo como agente transformador dum panorama sócio-político. O período de declínio de certas instituições coincide com um período de intensificação da crítica a essas instituições” (Ibid, p. 178). É sabido que o teatro em Portugal, assim como outras artes, sofreu uma grande censura, acarretando a impossibilidade de encenação da maioria das peças escritas nesse período. Já temos também conhecimento de terem sido poucos os dramaturgos que tiveram a felicidade de conseguir a representação de suas peças. No entanto, a obra teatral é para ser posta em palco, apresentada a uma platéia, que finalmente vai ouvi-la, vê-la, senti-la. Para tanto, não poderá ficar limitada ao papel impresso, pois “uma obra de teatro apenas quando é representada perante um público se realiza plenamente”, conforme afirmação feita por um desses poucos teatrólogos que levaram suas peças à representação cênica, a qual pode, em parte, explicar o pessimismo de alguns críticos em relação ao teatro português.

Estamos nos referindo a Luís Francisco Rebello, que, com a peça intitulada O mundo começou às 5 e 47, iniciou um novo capítulo da dramaturgia portuguesa, destacando-se como um dos principais homens do teatro desse período, não somente como autor, mas também como crítico e historiador do teatro em Portugal. Rebello estreou essa peça no dia 16 de janeiro de 1947, no Teatro-Estúdio do Salitre, recém-inaugurado por Gino Saviotti, em abril de 1946, o qual funcionou até 1950. Essa casa teatral, juntamente com sua equipe, tinha como principal objetivo produzir um teatro diferente do que fora exibido até então. Pretendia pôr em liberdade a cena portuguesa de predomínio naturalista, estética insistentemente dominante em vários dramaturgos desde o início do século.

O mundo começou às 5 e 47 é acolhida por alguns críticos como a abertura a um novo teatro, segundo comenta Mendonça: “um novo teatro fazia nascer um homem que surgia como símbolo da humanidade (ou da juventude) ainda crente de que não havia sido inútil a guerra que matara milhões” (1971, p. 02). Estava o teatro e a própria cultura em geral com olhos voltados ao mundo do pós-guerra. A esperança era vivida de forma bastante intensa; logo, o mundo que começara nessa peça era um “mundo de renovação social, onde a injustiça, o medo e a fome não teriam mais lugar” (MENDONÇA, 1961, p., 27). Luís Francisco Rebello, não só na peça acima citada, mas também nas obras O Dia Seguinte (1949), Alguém Terá que Morrer (1954), É Urgente o Amor (1957), Pássaros de Asas Cortadas (1958), Condenados à Vida (1963), entre outras relacionadas logo adiante, trabalhou temas que generalizam a purificação permanente do homem, mediante oscilação entre o inverossímil e a realidade e a fixação por verdades que ainda não aconteceram; verdades essas que buscamos compreender e muitas vezes não o conseguimos, tal qual apareceram através do realismo fantástico das obras. É comum a vida em face da morte, o mundo dos vivos e dos mortos, a ligação desses dois universos, onde o real e o irreal ora se misturam ora se separam. Em Alguém Terá que Morrer, considerada pela crítica como sua primeira grande peça, o irreal é representado pela figura do protagonista, o enviado da morte, inserido no enredo vivido pela burguesia lisboeta. Esse personagem tem a função de levar consigo alguém da família. Todos, porém, pensam na morte como libertação dos problemas ocorridos em suas vidas, mas quando chega o mensageiro para levar um deles, “vem subitamente à superfície de cada um argumento para não morrer” (MENDONÇA, 1961, p. 35). Diante disso, o exame de consciência acaba sendo construído em toda uma seqüência da peça, quando os personagens fazem a verificação geral dos atos de condenação à vida, característica marcante das personagens de Luís Francisco Rebello.

O acervo de peças desse dramaturgo deve ser considerado bastante considerável, e, segundo assegura o próprio escritor, também teve sua fase “experimental no sentido rigoroso deste termo” (apud MENDONÇA, 1971, p. 26). Esta fase se certifica pelas três primeiras obras que concluiu: O mundo começou às 5 e 47, O Dia Seguinte e O Fim na Última Página. Após essas, vieram quatro grandes peças, sendo a primeira delas Alguém Terá que Morrer, seguida de É Urgente o Amor, Pássaros de Asas Cortadas e, finalmente, de Condenados à Vida, peça pela qual recebeu o Prêmio de Teatro da antiga Sociedade de Escritores, em 1964. Mesmo não tendo a necessidade de abordar aqui suas obras mais recentes, pois objetivamos escrever sobre o teatro até meados dos anos 1980, neste caso achamos valiosa a informação, por estarmos nos referindo a um dos mais importantes homens do teatro português, Dele temos, finalmente, o Teatro de Intervenção (1978), Portugal, Anos Quarenta (1983), Todo Amor é de Perdição (1994) (Teatro da Associação de escritores em 1995), A Desobediência (1998) e Todo o Teatro (1999), obras encontradas nos volumes Teatro I (1959) e Teatro II (1959).

Outro dramaturgo que não poderemos deixar de enaltecer por seu trabalho com o teatro, mesmo sendo surpreendido especialmente pela poesia, é José Régio, autor de Jacob e o Anjo (1941), Benilde ou Virgem Mãe (1947), El-Rei Sebastião (1949, escrito em versos), Salvação do Mundo (1954), entre algumas outras, não somando muitas peças. O que talvez o faça nobre entre os homens de teatro dessa época é sua temática, que constantemente compreenderá o diálogo entre o homem e Deus, espírito e matéria: “o que há de divino e de terreno na humana condição – debate que prolonga e amplia dramaticamente o conflito que, desde 1925, Régio vinha equacionando nos Poemas de Deus e do Diabo” (REBELLO, 1968, p. 109).

