quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Antonio Roberto Fernandes (Falecimento)


Antônio nasceu na cidade de São Fidélis. Primogênito de uma família de oito irmãos. Aprendeu a ler em casa com o pai. Aos sete anos entrou na escola no interior, mas como era adiantado em relação aos colegas de classe, foi transferido para Escola Barão de Macaúbas no Centro de São Fidélis. Cursou o ensino fundamental e médio em sua cidade natal. Após passar no vestibular para a Faculdade de Medicina, mudou-se para Campos. Não exerceu a medicina porque passou num concurso e assumiu a postura de bancário para ajudar na criação dos irmãos.

Poeta, trovador e escritor, Antônio Roberto Fernandes foi membro da Academia Fidelense de Letras, da Academia Pedralva Letras e Artes, da Academia Campista de Letras e representante da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Campos. Fundou a Academia Infantil de Letras de São Fidélis. Grande idealizador do Café Literário, em Campos e figura cativa dos eventos da Fundação Municipal Trianon, como o projeto Choro e Cia e o Grupo Boa Noite Amor, brindou o público com seu tradicional intervalo poético.

Exerceu diversas atividades públicas. Foi diretor da Biblioteca Municipal de São Fidélis, da Biblioteca Nilo Peçanha e atualmente diretor do departamento de Literatura da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL).

Faleceu em 20 de novembro de 2008.

Os versos de Antônio Roberto refletem a todos sua excelência de artista da vida.

Na bicicleta da vida pedalei tanto, meu Deus, mas no melhor da descida furaram-se os dois pneus!... Xepeiro, de olhos tristonhos, à noite, exausto e sozinho, cato no chão dos meus sonhos a xepa do teu carinho. Mamãe!... Não há quem exprima uma palavra mais bela, pois mesmo não tendo rima a vida rima com ela! Se no palco, a três por quatro, reina a farsa e a pacotilha, o nosso maior teatro é o do Congresso, em Brasília”.

TROVAS

Sou feliz! Não vivo ao lado
das estrelas na amplidão,
mas posso tr um punhado
de vaga-lumes na mão.

Na bicicleta da vida
pedalei tanto, meu Deus,
mas no melhor da descida
furaram-se os dois pneus!...

Xepeiro, de olhos tristonhos,
à noite, exausto e sozinho,
cato no chão dos meus sonhos
a xepa do teu carinho.

Mamãe!... Não há quem exprima
uma palavra mais bela,
pois mesmo não tendo rima
a vida rima com ela!

Se no palco, a três por quatro,
reina a farsa e a pacotilha,
o nosso maior teatro
é o do Congresso, em Brasília.

– Deixa que a ponte eu dou jeito!
– Mas rio aqui nóis num tem...
– Não tem, mas se eu for eleito,
eu faço o rio também!

Os Pratos da Vovó

A minha avó guardava, com alegria,
muitos pratos, lindíssimos, de louça
Que ganhou de presente, quando moça.
e que esperava usar quem sabe? um dia.

Mas a vida passando tão insossa
e nada de importante acontecia
e ninguém pra jantar aparecia
que compensasse abrir o guarda-louça.

Vovó morreu. Dos pratos coloridos
que hoje estão quebrados e perdidos
ela jamais usou sequer um só.

Assim também meus sonhos, tão guardados,
terão, por nunca serem realizados,
o mesmo fim dos pratos da vovó.

Fontes:
http://www.falandodetrova.com.br/
http://www.pointcultural.com.br/forum/index.php?topic=778.0
Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes - RJ. http://www.campos.rj.gov.br/noticia.php?id=16105

Antonio Roberto Fernandes (Carta a São Fidélis)

Igreja Matriz de São Fidélis/RJ
Cidade de São Fidélis,
universo pequenino
dos meus dias de menino,
minhas noites de rapaz.
Cidade daquele tempo,
o tempo não volta mais. . .

Cidade com seus desfiles,
da Banda com suas tubas,
o "Barão de Macaúbas"
meu doce grupo escolar.
Cidade, nos seus desfiles
não posso mais desfilar.

Cidade dos meus estudos,
- ''pois quem estuda é que vence'' -
o Ginásio Fidelense,
a mundo a nascer do giz.
Cidade, quem sabe muito
é sempre mais infeliz.

Cidade, o velho cinema,
o amendoim torradinho,
o revólver do mocinho
com mil balas no tambor.
Cidade dos velhos filmes,
meu filme não tem mais cor.

Cidade, as nossas peladas
pelos terrenos baldios,
as pipas presas nos fios,
as brigas monumentais. . .
Cidade, eu saí do time
e os ventos sopram demais

Cidade, leilão, retreta,
roupa nova, ladainhas,
foguetório e barraquinhas
no vinte e quatro de abril.
Cidade, acabou a festa
e o seu menino sumiu.

Cidade, quede as lagostas,
os robalos, os dourados,
os peixes mais variados
que o rio pródigo dá?
Cidade, suas lagostas
fugiram do meu puçá.

Cidade, o povo na missa
e o sol nos vitrais batendo
vai a igreja acendendo
nas manhãs dominicais.
Cidade, na sua missa
eu não me ajoelho mais.

Cidade, fim-de-semana,
o amor queimando por dentro,
as moças todas no centro,
rodando pelo jardim.
Cidade daquela moça
que nunca ligou pra mim.

Cidade que dorme à beira
do Paraíba macio
e transpõe o largo rio
na ponte de um carro só.
Cidade, o laço da vida
só vai acertando o nó.

Cidade das ruas retas
que à noite ficam tão mortas
e agora são ruas tortas
pois a cidade cresceu.
Cidade das ruas tortas,
mais torto é o destino meu.

Fidélis de Sigmaringa
guia meus passos incertos
e nos seus braços abertos,
lá do alto do Matriz,
traz, num milagre, de volta
o tempo em que eu fui feliz. . .
---
Fontes

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Antonio A. de Assis (Missa em Trovas)



Em 1970, em Maringá, como ato de abertura do II Festival Brasileiro de Trovadores, foi celebrada pela primeira vez no Brasil a Missa em trovas, com versos de autoria do poeta maringaense A. A. de Assis, tendo como celebrante o então pároco da Catedral-Basílica de Nossa Senhora da Glória, Monsenhor Sidney Luiz Zanetini. Os trovadores visitantes levaram cópias da Missa, e desde então ela passou a ser celebrada em numerosas festas de trovas, em todo o Brasil, de Porto Alegre a Belém do Pará, tendo recebido inclusive uma bênção especial do papa João Paulo II. Em anos mais recentes, a Missa em trovas tem sido presidida em Maringá pelo Monsenhor Júlio Antônio da Silva (Padre Julinho), pároco da Catedral.

Para dar uma idéia, transcrevemos a seguir a oração de abertura da Missa em trovas:

Deus, no princípio, descerra
o palco da criação:
cria o céu e cria a terra
e enche de luz a amplidão.

Cria as águas e as reparte
em rios, lagos e mares,
e com ternura e com arte
cria os bosques e os pomares.

Coloca milhões de estrelas
na abóbada imensa e nua,
e acende no meio delas
o sol e em seguida a lua.

Faz que as águas se povoem
de peixes – grandes, pequenos,
e manda que as aves voem
com seus festivos acenos.

Num outro gesto ele faz
aparecer sobre a terra
toda espécie de animais:
os da planície e os da serra.

E o paraíso está feito,
e tudo está muito bem:
um mundo lindo, perfeito
em tudo o que ele contém.

E é nessa alegre paisagem
que Deus finalmente lança
alguém que é a sua imagem,
sua própria semelhança.

“Façamos – diz o Senhor –
o homem, e a companheira
com quem partilhe o esplendor
e a graça da terra inteira!”

Cria-os Deus na excelência
da justiça e da verdade,
e dá-lhes a inteligência
e a vontade e a liberdade.

Dá-lhes a luz, o calor;
dá-lhes o ar, o alimento;
dá-lhes o aroma da flor,
e a chuva e o luar e o vento.

