sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Aluísio de Azevedo (O Japão Crônica – Capítulo 2)

(Capítulo 1, JIMMU TENNÓ - JINGÓ KOGÓ - YORITOMO postado em 28 de outubro)

NOBUNAGA - TAIKO~SAMA - IEIAS

Nobunaga, filho do príncipe de Owai, é um espírito claro e forte, porém ímpio, servido por uma vontade enérgica e resoluta. Bate em 1573 a poderosa família Achikanga, que então mantinha no poder o seu décimo quinto shogun por ela imposto — Yochi Aki, e alça mão das rédeas do Estado, fazendo-se "Daijin" ou Grande Ministro do Interior.

Uma vez seguro do poder não são todavia os daimos a sua primeira preocupação, mas sim a milícia religiosa; é que os budistas, riquíssimos e cheios de prestígio nos seus alcáceres monásticos, com vassalos próprios colhidos entre os mais terríveis samurais e roninos, se haviam constituído em uma força de guerra superior à dos próprios príncipes feudais, porque a seu favor laborava o espírito religioso do povo. Ora, Nobunaga compreende que, governando em nome do Imperador e sendo o Shintoísmo a religião do Estado, seu poder não passaria de ficção se persistisse de pé a arrogância dos sacerdotes budistas; para firmar pois o princípio da sua autoridade e o prestígio moral do governo, era preciso antes de mais nada aniquilar a supremacia dos bonzos; empresa que a todos se afigurava a mais louca das quimeras, já pelas convenções espirituais estabelecidas pelo trono entre as duas religiões dominantes, já pela boa organização das forças de que dispunham os budistas, já pelo mau efeito que produziria nas camadas populares o caráter sacrílego do sucesso, e já enfim pela solidariedade que existia entre os sacerdotes de Buda e certos príncipes poderosíssimos do norte.

Foi então que Nobunaga, em má hora para os seus patrícios, pensou em tirar partido do Cristianismo que por esse tempo prosperava exuberantemente ao sul do Arquipélago, depois das suas tentativas quase frustradas no continente chinês. O Japão havia sido descoberto, acidentalmente, pelos portugueses em 1542, como explicarei adiante; São Francisco Xavier, acompanhado de frades Agostinianos, Dominicanos e Franciscanos, tentara desembarcar em 1549 no porto de Kaugosima; repelido, seguiu para Yamaguchi e depois para Kioto, conseguindo afinal estabelecer-se ao sul com o seu humilde exército de missionários. Foi tal o bom êxito dessa piedosa campanha, reforçada mais tarde pelos jesuítas espanhóis, foi tão fecunda a catequese, que, na época de Nobunaga, trinta anos depois do início dela, havia no império duzentas igrejas católicas e meio milhão de convertidos, entre os quais principescas famílias de Kiuciu e muita gente da melhor nobreza que chegou a chamar por sua conta novos missionários europeus; tanto assim que em 1581 o príncipe Sendai enviava ostensivamente uma embaixada a Felipe II de Espanha, e aos papas Gregório XIII e Sixto Quinto, apresentando-lhes os votos dos católicos do Extremo Oriente.

Pois bem, Nobunaga, político hábil e homem cético, achou meios de chamar a si os cristãos novos e com estes conseguiu levantar as forças de Kiuciu contra os budistas, assaltando logo, sem dar tempo aos daimos de acudirem, o monastério de Heijeizen que, depois de formidável resistência, foi tomado e reduzido a cinzas com o despojo dos que o defendiam. Em seguida, antes que lhe esfriassem as armas, volta-se para o de Hang-wanji em Osaka, onde se praticava a seita Chichiu; neste porém volvia-se o feito muito mais duvidoso, o monastério tinha cinco redutos exteriores, guarnecido de fossos e valas; e não perdera a ocasião de engrossar as suas forças enquanto o outro era atacado. A primeira investida foi como se os assaltantes se abismassem num sorvedouro infernal, os sitiadores só tiveram notícia do resultado dela vendo descer as águas mortas do canal um enorme e sinistro junco carregado até as bordas de orelhas e narizes decepados; era tudo que voltava da expedição. Nobunaga insiste; ataca de novo e de novo é repelido, e afinal, à força de atividade e pertinácia, logra vencer o primeiro reduto, e depois o segundo, o terceiro, todos os outros, e penetrar enfim no coração ardente da alcaçova e escala a formidável cidadela, que arrasou no meio de uma hecatombe de vinte mil associados, bonzos, samurais, roninos, servos e concubinas.

Destruída a resistência budista foi fácil ao temeroso general fazer o mesmo com a dos daimos, cujas tentativas de reação conseguiu logo ao nascedouro afogar em sangue, podendo ele depois disso dedicar-se de corpo e alma ao seu grande plano de reorganização feudal para dar ao Império a unidade que lhe faltava e remodelá4o pelo seu peculiar ponto de vista cesariano, talvez, quem sabe? na intenção de, arvorando-se ditador, alçar-se com o próprio cetro pelo qual se batia agora; mas, ao lançar em 1582 os primeiros alicerces do vasto edifício, caiu para sempre atravessado no coração por uma flecha que ninguém nunca descobriu donde partira.

Sua obra porém não morreu com ele: Nobunaga contava desaparecer de um momento para outro, e havia preparado para secundá-lo um homem cheio de vida e perfeitamente na altura da situação, um herói que ele inventara, um cabo de guerra, sem família e sem títulos, que fora seu palafreneiro, seu "betto", e de quem o General nos últimos combates tinha feito, nem só seu ajudante de campo e confidente nos segredos do Estado, mas depositário dos seus futuros planos políticos e por eles responsável.

Entra pois em cena o extraordinário Hideyochi, conhecido na História pelo original cognome de Taiko-Sama.

Nada tendo por si que justificasse a ambição, além do prestígio pessoal, começa por voltar-se contra os descendentes do seu próprio benfeitor, usurpando-lhes pelas armas o direito de sucessão no governo e obrigando-os ao extremo de rasgar o ventre para esconderem na morte voluntária e nobre a infâmia da derrota. Ato continuo, lança-se como um raio para as províncias de Nagato, cujos príncipes e daimos se haviam levantado a contestar-lhe o poder, e sobre eles investe com tal fúria que é de um assalto que os leva de vencida, mandando logo incendiar estâncias e castelos, e varrer a ferro e fogo os campos arrasados.

Ninguém pode imaginar a que ponto de vertigem heróica chegou nessa época entre os japoneses o desprezo pela vida. Enquanto Taiko-Sama é ruidosamente aclamado em triunfo na frente das legiões vencedoras, que arrastam os prisioneiros escravizados e expõem na ponta dos chuços quarenta mil cabeças de vencidos, Chibatá, um dos melhores e mais altos samurais de Nobunaga e que, fiel à descendência do extinto chefe, se recusara reconhecer a autoridade do usurpador, vê-se encurralado com a mulher e alguns últimos companheiros de desgraça no seu castelo de Fukui no principado de Hechisen, sem outra expectativa além da rendição do inimigo que o não poupará de certo. Não se aflige entretanto; ao contrário, arma um festim e durante toda essa sua última noite, ordena que em volta dele fervam as danças e as cantigas sensuais das "gueichas". Ao raiar da aurora, em meio do prazer, Chibatá enche pela vez extrema a taça com que vai celebrar o brinde fatal, o adeus para sempre; antes porém de levá-la aos lábios e de entoar o cântico da morte, chama junto a si a esposa e diz-lhe, pousando-lhe uma das mãos na cabeça enquanto com a outra empunha o copo fatídico:

— Tu, minha flor, como mulher, podes sair do castelo; entre as gueichas e bailadeiras ninguém te reconhecerá... Não tens, como eu e os meus companheiros d'armas, o dever de morrer cá dentro... Vai! Dou-te com gosto a liberdade, e desejo que no domínio de outro homem possas encontrar melhor sorte e prosseguir na virtude de que me deste todas as boas mostras. Vai! Podes sair, adeus!

Como subiu em luta aberta com os daimos, cuja supremacia militar tem em mira destruir em favor do poder áulico, desiste da eleição shogunal, mas também não consente que elejam outro, deixando vago esse cargo que depois de Yoritomo não havia sofrido interrupção, e entra a governar em nome diretamente do Imperador, a quem assim consegue soerguer um pouco do fundo rebaixamento político em que o tinha deixado o feudalismo militante.

Ela, por única resposta, toma-lhe das mãos o copo que ele havia enchido e é a primeira a romper o cântico funerário, o hino dos vencidos com honra.

O coro responde e todos se prosternam para morrer. Calam-se de novo e, no meio do lúgubre silêncio, acrescenta a esposa ajoelhando-se aos pés do marido:

- Meu senhor, não me tires o direito de findar com orgulho ao teu lado; morta pelas únicas mãos a quem me devo...

Abriu o kimono e apresentou o colo nu: ele, desviando os olhos, arranca da espada e fere-a no coração. Depois, voltando-se para os mais, gritou:

- Yake - haraii!

Era a voz para o incêndio e para o suicídio geral, de modo a que não encontrasse o inimigo, no meio das cinzas ensangüentadas, nenhum troféu nem despojo com que pudesse ornar a vitória.

Taiko-Sama, que em virtude da sua baixa procedência não podia ser eleito shogun, nem mesmo grande ministro ou chefe de conselho, faz-se Administrador Geral, título que é precisamente a tradução daquele cognome com que ele passou à História; mas depois, submetendo à mão armada os príncipes feudais e jungindo ao Estado a função das diversas seitas monásticas, dilatou por tal modo o seu predomínio político, e por tal modo se fez senhor do país inteiro, que, em 1586, impôs à Corte Imperial que o elegesse Kuambaku, isto é, nada menos que — Vice Imperador.

Esse cargo, até aí honorário e só preenchido pelos membros superiores da família micadoal dos Fujiwara com direito simultâneo à presidência do conselho privativo da coroa, tornou-se então efetivo e de poderes amplos, pois de um lado, aos olhos dos senhores feudais, representava a soberania aristocrática do trono como intermediário entre este e a nação, e do outro, perante o monarca, representava a nobreza armada e autoritária dos daimos que em Taiko-Sama reconheciam o seu chefe militar.

A golpes de energia, cada vez mais pronta, o Vice Imperador estabelece a paz em todo o território nacional e, a poder de boa administração, consegue reorganizar a agricultura, desenvolver a indústria e lançar as primeiras bases do comércio exterior, que ainda não existia; mas, precisando por cálculo dar expansão ao elemento militar, sobreexcitado e aguerrido durante tantos séculos de luta civil, concebe o gigantesco plano de conquistar para o Japão a China e a Coréia, a pretexto de que já não pagavam impostos pela imperatriz Jingô Kogô; e, durante cinco anos, prepara-se para a formidável empresa, com grande contentamento dos daimos e dos samurais. Levanta fortificações; organiza esquadra; disciplina admiravelmente as forças de terra, e afinal, em 1592, comandando ele em pessoa, atira-se com oitenta mil homens sobre o continente asiático, atacando a Coréia pelas ilhas Iki e Tsusima.