José Régio, mesmo estando presente no teatro português com obras escritas entre as décadas de 1940 e 1950, época do pós-guerra, como afirmamos acima, em que se pretendia instaurar um novo teatro, tem ainda uma entonação simbolista, pertencente ao pensamento teatral da época anterior. Este fato o faz ficar de fora dos comentários de críticos teatrais que buscavam escrever sobre o novo trabalho na dramaturgia então em surgimento. É o caso de Fernando Mendonça em seu livro Para o Estudo do Teatro em Portugal 1946-1966. Logo no prefácio esse autor se justifica: “Uma objeção que ao presente trabalho pode levantar-se é a da omissão do teatro de José Régio. Relembre-se, porém, que as peças deste Autor [...] pertencem pelo seu espírito a uma época anterior [...] caíram fora das coordenadas do que deve chamar-se o teatro atual” (MENDONÇA, 1971, p. 09).

Partindo da leitura do livro citado acima, Mendonça faz referência a uma tríade do teatro português desse período, composta por Luís Francisco Rebello, Bernardo Santareno - que terá um subcapítulo dedicado somente a ele na presente dissertação - e Romeu Correia. Afirma Mendonça:

Cada um deles com um teatro próprio, com instrumentos e linguagem teatral definida, todos eles diferentes uns dos outros, mas extremamente válidos na perspectiva dramática dos últimos anos. Se fosse necessário escolher três nomes que representassem a literatura dramática portuguesa dos últimos decênios, seriam indubitavelmente estes os eleitos. È possível haver discordância quanto à inclusão do nome de Romeu Correia na tríade. Todavia, outros que com ele começaram a ombrear não se definiram suficientemente, ainda que as magníficas obras que nos vão legando nos façam crer que estamos diante de dramaturgos natos. (1971, p. 25)

A escolha de Romeu Correia feita por Mendonça para essa tríade parece pouco justificada, pois a afirmação do crítico na citação acima nos remete extremamente a um declínio pessoal do teatro de Correia, sendo difícil mencioná-lo como um dos mais completos dramaturgos desse período. Mesmo mais à frente do livro, o crítico justifica ainda sua escolha pelo teatrólogo em questão, por competir a este um teatro atual, com um panorama renovador em termos nacionais. O interessante é que, mesmo sendo um tanto escassa e pouco atualizada a bibliografia utilizada para o pronunciamento sobre o teatro português no presente capítulo, não encontramos outros críticos fazendo maiores alusões a Romeu Correia, mas sim, comparando-o igualmente a outros dramaturgos.

Em que pese a isso, é interessante referir aqui algumas de suas obras, como é o caso de Casaco de Fogo (1953), Grito de Outono (1980), Tempos Difíceis (1982), O Andarilho das Sete partidas (1983), A Palmatória (1995), O Vagabundo das Mãos de Oiro (1961), Jangada (1962) e Bocage (1965). Estas três últimas são tidas pela crítica como suas mais importantes obras, pois são produzidas entre as estirpes dramática e épica, enveredadas pela linguagem moderna, “subordinando elementos incompatíveis, misturando-os com audácia, nunca revelando onde fantasia e realidade se entrelaçam [...]” (MENDONÇA, 1971, p. 46), isso em um tempo de dificuldades para o teatro português. Antes dessas, Romeu Correia era ligado ao Neo-Realismo, mas como é afirmado acima, logo partiu para escrever um teatro mais moderno. Caracteriza-se ainda por apresentar uma linguagem decorrente da literatura oral, envolvendo ambientes como teatro, feiras de fantoches, circo e grupos - geralmente à margem da sociedade - os quais também fazem parte do ambiente teatral de Correia.

Uma dessas particularidades encontradas em O Vagabundo das Mãos de Oiro, por exemplo, é a utilização de fantoches nas mãos do personagem principal, MESTRE ALBINO, em que os bonecos libertam-se do protagonista e passam a ter vida própria, colocando-se a contar fatos com eles ocorridos. Tudo acontece em meio ao contato direto com o público, ou seja, os atores dialogam comumente com a platéia, ocorrendo o chamado distanciamento, dando valorização ao processo essencialmente épico. Outro recurso é o constante recuo no tempo, refletido num difícil entendimento da peça pelos espectadores. Isso sucede pela inovação que o autor quer dar ao seu trabalho, já que esteve aperfeiçoando um contato com o teatro europeu e, conseqüentemente, foi influenciado pela linha brechtiana, procedência que também influenciou outros autores, como é o caso de Luís Sttau Monteiro e Bernardo Santareno, entre outros. No entanto, diferentemente deste último citado, Romeu Correia escrevia suas peças não para serem lidas, mas sim, para serem colocadas em palco. Logo, com a encenação de Bocage, que assume com o espectador o distanciamento através dos diálogos dirigidos a este, faz com que a plasticidade da obra supere a expectativa da época.

Outro artista do teatro que lembraremos aqui é Costa Ferreira. Ele, além de ser produtivo autor de peças de teatro, era ator, encenador e foi um dos poucos escritores a se dedicar exclusivamente a esta arte, sem se envolver com os gêneros romance ou poesia, como comumente ocorria com vários teatrólogos desse período. Seus títulos mais conhecidos são: Trapo de Luxo (1952), Quando a Verdade Mente (1955), Atrás da Porta (1956), Um dia de Vida (1958), Um Homem Só (1959), Os Desesperados (1961) e Milagre da Rua (1962). Rebello afirma que tanto na farsa e na comédia como no drama “se estende a sua prospecção crítica aos diversos estratos da actual sociedade portuguesa” (1968, p. 15). Seus personagens se mesclarão em alta e pequena burguesia, povo, aristocracia decadente, etc.