E lhes confere o poder
de ter o mundo nas mãos,
e a missão de conceber
um grande povo de irmãos.

Fontes:
VICTOR, Agenir Leonardo. A Trova: o canto do povo. Maringá: Fac. Maringá, 2003.

Osman Lins (Conto de circo)

O Circo (Alvaro Alves de Faria)
Ergueu a cabeça e contemplou o lugar onde tantas vezes se aprestara para os seus breves triunfos no trapézio. No dia seguinte, desarmariam o Circo - pensava; e na próxima cidade, quando o reerguessem, ele estaria longe. Nunca, porém, haveria de esquecer aquela frágil armação de lona e tabique, as cadeiras desconjuntadas, o quebra-luz sobre o espelho partido e o modo como os aplausos e a música chegavam ali.

Baixou os olhos, voltou a folhear a revista. Em algum ponto do corpo ou da alma, doía-lhe ver o lugar do qual se despedia e que lembrava, de certo modo, o aposento de um morto, semelhança esta que seria maior, não fosse a indiferença quase rancorosa que o rodeava; pois a despedida iminente, só ele sentia. Os colegas - o equilibrista, aqueles dois que conversavam em voz baixa, todos enfim - sabiam de sua história e não haviam preparado a mínima homenagem. Pelo contrário: fingiam desconhecer tudo, procuravam irritá-lo. Ainda há pouco, quando entrara no camarim dos homens, os que lá se encontravam tinham respondido friamente à saudação dele, como se fizessem um favor. Sentara-se então num banco, apanhara aquela velha revista e começara a folheá-la, sem interesse, para fugir ao contato dessas 'pessoas que já o haviam excluído de seu mundo e que, desde alguns dias, raramente lhe dirigiam a palavra - com uma simplicidade afetada, esforçando-se para dar a entender que sua ausência não seria sentida. Teriam inveja, talvez. Ou desprezo. Que lhe importava, porém? Não precisava delas.
*****
Entretanto, desejaria confessar-lhes que não era espontâneo aquele abandono; que a culpa era da vida ou, pelo menos, de Aline, para quem o nomadismo e o mistério do Circo, dois anos antes, quando fugira com ele e o desposara, conservavam a mesma auréola da infância. Infelizmente - diria, se quisessem escutá-lo e valesse a pena contar - as coisas que a imaginação da mulher tão imperfeitamente esboçara com o passar dos meses haviam perdido o encanto. Por discretas e hábeis alusões, evitando magoá-lo, dava a entender que as freqüentes viagens a cansavam e que o mistério desaparecera. Até que um dia, quando se ultimavam os preparativos para nova viagem, não fora mais possível conter-se: com o olhar distante, forçando tranqüilidade, fingindo ignorar a extrema importância de suas palavras, dissera haver recebido carta do pai e que este o convidara para assumir a gerência de uma loja.

- E eu quero tanto uma casa! - prosseguira. - Não tenho jeito para viver eternamente assim, fazendo e desfazendo malas. Acho que não tenho sangue. E estou cansada. De tudo. De ir de um lugar para outro, de ter medo. Tenho medo que lhe aconteça alguma coisa, que eu fique viúva. Principalmente agora, que vamos ter um filho. Acho que não tenho sangue.

Eram motivos justos, qualquer um reconheceria. E se não fossem, seria isso razão suficiente para que não a atendesse? Não tinha nenhuma importância a doçura com que se expressara?

Mesmo assim - era bom esclarecer isso - ele nem sequer respondera. A profissão alegrava-o, seus números eram apreciados. Logo passaria a ganhar mais. Quando começasse a cansar, a sentir que seus músculos já não eram os mesmos, aí então... E se morresse antes disso?

A pergunta o intrigara. Embora estivesse em forma, seguro de sua arte, não pudera deixar de impressionar-se ante a maneira simples como a esposa falara nisso. Para os que o censuravam, a menção não teria importância; não trabalhavam a mais de dez metros do solo, não zombavam de forças às quais é perigoso querer fugir. Ele, sim. Desafiava-as, desafio temerário. Como não pensar se haveria a mulher notado algum declínio em sua técnica? Ou alguma frieza do público?

Bem sabia quanto lhe custara convencer-se de que a observação não tinha valor, e como ficara surpreso, quando, cerca de um mês depois, ao saber que um seu colega fora acidentado, pusera-se a imaginar com desusada insistência como pudera acontecer aquilo. Não fazia um ano que o vira pela última vez, a mover-se no trapézio com a desenvoltura de quem pisava chão firme; por duas ou três vezes fingira falhar, isso fazia parte de seu número; e seria, talvez, o que o aniquilara: falseara um movimento qualquer e, ao procurar retificá-lo, era tarde demais. Não havia, portanto, que intranqüilizar-se. Não lhe aconteceria tal coisa.

No entanto, como prosseguir, se tivesse de narrar sua história? Como falar, sem parecer covarde, na incomum excitação que se apoderara dele, nas estranhas amarras que'.o haviam tolhido quando iniciara os exercícios na manhã seguinte? Como determinar a natureza daquela ameaça invisível, que parecia envolvê-lo?

Seria igualmente difícil relatar o que lhe sucedera, quando confessara a Aline a impossibilidade de praticar naquela manhã e ela indagara, quase com alegria:

- Você também está com medo?

Sem dar resposta, voltara colérico ao Circo, fizera as acrobacias do costume; no fim de tudo, ao se precipitar sobre a rede e, com um salto elástico, alcançar o solo, sentia-se livre - não sabia de que - mas livre outra vez.

Entretanto, o mesmo não acontecera à mulher. Um temor exaustivo, crescente, estragava seus nervos, devagar; ela começara a ter vertigens, pesadelos, a alimentar-se mal. Ia com freqüência ao Circo; olhava o trapézio, media a distância entre este e o chão e odiava aquelas barras e cordas que lhe disputavam o marido e que, quando menos se esperasse, poderiam traí-lo.

Tornara-se irritadiça, calada, com acessos de raiva e prostração, não ouvindo os argumentos de que tudo isso era nocivo a ambos: seu medo persistia, mais intenso, absorvente, mais forte, até que ele próprio se sentira incapaz de ajuizar qual dos dois tinha razão - e, mal grado sua resistência, terminara por se contagiar daquele temor.
*****
Agora, porém, que se aproximava o instante de sua última exibição, ele estava confiante. Chegara ao fim da aventura. Mais alguns minutos - e começaria outra vida, uma vida sólida, mais calma. Faria os desejos de Aline. Não iria ser vítima de um desastre naquela última noite.

Não era possível. Mas seria realmente outra vida?

Os homens que conversavam tinham saído. O equilibrista deu um último retoque na cabeleira ondulada, trocou um sinal com a mulher através do tabique, escutou sua resposta e seguiu-o. O camarim ficou deserto; e isso fez com que todas as coisas parecessem vivas e mais próximas. Essa impressão oprimiu-o. Ergueu-se, como que para afastá-la de si; atirou a revista sobre o banco no qual estivera sentado, olhou num gesto automático o relógio-pulseira e começou a vestir-se. Tinha que ser assim - pensava. Algum dia, teria que fazer aquilo pela última vez. Decerto, não esperava abandonar tão cedo o espaço e assentar os pés no chão, como qualquer um. Mas já que havia de ser...

Contemplou-se ao espelho. Considerou os membros bem desenvolvidos, o busto musculoso sob a camiseta alvíssima e lançou um olhar para o manto púrpura, com o qual entraria em cena e subiria ao trapézio, de onde o deixaria tombar. Apanhou-o, saiu do camarim. Através de um orifício existente na cortina que dava acesso ao picadeiro, olhou para o público, quase imóvel, a atenção presa no casal de equilibristas, enquanto a banda tocava em surdina.