Feliz em todas as batalhas, tendo já subjugado três partes da península coreana, cujo rei fugiu diante dele, invade a China e logo vê, pelo bom êxito da primeira investida, sorrir-lhe no horizonte da guerra a vitória completa. Senhor e cônscio da sua fortuna que nunca desmaiara, dispõe-se, num alegre frenesi de ambição e glória, a ir, com as suas próprias mãos, fincar nas venerandas muralhas de Pekin o triunfante guião do Sol Nascente. Condu-lo a sua estrela — não recuará! O colosso asiático retrai, treme, dominado pela vontade irresistível desse homem que nasceu das próprias armas e como as armas se arroja. O grande Celeste Império vai, para sempre talvez, cair em poder da menor e mais atrevida nação do Oriente! Taiko-Sama concentra as suas forças já multiplicadas, reúne em volta de si os seus primeiros generais; nesse momento cíclico porém, 15 de setembro de 1598, uma febre cerebral o acomete em pleno conselho deliberativo, prega com ele em delírio ao fundo da sua tenda de campanha e dentro de uma hora o mata.

A junta regencial que ele havia deixado a governar o Império, ao saber do ocorrido, dá ordem às forças japonesas de recolherem incontinenti, sem mesmo negociar pazes com a China, abandonando desse modo uma campanha começada sob os melhores auspícios e abrindo mão do que já estava conquistado sobre a Coréia. Dizem uns que houve, nessa estranha medida da Regência, perversa intenção de quebrar a fama póstuma do feliz dominador, alvo de muita inveja e ódio entre os seus próprios ministros; outros afirmam até que estes contavam já com o fato, pois em segredo estava de longa data resolvido o envenenamento do chefe.

Taiko-Sama, entretanto, além do grande nome que deixou como general estratégico e valente, goza na história do seu país da reputação de exímio administrador; alguns comentadores estrangeiros o comparam a Henrique IV, que nessa mesma época sufocava em França as revoluções da Liga. Entre muitas outras coisas, a pátria deve-lhe os trabalhos de fortificações em Kioto e Osaka, o aperfeiçoamento da indústria da porcelana e o desenvolvimento do comércio holandês, único que logrou fixar-se no país apesar dos vexames que em seguida sobrevieram. Se Taiko-Sama conseguisse viver mais alguns anos, é natural que o Japão desde esse tempo entrasse em relações com o resto da Europa, pois isso fazia parte dos seus planos políticos herdados de Nobunaga, planos totalmente destruídos pelo homem fenomenal que os sucedeu.

Sim, o maior vulto, maior e derradeiro, dessa limitada galeria de homens típicos do Japão antigo, vai surgir agora em Ieiás, levantando um novo marco na vida histórica da pátria e separando a sua época das épocas anteriores. A esse guerreiro, estadista e legislador a um tempo, caberá a glória de levar a efeito com um golpe decisivo o vasto plano de unificação feudal, concebido pelos seus dois grandes antecessores, e transubstanciar definitivamente a alma da nação inteira, moldando-a pela harmoniosa complexidade do seu próprio talento original e criador.

Espírito sutil e forte, pela face contemplativa do gênio que o animava, mas sem o menor escrúpulo sentimental como todo homem de ação. Ieiás apresenta o arquétipo da ambição inflexível e regrada e do egoísmo político levado à transcendência de ideal filosófico. E de alta linhagem, vem da família Tokugawa, colateral dos Minomotos donde procedeu Yoritomo, pertence por conseguinte à divina raça dos Micados. E pouco antes se havia unido a uma irmã de Taiko-Sama, a qual desdenhou depois por infecunda.

Esse homem sem entranhas, mas que conhecia profundamente o coração humano, pode ser chamado, a justo título, o Confúcius do Japão, pois dele, e só dele, saiu o célebre estatuto constitucional das "Cem Leis", sucinto e sábio código que dirigiu o espírito público de sua pátria, desde esse rente começo do século XVII até a contemporânea restauração micadoal de 1868, e com cujo vibrante feixe de sentenças mosaicas conseguiram seus descendentes, em quem aliás, à exceção do primeiro filho, não houve um só capaz de secundá-lo, governar a nação durante dois séculos e meio de paz fecunda e esplêndida prosperidade transformando-a, do grupo anárquico de sesmarias feudais que era, em um Estado homogêneo, de caráter próprio e distinto, capaz, dessa era em diante, de impor-se ao mundo inteiro pela pureza original da sua arte, pela inexcedível perfeição da sua indústria, pelo requinte da sua afável cortesia e pelo nunca desmentido altruísmo patriótico dos seus heróis.

Para governar teve que bater-se com os Príncipes do Sul e do Oeste coligados contra ele, e jamais nenhum outro usurpador japonês, que este também o foi empossando-se do direito hereditário de Hideyori, filho de Taiko-Sama, encontrou para galgar o Poder tão forte oposição pelas armas; mas nessas refregas, em que seus inimigos têm em pé de guerra cento e vinte e oito mil homens e ele apenas setenta e cinco mil, Ieiás realizou tais prodígios de valor, que os seus próprios vencidos o aclamaram entusiasmados.

Depois de uma campanha de guerrilhas e escaramuças, fixou-se o combate decisivo para o dia 1o de outubro de 1600. As duas legiões tinham de encontrar-se no extenso planalto de Sekigahara, na província de Mino. Avistam-se ao raiar daquele dia e avançam de longe uma contra .'. outra com igual denodo. Os Príncipes de Satzuma comandam a direita dos Coligados, Konichi o centro, e Tchidá, um cristão, dirige a esquerda, levando no loudel uma cruz vermelha sobre o peito; Ieiás faz o comando em chefe das suas forças e não tem consigo outro general.

Disparam-se os primeiros tiros de bombarda; começa a fuzilaria de arcabuzes; mas nesse instante cai dos céus um terrível nevoeiro, e estende-se como lúgubre mortalha sobre o campo da peleja, cegando todos os combatentes. Os Coligados param, perturbam-se; Ieiás porém avança firme por entre a espessa bruma, recomendando aos seus de não fazerem alarme, e rojando-se que nem o tigre quando fareja a presa descuidosa.

Rasga-se num relance o nevoeiro de alto a baixo, o sol de novo inunda os arraiais, atroa os ares o alarido bélico, e os Coligados estremunham, dando de surpresa pela frente com o inimigo, que feroz se atira sobre eles. Começa logo então, desordenadamente, a luta corpo a corpo, numa confusão estrepitosa de homens, armaduras, cavalos e carretas, que se arrastam de roldão com um só impulso. Ninguém mais se entende; cruzam-se os ferros, partem-se azagaias, arrancam-se punhais; é cara a cara, e a pulso a pulso que a luta se incendeia.

Meio dia. O sol a pino e a vitória indecisa. Um momento mais de resistência dos Coligados e os Tokugawas terão de ceder à desproporção do número. Ieiás pressente a derrota; voa num galope à retaguarda, toma a frente das forças de reserva e avança com elas, empunhando o seu branco pendão de rosas malvas. Ruflam metálicos tambores à vista dos brasões do Chefe; tam-tans retinem; os búzios ressoam à laia de trombetas; maior levanta-se o clangor das hostes, e, de um arranco, Ieiás rompe as fileiras dos daimos assombrados. Quem pode resistir a um tal arranco? "Decepar! Decepar!" grita ele aos seus guerreiros, dardejando a alabarda fumegante de sangue. E os fracos fogem; e os fortes apunhalam-se, para não deixar essa honra aos inimigos.

Ao declinar do sol, Ieiás era senhor do campo, distribuía postos militares e, pela primeira vez no Japão, armava, sob a sua espada, cavaleiros os samurais que se haviam distinguido na batalha. Para essa nova formalidade, semente de uma nobreza submissa com que ele havia de engrandecer-se na paz, pede o seu capacete emplumado, aparelha-o na cabeça e diz, ao abrochar-lhes os loros de seda escarlate:

É só depois da vitória que um General deve ornar-se com este festivo toucado de gala!

Na manhã seguinte fez a sua entrada triunfal em Hikone e depois em Osaka, no meio da aclamação unânime de vencedores e vencidos. Os príncipes do Sul e do Oeste, de cabeça baixa, humilhados, franquearam-lhe os seus domínios em troca do indulto, que ele, contra a norma até aí estabelecida, cedeu com uma demência já de perfeito soberano em que pese a desgraça dos seus súditos.

E a partir desse momento, o herói de Sekigahara ficou sendo, se não logo de direito, mas incontestavelmente de fato, dono e senhor absoluto do Japão. Em 1603 restabelece o Shogunato, cujo posto assume, convertendo-o agora em poder hereditário, e criando assim, ao lado da velha dinastia dos Micados a nova dinastia dos Tokugawa. A Suserania Shogunal deixa de ser desde então revogável pela Coroa e dependente da vontade dos daimos, para se arrogar foros de pura autocracia aristocrática, perdendo de todo o primitivo caráter subalterno de intermediário entre a Nobreza militar e o Trono místico. Não podendo Ieiás tomar do Micado também o título para si, inventa o de Tai-Kum (Grande, Primeiro ou Maior Senhor), o qual, em boa lógica, não passa de um sinônimo do outro. E assim se consumou essa estranha duarquia que, duzentos e cinqüenta anos depois, tanto enleio e perplexidade veio a produzir nas relações internacionais do Japão. O Império, sem deixar de ser império, passou a ter duas autoridades paralelamente heráldicas e majestáticas, igualmente supremas e respeitável — o Micado, a quem a nação inteira venerava como um Deus e o Shogun, a quem ela temia como um Rei absoluto; as grossas rendas do Estado logo se derivaram para as mãos deste, não indo para as do outro mais que as sobras, porque ao primeiro cabia, com os seus punhos fortes; prover todas as ineludíveis e ásperas coisas cá da terra, ao passo que o segundo, de palmas finas e defumadas, tinha de haver-se apenas com as boas e complacentes coisas do céu.

Triste nobreza é essa, da consangüinidade requintada e puída pelos séculos, que assim desfibra o organismo de uma geração até reduzi-lo àquele mítico estado de semideus, ambígua e desclassificada condição social, inteiramente desaproveitável para o menor dos interesses da vida coletiva. ~ o que se deu com essa ilustre descendência de Jimmu Tennô, homem tal que tomou a terra dos Ainos e fez dela o seu Japão divinizado, haveria, com o correr dos tempos, de acontecer fatalmente à própria sucessão dos Tokugawas, cujo último príncipe hereditário, se não houvera degenerado de todo em contemplativo místico, seria logo em seguida à Revolução, como adiante verificará o leitor, o poderoso Rei de um Estado independente e novo, que os seus prosélitos, fiéis ao testamento de Ieiás, lhe tinham preparado na vasta ilha de Yezo, ao verem em 1869 perdido para sempre no resto do Império Japonês a metade do Trono que lhes legara o fundador da dinastia.