Na peça Um Homem Só, por exemplo, o ambiente é o da burguesia, que por sua falsa dignidade é vencida, no final do terceiro ato, pela solidariedade. Esta obra traz em sua estruturação o tradicional modelo dramático. Dividida em três atos, primeiro surge um conflito, prepara-se para a solução e chega-se a esta no final da peça, talvez por esse modelo conservador ter maior atratividade junto ao público, que insiste em apreciar as peças com esta característica, pois ainda não está acostumado aos padrões teatrais mais recentes. Mesmo assim, Mendonça afirma que, “inserida em esquema convencional, esta peça de Costa Ferreira não abdica de uma lúcida modernidade, que é a do tratamento das personagens, encenadas sob prisma burguês evidentemente, mas, sobretudo, no campo das relações humanas.” (1971, p. 88). Como percebemos, conquanto a peça explicitada acima trouxesse uma estrutura completamente tradicional, a temática apresentada pelo dramaturgo era voltada a conflitos existenciais, ao difícil diálogo das relações humanas, em que “todo homem no fundo está só e é exacerbado de querer viver com outros que se dão conta da sua pungente solidão” (MENDONÇA, 1971, p.88). Este tema causa, de certo modo, incômodo a quem assiste a ele, pois na verdade ele está presente no meio social, e somente havia sido transportado ao palco.

Partindo-se para comentários sobre outros escritores de peças teatrais, existem aqueles que se destacaram no teatro, mas iniciaram anteriormente com as publicações de romances literários e poesias, convencionando o que podemos chamar de “dramaturgos por acidente”, como esclarece Fernando Mendonça: “apesar de acidentalmente freqüentarem o teatro, essas peças possuem significados, ou pelo que representam na evolução do teatro, ou pelo que neste conservam de tradicional e valioso.” (1971, p. 85). Dentre esses citaremos apenas alguns, como Luís Sttau Monteiro, com Todos os anos pela Primavera (1963), Sua Excelência (1971), entre outras. Augusto Abelaira também nos deixou significativa quantidade de obras: O Progresso de Édipo (1957), O Encoberto (1969), O Nariz de Cleópatra (1962) etc. David Mourão Ferreira, com O Irmão (1965), considerada pelo crítico Fernando Mendonça como uma grandiosa peça da dramaturgia portuguesa; José Cardoso Pires, com a obra épica Render dos Heróis (1960); Jaime Salazar Sampaio, com O Pescador à Linha e Os Visigodos, ambas representadas em (1961). Enfim, dezenas de outros escritores ajudaram a fazer a história do teatro português em uma época de repressão da ditadura, em que a arte era tão pouco incentivada.

Quanto às obras mencionadas no parágrafo anterior, percebemos que em sua maioria elas foram escritas e publicadas entre as décadas de 40, 50 e 60, época em que a literatura portuguesa teve como tendência a estirpe do Neo-Realismo, cuja temática, no século XX, simboliza o comprometimento com abordagens de temas como o conflito social, a alienação e a consciência de classe, a posse da terra, a opressão, a decadência dos estratos dominantes, entre outros. O teatro neo-realista foi abafado por experiências de várias escolas dramáticas, nas quais os poucos dramaturgos que utilizaram tal estética teatral nesse período são os que denominaremos “dramaturgos por acidente”, como é o caso de Alves Redol, com as peças Maria Emília e Forja, cuja primeira encenação a censura não autorizou; ou ainda o de Romeu Correia, que logo partiu para escrever peças com características mais apropriadas a seu tempo.

Partiremos agora para explicitar o verdadeiro impulso ocorrido na dramaturgia em Portugal, o qual começou a acontecer a partir da década de 60, criado por jovens que tinham a certeza de que queriam mudanças. Tal teatro é conhecido pelos críticos como o “teatro do absurdo”. Desobediência, inovação, inaptidão - são palavras que talvez sintetizem e adjetivem o período da década de 60. Surgiu com o teatro de Luís Francisco Rebello, que através de suas peças, a princípio experimentais, evidenciava uma visão mais moderna perante o escasso teatro naturalista, no qual muitos foram os jovens envolvidos com a arte dramatúrgica. Esses queriam quebrar os moldes até então existentes no teatro português, como afirma Mendonça:

[...] uma geração de dramaturgos mais jovens tem-se afirmado notavelmente renovadora, utilizando esquemas que conferem uma fisionomia desobediente, tão desrealizadora e ao mesmo tempo tão inovadora à dramaturgia portuguesa que diante das suas saudáveis ousadias, e auscultadas as suas ambições, só pode ser por isso incondicionalmente louvada. (1971, p. 117)

Esses jovens pareciam querer, por meio do teatro inquieto, denunciar os problemas socioeconômicos enfrentados naquele momento, os quais não eram vistos pela maioria das pessoas, vítimas involuntárias e inconscientes de uma situação que as impedia de assumir uma postura crítica. Dentre esses dramaturgos, destacaremos os mais importantes: Fiama Hasse Pais Brandão, com as peças Os Chapéus de chuva (1961) (Prêmio Revelação de Teatro). Seu teatro teve uma constante aproximação com o espírito épico, sendo seu maior texto o Auto de Família (1977). Manuel Grangeio Crespo, com Os Implacáveis (1961) e O Gigante Verde (1963), revelou-se um dramaturgo nato, pois suas peças aproveitam recursos teatrais atuais. Cite-se ainda Antonio Gadeão, que utiliza elementos como o ballet e a música para intervir em sua obra intitulada RTX 78/24 (1963), dentre muitos outros.