Pouco depois, estrugiram palmas. Os equilibristas jogaram as bolas para o ar, fizeram uma reverência e retiraram-se correndo. Ele recuou para deixá-los passar; quando voltou a observar pelo orifício, dois palhaços macaqueavam-nos, diziam asneiras e trocavam tapas, enquanto um empregado preparava os trapézios. Quando terminassem, ele entraria. Faltava pouco; alguns segundos, apenas. O coração começou a bater, opresso por desalentada amargura. Tanto tempo, tantos anos de prática, de renúncias. E agora...

Dedos frios e trêmulos tocaram-no, prenderam seu braço. Não se voltou; sabia a quem pertenciam. Num segundo, recordou os finos cabelos de Aline à brisa da noite, a alegria sufocada, culposa, a ânsia de fugir, o'desejo de voltar, seu belo rosto ardente, as mãos frias... E se houvesse voltado? refletiu. Seu rosto ficaria guardado na lembrança, ela nunca me faria mal, não estaria me tirando esses... esses... Foi um erro, foi um erro que eu dei.

Engoliu um soluço. A mão afastou-se e novamente o prendeu, medrosa. Ele sabia que à altura de seu ombro os olhos fitavam-no (talvez houvesse qualquer coisa a dizer). Mas não queria vê-los, nem desejava escutá-la.

Com um aperto na garganta, viu o empresário dirigir-se ao centro do Circo e erguer os braços. Os rumores foram cessando, isolando-se. Fez-se um murmurante silêncio. A voz elevou-se, áspera, pausada, fazendo a apresentação. Por fim, os braços ergueram-se mais e logo caíram, amortecidos. A banda começou a tocar a "Ondas do Danúbio". Ele fechou os punhos, com um gesto rápido desvencilhou-se de Aline, atirou o manto sobre os ombros e dirigiu-se ao picadeiro. Queria acabar o mais depressa possível com aquilo.

A seus pés, junto à grande cortina, a mulher observava-o. Viu-o subir a escadinha, experimentar as cordas, contemplar a platéia, fazer um gesto característico com a cabeça e desfazer-se do manto, que se enfunou suavemente, revolveu-se como grande labareda e caiu. Olhou, instantes depois, para a massa que o aplaudia, enquanto passavam pela sua memória conturbadas histórias lidas em revistas, assistidas no cinema ou contadas por outrem, de domadores estraçalhados no último espetáculo, toureiros fracassados na última corrida... Isso podia acontecer com o esposo - temeu. Era o que toda aquela gente esperava. ~e ele morresse, se despencasse do alto, mergulharia num imenso grito de horror - mas também de prazer. E todos que ali estavam teriam, muitos anos depois, a estranha vaidade de contar que o haviam visto morrer.

Aplausos entusiásticos fizeram-na olhar para cima. Ele estava de pé, sobranceiro, olhando aquela multidão que logo mais o absorveria. A esse pensamento, ela estremeceu. Acabara de reconhecer, de forma vaga e, mesmo assim, inteligível, que também amava no marido a exceção que ele era. Dentro em pouco, quando este descesse do trapézio, estaria anulado; e ela sentia que o amaria menos por isso. Devia desistir de seu intento, permitir que ele cumprisse o seu destino. Aquela música, as luzes, os aplausos, a força que sustinha o corpo e que, por sua vez, dependia dele, deviam conter um fascínio que ela nunca poderia entender. Não era justo, pois, que cedesse aos próprios temores e desejos e arrebatasse ao esposo todas essas coisas de indeterminado e insubstituível valor.

Inesperadamente, os braços soltaram as cordas; o corpo arrancou para o chão e ficou pendente da barra, à qual se prendia pelos tornozelos. Era apenas uma fase de seu trabalho - ela bem o sabia. Sentiu porém violenta frieza no peito; e quando, retesando os músculos, ele se agarrou às cordas e ficou de pé outra vez, ela não mais se lembrava das considerações que interrompera. Desejava, apenas, com irreprimível intensidade, que o espetáculo findasse, quanto antes, para nunca repetir-se.

Ele tirara o lenço, enxugara-se e dera impulso ao trapézio para o número final. A música silenciara, para que se ouvisse outra vez o empresário, com sua entonação trêmula, fingir-se emocionado e tentar incutir nos espectadores a noção do perigo que presidiria o número a ser executado. Quando se calou, os tambores começaram a rufar. A oscilação do trapézio aumentara; ao chegar ao máximo, os tambores pararam, com um último estertor, como se fossem dotados de vida e repentina morte os aniquilasse. Ouvia-se agora, nitidamente, o ranger das cordas sobre o solene silêncio. Chegara o instante. Aline, ao termo de uma oscilação, viu-o projetar-se no espaço e girar um segundo - talvez menos - no ar e distender-se rápido, alva seta dirigida ao solo, com uma barra de metal que vinha ao seu encontro, lenta demais, para alcançá-lo.

Ele sentiu o contato que o restituía à segurança e escutou os aplausos que pareciam vir de muito longe, de um mundo perdido, enquanto se lembrava turvam ente que tudo estava acabado. Mas não! Por mais que o desejasse, não poderia descer naquele instante. Sentia um quase desesperado desejo de apegar-se à aquela glória e uma certeza obscura de que nada poderia vencê-lo. Era senhor de seus movimentos, de sua perícia, nunca o deteriam as forças que esperavam apanhá-lo. Não resistiu, nem procurou resistir à tentação de desafiá-las mais uma vez, zombar do inimigo, mostrar-se invencível. Tornou ao seu trapézio, deu lhe novo impulso e saltou.

Minutos depois, embora já nada tivesse a temer, a mulher, de pé a seu lado, não se animava a dirigir-lhe a palavra. Olhava a chuva. E como não trouxera agasalho, queixava-se intimamente por ter que ficar ali, presa daquele aguaceiro, sentindo que os minutos se tornavam cada vez mais insuportáveis e tristes, pois a recompensa de seu triunfo era apenas uma infinita consternação. Tinha o sereno e cruel sentimento de que o destruíra ou o mutilara, impressão que recrudescia quando escutava as gargalhadas do público, divertindo-se agora com a pontomima final. Era preciso ir embora - pensou; aquela indiferença feria-a e, sem dúvida, magoava-o igualmente: parecia dizer que seu pequeno reinado já começara a ser esquecido. Sim, era preciso ir embora. Aquelas gargalhadas doíam e a involuntária mudez que guardavam entre si aumentava a angústia.

- Seus saltos foram formidáveis - disse, fazendo um esforço. - Quem o viu, não esquecerá nunca.

Não houve resposta. Ela mordeu os lábios e, afastando-se um pouco, estendeu a mão. A chuva amainara.

- Vamos? - perguntou.

Ele continuou mudo, as mãos nos bolsos, o olhar imóvel, preso na noite. Ela tomou-lhe o braço e sentiu, nos músculos tão seus conhecidos, uma resistência que a assustou. Quis ignorar essa linguagem, tentou afastar-se com o homem. Ele permaneceu inabalável. E como se tudo fosse dito através daquele braço, que se fez mais rijo, teve umas contrações que faziam pensar em soluços e foi cedendo, tornando-se flácido, até repousar numa espécie de silêncio, ela compreendeu que a batalha terminara contra os seus desejos, quando já supunha ter a vitória nas mãos e que seria inútil insistir. Do âmago de sua cólera, do sentimento de derrota e quase de rejeição, ascendeu um inesperado orgulho. Calada, apoiou a cabeça no braço do marido, estendeu a mão para seu ombro, sentiu a sua força. Ele cerrou os olhos, atraiu-a a si e inclinou o rosto contra os seus cabelos.