O Tai-Kum não quis deixar a geração da sua Casa sem um frisante subtítulo como com aquele não deixou a si próprio, e deu-lhe o de Seitaishogun (Sei - Tai -Shogun), que é já nada menos do que um programa político desdobrável em questão social. Sei era, em longínquas datas o nome do General encarregado especialmente de expulsar do país os bárbaros invasores; Tai já o leitor o sabe, quer dizer "Grande" e Shogun, não o ignora tampouco, "Comandante Geral das forças militares"; podendo-se pois traduzir aquele sobrenome de uma só palavra por toda essa frase: "Generalíssimo destinado a expulsar do Japão os estrangeiros". E é com efeito desde essa transitiva época que se converte em feição nacional, e se arvora em fórmula do Governo, o nativismo japonês, que até aí não passava de um frouxo e curto reflexo produzido pelo da China. O sistema político de Ieiás baseia-se na mais estreita e orgulhosa reclusão; o país deve fechar-se hermeticamente contra o resto do mundo e só contar consigo para viver.

Diz um dos artigos do famoso código: "Quando de todo não for possível evitar a presença de quaisquer bárbaros no Império, convém nesse caso tratá-los com a máxima reserva e fria polidez, cuidando ao mesmo tempo de intimidá-los logo com a exibição de respeitável aparato bélico, de armas esplêndidas e bem disciplinadas, e de forte e feliz aparência da mais brilhante prosperidade; dar-lhes por favor o que com boas maneiras peçam para as suas urgentes necessidades pessoais, mas deles não aceitar, sob pena de castigo, nada em que transpareça sombra de obséquio ou sinal de gratidão e estima".

E o legislador decreta a pena de morte para o súdito japonês que se afastar das águas territoriais da sua pátria, compreendidas dentro de um tiro de flecha; estabelece a forma que devem ter os barcos mercantes, cortando-lhes a proa em linha reta, de modo a que não possam alongar-se das costas do país; proíbe toda e qualquer navegação que não seja a de cabotagem, e começa a pensar nos meios de pôr barra afora os estrangeiros que se acham estabelecidos no arquipélago; ideal mais tarde realizado, exceto com o Holandês, único de quem se não revoltou o brio contra as duras e humilhantes condições impostas pelo Governo. Ieiás, ao contrário do que fez Nobunaga, que se ligara aos Jesuítas portugueses e espanhóis, vexa-os e persegue-os sistematicamente, obrigando alguns a fugirem para Formosa e para a China, não ainda por motivos religiosos, mas porque tiveram aqueles a leviandade, neles com efeito imperdoável, de envolver-se na política do país.

Pouco depois estalou a ordem de expulsar para todos os missionários; mas Hideyori, filho de Taiko-Sama, de cujas mãos Ieiás usurpara o poder, abraça a causa dos católicos, com eles engrossa as forças de que dispunha; e faz do seu castelo em Osaka um árdego centro de resistência contra o Governo. O Tai-Kum, acompanhado por Hidetada, seu filho mais velho e intransigente secundador, corre ao lugar da sedição e, depois de bloquear e tomar a fortaleza, reduzi-la a cinzas. Hideyori, ao lado da mãe, desapareceu com esta, devorados ambos pelas chamas, e os que escaparam de morrer na peleja ou no incêndio, caíram no poder do vencedor. E então, como podiam sobrevir novos pretendentes que, à semelhança do filho de Taiko-Sama, se ligassem aos católicos; e, como Ieiás queria opor-se a todo o custo a qualquer troca de idéias com os estrangeiros e cortar pela raiz as relações com a Europa, resolveu dirimir esse último estorvo dos seus planos e, depois de fazer passar à espada os prisioneiros, ordenou a matança geral dos cristãos; poupando apenas aqueles que abjurassem e em público tripudiassem sobre um crucifixo, como fizeram os holandeses.

Muitos católicos, porém, preferiram deixar que lhes despedaçassem o corpo a terem de despedaçar a alma pelas próprias mãos e, afrontando o furor do déspota, agruparam-se foragidos, e ganharam, sem esperanças de salvação terrestre, os rasos sertões desse país feito de litorais. O descaroável Tokugawa lançou-se pronto no encalço deles, e os míseros acossados, impelidos pela aflição, concentraram-se nas ruínas do castelo de Chimabara, em Nagasaki, enorme pardieiro ao abandono, perto do golfo. A resistência era impossível, mas a angústia e o desalento viraram-se em força cataléptica, e o Tai-Kurii teve de lançar mão da artilharia e dos seus veteranos de Sekigahara para tomar de assalto aquele pobre baluarte do desespero. Uma onda voraz de lanças acirradas rebenta dentro do arraial em ruínas, e trinta e sete mil cristãos são trucidados, enquanto outros, fugindo mal feridos às férreas garras do inimigo, arrojam-se das altas fragas do Pappenberg nos abismos do golfo.

Foi completa a exterminação dos apadrinhados da Cruz, e com o sangue desses mártires secou para sempre na terra do Extremo Oriente a árvore do Cristianismo, já então frondosa e aromática, e à sombra da qual haveria sem dúvida de germinar; eflorescer e frutificar com o tempo o que hoje falta à nação japonesa para ser uma nação perfeita; malogrados bens, cuja semente todavia fora posta naquela mal-aventurada terra pela mão piedosa de São Francisco Xavier, o imortal Apóstolo das Índias.

E Ieiás, uma vez fechado e mais os seus compatriotas dentro do torrão nativo, demarca e traça' com mão segura e taumaturga lucidez de espírito, a linha de conduta para essa nação que já era inteiramente dele, não escapando ao seu encabrestante código das "Cem Leis" nenhuma das classes e sub-classes, nem mesmo as excrescências sociais, como por exemplo o enxurro dos roninos que ficaram reduzidos à triste condição de espiões políticos, porque no entender do Confúcius japonês, o segredo de bem dirigir um Estado consistia principalmente em saber utilizar com vantagem todas as moléculas, boas e más, de que se constitui o complexo organismo de um povo. Eis o que, com o seu pitoresco estilo, diz... (a página do manuscrito perdeu-se!). Aplique cada qual a si próprio este principio e só não será feliz quem não quiser, pois do saber viver nasce o sorriso, e do sorriso nasce a fortuna. A vida é sempre um útil instrumento de felicidade; o caso esta em saber servir-se dele." Depois de disciplinar hierarquicamente a população, fixar em regras os limites dos canteiros sociais, traçando o lugar preciso de cada grupo, de cada família, de cada indivíduo, com a tábua rigorosa dos seus direitos e dos seus deveres, Ieiás penetra com a lei pelo íntimo da vida privada e regula como se deve comer, beber e até sentir. Ao Samurai, entre outras muitas coisas, recomenda ele: "Não consinto que a mulher se envolva no ato mais insignificante da tua vida pública, como por tua parte não intervenhas no seu governo doméstico. Não deve a galinha vir cá fora ao terreiro cantar ao romper d'alva, nem deve o galo meter-se no ninho a chocar os ovos. Esta é a lei."

Firma quais hão de ser daí em diante os recíprocos deveres entre as duas clássicas Nobrezas que encontrou estabelecidas, e quais as novas relações que devem existir entre a Corte micadoal e o Shogunato; conserva as regalias dos Daimos e assegura-lhes o senhorio feudal, exigindo porém que venham todos eles periodicamente a Gotten Yama para testemunhar ao Shogun a sua fidelidade política; faz o elogio e multiplica as honras da classe militar, agora regularmente constituída pelos Samurais, mas impõe que ela se não arme senão à ordem do Shogun e só em caso de guerra por este oficialmente declarada; e finalmente cria uma nobreza à parte, exclusivamente sua, dá-lhe senhorios e direito de levantar castelos; faz enormes concessões de principados territoriais à sua descendência viva e por nascer, e, à semelhança de Yoritomo em Kamakura, estabelece uma nova capital em Yedo, que mais tarde devia chamar-se Tókio.

Quanto ao Imperador, invulnerável símbolo, ligado por mil vínculos morais à própria alma do povo e superior a todas as lutas partidárias, vendo o Tai-Kum que jamais poderá afundá-lo na terra, nem varrê-lo para os lados, toma o expediente de despedi-lo para o céu; quer dizer, enquanto com uma das mãos lhe cerceia até o extremo a autoridade política, chegando a vedar-lhe à Corte intervir nos negócios do Estado, com a outra lhe dilata exageradamente o prestígio divino, e faz dele a sumidade metafísica e ultra-espiritual do Governo, transformando-lhe o trono em um altar sem Deus, a submissão e a fidelidade dos seus súditos em um culto religioso e vago, balbuciado apenas por cerimônias convencionalmente piedosas e distraídos votos de fé; transcendentalizando-lhe enfim a supremacia até lhe apagar de todo o último vestígio de realidade e dar com ela em águas de quimera. Nesse trono mágico, já sem vislumbre do cetro nem de coroa, não se assenta um monarca, ergue-se uma sombra divina; desprendida do solo, e cuja fronte se vai perder no infinito por entre nuvens de sonho alucinado; miragem hereditária de um poder supremo que existiu há dois mil anos; símbolo abstrato de uma onipotência que nada pode.

Já nem sequer é o Papa privativo do Japão esse pobre Imperador n,0 108, é um mito, é uma alegoria eponímica, é um fantasma que veio do céu e voltará para lá, sem haver tocado com as plantas na imundície terrena, atravessando a vida amortalhado na sua alva de gorgorão sem mácula, apenas guarnecida ao meio das amplas mangas com as heráldicas crisântemas imperiais; cativo espectro, cujo mesquinho âmbito de ação, o Tai-Kum foi, com as suas garras implacáveis, cada vez mais apertando até que o restringiu aos degraus do santuário, onde brilha já vinte e dois séculos, inalteravelmente, o espelho de Amateras, mãe formosa da ante-humana dinastia do prisioneiro. E agora, aí, de rastros, a única missão dessa alma penada, que ainda não habita o céu e nunca viveu na terra, é orar, suplicando noite e dia aos seus antepassados do empíreo a salvação espiritual desse povo simples e querido dos deuses, que, lá fora, nas estradas cheias de sol, correndo atrás do arroz de cada dia, esfervilha feliz e risonho, orgulhoso de se ver isolado do resto bárbaro do mundo pela mão ciosa e férrea de Tokugawa Ieiás, a quem, de resto o então rei da Inglaterra, Jacques I, chama no alto da sua respeitosa correspondência desse tempo: "Sua Majestade, o Shogun do Japão"

Tendo estabelecido a sua capital em Yedo, o Tai-Kum faz edificar por trezentos mil obreiros o famoso "Chiro Shogunal", de abundantes e tortuosos canais, que ainda hoje são a felicidade dos olhos de quem passeia em Tókio; inexpugnável propugnáculo para aquelas épocas de fôlego largo e tiro curto, e atualmente gracioso parque e sui-generis palácio imperial de Sua Majestade Mutsu Hito. E aí, pois, há pouco menos de trezentos anos, instalava-se Ieiás com a sua esplêndida Corte, em que luziam, na vistosa gala de seda e ouro, cinqüenta e cinco fidalgos do seu Conselho Privado, originalmente intitulados "Chimaguns"; e os nobiliárquicos "Matsudairas" cortesãos honorários e adventícios que, em caso de necessidade, tomavam parte no Conselho; e os "Hattamotos", em número de oitenta mil, que eram os vassalos diretos dos Tokugawas e gozavam da subida honra de poder assistir às cerimônias shogunais; e os "Cobemins", nobreza puramente militar, ganha na guerra, formando a Ordem de Cavalaria japonesa instituída no campo de vitória de Sekigahara, aos quais não era dado penetrar nos recintos majestáticos do Shogun, mas que podiam dirigir-lhe a palavra em acampamento ou nas praças fortificadas; e enfim os infinitos Samurais, menos que cavaleiros, um pouco mais que simples soldados, a quem cabiam os postos subalternos de comando no efetivo das forças, com direito a ganhar título de nobreza e de transmitirem aos filhos as suas vantagens militares, e ainda com a prerrogativa, para eles muito estimada, de poderem trazer, em vez de uma, duas espadas à cinta; estes, como os fidalgos de alta linha, não casavam senão dentro da própria classe, tomando porém do povo as concubinas que quisessem.