Perante os críticos, nem todos esses escritores se mostravam capazes de produzir um teatro de qualidade européia. Esses teatrólogos estavam efetivamente interessados em criar uma ruptura com os moldes teatrais produzidos até então, como comenta Mendonça:

Mais do que ecléticos, são eminentemente sincréticos e extremistas, entendendo por extremistas as audácias dos temas e das formas que adotam. Não proclamando padrões a que obedeçam, variando o processo de estilização dramática, inserem-se, contudo, num determinado momento histórico, participam dele e agem – com a consciência de que há algo a mudar, de que há algo a recuperar. (1971, p. 19)

Essa necessidade de mudança é reflexo do tempo social e político que se vivia naquela época e, através do teatro, achavam os teatrólogos que poderiam denunciar o que estava acontecendo. Não podemos nos esquecer de que o mundo passara por uma guerra e dramaturgos de toda a parte começavam a mudar seus pensamentos, e isso se refletia em suas peças. Nomes como Brecht, O’neil, Piscator, Piradello, Genêt, Miller etc. não podem ser esquecidos como, de certa forma, influenciadores do teatro português.

Partindo-se para os anos 70, nota-se, através da bibliografia lida para o presente trabalho, que a produção teatral parece se tornar mais escassa, devido aos grandes desafios então encontrados pelos dramaturgos para fugir incansavelmente da censura. Nomes como Bernardo Santareno e Jaime Salazar Sampaio, por exemplo, aparecem entre esses escritores. Santareno, após um significativo número de obras escritas entre os anos de 1957 a 1969, exatamente um total de quatorze, volta a publicar somente em 1974, com Português, Escritor, 45 Anos de Idade, numa linha basicamente épica; depois, em 1976, com Os Marginais e a Revolução e, por último, O Punho, de (1980). Salazar Sampaio fixa-se em sua atividade como tradutor, voltando a escrever somente após o 25 de Abril. Assim, citaremos apenas os principais grupos teatrais surgidos nesse período, não fazendo menção apenas aos dramaturgos.

Desenvolvem-se os chamados grupos independentes, os quais são assim chamados por caracterizarem a prática de projetos autônomos, diferenciando-se do teatro comercial, que tinha de certa forma mais liberdade de atuação, por causa do apoio do governo salazar-caetanista. Esses novos grupos buscavam maior liberdade de expressão, estética, ideológica e institucional. Desta forma, muitas vezes lhes era difícil manter-se independentes, pela falta de subsídios e dificuldade de consegui-los, nesse caso, o não recebido apoio político. Por conseguinte, são conhecidos na história do teatro português como grupos do teatro independente, incluindo-se neles o teatro universitário, grupos independentes, amadores desta arte, enfim, todos que seriamente buscavam fazer teatro e não tinham auxílio governamental para crescer ou se firmar enquanto companhias teatrais. Mesmo assim, reivindicavam apoio, este “[...] que o Poder ia buscar a impostos pagos pelos freqüentadores de outros espetáculos” (PORTO, 1985, p. 20). Mas era difícil consegui-lo, já que tinham um pensamento que se opunha a esse poder, contradizendo-o, negando-o e, principalmente, desmistificando-o. Tinham, por conseguinte, em mente, o que afirma o crítico de teatro Carlos Porto:

uma nova concepção de estrutura associativa, de preferência de tipo cooperativo, uma política de igualitarização de todos os elementos do grupo a nível salarial mas também a nível de intervenção de seu projeto artístico cultural, a preferência por novos espaços teatrais, com recusa, na maioria dos casos, do teatro à italiana, a defesa de um teatro novo que tivesse em conta as linhas mais avançadas, estética e ideologicamente, que atravessavam o teatro mundial, o reconhecimento do teatro como arma de combate político ou/e cultural” ( 1985, p. 20).

Esses grupos insistiam em ocupar um espaço definido pelo teatro empresarial capitalista e pela persistência em modificar este teatro apático até então imposto pela censura. Aos poucos começaram a assumir destaque na história dramatúrgica portuguesa. Alguns desses já foram citados no tópico “Teatro e Censura”, deste trabalho, porém revisitaremos aqui os de maior importância e mencionaremos outros ainda não referidos.

O primeiro núcleo dos grupos dramatúrgicos que comporão o teatro independente tem suas raízes nas décadas de 50 e 60, pois nesse período, como explicamos em linhas anteriores, começava-se a impulsionar um teatro diferente dos moldes impostos até então. Representam essa fase: o Teatro Experimental do Porto (1953), o Teatro Experimental de Cascais (1965), o Teatro Moderno de Lisboa (1964) e o Teatro-Estúdio de Lisboa (1964). A partir desses, surgem outras ramificações que darão força ao crescimento do teatro independente. “A eclosão de um importante movimento de teatro universitário em meados dos anos 60 viria a ser um outro elemento fundamental em relação ao movimento do teatro independente” (PORTO, 1985, p. 22). Apesar de não terem alcançado um público muito amplo, pois na maioria das vezes as apresentações eram proibidas pela PIDE ou eles ainda não dispunham de espaços apropriados, devido ao pouco subsídio que conseguiam, tais grupos, como afirma Carlos Porto, representaram um importante trabalho de “orientação, prática e teoria”, que, de certa forma, começou a explanar a capacidade de comunicação e expressão teatral.