Fontes:
SALES, Herberto (organizador). Antologia de Contos Brasileiros. São Paulo: Ediouro, 2005. p. 39-46.
Imagem = http://campodetrigocomcorvos.zip.net

Balaio de Trovas IV


Trovas inseridas em Letras de Músicas:

Fica comigo esta noite
e não te arrependerás...
Lá fora o frio é um açoite,
calor aqui tu terás!
Adelino Moreira

Eu nasci naquela serra,
num ranchinho à beira-chão,
todo cheio de buraco,
onde a lua faz clarão...
Angelino de Oliveira

Serenô, eu caio, eu caio;
serenô, deixa cair...
serenô da madrugada
não deixou meu bem dormir...
Antônio Almeida

O teu nome principia
na palma da minha mão,
e cabe bem direitinho
dentro do meu coração!
Ary Barroso

Não me dou com terra roxa,
com a seca larga pó...
Na baixada do areião,
eu sinto um prazer maió!
Athos Campos e Serrinha

Com a filha de João
Antônio ia se casar,
mas Pedro fugiu com a noiva
na hora de ir pro altar...
Benedito Lacerda

A gente apenas repete
tudo o que escuta e que vê.
Oi, gente grande, eu queria
ser igualzinho a você!
Billy Blanco

Por entre fotos e nomes,
sem livros e sem fuzil;
sem fome, sem telefone,
no coração do Brasil...
Caetano Veloso

Estava à toa na vida,
o meu amor me chamou
pra ver a banda passar
cantando coisas de amor...
Chico Buarque de Holanda

Minha voz enternecida
já dourou os teus brasões
na expressão mais comovida
das mais ardentes canções..
Davi Nasser

Segredos de um caminhão,
fronteiras por desvendar...
Não diga que eu me perdi,
não mande me procurar!
Dominguinhos e Manduka

Peguei um Ita no Norte
pra vim pro Rio morá...
Adeus, meu pai, minha mãe;
adeus, Belém do Pará!
Dorival Caymi

Dentre as manias que eu tenho,
uma é gostar de você.
Mania é coisa que a gente
tem mas não sabe por quê...
Flávio Cavalcante

Prepare o seu coração
pras coisas que eu vou contar.
Eu venho lá do sertão,
e posso não lhe agradar...
Geraldo Vandré

Minha mãezinha querida,
mãezinha do coração,
te adorarei toda a vida
com uma grande emoção!
Getúlio Macedo

As moças de Vila Bela
não têm mais ocupação
e só vivem na janela
namorando Lampião...
Hervê Cordovil

Só nós dois é que sabemos
quanto nos queremos bem...
Só nós dois é que sabemos,
só nós dois e mais ninguém!
Joaquim T. Pimentel

Minha casa, que tem tudo,
tanta coisa de valor,
minha casa não tem nada;
vive só, sem teu amor!
Joubert de Carvalho

Na alameda da poesia,
chora rimas o luar...
Madrugada... e Ana Maria
sonha sonhos cor do mar...
Juca Chaves

Este é o exemplo que damos
aos jovens recém-casados:
que é melhor se brigar juntos
do que chorar separados!
Lupicínio Rodrigues

Quando estou nos braços teus,
sinto o mundo bocejar...
Quando estás nos braços meus,
sinto a vida descansar!
Luiz Vieira

O nosso amor traduzia
felicidade, afeição,
suprema glória que um dia
tive ao alcance da mão!
Mário Rossi

Depois da curva da estrada
tem um pé de araçá...
Sinto vir água nos olhos
toda vez que passo lá!
Renato Teixeira

Não preciso nem dizer
tudo isto que lhe digo,
mas é muito bom saber
que você é meu amigo.
Roberto e Erasmo Carlos

Muita gente cai à toa,
outros caem com razão...
A saudade é uma garoa
caindo no coração.
Roberto Martins

Olho o sol findando lento,
sonho o sonho de um adulto:
minha voz na voz do vento
indo em busca do teu vulto...
Sérgio Bittencourt

Eis aqui este sambinha
feito de uma nota só...
Outras notas vão entrar,
mas a base é uma só...
Tom Jobim

Tomara que chova logo,
tomara, meu Deus, tomara...
Só deixo o meu cariri
no último pau-de-arara!
Venâncio Curumbá

Esta porta não se fecha,
tem o emblema de uma cruz.
Contra ela não há queixa:
são os braços de Jesus!
Vicente Celestino

Um velho calção de banho,
o dia pra vadear...
Um mar que não tem tamanho
e um arco-íris no ar!
Vinícius de Moraes
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Fonte:
VICTOR, Agenir Leonardo. A Trova: o canto do povo. Maringá: Fac. Maringá, 2003.

Dicas Tilibra (Como Escrever Melhor)



Neste quesito falaremos em outras postagens, baseado no livro Superdicas para escrever bem diferentes tipos de textos, de Edna M. Barian Perrotti.
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Escrever bem é saber expressar idéias clara, rápida e persuasivamente. Uma boa redação revela capacidade de raciocínio e esforço pessoal - mesmo para aqueles que têm mais facilidade.

Para ajudar você a escrever melhor, no trabalho ou na escola, a Tilibra preparou algumas dicas, cedidas gentilmente pelas Empresas Ogilvy & Mather, um dos maiores conglomerados de Comunicação do Brasil e do Mundo.

A Tilibra lhe oferece essas dicas esperando que, com elas, sua autobiografia seja escrita com muitas páginas de sucesso.

1. Tenha sempre em mente que o tempo do leitor é limitado.

O que você escrever deve ser entendido na primeira leitura.

Se você quer que seu trabalho seja lido e analisado por seus superiores, seja breve. Quanto menor o texto, maior a chance de ser lido por eles. Durante a 2ª Guerra Mundial, nenhum documento com mais de uma página chegava à mesa de Churchill.

2. Saiba onde você quer chegar.

Antes de redigir, faça um esboço, listando e organizando suas idéias e argumentos. Ele lhe ajudará a não se desviar da questão central.

Comece parágrafos importantes com sentenças-chave, que indiquem o que virá em seguida.

Conclua com parágrafo resumido.

3. Torne a leitura fácil e agradável.

Os parágrafos e sentenças curtos são mais fáceis de ler do que os longos. Mande telegramas, não romances.

Para enfatizar, sublinhe sentenças e enumere os pontos principais (como fizemos com essas "dicas").

4. Seja direto.

Sempre que possível, use a voz ativa.

Voz Passiva - "Estamos preocupados com que nosso projeto não seja aprovado, o que poderia afetar negativamente nossa fatia de mercado".

Voz Ativa - "Acreditamos que esse projeto é necessário para manter nossa fatia de mercado".

5. Evite "clichês".

Use suas próprias palavras.

Clichê - O último, mas não menos importante...

Direto - Por último...

6. Evite o uso de advérbios vagos.

E não esclarecedores, como "muito", "pouco", "razoavelmente".

Vago - O projeto está um pouco atrasado.

Direto - O projeto está uma semana atrasado.

7. Use uma linguagem simples e direta.

Evite o jargão técnico e prefira as palavras conhecidas. Não esnobe o seu português.

Jargão - Input, Output.

Português comum - Fatos/informações, resultados.

8. Ache a palavra certa.

Use palavras de que você conheça exatamente o significado. Aprenda a consultar o dicionário para evitar confusões.

Palavras mal-empregadas são detectadas por um bom leitor e depõem contra você.

9. Não cometa erros de ortografia.

Em caso de dúvida, consulte o dicionário ou peça a alguém para revisar seu trabalho. Uma redação incorreta pode indicar negligência de sua parte e impressionar mal o leitor.

10. Não exagere na elaboração da mensagem.

Escreva somente o necessário, procurando condensar a informação.

Seja sucinto sem excluir nenhum ponto-chave.

11. Ataque o problema.

Diga o que você pensa sem rodeios. Escreva com simplicidade, naturalidade e confiança.

12. Evite palavras desnecessárias.

Escreva o essencial. Revise e simplifique.

Não Escreva : Plano de Ação
Escreva: Plano

Não Escreva: Fazer um debate
Escreva: Debater

Não Escreva: Estudar em profundidade
Escreva: Estudar

Não Escreva: No evento de
Escreva: Se

Não Escreva: Com o propósito de
Escreva: Para

Não Escreva: A nível de Diretoria
Escreva: Pela Diretoria

13. Evite abreviações, siglas e símbolos.

O leitor pode não conhecê-los.