Ieiás, como para se não servir da religião do Imperador, ou talvez cedendo ao seu temperamento ostentativo de homem de espírito, para o qual o fausto e o brilho estético eram viva necessidade como era o aplauso público, toma sob a sua égide o Budismo que ainda se não tinha levantado do abatimento em que o deixara Nobunaga; restaura-lhe suntuosamente os altares e traça com apurado bom gosto o homérico plano dos templos de Nikko na Montanha Sagrada, destinando-os à magnificente necrópole das suas próprias cinzas e das de sua dinastia; templos aonde levarei ainda o leitor e que são indubitavelmente os mais belos, mais artísticos e mais opulentos de todo o Japão antigo e moderno.

Com a direção inteiramente nova que Ieiás deu ao espírito de sua raça, imprimindo-lhe o cunho original do seu próprio espírito, criou-se a renascença japonesa; depois dele as artes e as letras ressurgem em plena eflorescência, atingindo no século seguinte um grau de elevação e pureza a que nunca até aí tinham aspirado sequer. A sua minuciosa e individualíssima lei deu logo ao Japonês tal consistência e tal homogeneidade de caráter, que desde então a vida desse povo ressalta harmoniosa, inteiriça e original, como uma bela obra concebida e realizada de um só jato por um autor de gênio. Fechando ele ciosamente a sedutora pátria à curiosidade importuna e à grosseira cobiça dos ocidentais, foi que conseguiu fazer, nem só a unidade nacional, mas a glória artística do Japão. E a esse largo feriado de reclusão e de paz, durante o governo dos Tokugawas, que o mundo culto deve o século XVIII do Extremo Oriente, o século de Hokusai e Utamaro, para citar apenas dois nomes já vulgarizados por Edmond de Goncourt; século em que o Japonês se constituiu em primeiro e mais poderoso artista decorador de todos os tempos.

(continua… Capitulo 3 – O Comodoro Perry Li Kammon)

Fontes:
http://www.biblio.com.br
Imagem = http://www.klepsidra.net

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de de outras linguas) Letra E



Ecce Agnus Dei
Latim – Eis o Cordeiro de Deus. Palavras de João Batista (Evangelho segundo João, 1.29) dirigidas ao povo quando Jesus veio à margem do Jordão para ser batizado. Usadas pelo sacerdote ao apresentar aos fiéis a hóstia consagrada, antes de distribuí-la.

Ecce Homo
Latim – Eis aqui o homem. Palavras de Pilatos, dirigidas ao povo judeu, enquanto Ihe apresentava Jesus, já coroado de espinhos, tendo nas mãos uma cana e nos ombros um farrapo de púrpura.

Ecce iterum Crispinus
Latim – Eis aqui novamente o Crispim. Frase de Juvenal, falando de um importuno.

Editio princeps
Latim – Edição principal. Expressão empregada para designar a primeira edição de uma obra.

Ego sum qui sum
Latim – Eu sou quem sou. Palavras de Deus a Moisés (Êxodo III, 14), quando o enviou para libertar o povo de Israel no Egito.

Eheu! fugaces labuntur anni
Latim – Ai de nós! os anos correm céleres. Expressão amargurada do poeta Horácio sobre a brevidade da vida.

Eheu! nullum infortunium venit solum
Latim – Ai de nós! nenhum infortúnio vem desacompanhado. Locução que serve de lema aos pessimistas.

Ejusdem farinae
Latim – Da mesma farinha. Expressão usada para englobar duas ou mais pessoas como portadoras dos mesmos defeitos.

Ejusdem furfuris
Latim – Do mesmo farelo. V ejusdem farinae.

Eli, Eli, lamma sabachtani
Hebraico - Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste? Frase citada entre as últimas pronunciadas por Jesus na cruz. As três primeiras palavras são hebraicas e a última é aramaica.

Emunctae naris
Latim – De nariz limpo. Expressão de Horácio (Sátiras, I, 4-8). Indica pessoa consciente, que sabe o que quer.

Enfant gaté
Francês - Criança mimada. Emprega-se para designar pessoa muito prestigiada pelos superiores e que se prevalece disso tornando-se negligente.

Enfant prodige
Francês - Criança prodígio. Emprega-se para designar a precocidade infantil em qualquer ramo de atividade.

Enfant terrible
Francês - Criança terrível. Criança mal-educada, que causa sérios embaraços aos pais.

Enfin Malherbe vint
Francês - Finalmente chegou Malherbe. Frase com que Boileau destaca o papel de Malherbe na poesia francesa.

Ense et aratro
Latim – Com a espada e o arado. Designa o cidadão que serve a pátria durante a guerra e cultiva o solo durante a paz.

Entente cordiale
Francês - Aliança expressa ou pacto de solidariedade e comunhão de interesses econômicos, políticos ou militares entre duas ou mais nações.

En toute chose il faut considérer la fin
Francês - Em tudo se deve considerar o fim. Moral da fábula de La Fontaine, A Raposa e o Bode.

Epicuri de grege porcum
Latim – Porco do rebanho de Epicuro. Epigrama de Horácio, que assim se classificava, escarnecendo da moral rígida pregada pelos estóicos. Designa hoje o materialista gozador da vida.

E pur, si muove
Italiano - Entretanto ela (a Terra) se move. Palavras de Galileu quando foi obrigado a retratar-se perante a Inquisição, por ter descoberto o movimento da Terra, considerado como heresia por aquele tribunal.

Erga omnes
Latim – Dir Para com todos. Diz-se de ato, lei ou dispositivo que obriga a todos.

Eripuit coelo fulmen sceptrumque tyrannis
Latim – Tirou o raio ao céu e o cetro aos tiranos. Inscrição do pedestal do monumento de Franklin, que alude à descoberta do pára-raios e ao espírito democrático com que militou na política.

Eritis sicut dii
Latim – Sereis como deuses. Palavras que a serpente dirigiu a Eva no paraíso, a fim de induzi-la a comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal (Gên. III, 5).

Errare humanum est
Latim – Errar é humano. Desculpa que se apresenta a fim de atenuar um erro ou engano.

Error in objecto
Latim – Direito - Erro quanto ao objeto. V aberratio ictus.

Error in persona
Latim – Direito - Erro quanto à pessoa. V aberratio delicti.

Erunt duo in carne una
Latim – Serão dois em uma só carne. Expressão bíblica usada na cerimônia do matrimônio para encarecer a união que deve reinar entre os esposos (Gên. II, 24; Mat. XIX, 5).

E sempre bene
Italiano - E sempre bem. Locução que traduz o otimismo dos peninsulares.

Est modus in rebus
Latim – Há um limite nas coisas. Frase com que Horácio aconselha a moderação em tudo.

Esto brevis et placebis
Latim – Sê breve e agradarás. Conselho escolástico aplicado à eloqüência.

Et campos ubi Troja fuit
Latim – E os campos onde existiu Tróia. Hemistíquio virgiliano, que se refere ao abandono de Tróia incendiada quando Enéias e seus companheiros a abandonaram.

Et caetera
Latim – E outras coisas. Expressão que se coloca abreviadamente (etc.) no fim de uma enumeração que se poderia alongar.

Etiam periere ruinas
Latim – Até as ruínas pereceram. Frase de Lucano descrevendo a visita de César às ruínas de Tróia onde não existiam mais vestígios da famosa cidade.

Eetiamsi omnes, ego non
Latim – Ainda que todos, eu não. Palavra de São Pedro a Jesus (Mt. XXVI, 35), jurando-lhe fidelidade no Jardim das Oliveiras.

Et la grace plus belle encore que la beauté
Francês - É a graça ainda mais bela que a beleza. Verso de La Fontaine no poema Adônis, onde elogia aqueles que suprem a ausência de beleza pelas boas maneiras.

Et monté sur le faite, il aspire à descendre
Francês - E, chegado ao apogeu, ele deseja descer. Verso em que Corneille descreve o fastio daqueles que subiram rapidamente.

Et nunc reges intelligite; erudimini qui judicatis terram
Latim – E agora compreendei, ó reis; instruí-vos, vós que governais a Terra. Palavras do Salmo II, versículo 10, citadas para ensinar que devemos aproveitar da experiência alheia.

Et par droit de conquête et par droit de naissence
Francês - Por direito de conquista e por direito de nascimento. Verso em que Voltaire defende Henrique IV, que, apesar de ter direito a suceder, foi obrigado a conquistar o trono da França pelas armas.

Et quasi cursores, vitae lampada tradunt
Latim – Como corredores, eles transmitem o facho da vida. Lucrécio compara a transmissão da vida humana ao jogo em que os atletas passam o facho ao seguinte, depois de correrem. O homem percorre a vida, transmite-a a seus filhos e mergulha na morte.

Et reliqua
Latim – E o restante. O mesmo que et caetera.

E tutti quanti
Italiano - E todos os demais. Serve para encerrar uma enumeração.

Ex abrupto
Latim – De repente; inopinadamente.

Ex abundantia
Latim – Com abundância, em grande quantidade.

Ex abundantia cordis
Latim – Da abundância do coração. Com sinceridade.

Ex adverso
Latim – Direito - Do lado contrário. Refere-se ao advogado da parte contrária.

Ex aequo
Latim – Direito - Segundo a eqüidade.

Ex animo dicere
Latim – Dizer com sinceridade.

Ex auctoritate legis
Latim – Pela força da lei.

Ex auctoritate propria
Latim – Pela sua própria autoridade; sem delegação.

Ex cathedra
Latim – Da cadeira. (Cadeira de São Pedro, símbolo da autoridade do papa. Quando o papa fala ex cathedra ensina como chefe da Igreja e continuador da missão apostólica. Por extensão, exprimir-se dogmaticamente, sem admitir objeções aos seus conceitos).

Ex causa
Latim – Direito - Pela causa. Diz-se das custas pagas pela parte que requer ou promove certo ato incontrovertível que somente a ela interessa ou aproveita.

Exceptio firmat regulam
Latim – A exceção confirma a regra.