Entre as várias companhias surgidas em meados de 70, têm o mérito de serem citadas as consideradas mais importantes: os Bonecreiros (1971), Comuna (1973), Teatro de Cornucópia (1973) e Campolide, do período imediatamente precedente ao 25 de Abril, todos grupos independentes, que muito contribuíram para a formação e crescimento da prática dramatúrgica portuguesa.

Em 1971 surge o grupo Bonecreiros, do Teatro de Laboratório de Lisboa, que, após atuar por aproximadamente dois anos em várias peças nacionais e estrangeiras, rompeu-se, pois havia entre os elementos que o integravam divergências de opinião, talvez oriundas da própria formação teatral de cada integrante, como observa Carlos Porto:

De um lado, actores interessados numa prática teatral interveniente, embora de qualidade, para quem o teatro de Brecht, [...] constituía um modelo não a copiar, mas a considerar prioritariamente; do outro lado, actores interessados numa prática que tinha mais a ver com Artaud, via Grotowski, e Gutkin, no caso João Mota, Peter Brook.” (1985, p. 25)

Não obstante, como resultado da ruptura desse primeiro Bonecreiros nasceu o Comuna (Teatro de Pesquisa), dirigido por João Mota, e o segundo Bonecreiros, representando um teatro, segundo Porto, “baseado no materialismo dialético e menos preocupado com fórmulas experimentais”. Ambos recaem em um percurso à procura de um teatro popular, “não só através dos textos apresentados como nas leituras cênicas” (Porto, 1985, p. 26), propostas pelo então diretor Mário Barradas.

O Comuna, instalado em uma precária garagem alugada, atingiu um público mais restrito. Dirigido por João Mota, tinha sua própria linha de criação coletiva, ou seja, encenava aquilo que era originário do grupo, como as peças Brincadeiras (1973) e A Ceia (1974). Uma característica da encenação era os atores penetrarem na platéia, estando em concomitância um sério e importante trabalho de expressão corporal. Ao contrário dessa companhia, o Teatro Cornucópia conquistou maior espaço entre seus espectadores, por atuar em lugares mais convencionais, como, por exemplo, escolas. Diferentemente de João Mota, os diretores Jorge Silva Melo e Luís Miguel Cintra encenavam textos clássicos de respeitados autores europeus.

Outros trabalhos teatrais de meados de 60 e 70 que não poderíamos deixar de citar são os de Luiza Maria Martins e Carlos Avilez. Ela, grande conhecedora do teatro inglês, encenadora, adaptadora e dramaturga de peças como Alma sem Mundo (1967), foi uma mulher que enalteceu o Teatro Estúdio de Lisboa (TEL). Seu prestígio, no entanto, aos poucos foi-se atenuado em virtude do processo de censura, dificultando o seu trabalho teatral, situação ainda que fez exaurir-se sua companhia logo após o 25 de Abril. Já Avilez trabalhava para a companhia no Teatro Experimental de Cascais (TEC), pleiteando idéias avançadas em relação ao teatro de sua época. Essas idéias, embora não fossem suficientemente maduras, devido à ausência de uma base cultural sólida, não deixaram de ser importantes para o trabalho do produtor em questão, pois mesmo com esta proposta duvidosa, Carlos Avilez conseguiu contribuir para o crescimento do teatro independente, através das várias peças que dirigiu ao longo de vinte anos.

Além das citadas, temos as companhias Casa da Comédia, Teatro do Porto, o Grupo 4, este último, surgido em 1967, mais específico de movimentos teatrais ligados às universidades,, por tentar atingir um público mais jovem..

Todos eles também apresentaram inúmeros espetáculos nesse período, em que Marcelo Caetano, então ministro, limitou a abertura de novas portas ao teatro português, impulsionando somente o de revista, o qual era submetido à ligação comercial com empresários e cuja produção intensionava realmente o lucro do produto final, e não a divulgação cultural propriamente dita.

Destarte o teatro, cuja função era representar Portugal nos anos obscuros vividos em regime ditatorial, era “imposto por empresários de acordo com determinados pressupostos economistas, [...] também por razões políticas e também por meras razões de incultura” (PORTO, 1985, p. 86). Era apresentado sem nenhuma repressão nos poucos espaços destinados a esta arte, por intermédio de artistas e atores que muitas vezes não concordavam com o que estavam produzindo ou encenando, pois era o teatro que lhes era imposto.

Fonte:
SOUZA, Enivalda N. F.; TOLLENDAL, Eduardo J.; TRAVAGLIA, Luiz C. (orgs.). Literatura: caminhos e descaminhos em perspectiva.1 ed.Uberlândia : EDUFU, 2006, v.Unico

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

João Batista Leonardo (1939)



“(...) O valor das pessoas está no bom conceito firmado e não na fama, porque conceito é moldado no valor do ser e a fama no supérfluo do aparecer comprado” . Este é um dos trechos do livro de João Batista Leonardo, "Os Tempos da Esperança à Razão", lançado neste ano de 2008.

a) Gerais

João Batista Leonardo, nasceu em Itápolis, Estado de São Paulo, em 04/11/39. Filho de Marcelino Leonardo e Teodolinda Sgóbero Leonardo. Casado com Marlene Philip Leonardo. Tem dois filhos, Marcelo Philip Leonardo e João Batista Leonardo Filho, ambos médicos Mastologistas. Chegou a Maringá em 1949 quando iniciou seus estudos no Grupo Escolar de Maringá Novo, sendo o primeiro médico de Maringá que iniciou os estudos na cidade. Iniciou o curso ginasial no Seminário Nossa Senhora da Assunção, em Jacarezinho e finalizou-o no Ginásio Maringá. Fez o curso científico no Colégio Culto à Ciência, em Campinas e formou-se em medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná, no ano de 1966. Fez pós-graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Oncologia no Instituto Nacional de Câncer e na Maternidade Herculano Pinheiro, no Rio de Janeiro, onde recebeu o título "Médico Residente Padrão". Iniciou suas atividades médicas em Maringá em julho de 1969.

b) Na comunidade

É sócio do Maringá Clube desde 1970, onde exerceu vários cargos na diretoria. É sócio fundador da Sociedade Rural de Maringá. Na Igreja Católica foi um dos primeiros coroinhas e foi palestrante desde o primeiro curso de noivos de Maringá, continuando o trabalho em Maringá e região até a presente data.