14. Não se contente com o primeiro rascunho.

Reescreva. Revise. Acima de tudo, corte. Quando se tratar de um trabalho importante, faça uma pausa, entre o primeiro e o segundo rascunho, de pelo menos uma noite.

Volte a ele com um olhar crítico e imparcial.

15. Peça a um colega para revisar seus trabalhos mais importantes.

E dê total liberdade para comentários e sugestões.

Fonte:
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/ednilsom-comunicacao/dicas-tilibra.html#aprender

Caldeirão Literário do Alagoas (Arriete Vilela - Guimaraens Passos - Rosiane Rodrigues)


Arriete Vilela (1949)

POEMA N. 4
Preciso sempre
ir dentro de mim:

confiro-me.

E quando emerjo,
sou rochedo descobrindo-se
com a baixa da maré.

POEMA N. 11

Não quero mais
que o mergulho no mar,
a cara virada para o sol,
o esquecimento:

alma boiando à deriva,
como se fora tábua
despregada do casco
de algum velho barco.

POEMA N. 21

Hoje farejas indícios
de novas trilhas,
velas o teu coração tornado
ríspido, brumoso,
e vais às praças públicas colher
um súbito rosto.

Hoje tenho nos olhos
somente a dança das
estrelas cadentes
fazendo-se mar e poesia:
a minha melhor
porção diária de vida.

POEMA N. 26

Da janela sobre o mar,
sem saudades eu dou adeus
a mim mesma;

faço-me outra,
e nova.

Quero trazer-me alegre
à luz do dia ou da noite,
sossegar-me nas trovoadas,
evitar as esporas do vento
nos meus cabelos.

Inútil esforço,
Sei. Aos meus olhos
cola-se, diariamente,
uma alma de estopa áspera,
embora rara.

POEMA N. 28

Os meninos de rua
Parecem pardais urbanos:

em ligeiros vôos
acham-se em toda parte,
aproveitam restos de toda sorte.

Tropical
é algazarra de suas vozes,
quando se ajuntam;

seus gestos e jeitos,
de uma graça desavisada,
assustam e comovem.

Atentíssimo dever ser
o anjo da guarda dos meninos de rua,
esses tantos pardais urbanos.

POEMA N. 29

Vou me sabendo sem remansos.
Por vezes o mar estronda
dentro de mim
e tempestades medonhas me obrigam
a descer aos porões, a reconhecer-me
nas escotilhas fechadas da minha
incômoda solidão.

Difícil reconhecimento, porém.
Eu já sou muitas.
Meus olhos, é verdade,
ainda se mantêm amorosamente
indiscretos, e minha alma busca
da palavra as seduções segredosas
que me ardem no peito.

Mas já não me deixo
Possuir.
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Biografia da Autora

Arriete Vilela, Poeta e contista, nasceu em Marechal Deodoro, Alagoas, em 1949, é professora de Literatura da Universidade Federal de Alagoas. Já recebeu numerosos prêmios, tendo sido distinguida como mérito cultural da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro com a obra Lãs ao vento.

“Dona de uma obra que tematiza a Palavra e, em conseqüência, a escritura (suas possibilidades, conseqüências e responsabilidades), Arriete Vilela abre seu novo livro com João Cabral de Melo Neto: “Escrever é estar no extremo de si mesmo”, anunciando o que se vai experimentar até alcançar o ponto final indicado na epígrafe: a luta com, na e pela Palavra, para dar corpo a realidades, que, em última instância, são mesmo lãs ao vento: “Palavra: um modo metonímico de me fazer legar uma escritura de esfacelamentos, de recortes da realidade, de bordejos e de desesperanças.”, diz o texto, e dispensa explicações sobre esse “metonímico” que não pôde ser evitado.” Sônia van Dijck

Bibliografia: Eu, em versos e prosa (1970), 15 poemas de Arriete (1974), Recados (1978), Para além do avesso da corda (1980), Remate (1983), Farpa (1988), A rede do anjo (1992), Dos destroços, o resgate (1994), O ócio dos anjos ignorados (1995), Tardios afetos (1994), Vadios afetos (1999), Frêmito (2003), Lãs ao vento (2005).
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Guimaraens Passos (1867-1909)

XXXIV
Na terra estava quando te queria
De todas as mulheres diferente,
E olhando a altura com o fervor dum crente
Em nuvem de ouro a tua imagem via.

Na asa encantada que a paixão me abria
Subi, para buscar-te unicamente,
E em cima estando vi-te, de repente,
Na terra, no lugar donde eu saía.

Olhos de amante, que de tal maneira
Andam cheios de lúcida loucura,
Que assim se perdem na maior cegueira.

E vendo aquilo que não há, decerto,
Sonham longe a ilusão de uma ventura
E não vêem a ventura que têm perto.

Versos de um simples (1891)
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PUBESCÊNCIA
A Emílio de Menezes

Ei-la! Chega ao jardim, que estava triste,
Porque a sua alegria ausente estava,
E ela, que em vê-lo dantes se alegrava,
Agora a toda a tentação resiste:

Seria outra alma, pensa, que a animava?
Por que um desejo que a persegue insiste?
Qualquer cousa que ignora, mas que existe,
Pulsa-lhe ao coração que não pulsava.

Triste cismando segue, e em frente à fonte:
— Um sátira, de cuja boca escorre
Um fino fio d'água transparente —

Ri-se, dos cornos que lhe vê na fronte,
Os lábios cola aos dele, e porque morre
De sede, bebe alucinadamente.

Versos de um simples (1891)

GUARDA E PASSA

... Non me destar, deh! parla basso
Michelangelo

Figuremos: tu vais (é curta a viagem),
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem.

Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono, em meio da romagem,
E exausto dorme ... Tinhas tu coragem
De acordá-lo? responde-me, formosa.

Quem dorme esquece ... pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha;
Mas sofre menos o que sofre em sonho.

Oh! tu, que turvas o palor da neve,
Tu, que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir... Pisa de leve.

Horas mortas (1901)
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VILANCETE

Saudades mal compensadas,
Por que motivo as tomei?
Como agora as deixarei?

Voltas

Hoje por coisas passadas,
E só por vosso respeito,
Varado vejo meu peito,
­Senhora, por Sete Espadas,
Saudades mal compensadas
Destes-me rindo, e não sei
Por que motivo as tomei ...

Busquei-vos por brincadeira,
Aceitastes-me por brinco;
Quis-vos depois com afinco,
Não me quis vossa cegueira.
Vejo-me desta maneira ...
Penas que eu próprio busquei,
Como agora as deixarei?

Horas mortas (1901)
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... DEPOIS

Para mim, pouco importa a recompensa
Dos meus carinhos, quando te procuro;
Dirão que tens um coração tão duro,
Que pedra alguma há que em rijeza o vença.

Dirão que a calculada indiferença
Com que tu me recebes, é seguro
Condão que tens, de todo o meu futuro
Trocar, sorrindo, em desventura imensa.

Dirão... Que importa a mim/ Dá-me o teu leito,
Dá-me o teu corpo, fecha-me nos braços,
Une os lábios aos meus, o peito ao peito,

Que eu nem saiba qual seja de nós dois...
Mentem teus beijos/ mentem teus abraços?
Será tudo mentira... mas depois.

Horas mortas (1901)
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NIHIL

Sem aos outros mentir, vivi meus dias
desditosos por dias bons tomando,
das pessoas alegres me afastando
e rindo às outras mais do que eu sombrias.

Enganava-me assim, não me enganando;
fiz dos passados males alegrias
do meu presente e das melancolias
sempre gozos futuros fui tirando.

Sem ser amado, fui feliz amante;
imaginei-me bom, culpado sendo;
e se chorava, ria ao mesmo instante.

E tanto tempo fui assim vivendo,
de enganar-me tornei-me tão constante,
que hoje nem creio no que estou dizendo.
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XLI

Crianças fomos, como tal, tu, louca
de amores foste e eu, louco, te imitava,
então pelos teus olhos eu me olhava
e tu falavas pela minha boca.