Exceptis excipiendis
Latim – Exceto o que se deve excetuar.

Ex corde
Latim – De coração. Expressão empregada no fecho de cartas dirigidas a pessoas íntimas.

Excusez du peu
Francês - Desculpe o pouco. Frase irônica, com que se insiste sobre o preço excessivo de alguma coisa.

Ex digito gigas
Latim – Pelo dedo (se conhece) o gigante. A pessoa superior se manifesta nas menores ações.

Ex dono
Latim – Por doação. Expressão empregada em obras de coleção, que foram doadas por alguém.

Exegi monumentum aere perennius
Latim – Erigi um monumento mais perene que o bronze. Verso da Ode III de Horácio, referindo-se à própria obra literária.

Exempli gratia
Latim – Por exemplo. Geralmente empregada abreviadamente: e. g.

Exequatur
Latim – Execute-se. Direito= 1 Autorização dada por chefe de Estado para que um cônsul estrangeiro possa exercer suas funções no país. 2 Decisão de se cumprir no país uma sentença de justiça estrangeira. 3 Fórmula que autoriza a execução de sentença pronunciada por árbitros.

Ex expositis
Latim – Do que ficou exposto: Portanto, ex expositis, nada lhe resta.

Ex improviso
Latim – De improviso.

Ex informata conscientia
Latim – Sem ouvir o réu ou acusado ou o condenado. Literalmente significa: com a consciência informada, isto é, já com julgamento de antemão formado: Condenar alguém ex informata conscientia.

Ex itinere
Latim – Do caminho.

Ex lege
Latim – Por força da lei: Foi nomeado ex lege.

Ex libris
Latim – Dos livros de. Fórmula que antecede o nome da pessoa ou entidade a que pertence o livro com essa inscrição.

Ex nihilo nihil
Latim – Do nada, nada. Coisa alguma pode ser criada do nada. Aforismo tirado de um verso de Pérsio, erigido em princípio filosófico por Lucrécio e outros epicuristas.

Ex officio
Latim – Por obrigação, por dever do cargo. Dir Diz-se do ato realizado sem provocação das partes.

Ex ore parvulorum veritas
Latim – A verdade (está) na boca das crianças. As crianças não mentem.

Exoriare aliquis nostris ex ossibus ultor
Latim – Que algum vingador nasça de nossos ossos. Imprecação de Dido moribunda, citada por Virgílio (Eneida, VI, 625).

Expende Annibalem
Latim – Pesa Aníbal. Reflexão de Juvenal sobre a fragilidade da glória humana, como se perguntasse: que resta do grande guerreiro?

Experto crede Roberto
Latim – Crede no esperto Roberto. Antonius Arena coloca esta frase na boca do próprio Roberto, que faz a promoção de sua capacidade.

Explicit
Latim – Acabou, terminou. Indica o fim de uma obra que, em geral, começava com a palavra incipit; daí a expressão: Do incipit ao explicit, do começo ao fim.

Ex positis
Latim – Das coisas estabelecidas, assentado: Ex positis, a sociedade está desfeita.

Ex professo
Latim – Do proferido. Como profundo conhecedor; magistralmente.

Ex proprio jure
Latim – Por direito próprio.

Ex toto corde
Latim – De todo o coração. Empregada no final das cartas.

Extra petita
Latim – Dir Além do pedido. Diz-se do julgamento proferido em desacordo com o pedido ou natureza da causa.

Ex tunc
Latim – Direito - Desde então. Com efeito retroativo.

Ex ungue leonem
Latim – Pela garra (se conhece) o leão. Das mãos de um grande mestre só podem sair obras importantes.

Ex vi
Latim – Por força. Por determinação de; em virtude de.

Ex vi legis
Latim – Direito - Por força da lei. Em virtude da lei.

Ex voto
Latim – Por voto. Imagem, quadro ou outro objeto que se coloca nos altares, em agradecimento a Deus ou a um santo por uma graça conseguida.

Fonte:
Hélio Consolaro.
http://www.portrasdasletras.com.br .

Miguel Perrone Cione (O Peregrino)

O peregrino sobre o mar de brumas(Casper David Friedrich)
Ele surgiu um dia na cidade. Era um homem visivelmente sofrido. Em uma das mãos levava uma tosca flauta de bambu, talvez por ele mesmo fabricada, e nos lábios, o esboço esmaecido de um sorriso forçado.

Ao ingressar para a vida cotidiana daquela urbe, descobriu logo, junto à praça de uma pequena igreja, o lugar ideal para o seu destino de homem pobre, que necessitava da caridade pública para sobreviver.

No local escolhido, todos os dias, empunhando o tosco instrumento, ele dava para os transeuntes seu concerto musical, executando as mais variadas melodias.

Não pedia nada a ninguém, mas o seu boné azul desbotado, colocado sobre o lajedo da calçada de boca para cima, solicitava por ele um auxílio monetário às pessoas caridosas que pelo local passavam.

No início, quando era novidade no bairro, muita gente interrompia o trajeto para aplaudi-lo, porque na realidade ele manejava aquela flauta de bambu com a habilidade de um exímio artista. Depois, com o passar dos dias, os ouvintes foram diminuindo, e também escasseando os níqueis que caíam em seu surrado boné.

Quando o sol descia no horizonte, o flautista partia para o repouso noturno, levando o parco produto da féria do dia.

Nunca soubemos como e onde se alimentava, nem em que lugar o pobre homem se abrigava da noite densa. Mas pela manhã, quando o sol, com sua luz dourada, abria as portas do dia, lá estava ele reaparecendo para a continuação das suas atividades.
Sempre recolhido em sua introspecção, não conversava; apenas com leve aceno de mão agradecia sempre aos que lhe auxiliavam com a pequena contribuição monetária.

Descobriu-se afinal, que o pobre flautista era mudo. Não podia falar, mas a sua voz era ouvida nos acordes da melodiosa flauta que magistralmente tocava.

Durante um ano inteiro o «homem da flauta», como era chamado, alegrou o bairro com a sua música maravilhosa, mas com o tempo o seu público foi se dispersando definitivamente.

Certo dia, o mágico da flauta desapareceu. Muita gente perguntou por ele. Para onde teria ido e porque teria partido, ninguém conseguiu explicar.

Chegou de algum lugar e para algum lugar partiu, como um simples forasteiro, um peregrino, uma ave que constantemente fugisse sem rumo, em busca de calor humano, talvez...

Partiu, deixando no seu rastro de artista e de sofredor, uma lembrança qualquer. Motivos insuperáveis podem guiar as ações dos homens.

Que mistério envolveria aquele personagem estranho? Quem poderia adivinhar o que vai perdido no coração de um homem solitário? Que turbilhão de sombras se entrechocam na alma dos desamparados, dos desesperados que se encontram ilhados na miséria e no desconsolo? Dos que perdem suas últimas esperanças no descaso dos que passam indiferentes à sua dor?...

Que convulsão de tristezas pode ocultar-se por trás da máscara da face? Que destinos enigmáticos e desencontrados guiariam os homens na senda da sua sorte e das suas paixões?...

Fontes
http://www.movimentodasartes.com.br
Pintura = http://vislumbre.files.wordpress.com

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense – Parte XIII)



SÍNTESE CRONOLÓGICA

Neste quadro estão anotados, em ordem cronológica, os títulos dos livros de contos estudados ou apenas mencionados (ano da publicação em primeira edição) no estudo, seguidos dos nomes dos autores, bem como de algumas antologias. E também fatos da História da Literatura Cearense, tais como o surgimento de grupos e periódicos literários.