Foi articulista no jornal "O Jornal do Povo" por um ano. Escreveu o capítulo "Prevenção de Câncer do Útero" no livro "Manual do Voluntário" da autora, Adriana Calvo. Fez inúmeras entrevistas em revistas, rádios, jornais e televisões. Escreveu o livro de crônicas intitulado "Os Tempos da Esperança à Razão", cujo lançamento foi em abril de 2008.

c) Vida Médica.

É médico especialista em Ginecologia, Obstetrícia e Oncologia, títulos conferidos mediante concurso pela Associação Médica Brasileira e suas confederadas.

Dentro da medicina tem trabalhos relevantes: É diretor do Instituto Médico da Mulher. Fundador do primeiro serviço de prevenção de câncer e também, clínica de planejamento familiar da região. Sócio fundador do Conselho Maringaense de Assistência à Mulher, fundador da Sociedade de Bem Estar Familiar do Brasil, Clínica de Maringá. Delegado regional da Associação Mundial de Prevenção do Câncer Ginecológico. Membro da Associação Médica Brasileira, sócio da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, sócio da Sociedade Brasileira de Cancerologia, Membro da Associação Médica do Paraná, membro do Conselho Regional de Medicina do Paraná, sócio da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Paraná, sócio fundador da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Maringá, sócio da Sociedade Médica de Maringá, membro do Sindicato dos Médicos de Maringá. Organizador de vários eventos médicos. Publicou artigos e trabalhos em revistas médicas regionais e nacionais. Tem registro na vida profissional mais de seis mil partos e milhares de cirurgias.

Autor do livro "Para a Gestante". (1976)

d) Vida Leonística.

Sócio ativo de Lions Internacional, filiado ao Lions Clube Maringá, desde 1971, exercendo cargos regionais e nacionais. Detentor de deferências leonísticas, como, medalhas, placas e reconhecimentos, de Lions Internacional por serviços prestados.

Assessor Leonístico Distrital de Conscientização Acerca de Drogas desde 1990 e por três gestões, Assessor Leonístico Nacional de Combate às Drogas. No Distrito exerceu também os cargos de vice-governador e Assessor de Leonismo.

Organizador, em vários Estados Brasileiros, de "Fóruns, Seminários e Palestras" de prevenção ao uso de drogas. Orador oficial, abordando o Título "Simplesmente Mulher", na Convenção Distrital de 1995 em Umuarama, para as domadoras e convidadas.

Autor do livro: "Drogas Perguntas e Respostas", hoje na 4ª edição com oitenta mil exemplares editados e distribuídos no Brasil. Produziu e escreveu o filme: "A Vida e as Drogas", visando à prevenção de uso de drogas nas escolas, já visto por milhares de adolescente no sul do Brasil.

OBRAS de João Batista Leonardo:
Para a Gestante (1976)
A Vida e as Drogas - Filme em DVD- 2ª edição (2005)
Drogas: Perguntas e Respostas - 4ª edição (2006)
Os tempos da Esperança à Razão (2008)

Fontes:
- Olga Agulhon, presidenta da Academia de Letras de Maringá
- Foto e citação: http://angelorigon.blogspot.com/

Antônio Mário Manicardi (1925)



Nasceu em Itápolis-SP, no dia 28 de maio de 1925.

Radialista, poeta, declamador, político.

Foi ator de rádio-novelas na capital paulista.

Veio para Maringá em 1952, contratado para pilotar os comícios do então candidato Inocente Villanova Júnior, eleito primeiro prefeito do município.

O prefeito não o deixou voltar para São Paulo. Contratou-o como primeiro funcionário da Prefeitura de Maringá, dando-lhe o cargo de diretor administrativo.

Paralelamente a suas funções na Prefeitura, Antônio Mário Manicardi ficou famoso pelos seus programas sertanejos na Rádio Cultura de Maringá, onde se consagrou com o apelido de Nhô Juca. Atuou também na Rádio Difusora e na Rádio Atalaia. Tem vários discos gravados.

Por três mandatos, foi vereador em Maringá. No seu terceiro período, foi presidente da Câmara, oportunidade em que acumulou o cargo de vice-prefeito e chegou a chefiar o Executivo interinamente em ausências do prefeito.

Atualmente, aposentado, presta assessoria política ao deputado federal Ricardo Barros.

Autor de um livro de poemas e crônicas.

Toma posse como membro da Academia de Letras de Maringá, onde ocupará a cadeira nº 20, que tem como patrono Humberto de Campos e como acadêmico fundador o saudoso escritor Antônio Facci, ex-presidente da ALM.

Fonte:
- Antonio Augusto de Assis, da Academia de Letras de Maringá

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Resumos para o II Congresso Nacional de Pesquisa em Literatura

Houve uma prorrogação da data de envio de resumos para a participação nas Salas Temáticas do II Congresso Nacional de Pesquisa em Literatura a ser realizado na UNESP de São José do Rio Preto.