E para nós tão cheia se mostrava
a vida que, por certo, havia de oca
ser para os outros; pena que foi, pouca
fosse para quem rindo a desfrutava.

Os anos foram breves como dias;
os dias como as horas foram breves;
esqueçamos passadas fantasias,

que, se eu fui louco, e se tu foste louca,
já por meus olhos hoje vejo e deves
ver que hoje falas pela tua boca.
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Sobre o Autor
Sebastião Cícero dos Guimarães Passos nasceu em Maceió, Alagoas, no dia 22 de março de 1867, e faleceu em Paris, no dia 9 de setembro de 1909. Trans­ferindo-se para o Rio de Janeiro com menos de vinte anos de idade, ali fez parte da famosa roda boêmia de Olavo Bilac. Exerceu o jornalismo, escrevendo versos, contos e crônicas em diversos periódicos, às vezes com pseudônimo. Foi nomeado arquivista da Secretaria da Mordomia da Casa Imperial, cargo que perderia com a proclamação da República. Foi exilado ao tempo de Floriano Peixoto.

Obra poética: Versos de um simples (1891), Horas mortas (1901) e os versos humorísticos de Pimentões (1897), em parceria com Bilac, com quem assinou também um compêndio de metrificação. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. FONTE: Parnasianismo/ seleção e prefácio de Sânzio de Azevedo. São Paulo: Global, 2006. 153 p. (Col. Roteiro da Poesia brasileira)
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Rosiane Rodrigues (1948)

ESCULTURA

anjo bate asas
horizonte deserto
beijo de chuva
de suave gesto

arco-íris e flechas
contra o tempo
esculpindo amor
a favor do vento

DESEJO

longe,
o coração
pranteia

perto,
acelera
e baqueia

fonte
do desejo
permeia
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QUIMERA

aquela imagem
ainda cintila
como miragem

a voz caliente
na mente destila
enfraquecida

o sonho se inflama
e a realidade
apaga a chama
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TEMPESTADE

nuvem passageira
doce manjar dos céus
altaneira

estrelas ladrilham
passos solitários
trilham

cálida noite
tragar de chuva
açoite
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Sobre a Autora

Rosiane Rodrigues Cavalcanti é natural de Piranhas, Alagoas, nascida em 14 de junho de 1948. Médica psiquiatra e professora universitária, fez cursos d pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Fundação São Camilo de São Paulo.

Poeta e compositora, é membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, Grupo Literário Alagoano, Associação Alagoana de Imprensa, Confederação Internacional de Autores e Compositores, Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais e Sócia Honorária Ada Academia Maceiosense de Letras.

Obras publicadas: O inocente (1967), Alma e Poesia (1977), Uma vida simplesmente (1983), Pêndulo da vida (1985), Chispada (1986), Bico de luz (1990), Piranhas, retrato de uma cidade (1999), Pequeno Dicionário de uma Psiquiatra (2001) e A tentação do anjo (2001).
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Fontes:
Texto e retratos = http://www.antoniomiranda.com.br/
Retrato Guimaraens Passos = http://www.biblio.com.br/

O Nosso Português de Cada Dia (Aluga-se/ Vende-se)



É correta a expressão Aluga-se casas?

Não, não é. O verbo alugar, nesse tipo de frase, deve concordar em número com a palavra que vier depois. Se a palavra estiver no singular o verbo ficará no singular. No entanto, se a palavra estiver no plural, então o verbo ficará no plural. Por isso o correto é dizer Alugam-se casas, com o verbo no plural, pois a palavra casas está no plural. Da mesma forma o correto é:

Aluga-se moto, mas se a palavra moto vier no plural, então fica: Alugam-se motos.
Aluga-se apartamento, mas ALUGAM-se apartamentos.

O mesmo caso acontece com o verbo vender. Assim, o correto é:

Vende-se casa, mas Vendem-se casas;
Vende-se moto, mas vendem-se motos e assim por diante.

Fonte:
Prof. Dr. Ozíris Borges Filho
http://www.movimentodasartes.com.br

Miguel Perrone Cione (O Poeta)

Dadaismo (Hans Arp)
O poeta sempre foi, em todas as épocas, o criador e o mensageiro de uma das mais belas produções artísticas que a espiritualidade e os sentimentos humanos conseguiram idealizar.

Dono da inspiração e da arte, coloca em versos um mundo de emoções; por essa razão, a poesia, que é imortal, atravessa épocas e gerações.

De todas as composições poéticas, à que mais eu me afeiçôo é o soneto.

Com poucas palavras e mais sentimentos, agrada a todos. Não há poeta, mesmo durante o Pré-Modernismo ou no Modernismo, que não tenha sido ou não seja autor de sonetos.

Sonetos não se fabricam. Atrás de um soneto, sempre existe algo de intimista: uma felicidade que está fugindo, uma esperança que empalidece ou a dor de uma saudade.

Socialmente falando de forma global, o poeta sempre sonha com dias melhores e mais humanos.

Dentro do que podemos chamar de sonetismo, há sonetos que são verdadeiras jóias literárias, alguns dos quais nesta minha coluna já tenho mencionado com seus autores.

Vamos hoje focalizar o 4.? Príncipe dos Poetas Brasileiros, Guilherme de Almeida, pré-modernista e modernista, com seu soneto Essa que eu hei de amar:

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia,
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a esta alma escura e fria.

E, quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela...
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz... — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste...

E falou-me de longe: “Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”.

Vejam só que sutileza na maneira de sofrer algo que o destino, talvez, tenha desviado do seu caminho...

Dizem que o poeta é um sonhador... – Sonha, Poeta!, que o mais belo da vida é sonhar...
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Fontes:
http://www.movimentodasartes.com.br/miguelcione/default.htm
Pintura = http://www.grupoescolar.com

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Alvaro Viotti Vieira assume a Cadeira 27. da Academia Sorocabana de Letras


A Academia Sorocabana de Letras dará posse no dia 9 (terça-feira) às 20 horas, ao escritor ÁLVARO VIOTTI VIEIRA como novo titular da Cadeira nº 27, antes ocupada por Mario Barboza de Matos, que tem como Patrono João Simões Lopes Neto. A solenidade será realizada no auditório da Academia de Ensino Superior (Rua Romeu do Nascimento, 777, Jardim Portal da Colina) a partir das 20 horas.

O novo Acadêmico será introduzido no plenário por três Acadêmicos e fará o discurso de elogio do Patrono e do seu antecessor e instituidor da Cadeira nº 27, o Acadêmico Mário Mattos. Este, em maio, por proposta da Diretoria e decisão do Plenário, foi promovido à categoria de Sócio Honorário por haver fixado residência há mais de uma década em Capão do Leão (RS), nas vizinhanças de Pelotas. Historiador e estudioso e animador do Movimento Tradicionalista Gaúcho, Mário Mattos, criador de muitos dos cartazes da Semana do Tropeiro em Sorocaba, atualmente dedica-se intensivamente às artes plásticas e à pesquisa literária.

Este ano, ele dividiu com um dos maiores críticos literários do Rio Grande do Sul, Flávio Loureiro Chaves, o Prêmio 300 Onças, criado pelo Instituto João Simões Lopes Neto, sediado em Pelotas.

Em seguida, será saudado, em nome da Academia, pelo escritor Geraldo Bonadio

Viotti estreou aos 75 anos

Mineiro de Caldas, Álvaro Viotti Vieira estreou como escritor em 1991, com a publicação do livro Dimas, o bom ladrão. Tinha, então, 75 anos. Mantém constante atividade como escritor e, em 2006, foi biografo pelo jornalista Rui Albuquerque no livro Exemplo (A vida do alfaiate e escritor Álvaro Viotti Vieira).

Casado com Maria há 65 anos, tem três filhos (Eduardo, Oscar e Maria Luiza), netos e bisnetos, tem 92 anos.