1856 – Cinco Minutos (plaqueta, fora do mercado) – José de Alencar.
1860 – Cinco Minutos e A Viuvinha – José de Alencar.
1861 – Trindade Maldita (Contos no Botequim) – Franklin Távora.
1868 – Contos Brasileiros – Araripe Júnior.
1871 – Cenas Populares – Juvenal Galeno.
1886 – Fundação do Clube Literário.
1887 – Aparecimento do jornal A Quinzena, do Clube Literário, onde se publicaram contos de Oliveira Paiva e outros.
1889 – Ciências Naturais em Contos – Rodolfo Teófilo.
1892 – Criação da Padaria Espiritual e do jornal O Pão, no qual se publicaram contos de Artur Teófilo e outros.
1894 – Contos do Ceará – Eduardo Sabóia.
1894 – Criação do Centro Literário e de sua revista Iracema, que passou a se imprimir no ano seguinte.
1895 – Diferentes – Quintino Cunha.
1895 – Miudinhos – Fernando Weyne.
1897 – Perfis Sertanejos – José Carvalho.
1897 – Coleção de Contos – Francisca Clotilde.
1898 – Isaura – José Pereira Martins.
1901 – Em Sonhos – Alba Valdez (pseudônimo de Maria Rodrigues Peixe).
1907 –Histórias da vida e da morte e Um coração sensível – Tomás Lopes.
1910 – Caras e corações – Tomás Lopes.
1910 – O Conduru – Rodolfo Teófilo.
1912 – Livro Truncado – Oscar Lopes
1915 – Praias e Várzeas – Gustavo Barroso.
1918 – O Cisne Branco – Tomás Lopes.
1920 – Seres e Sombras – Oscar Lopes. Não há data da publicação de Maria Sidney.
1920 – Ronda dos Séculos – Gustavo Barroso.
1922 – Mula-sem-cabeça e Pergaminhos – Gustavo Barroso.
1922 – Torturas do Desejo – Carlos de Vasconcelos.
1924 – Alma Sertaneja, Mapirunga, O Bracelete de Safiras (s/d), Livro dos Milagres, Cinza do Tempo (s/d) – Gustavo Barroso.
1924 – Tigipió – Herman Lima.
1928 – A Mãe-da-Água – Herman Lima.
1929 – Flagrantes ao Sol do Norte – Santino Gomes de Matos
1931 – Idéia Fixa – Antônio Furtado, Rio de Janeiro.
1933 – Rincões dos Frutos de Ouro, premiado pela Academia Brasileira de Letras – Sabóia Ribeiro.
1933 – Mulheres de Paris – Gustavo Barroso.
1934 – Manipueira – Fran Martins.
1934 – Impróprio para Menores – R. Magalhães Júnior.
1936 – Fuga e Outros Contos – R. Magalhães Júnior.
1939 – O Livro dos Enforcados – Gustavo Barroso.
1943 – Sapupema (contos amazônicos) – José Potyguara ou Potiguara.
1943 – Surgimento do Grupo Clã, a revista do mesmo nome e as Edições Clã.
1943 – Águas Mortas – Eduardo Campos
1946 – Face Iluminada – Eduardo Campos.
1946 – Noite Feliz – Fran Martins.
1946 – Uma Chama ao Vento, reeditado em 1980 pelas Edições UFC – Braga Montenegro.
1948 – Mar Oceano – Fran Martins.
1949 – Vidas Marginais – Moreira Campos.
1949 – A Viagem Definitiva – Eduardo Campos.
1954 – Contos – Papi Júnior, publicação da Academia Cearense de Letras.
1955 – Açude e Outros Contos – F. Magalhães Martins.
1955 – Trevo de quatro folhas – Cândida Galeno (Nenzinha Galeno).
1957 – Portas Fechadas – Moreira Campos.
1958 – Caminho sem horizonte – Artur Eduardo Benevides.
1960 –Alma Rude, contos regionais – Carlyle Martins.
1960 – O Amigo de Infância – Fran Martins.
1960 – Sete Estrelo – Milton Dias. Seguiram-se As Cunhãs, A Ilha do Homem Só, Entre a Boca da Noite e a Madrugada, Cartas sem Resposta, As Outras Cunhãs e A Capitoa, todos subintitulados "estórias e crônicas".
1961 – Trapiá – Caio Porfírio Carneiro.
1963 – O Brasileiro Perplexo – Rachel de Queiroz.
1963 – As Vozes do Morto – Moreira Campos.
1964 – A Vida em Contos – Margarida Sabóia de Carvalho.
1965 – Uma Antologia do Conto Cearense (Imprensa Universitária do Ceará), com apresentação de Braga Montenegro.
1965 – Os Grandes Espantos – Eduardo Campos.
1965 – Editor de Insônia – José Alcides Pinto.
1965 – Publicação do ensaio "Evolução e Natureza do Conto Cearense", de Braga Montenegro.
1966 – Contos do Cacau – Sabóia Ribeiro.
1967 – As Danações – Eduardo Campos.
1968 – O Abutre e Outras Estórias – Eduardo Campos.
1969 – O Puxador de Terço – Moreira Campos.
1969 – Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal – Juarez Barroso.
1969 – Os Meninos e o Agreste – Caio Porfírio Carneiro.
1970 – O Tropel das Coisas – Eduardo Campos.
1971 – Histórias de Trancoso – Cruz Filho.
1972 – A Morte Trágica de Alain Delon – Francisco Sobreira.
1972 – Exercício Para o Salto – Cláudio Aguiar.
1972 – Os Olhos do Lixo – Socorro Trindad.
1972 – A Coleira de Peggy – Holdemar Menezes.
1973 – Pluralia Tantum – Gilmar de Carvalho.
1974 – Itinerário – Nilto Maciel.
1975 – O Casarão – Caio Porfírio Carneiro.
1976 – Surgimento da revista O Saco Cultural.
1976 – As Viagens e Outras Ficções, (novelas e contos), mais uma seleção dos Contos Derradeiros, até então inéditos em livro – Braga Montenegro.
1976 – Publicação, em livro, dos Contos de Oliveira Paiva.
1976 – Joaquinho Gato – Juarez Barroso.
1976 – O Menino D’água – Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral.
1977 – Chuva – Os Dez Cavaleiros – Caio Porfírio Carneiro.
1977 – Depoimento de um Sábio – Cláudio Aguiar.
1977 – Milagre na Salina (catalogado como romance) – Mario Pontes.
1977 – Coisas & Bichos – José Hélder de Souza.
1977 – O Barco Naufragado – Holdemar Menezes.
1977 – Tocaia – Yehudi Bezerra.
1978 – Os Doze Parafusos – Moreira Campos.
1978 – Cada Cabeça uma Sentença – Socorro Trindad.
1978 – Reencontro – Glória Martins.
1978 – A Sonda Uretral – Holdemar Menezes.
1979 – Forma-se o Grupo Siriará, que edita um número de Siriará – Uma Revista Literária.
1979 – A Morte do Anjo da Guarda – Martins d’Alvarez.
1979 – A Noite Mágica – Francisco Sobreira.
1979 – Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas – Gerardo Mello Mourão.
1979 – O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro – Geraldo Markan.
1979 – O Grande Pânico – Airton Monte.
1979 – O Cabeça-de-Cuia – Paulo Véras.
1980 – Não Enterrarei os Meus Mortos – Francisco Sobreira.
1980 – O Jogador de Sinuca – Rachel de Queiroz.
1980 – Dia da Caça – Eduardo Campos.
1980 – Canoa Quebrada – Oniricrônicas – Geraldo Markan.
1980 – Contagem Depressiva – Simone Gadelha.
1981 – 10 Contistas Cearenses (antologia) – Apresentação de F. S. Nascimento.
1981 – Tempos de Mula Preta – Nilto Maciel.
1981 – O Contra-Espelho – Caio Porfírio Carneiro.
1981 – Homem Não Chora – Airton Monte.
1981 – Viagem – Nilze Costa e Silva.
1983 – Um Dia ... os Mesmos Dias – Francisco Sobreira.
1983 – A Estranha Estória de Bebeto Areião – José Maria Leitão.
1983 – A Viúva Fanática – Pery Augusto Bezerra. Publicou também Catarina e Outras Histórias Curtas de Amor.
1983 – Raios de Sol – Furtado Neto.
1983 – Alba Sangüínea – Airton Monte.
1983 – Seu Defunto e Outro – Pedro Wilson Rocha.
1983 – Conversa Fiada – Teoberto Landim.
1983 – Garoto de Baturité – Reginaldo Dutra.
1984 – Reflexões. Terror. Sobrenatural. Outras estórias – José Alcides Pinto.
1984 – Ofos – Carlos Emílio Corrêa Lima.
1984 – Caco de Vidro – Pedro Wilson Rocha.
1984 – A Lenda das Estrelinhas Magras – Rosemberg Cariry.
1984 – Os eleitos para o sacrifício – Holdemar Menezes.
1985 – A Grande Mosca no Copo de Leite – Moreira Campos.
1985 – Viagem sem Volta – Caio Porfírio Carneiro.
1985 – O Discurso da Mulher Absurda – Joyce Cavalcante.
1985 – Quinze Casos Contados – Ribamar Lopes.
1986 – Sai o primeiro número de Seara – Revista de Literatura, como órgão do Grupo Seara.
1986 – Punhalzinho Cravado de Ódio – Nilto Maciel.
1987 – Dizem que os Cães Vêem Coisas – Moreira Campos.
1987 – Já Fez a sua Fezinha Hoje?– Audifax Rios.
1987 – Ofícios de Desdita – Jorge Pieiro.
1987 – Psiu, o síndico pode estar ouvindo! – Leonisa Maria Magalhães de Souza.
1988 – Iluminuras – Natércia Campos.
1988 – Dilúvio – Nilze Costa e Silva.
1989 – Análise – Fran Martins.
1989 – O Tempo Está Dentro de Nós – Francisco Sobreira.
1989 – Os Dedos e os Dados – Caio Porfírio Carneiro.
1989 – Fragmentos de Panaplo – Jorge Pieiro
1989 – Último Ato – Beth Moreira Lima
1990 – Viagem e outras histórias – Roberto Amaral.
1990 – Antologia do Conto Cearense, organizada por Mary Ann Leitão Karan.
1991 – As Insolentes Patas do Cão – Nilto Maciel.
1992 – Rio dos Ventos – José Hélder de Souza.
1992 – Mergulhador de Acapulco – Sérgio Telles.
1992 – As Leves e Duras Quedas do Amor – Regine Limaverde.
1992 – Surge o jornal O Pão, dirigido por Virgílio Maia.
1993 – O Escrivão das Malfeitorias – Eduardo Campos.
1993 – Clarita – Francisco Sobreira.
1993 – D’aquém e D’além Mar – Beatriz Alcântara.
1993 – A Mulher de Passagem – Carlos d’Alge.
1993 – Itinerário do Reino da Barra – Dimas Carvalho.
1995 – O Navio Morto e Outras Tentações do Mar – Moacir C. Lopes.
1995 – A Partida e a Chegada – Caio Porfírio Carneiro.
1995 – Grandes Amizades – Francisco Sobreira.
1995 – Histórias do Começo do Mundo (7 Contos Minúsculos) – Alano de Freitas.
1995 – Margem Oculta – Paulo de Tarso Pardal.
1995 – O Peso do Morto – Pedro Salgueiro.
1995 – É criada Espiral: Revista Literária.
1996 – O Irresistível Charme da Insanidade – Ricardo Kelmer.
1996 – As Noites e os Dias – Ronaldo Correia de Brito.
1996 – O Espantalho – Pedro Salgueiro.
1996 – O Talento Cearense em Contos, antologia organizada por Joyce Cavalcante.
1997 – Crônica do Amor e do Ódio – Francisco Sobreira.
1997 – Babel – Nilto Maciel.
1997 – O Pescador da Tabocal – Batista de Lima.
1997 – Guia Prático para Sobrevivência no Final dos Tempos – Ricardo Kelmer.
1997 – O Caçador – Rinaldo de Fernandes.
1997 – Velhos Contos, Novos Contos – Zorrillo de Almeida Sobrinho.
1997 – Publica-se o Almanaque de Contos Cearenses.
1998 – A Borboleta Acorrentada – Eduardo Campos.
1998 – Mão de Martelo e Outros Contos – Astolfo Lima Sandy.
1998 – O Vendedor de Judas – Tércia Montenegro.
1998 – Na trilha dos Matuiús – José Costa Matos.
1998 – A Miragem do Espelho – Carlos Gildemar Pontes.
1999 – Andante com Morte – Mario Pontes.
1999 – A Casa do Morro Branco – Rachel de Queiroz.
1999 – Noturnos – Ana Miranda.
1999 – Foi na Seca do 19 – Lustosa da Costa.
1999 – Pescoço de Girafa na Poeira – Nilto Maciel.
1999 – Difícil Enganar os Deuses – Paulo de Tarso Pardal.
1999 – Glórias e Vanglórias – Vasco Damasceno Weyne.
1999 – Sai o primeiro número de Literapia – Revista de Literatura da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, sob a direção do poeta Pedro Henrique Saraiva Leão.
1999 – Caos Portátil – Jorge Pieiro.
1999 – O Pranto Insólito – Eduardo Campos.
2000 – Pequenas Histórias Matutas – José Hélder de Souza.
2000 – Histórias de Zoologia Humana – Dimas Carvalho.
2000 – Brincar Com Armas – Pedro Salgueiro.
2000 – O Pranto Insólito – Eduardo Campos.
2001 – Sobre o Mundo – José Peixoto Júnior.
2001 – A Revolta do Computador e Outros Contos de Mistério – Artur Eduardo Benevides.
2001 – Linha Férrea – Tércia Montenegro.
2002 – Reunidos, em livro, 11 contos de Adolfo Caminha, por Sânzio de Azevedo, sob o título Contos, pela Editora da UFC.
2002 – A arte de engolir palavras – Lourdinha Leite Barbosa.
2002 – A Viúva do Vestido Encarnado – Barros Pinho.
2002 – Peixe de Bicicleta – Sérgio Telles
2002 – Janeiro é Um Mês Que Não Sossega – Batista de Lima.
2002 – Dançando com Sapatos que Incomodam – Luciano Gutembergue Bonfim.
2002 – Sobre a Gênese e o Caos – João Soares Neto.
2003 – Faca – Ronaldo Correia de Brito.
2003 – Fábulas Perversas – Dimas Carvalho.
2003 – Sob Eros e Thanatos – Giselda Medeiros.
2003 – Mosaicos – Maria Thereza Leite.
2003 – Se Me Contam, Eu Conto – Regine Limaverde.
2003 – Um Homem Chamado Noel – Mario Pontes
2004 – Chame os Meninos – Lucineide Souto

Continua… Parte XIV e final : Conclusão

Fonte:
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=986

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Antonio Carlos Tórtoro (O Banquete De Pratão)



Comer e beber com alguém é, para mim, quase que um ritual sagrado e, por isso, não bebo nem como com o inimigo.