Assim, o prazo se estendeu até o dia 15 de setembro para o envio dos resumos de participação, e dia 22 de setembro para o envio das fichas de inscrição e o pagamento.

Para ter mais informações e verificar o aceite dos resumos, acesse o site: http://www.eventos.ibilce.unesp.br/congressoliteratura

Fonte:
E-mail enviado pela Equipe Organizadora do evento.

domingo, 31 de agosto de 2008

Antonio Roberto de Paula (O silêncio de Maringá - Cabrito na Horta)

O Silêncio de Maringá

É na noite
Quando procuro o sono
Fecho os olhos
E tento ouvir
O silêncio de Maringá
Um silêncio que dura
A eternidade
De poucos segundos

Um motor ronca
Rompendo uma reta
Perdendo força
Nos meus ouvidos

Chega uma música
Em baixo volume
Sobe poderosa
E se perde na escuridão

Logo outros sons
Itinerantes de vozes
Passos e latidos
Vêem e seguem
Sem dar boa-noite

A noite passa veloz
O dia começa na madrugada
Acelerações e freios
Buzinas e máquinas
É a cidade de pé
Em movimento

Houve um tempo
Em que a cidade
Dormia mais cedo
Não vagava tanto
E acordava no horário

Tempo da poeira
Dos lampiões
Das casas de madeira
E portões de balaústres

A noite era de poucos
Só dos profissionais
Hoje o dia ficou pequeno
A noite é a extensão

É na noite
Quando procuro o sono
Fecho os olhos
E tento ouvir
O silêncio de Maringá
Um precioso silêncio
Um frágil silêncio
Que dura menos
Que a pureza do instante

A noite
Já não é mais noite
É só o dia sem sol
Entrando no outro dia
(Antonio Roberto de Paula - Livro Maringânias - 2007 - Poesias comemorativas - Maringá 60 anos)
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Cabrito na Horta
-
Patrono, manda-chuva, mandava brasa
Pedro Caveira era o tipo de fazer tremer
Nunca foi de levar desaforo para casa
Não havia homem que podia lhe conter

Na faca, na bala, no pau, na porrada
Pedro Caveira se valia da truculência
A cada dia mais uma área era dominada
Demarcava seu espaço sem pedir licença

Para Pedro Caveira era vencer ou morrer
Dos homens ganhava o temor, o respeito
Das mulheres conseguia tirar o prazer
Era na marra, na força, de qualquer jeito

Entre as tantas moçoilas submissas
Havia uma que ocupava seu coração
Era a bela , doce e estonteante melissa
Morena brejeira exalando amor e paixão

Por ela é que Pedro Caveira se derretia
Um caso conhecido em toda comunidade
Quando ela chegava seu sorriso se abria
Para ela, ele pedia só amor e fidelidade

Na vida acontecem coisas inesperadas
Por uma bronca sem grande repercussão
Caveira teve que tirar férias forçadas
Fora de circulação, um ano de prisão

Um dia antes de se entregar à justiça
Pediu ao bando a palavra em penhor
Chorou abraçado à querida Melissa
Que lhe fez juras de eterno amor

Chamou num canto o seu preferido
O humilde amigo Zequinha Terceiro
Lhe pediu em lágrimas, comovido
Que cuidasse de todo o seu terreiro

Zequinha levou à risca aquele pedido
Por sua conta incluiu a bela morena
Virou chefão do pedaço, cabra temido
E botou as guampas no Pedro Caveira

Passou o tempo, cumprida a sentença
Caveira quis retornar ao antigo ninho
Mas ninguém mais quis a sua presença
E até Melissa lhe negou os carinhos

Humilhado, pobre, com medo de morrer
Pedro Caveira abandonou aquela cidade
Com ódio de Zequinha de endoidecer
Hoje perambula na estrada da infelicidade

O mundo sempre foi e será dos espertos
Zequinha agora é senhor, do alto escalão
O pai e o avô na vida não deram certo
Mas ele é o terceiro, o chefe, um campeão

E finalizando essa incrível história
Pra você não ser tomado de revolta
E pra que a tua vida não seja inglória
Não deixe o cabrito tomar conta da horta

Letra: Antonio Roberto de Paula
Melodia: Helington Lopes
História contada por Cláudio Viola
A música "Cabrito na horta" , em versão reduzida, participou do Femucic, em 2005, com apresentação do grupo Receita do Samba
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Fontes:
http://blogdodepaula.blogspot.com/
Foto de Maringá: http://www.skyscrapercity.com/

Antonio Roberto de Paula (Da Minha Janela - Escrever é viver - Amor em cada esquina)

Da minha janela

Da minha janela vejo a ponta da Catedral. Já passei por tantas janelas, mas tenho a sorte ou a graça de Deus de sempre vislumbrar parte deste Sputinik de concreto. Hoje, cá onde me encontro, só vejo a cruz. Este símbolo católico me persegue e a cada dia o defino de uma maneira. Já me rebelei com a ostentação e já me emocionei com a fé construtora desta comunidade.

Fiz da Catedral a representação maior do meu amor por Maringá. E, como contraponto, ao ver esta imponente armação de cimento, me culpo por não buscar novos caminhos.

Os anos passam e estes pensamentos antagônicos estão comigo. Tantas janelas, ângulos, olhares. Importantes e parcas vitórias, derrotas providenciais e uma luta diária igual a muitas outras de muitos outros. Um céu de paradoxos me invade.