Os outros membros (em ordem alfabética, suas cadeiras e patronos) são:

ADALBERTO NASCIMENTO – Cadeira 01, Patrono: Euclides da Cunha
ADILSON CEZAR – Cadeira 04, Patrono: Francisco Adolfo de Varnhagen
ADOLFO FRIOLI – Cadeira 08, Patrono: Antônio Francisco Gaspar
ANA MARIA DE SOUZA MENDES – Cadeira 24, Patrono: Lima Barreto
BENEDITO WALTER MARINHO MARTINS – Cadeira 13, Patrono: Machado de Assis
BERNARDINO ANTONIO FRANCISCO – Cadeira 06, Patrono: Castro Alves
CLEIDE RIVA CAMPELO – Cadeira 21, Patrono: Mário de Andrade
ELOISA GONÇALVES LOPES – Cadeira 11, Patrono: Érico Veríssimo
EURIDES BERTONI JÚNIOR – Cadeira 23, Patrono: Vinícius de Moraes
GERALDO BONADIO – Cadeira 09, Patrono: Paulo Setúbal
IRANI ALVES DE GENARO – Cadeira 28, Patrono: José Lins do Rego
JAIRO VALIO – Cadeira 14, Patrono: Ascenso Ferreira
JOÃO ALVARENGA – Cadeira 29, Patrono: José de Alencar
JOÃO DIAS DE SOUZA FILHO – Cadeira 05, Patrono: Rui Barbosa
JOSÉ MONTEIRO SALAZAR – Cadeira 18, Patrono: Aluísio Azevedo
JOSÉ RUBENS INCAO – Cadeira 40, Patrono: Cecília Meireles
JULIANA SIMONETTI – Cadeira 25, Patrono: Clarice Lispector
LOURIVAL MAFFEI – Cadeira 16, Patrono: Oduvaldo Viana Filho
MARIA VIRGÍLIA FROTA GUARIGLIA – Cadeira 26, Patrono: Joaquim Nabuco
MÁRIO CÂNDIDO OLIVEIRA GOMES – Cadeira 07, Patrono: Martins Fontes
MILTON MARINHO MARTINS - Cadeira 35, Patrono: Renato Sêneca de Sá Fleury
MÍRIAM CRIS CARLOS – Cadeira 38, Patrono: Oswald de Andrade
MYRNA ELY ATALLA SENISE DA SILVA – Cadeira 03, Patrono: João Guimarães Rosa
NANCY RIDEL KAPLAN – Cadeira 10, Patrono: Graciliano Ramos
NEIDE BADDINI MANTOVANI – Cadeira 15, Patrono: Barão de Ramalho
OTTO WEY NETTO – Cadeira 37, Patrono: Luiz Gonzaga de Camargo Fleury
SÉRGIO COELHO DE OLIVEIRA – Cadeira 17, Patrono: Gonçalves Dias
SHEILA KATZER BOVO – Cadeira 32, Patrono: Fernando de Azevedo
SÔNIA APARECIDA OLIVEIRA CANO – Cadeira 02, Patrono: Olavo Bilac
VERA RAVAGNANI JOB – Cadeira 33, Patrono: Aluísio de Almeida
ZEILA FÁTIMA PEREIRA GIANGIÁCOMO – Cadeira 31, Patrono: Nelson Rodrigues

Fontes:
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece
Academia Sorocabana de Letras.
www.academiasorocabana.com.br

domingo, 30 de novembro de 2008

O Mundo Curioso da Literatura



Lemony Snicket (Desventuras em Série)

A série de livros conta a história dos irmãos Baudelaire, que perdem os pais em um incêndio e são obrigados a ir morar com seu tio, o Conde Olaf. Ele é um sujeito ganancioso e egoísta, e só está de olho na herança dos garotos. Por isso, apronta poucas e boas com eles, fazendo-os sofrer bastante.

A coleção foi escrita pelo misterioso Lemony Snicket. Esse é o pseudônimo do norte-americano Daniel Handler. Antes de lançar Desventuras em Série, o escritor publicou dois livros para adultos que não obtiveram muito sucesso.

A biografia de Snicket presente na obra diz que ele nasceu numa pequena vila que hoje está submersa. Um povoado aparentemente pacato, mas cercado de segredos. ?Para escrever essas desventuras dos irmãos Baudelaires fui obrigado a conhecer a fundo as artimanhas de vilões como o conde Olaf. Passei anos mergulhado no mundo do crime. Não dos crimes reais, é claro: minha formação é estritamente técnica", completa.

Na época do lançamento do primeiro livro, Handler disse ao público que não era Snicket, apenas o representava. "As crianças ouvem mentiras constantes de adultos, então acho que não foi algo incomum para elas", falou ele sobre o disfarce.

Até 2005, haviam sido lançados 11 dos 13 volumes previstos para a série. Seus nomes são Mau Começo (The Bad Beginning), A Sala dos Répteis (The Reptile Room), O Lago das Sanguessugas (The Wide Window), Serraria Baixo-Astral (The Miserable Mill), Inferno no Colégio Interno (The Austere Academy), Elevador Ersatz (The Ersatz Elevator), A Cidade Sinistra dos Corvos (The Vile Village), O Hospital Hostil (The Hostile Hospital), O Espetáculo Carnívoro (The Carnivorous Carnival), O Escorregador de Gelo (The Slippery Slope) e The Grim Grotto (sem título em português).

Os livros foram traduzidos para 39 idiomas e venderam 27 milhões de cópias em todo mundo.

Foram os primeiros livros a tirarem a série Harry Potter do alto da lista de best-sellers infantis do jornal The New York Times.

Em 2004, foi lançada a adaptação da série para o cinema. Desventuras em Série levou oito meses para ser feito e custou 125 milhões de dólares. Jim Carrey e Meryl Streep estão no elenco.
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Bram Stocker (Drácula)

Durante o século XVIII, lendas gregas e sérvias falavam sobre vampirismo. Isso despertou a imaginação do escritor irlandês Bram Stoker (1847-1912). Primeiro ele pensou num personagem chamado Conde Vampiro. Até que um amigo, professor de história, falou de Vlad Tepes, herói romeno do século XV, famoso por sua crueldade. O personagem do livro, lançado em 1897, logo se transformou em Conde Drácula.

Parte da ação do romance Drácula, de Bram Stoker, é passada na cidade romena de Bistrita. Para aproveitar a fama, a cidade batizou um dos seus hotéis de ?Coroa de Ouro?, como no livro, e os restaurantes oferecem o cardápio Jonathan Harker, homenagem ao corretor de imóveis inglês que, na imaginação de Stoker, se hospedou no Castelo de Drácula. O cardápio consiste em espeto de carne, toucinho e cebola, temperado com pimenta vermelha, vinho da região, frios, queijos e crepe com geléia.

Também em Bistrita foi fundada a Sociedade Transilvânia Drácula. Para atrair turistas, a entidade criou três roteiros do Drácula Tour. Um deles, que inclui uma noite inteira num cemitério, dá o título de membro da sociedade aos corajosos.

Na cidade de Bran, um castelo atrai turistas usando o apelo de Drácula, embora Vlad Tepes nunca tenha vivido ali. Foi construído em 1377. A única relação é que o castelo pode ter sido atacado por Vlad. Um turista americano morreu do coração ali quando funcionários se escondiam para dar sustos nos visitantes. A brincadeira acabou.

O primeiro Congresso Mundial de Drácula foi realizado em Bukovina, a 40 quilômetros de Bistrita, em maio de 1995. Reuniu 300 participantes.

Vlad Tepes

Vlad Tepes (1431-1477) nasceu na Transilvânia e governou outra região da Romênia, a Valáquia, entre 1448 e 1476. Virou herói nacional na luta contra os turcos. Seu pai, também chamado Vlad, fora nomeado cavaleiro da Ordem do Dragão.

Dragão em romeno é Dracul, a mesma palavra para "demônio". O sufixo "a" significa "filho" em romeno. Tepes, filho de Dracul, virou Dracula.