Penso assim talvez por ser do tempo em que a família se reunia duas vezes por dia, durante as refeições, ao redor de uma mesa, para conversar sobre todos os assuntos, principalmente sobre aqueles que faziam parte do cotidiano de todos os seus componentes.

E, por falar em comer à mesa e conversar, no último dia 15 de outubro, Dia do Professor, participei com minha esposa de uma galinhada, oferecida pela direção do colégio Anchieta aos professores e funcionários: um banquete de pratão.

Pratão de legumes, pratão de patê de alho, da Roberta, pratão de patê de atum, da Rosa, tudo bem temperado, bastante cerveja, bem gelada e, flores, muitas flores em pequenos vasos, além do ramalhete que entregamos à anfitriã, a professora Alcilene Soares Aguiar, ao som de Ray Connif, em comemoração à passagem do dia dos mestres.

Vivemos, por alguns instantes, belos e expressivos momentos de encontro com os nossos semelhantes, que só os pequenos grandes gestos do dia-a-dia podem proporcionar: um sorriso aberto e franco, um aceno ou aperto de mão de duração mais longa.

No famoso Banquete de Platão, Sócrates conta a história de seu encontro com Diotima, quando tinha por volta de 30 anos. Nessa obra universalmente conhecida, o amor é definido por ele como carência daquilo que se ama, do objeto amado. É o que inspira os seres a partir em busca do Belo: esse belo, a idéia eterna da qual todas as coisas belas participam gradativamente, é alcançado pela ascese dialética, por degraus. Primeiro, pode-se ver o belo nos corpos, depois, na natureza, etc, até se chegar ao belo em si.

No nosso banquete de pratão, não discutimos o amor: nós somente o vivemos. Vivemos por alguns momentos — fora do ritmo alucinante de um dia de trabalho na escola — a satisfação de ouvir o colega sobre assuntos nada pedagógicos, o prazer de ver a troca de colos de suas crianças que ainda não freqüentam a escola, a alegria de abraçar cada um que chega com um sorriso e votos de boas vindas.

Depois de quase uma hora de conversa jogada fora, muitas gargalhadas, piadas, chega o pessoal do Barriga – assado na brasa, sem o assado, mas com três enormes panelas da mais saborosa galinhada do ano.

Com o passar do tempo, os grandes grupos vão se desmanchando e transformam-se em pequenos outros grupos espalhados pelos amplos espaços dos pátios do colégio.

Antes de ir embora, ainda sobra tempo para comer algumas amoras — com o ímpeto dos tempos de criança — retiradas na hora, dos pés repletos de pequenos pontos escondidos entre o verde das folhas, qual saborosas lagartas negras.

Não é preciso ir a Atenas ou Paris para ser feliz: Basta olhar com amor e fraternidade aqueles que fazem parte do nosso cotidiano e, se possível, beber e comer com eles.

Fontes:
Academia Ribeirãopretana de Letras.
http://www.movimentodasartes.com.br/arl
Imagem =
http://emalmada.blogspot.com

Antonio Carlos Tórtoro (1949)



Nasceu em 3 de março de 1949. Estudou nas Faculdades Barão de Mauá (atualmente Centro Universitário Barão de Mauá) onde terminou a licenciatura plena em Matemática , Física e Desenho Geométrico, além de Pedagogia : Supervisão , Administração e Orientação Educacional.

Trabalhou nas Ordens de Pagamento no Banco Bandeirantes, vendedor de peças na Lion , organizador de uma loja na Bérgamo Auto Peças. Começa a lecionar no Colégio Metodista, depois pelo SENAI , pelo Colégio Colégio Santa Úrsula , pelo Centro Universitário Barão de Mauá, chegando , em 1995 , ao Colégio Anchieta, onde, atualmente, é Orientador Educacional, após ter sido professor de Matemática e Coordenador Pedagógico.

Iniciou-se com um poema publicado em 1 989 na coluna Poetas de Ribeirão Preto, no Jornal A Cidade.

A partir de 2000, interessou-se por fotografia e passou a fazer parte do Grupo Amigos da Fotografia, ao lado de Elza e João Rossato.

Tem publicados livros de poemas , e de poemas em fotos. Membro de diversas entidades culturais , publica artigos em jornais e revistas.

Membro da Academia Ribeirão-pretana de Letras (ARL) desde o ano de 1981, o escritor e poeta Antônio Carlos Tórtoro assumiu a presidência da instituição literária em 1996, após a abdicação ao cargo do antecessor, o literato Luiz Carlos Raya.

Leitor preferencial de biografias, o poeta declara “Ribeirão Preto é um cenário favorável para produção literária. Temos bons escritores, com obras de qualidade. Mas há escassez de oportunidades para publicação destes trabalhos. Isso parte das editoras e pessoas que estão por trás da parte financeira da literatura”. Engajado no mundo dos versos, Tórtoro afirma ainda que sua estética difere-se da linguagem do romance e que não pretende tornar-se romancista.

O posicionamento do artista em relação à literatura é humilde e desapegado. “Não sou um grande conhecedor de literatura como a equipe da ARL, por ser oriundo da matemática. Sou um poeta entusiasta do movimento literário”. Tórtoro discorre, entretanto, por temas ligados às letras. “Não vejo a literatura do interior paulista como algo tão característico em ícones de personalidade como ocorre com as literaturas mineira e gaúcha”.

Quanto à polêmica existente no universo literário quanto à rivalidade entre autores e leitores alencarianos e machadianos, ele posiciona-se: “Houve um tempo em que eu admirava e consumia os textos de José de Alencar, mas confesso que encontrei uma estética mais moderna na escrita de Machado de Assis; todavia, respeito todas as linguagens literárias”. Sobre outra polêmica literária, as duras críticas dos poetas modernos em relação ao período do parnasianismo brasileiro, Tórtoro define sua visão: “A poesia moderna é mais democrática, a partir do momento em que não é preciso pertencer-se à uma elite intelectual para escrever. Os poetas parnasianos e a métrica rígida daquela estética constituíam uma elite, dona de rico vocabulário e conhecimento”.

Para o autor, escrever poesia no mundo atual, rápido e capitalista, consiste em “uma maneira diferenciada de observar o homem e sua alma. O retorno financeiro não é suficiente. O prazer está no exercício da arte”.

Casado desde 1976, Tórtoro possui um casal de filhos. “Já escrevi um poema para minha esposa, ´Salvador sem você´, durante uma viagem à capital baiana. Nestes versos, cito as belezas da cidade em questão, mas todas elas são incompletas na ausência do objeto de amor do eu lírico”.

Em seu livro, “Antologia Ítalo-brasileira”, lançado em 2003, o artista versa em dois idiomas, português e italiano.

Publicações

livro de poemas "ECOS ", lançado em 1991.
livro de poemas "EDELWEISS" lançado em 1992.
livro de poemas “ MOSAICO “ , lançado em junho de 2000 .
livro de poemas “ ANTOLOGIA DE POESIAS” , antologia Ítalo-brasileira , bilíngüe, com o poeta , Cláudio De Donatis , em agosto de 2003 , na 3ª. Feira Nacional do Livro de Rib. Preto .
livro de poemas "ESTRELAS NO MAR "- COLEÇÃO VEREDAS- EDITORA MODERNA , lançado em 1 994 e que concorreu ao PRÊMIO JABUTI/95 - já na sua 6a. Edição , fazendo parte da lista de livros da FAE-FEDERAL.

Autor dos textos de cada uma das fotos do livro ARQUITETURA DO PASSADO- UM OLHAR SOBRE RIBEIRÃO , lançado em setembro de 2005, na Feira Nacional do Livro de Rib. Preto, pela Gráfica Villimpress. Um trabalho conjunto com o site Movimento das Artes e o grupo Amigos da Fotografia.

Autor dos textos de cada uma das fotos do livro RIBEIRÃO PRETO – O PASSADO MANDA LEMBRANÇA – VOLUME I , lançado em setembro de 2006, na 6ª. Feira Nacional do Livro de Rib. Preto, pela Gráfica Villimpress. Um trabalho conjunto com o grupo Amigos da Fotografia.

Autor dos textos de cada uma das fotos do livro RIBEIRÃO PRETO – O PASSADO MANDA LEMBRANÇA – VOLUME II , lançado em julho de 2008, na 8ª. Feira Nacional do Livro de Rib. Preto, pela Gráfica Villimpress. Um trabalho conjunto com o grupo Amigos da Fotografia.

Fontes:
– Artigo de João Pedro Vicente. http://www.baraodemaua.br/jornal/2004/novembro/tortoro.htm
http://www.tortoro.com.br/

Caldeirão Literário do Pernambuco (Samantha Medina)



Samantha Medina
(1986 Recife/Pernambuco)

À ESPERA (INSÔNIA QUE PRECEDE A CHEGADA)

As madrugadas passam lentas
No compasso andante,condutor
Das horas de espera,que se arrastam,
Aleijadas,
Espalhando a poeira,
Decantada nos adormecidos;

As madrugadas passam lentas
Enquanto me desintegro no caos
De meu cansaço, ouvindo
Os sons do trânsito das ruas
Contornando os meus sonhos
E a minha cama,por longas avenidas...

As madrugadas passam lentas,
Entorpecidas pela melodia,
Ensurdecedora, do Silêncio
Dos que dormitam seus sonos
Sem saber,da areia em minhas retinas
E do meu corpo exausto, insistente...

Até que,decidida, eu me esparrame
Numa folha branca qualquer,
Já fatigada de tanto esperar...

- Então, a lenta madrugada alumia-se
da Maior-Estrela... E a Poesia, enfim, chega,
Sonolenta, seguindo o rastro da aurora.
============
ÉTER E CARNE

Éter. Senhor de todos os elementos,
Substância e sobranceiro das aparências sem
[substância;
Elo. Ligação entre o lume celeste e o abismo,
Onde o Puro destaca-se soberbo no azulado etéreo
E ardem azulados os fogos...
Veste a Terra viço e flores
E já mais e mais a Terra ao Éter se remonta.

No perfume do Éter a Carne dormente se inflama,
Vaga em cósmicos espaços,
Alcança e Espírito a dimensão indolor,
Onde tudo é amor e céu e luz...

A Alma vive na matéria,
Palpável, pungente, efêmera residência-matéria
Mas quando enfim se apresenta o derradeiro
A Alma canta feliz ao se tornar liberta
E segue o seu caminho rumo à atmosfera pura e
[reluzente...