Meus olhos já não enxergam tanto como antes, mas hoje me atenho mais a detalhes. Os horizontes ainda estão lá. A cidade cresceu e pela minha janela não posso descortinar tantas possibilidades. Mas elas ainda existem. Penso em aumentar meu campo de visão, mas esta paisagem encanta, conforta e acomoda. Dia, noite, sol, néon, roncos, silêncio, chuva, grama, asfalto, árvores, flores, carros, casas, muros, placas. Tudo confusamente ordenado. Uma natureza feliz com a invasão.

Da minha janela vejo a ponta da Catedral, os prédios, o verde. Vejo uma cidade que buzina, acelera, avança. Cidade clara e obscura. Planejamento, estética, beleza física. Cidade desorganizada de idéias e objetivos, o espírito coronelista ainda a rondá-la, resquícios da ”fazendola iluminada”, expressão utilizada nos anos 70 para chamá-la de provinciana. Maringá canção, artística, pólo, vigorosa. Da minha janela vejo Maringá com mil olhos sem saber quais são verdadeiros.

Da minha janela vejo gente que nasce e morre, ri da vida e chora pela morte, comemora e sofre, conta vantagens e percalços. Gente que ama e odeia, que sonha e tem os pés no chão. Gente do bem e do mal. Gente nem tão boa e nem tão má assim. Gente que me completa e me esvazia, que me faz ser doce e amargo, sereno e turbulento.

Da minha janela vejo esta vida passar como deve ser, na essência, a paisagem de todas as janelas de todos os lugares. Concluo que aqui ou em qualquer outro “lá” não intensificaria ou reduziria minhas emoções. Posso ter outros campos de visão, mas o eu que me leva não vai me deixar porque os mil olhos vão estar sempre atentos. Seja onde for, o antagônico e o paradoxo vão estar comigo. Vai sempre existir a ponta de uma Catedral.
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Escrever é viver

Escrever é tortura e terapia, trabalho e divertimento, sofrimento e comemoração. É a vontade de mostrar a alma e expor as idéias. Escrever é poetar, declarar, orar, protestar e sonhar.

Escrever é participar, interferir, informar, comentar, repensar, apontar alternativas, ousar, facilitar e complicar. É vagar, descompromissar-se do estabelecido tendo a vontade como compromisso. É querer ser livre, ordenando as palavras de modo que elas levem a mensagem. Formas e estilos variados de enviá-las.

Escrever é marcar posição, é sentir-se inserido, responsável e útil. É tirar pensamentos dispersos e discipliná-los no papel. É fotocopiar frases do coração. O som das teclas é a alma em ebulição despejando letras.

A razão nem sempre está em primeiro lugar. Nem poderia. Desprendimento nem sempre combina com racionalidade. E como é salutar sufocar a razão de vez em quando e deixar a emoção comandar!

Escrever é destilar prazer, buscar no âmago a idéia, fazendo a criação a partir da primeira palavra, exteriorizar esta idéia. Tirá-la da prancheta da mente. Um dolorido e feliz parto. Parir o pensamento e entregá-lo ao mundo.

Escrever é desligar-se deste mundo para nele se concentrar. É concretizar o abstrato, materialização de influências e experiências. Escrever é arte, profissão, passatempo e desabafo.

É a catarse, a devolução da pressão e repressão acumuladas diariamente. É escapismo e engajamento. Tudo ao mesmo tempo. Quem escreve é egoísta e narcisista, mas também é tímido e solitário. É o companheiro que quer estender o seu raio de ação e entende que a escrita é a melhor maneira de atingir a meta.

Escrever é um ato de amor e de coragem. É a divertida tortura que leva ao prazer. É o sofrido trabalho sinônimo de terapia. Escrever é viver.
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Amor em cada esquina

Viver é exercitar o amor nas suas mais variadas formas e buscar em cada uma a sua plenitude. Encontre o amor na mulher que abre corpo e alma para seu homem, que por sua vez o devolve na mesma medida, e na primeira visão do pai para o filho ainda envolto no cordão umbilical.

Encontre o amor na velha que conduz a colher à boca do netinho, no velho pai que abraça o filho moço, nas crianças que brincam como se o mundo fosse uma eterna infância. Encontre o amor na mãe que embala o seu bebê, na mãe que se desespera nas madrugadas tendo como cenário o quarto vazio. E naquela que chora com a filha a reprise do sofrimento.

O amor na vida que chega e o amor que fica, deixado por quem entrou em nova dimensão. Encontre o amor nas mãos que trocam adeus ou nos abraços efusivos da chegada. No beijo demorado do casal que sonha. No homem de preto que diz sim à mulher de branco e vice-versa, enquanto todos dizem amém. E com a mão direita, um homem de bata traça uma cruz imaginária abençoando o amor.

Nos cárceres, tente encontrar o amor. Nas lágrimas de saudade e junto daqueles que querem libertar a alma. Encontre o amor nos cartazes de fé, nas bíblias manchadas e nos rostos clementes. Ele vai estar na mão estendida, no pão repartido, na família reunida para comemorações ou lamento. No brinde e no choro. Entre paredes ou na natureza, encontre o amor.

Encontre o amor na solidão dos santuários e no burburinho da multidão nas ruas, nas flores que se abrem e nos pássaros a flanar. Na beleza, no perfume e no canto, o amor vai estar presente. Encontre o amor no coração, gestos e pensamentos, na visão positiva diante da vida, na força de lutar, na noite que vem e no dia que se abre. Encontre o amor. Deus vai estar lá.

Fontes:
TV Clipping Maringá .
http://www.tvcm.com.br/