Então,o Espírito que volve ao Éter renasce
E na pureza do Éter a Carne se desfaz.
================
CANTIGAS, LEVA-AS O VENTO

Na mais sublime terra, no mais alto ar,
Em torrentes de som a suspirar
Viandantes conduzidas pelo tempo,
- Cantigas, leva-as o vento.

De sopro em sopro é fantasia
Que toca a todos, destrói o medo,
Atravessa o tempo, e o segredo
Em brisa, vira doce melodia.

Qual acorde efêmero, intocável
É também, impalpável como sentimento,
Transeunte incontrolável
- Cantigas leva-as os vento.

E quando der vontade de chorar
Da alma é só tirar, nota a nota,
O ressoar da música que conforta:
- Cantigas, ventos a me levar.

O Nosso Português de Cada Dia (OUVIR E ESCUTAR)

A cada dia dúvidas de nosso português

Esta é mais uma daquelas questões sobre palavras sinônimas, mas que antigamente os gramáticos classificavam como diferentes.

Antigamente dizia-se que ouvir e escutar eram verbos diferentes. Ouvir deveria ser usado no sentido de “perceber o som pelo sentido da audição” (Dicionário Houaiss). Nessa definição, não consta a idéia de prestar atenção. Assim, a pessoa poderia ouvir, isto é, captar o som, mas estar pensando em outra coisa completamente diferente.

Já o verbo escutar era entendido com a idéia não só de captação do som, mas também de estar prestando atenção a ele.

Portanto, segundo a definição antiga, a pessoa poderia ouvir sem escutar.

No entanto, o povo modifica o sentido das palavras. Hoje em dia, tanto faz usar o verbo ouvir ou escutar. Ambos são sinônimos. Em todos os dicionários de Língua Portuguesa, pelo menos os mais respeitados, Aurélio, Houaiss, Michaelis, ouvir e escutar possuem os mesmos sentidos.

Fonte:
Prof. Dr. Ozíris Borges Filho.
http://www.movimentodasartes.com.br/

Miguel Perrone Cione (A Assombração)



A pequena e pacata cidade havia sido enormemente beneficiada com a chegada da eletricidade. Os postes plantados nas esquinas, sobre as calçadas, sustentavam galhardamente os luzidios fios de cobre, que levavam rapidamente à cidade a milagrosa iluminação inventada por Thomas Edison. Ajustado a essa nova maravilha do progresso, o pequeno rincão paulista relegava a um passado que jamais voltaria os prosaicos lampiões, que o romantismo da época tanto havia acariciado.

Daquela antiga fisionomia noturna, só restava ainda o fogo de artifício lançado pelas chaminés dos comboios de passageiros, que passavam invariavelmente à noite ao sul da cidade, vomitando de suas máquinas a habitual esteira de fagulhas incendiárias.

Agora, ao fim das tardes, apreciava-se um espetáculo inédito, vendo o funcionário da Empresa de Força e Luz ligar a chave do transformador, que ficava em frente à Praça da Matriz, e as lâmpadas todas ao mesmo tempo, como num passo de mágica, chisparem de luz, transformando a penumbra em um alegre recanto iluminado.

Depois desse avanço espetacular em direção à civilização moderna, certo dia, um senhor de aparência humilde bateu à porta de um dos professores da cidade; queria conversar com ele:

— Senhor professor, — começou ele — desejaria falar dois minutos com o senhor.

— Pois não, vamos entrar. Qual é o assunto?

— Como sei que o senhor é uma pessoa esclarecida, desejaria fazer-lhe uma pergunta.

— Perfeitamente, estou ao seu dispor.

— O senhor acredita em assombrações? Desejo falar-lhe de uma que apareceu há dias em minha casa.

— Não, não creio nessas coisas...

— Mais uma razão para o senhor certificar-se de que existe algo de sobrenatural no que venho observando em minha propriedade, e que gostaria de mostrar-lhe. Sinceramente, eu gostaria que o senhor visse com seus próprios olhos. A vizinhança toda já presenciou o que estou lhe relatando. Tive de mudar-me da casa. Não era possível ver todas as noites aquelas sombras ameaçadoras emergirem das paredes do nosso quarto e debruçarem-se sobre nós.

O professor observava o visitante com visível incredulidade, depois perguntou-lhe a que horas aparecia a assombração.

— Geralmente das 22 horas em diante, hora que costumamos nos deitar.

Depois de outras explicações, ficou combinado que naquela noite, o professor iria ver a discutida assombração.

Às dez da noite, o professor dirigiu-se ao local designado, onde já o esperava o homem que o visitara e mais três pessoas da vizinhança.

Adentraram a casa mal-assombrada. Todas as lâmpadas foram acesas. Dirigiram-se diretamente ao dormitório principal da residência, o “quartel-general” da assombração. Fez-se um silêncio total, todos aguardavam com certa emoção e, por que não dizer, com algum temor, a misteriosa e audaz personagem das sombras. Esperaram 5, 10, 20 minutos... nada se via de anormal. O quarto era forrado de madeira, paredes altas, como sói acontecer nas casas antigas. Ao redor da lâmpada, de aproximadamente 15W, via-se um globo de vidro e que outrora deveria ter sido transparente, mas no momento, apenas translúcido pela poeira acumulada.

Já estavam impacientes quando, de súbito, uma fantástica sombra apareceu numa das paredes do quarto. Tinha o aspecto de um esquisito monstro, cujo corpo era formado por uma massa compacta. Quatro braços de cada lado moviam-se, lentos, mas ameaçadores como os da hidra fabulosa e lendária. Realmente era de meter medo, mas enfim era apenas uma sombra.

Apesar das incredulidades do professor, parecia que todos encontravam-se diante do sobrenatural, de algum ser extraterrestre vivendo em outra dimensão.

Após alguns minutos, a sombra começou a circular pelas quatro paredes e até pelo teto do quarto, fazendo um footing diabólico. O professor, absorvido em seus pensamentos, olhava ora para a sombra, ora para o globo que pendia do forro. Pediu permissão para apagar a luz. O ser sobrenatural desapareceu, embora o quarto ainda recebesse claridade da sala adjacente. Evidentemente, a assombração não gostava da penumbra e logo que a lâmpada de novo se acendeu, ressurgiu até mais ameaçadora.

O professor esboçou um sorriso de triunfo; possivelmente já possuía a chave do mistério. Com uma escada, o globo foi removido. A sombra desapareceu como que por encanto. Dentro do globo empoeirado, o professor procurava o responsável por todo aquele rebuliço: era uma pequena, inofensiva aranha papa-moscas que residia na concavidade interior do globo de iluminação.

Quando a lâmpada aquecia o interior do globo de vidro, depois de certo tempo, o calor incomodava o inocente inseto; ele se agitava, começando com movimentos lentos e depois com uma corrida desesperada ao redor do globo. A luz amarelada da lâmpada projetava nas paredes do quarto a sua imagem imensamente aumentada pela projeção do objeto, reproduzindo, no interior do cômodo, também todos os movimentos da pequena aranha, que se tornavam pela dimensão alcançada deveras ameaçadores, transformando assim o pacífico inseto na famosa assombração daquela rua...

Fontes:
http://www.movimentodasartes.com.br/miguelcione/default.htm
Imagem = http://gatocomvertigens.blogs.sapo.pt/

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Miguel Perrone Cione (O Pescador de Pérolas)

Hélio Cunha (O Pescador de Pérolas)
Havia um ambicioso pescador de pérolas que almejava encontrar na ostra solitária a valiosíssima pérola rosada.

Sing era o nome do intrépido oriental, que buscava nas profundezas do oceano a jóia do seu sonho. Cada vez que um outro pescador conseguia a pérola rosada, nele se avivavam as esperanças de um dia encontrar também a sua jóia preferida.

Astuto, jovem, grande mergulhador, e acostumado desde a infância ao manejo do mar, conhecia bem que apenas uma ostra especial, de cor rubra e maior tamanho que as comuns, produz a pérola rosada, mesmo assim, em exígua porcentagem.

Com a modesta máscara de mergulho, o pequeno barco, o arpão que o defendia do ataque feroz dos tubarões, o cesto no ombro para recolher os moluscos, auxiliado pela esposa, aproveitava as tardes de sol para desenvolver o fatigante e perigoso trabalho. Após a colheita marinha, a busca dentro das conchas era cuidadosamente iniciada, como se cada ostra fosse uma caixinha de surpresas.

Muitas pérolas brancas já haviam sido encontradas por Sing e sua esposa, mas nem todas possuíam grande valor. O comércio do produto é exigente, somente as pérolas perfeitamente esféricas, sem máculas, a partir de cem quilates são realmente valiosas; as denominadas “barrocas” por serem irregulares, as “gotas” em forma de pêras, as “sementes”, que são pequenas e planas, não possuem comercialização compensativa.

Eram decorridos cinco anos de mergulhos submarinos, durante os quais o nosso idealista pescador, tinha se desgastado bastante no afã de arrancar das rochas profundas, milhares de moluscos, e a pérola rosada não havia surgido. Aos poucos, a pretensão de encontrar a ambicionada jóia foi se apagando nas esperanças de Sing.

Certa tarde de escassa e desastrosa colheita, resolveu desistir daquela ambição que estava se tornando inútil, já que ele desenvolvia no período da manhã outras atividades que eram rendosas e prioritárias.

Procurou um mergulhador que lhe havia proposto a compra do equipamento, e vendeu-lhe o barco utilizado na pesca. Até o pequeno cesto com os últimos moluscos pescados, ainda intactos, foram negociados. Sing havia definitivamente encerrado suas atividades perolíferas, de encantado pescador de pérolas. Naquela noite dormiu mais tranqüilo. Mas foi só naquela noite.

No dia seguinte, quando um novo dia despontava, talvez para o início de uma nova vida, logo pela manhã ao alvorecer alguém bateu-lhe à porta; era o comprador dos seus apetrechos:

- Olá, como vai, resolveu desistir do nosso negócio?

- Não, Sing. — disse-lhe sorridente o comprador — Vim pagar-lhe em dobro a minha compra.

- Mas por que essa generosidade?

- Porque fui muito feliz! Na única ostra gigante existente no cesto que havia lhe comprado, encontrei a pérola rosada!

Sing empalideceu de dor. A notícia foi como se o oceano imenso que ele tanto amava tivesse se derramado sobre ele. Quando a oportunidade chegou, ele não foi suficientemente perseverante para fazer triunfar o seu sonho.

A sombra desse erro o acompanhou por longos anos de sua existência.

Sempre que se referia à pérola perdida, Sing repetia as mesmas palavras: “Nem a trazendo das profundezas abissais do oceano, consegui possuí-la. Fugiu-me das mãos pela porta do destino. Pescá-la foi como procurar a felicidade pelas estradas íngremes da vida; nem todos conseguem encontrá-la, assim aconteceu comigo”. Mas embora se considerasse cruelmente traído pela sorte, concordava sempre em admitir que tinha valido a perseverança de procurá-la. Não são os sonhos e as esperanças acalentadas os adornos fugazes que embelezam a existência?

Fontes:
http://www.movimentodasartes.com.br/miguelcione/default.htm
Pintura =
http://heliocunha.blogspot.com