Tepes era conhecido também como "o empalador". Na empalação, o condenado era espetado, pelo ânus ou pelo umbigo, em uma estaca fincada no chão. A vítima tinha o corpo atravessado até morrer.

Vlad Tepes bebia sangue? Os romenos repelem essa pergunta. É uma ofensa a um herói nacional. Mas as lendas existem mesmo. São várias versões. Uma diz que Vlad Tepes gostava de molhar o pão no sangue de suas vítimas. Outra afirma que, nos três últimos anos de vida, ele bebia o sangue das garotas virgens crendo que isso aumentaria sua força. Aparentemente, os malfeitos do romeno foram muito exagerados por seus inúmeros adversários.

Morto em combate pelos turcos, em 1477, Vlad Tepes teve a cabeça cortada. O corpo foi enterrado num monastério, construído em 1519. Fica no meio de um lado de Snagov, de difícil acesso. O túmulo de Vlad Tepes está localizado em frente ao altar. Há quem diga que os ossos teriam sido roubados dali.

Fontes:
http://guiadoscuriosos.ig.com.br/
Imagem Desventuras em Série = http://universoliterario.wordpress.com/
Imagem Drácula = http://kimbofo.typepad.com/

Alcântara Machado (Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria)



O trenzinho recebeu em Maguari o pessoal do matadouro e tocou para Belém. Já era noite. Só se sentia o cheiro doce do sangue. As manchas na roupa dos passageiros ninguém via porque não havia luz. De vez em quando passava uma fagulha que a chaminé da locomotiva botava. E os vagões no escuro.

Trem misterioso. Noite fora noite dentro. O chefe vinha recolher os bilhetes de cigarro na boca. Chegava a passagem bem perto da ponta acesa e dava uma chupada para fazer mais luz. Via mal-e~mal a data e ia guardando no bolso. Havia sempre uns que gritavam:

- Vá pisar no inferno!

Ele pedia perdão (ou não pedia) e continuava seu caminho. Os vagões sacolejando.

O trenzinho seguia danado para Belém porque o maquinista não tinha jantado até aquela hora. Os que não dormiam aproveitando a escuridão conversavam e até gesticulavam por força do hábito brasileiro. Ou então cantavam, assobiavam. Só as mulheres se encolhiam com medo de algum desrespeito.

Noite sem lua nem nada. Os fósforos é que alumiavam um instante as caras cansadas e a pretidão feia caía de novo. Ninguém estranhava. Era assim mesmo todos os dias. O pessoal do matadouro já estava acostumado. Parecia trem de carga o trem de Maguari.
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Porém aconteceu que no dia 6 de maio viajava no penúltimo banco do lado direito do segundo vagão um cego de óculos azuis. Cego baiano das margens do Verde de Baixo. Flautista de profissão dera um concerto em Bragança. Parara em Maguari. Voltava para Belém com setenta e quatrocentos no bolso. O taioca guia dele só dava uma folga no bocejo para cuspir.

Baiano velho estava contente. Primeiro deu uma cotovelada no secretário e puxou conversa. Puxou à toa porque não veio nada. Então principiou a assobiar. Assobiou uma valsa (dessas que vão subindo, vão subindo e depois descendo, vêm descendo), uma polca, um pedaço do Trovador. Ficou quieto uns tempos. De repente deu uma cousa nele. Perguntou para o rapaz:

- O jornal não dá nada sobre a sucessão presidencial?

O rapaz respondeu:

- Não sei: nós estamos no escuro.

- No escuro?

- É.

Ficou matutando calado. Claríssimo que não compreendia bem. Perguntou de novo:

- Não tem luz?

Bocejo.

- Não tem.

Cuspada.

Matutou mais um pouco. Perguntou de novo:

- O vagão está no escuro?

- Está.

De tanta indignação bateu com o porrete no soalho. E principiou a grita dele assim:

- Não pode ser! Estrada relaxada! Que é que faz que não acende? Não se pode viver sem luz! A luz é necessária! A luz é o maior dom da natureza! Luz! Luz! Luz!

E a luz não foi feita. Continuou berrando:

- Luz! Luz! Luz! Só a escuridão respondia.

Baiano velho estava fulo. Urrava. Vozes perguntaram dentro da noite:

- Que é que há?

Baiano velho trovejou:

- Não tem luz!

Vozes concordaram:

- Pois não tem mesmo.
*
Foi preciso explicar que era um desaforo. Homem não é bicho. Viver nas trevas é cuspir no progresso da humanidade. Depois a gente tem a obrigação de reagir contra os exploradores do povo. No preço da passagem está incluída a luz. O governo não toma providências? Não torna? A turba ignara fará valer seus direitos sem ele. Contra ele se necessário. Brasileiro é bom, é amigo da paz, é tudo quanto quiserem: mas bobo não. Chega um dia e a cousa pega fogo.

Todos gritavam discutindo com calor e palavrões. Um mulato propôs que se matasse o chefe do trem. Mas João Virgulino lembrou:

- Ele é pobre como a gente.

Outro sugeriu uma grande passeata em Belém com banda de música e discursos.

- Foguetes também?

- Foguetes também.

- Be-le-za!

Mas João Virgulino observou:

- Isso custa dinheiro.

- Que é que se vai fazer então? Ninguém sabia. Isto é: João Virgulino sabia. Magarefe-chefe do matadouro de Maguari, tirou a faca da cinta e começou a esquartejar o banco de palhinha. Com todas as regras do ofício. Cortou um pedaço, jogou pela janela e disse:

- Dois quilos de lombo!

Cortou outro e disse:

- Quilo e meio de toicinho!

Todos os passageiros magarefes e auxiliares imitaram o chefe. Os instintos carniceiros se satisfizeram plenamente. A indignação virou alegria. Era cortar e jogar pelas janelas. Parecia um serviço organizado. Ordens partiam de todos os lados. Com piadas, risadas, gargalhadas.

- Quantas reses, Zé Bento?

- Eu estou na quarta, Zé Bento!

Baiano velho quando percebeu a história pulou de contente. O chefe do trem correu quase que chorando.

- Que é isso? Que é isso? É por causa da luz?

Baiano velho respondeu:

- É por causa das trevas!

O chefe do trem suplicava:

- Calma! Calma! Eu arranjo umas velinhas.

João Virgulino percorria os vagões apalpando os bancos.

- Aqui ainda tem uns três quilos de colchão-mole!

O chefe do trem foi para o cubículo dele e se fechou por dentro rezando. Belém já estava perto. Dos bancos só restava a armação de ferro. Os passageiros de pé contavam façanhas. Baiano velho tocava a marcha de sua lavra chamada Às Armas Cidadãos! O taioquinha embrulhava no jornal a faca surripiada na confusão.

Tocando a sineta o trem de Maguari fundou na estação de Belém. Em dois tempos os vagões se esvaziaram. O último a sair, foi o chefe muito pálido.
*
Belém vibrou com a história. Os jornais afixaram cartazes. Era assim o titulo de um: Os Passageiros no Trem de Maguari Amotinaram-se Jogando os Assentos ao Leito da Estrada. Mas foi substituído porque se prestava a interpretações que feriam de frente o decoro das famílias. Diante do Teatro da Paz houve um conflito sangrento entre populares.

Dada a queixa à polícia foi iniciado o inquérito para apurar as responsabilidades. Perante grande número de advogados, representantes da imprensa, curiosos e pessoas gradas, o delegado ouviu vários passageiros. Todos se mantiveram na negativa menos um que se declarou protestante e trazia um exemplar da Bíblia no bolso. O delegado perguntou:

- Qual a causa verdadeira do motim?

O homem respondeu:

- A causa verdadeira do motim foi a falta de luz nos vagões.

O delegado olhou firme nos olhos do passageiro e continuou:

- Quem encabeçou o movimento?

Em meio da ansiosa expectativa dos presentes o homem revelou:

- Quem encabeçou o movimento foi um cego!

Quis jurar sobre a Bíblia mas foi imediatamente recolhido ao xadrez porque com a autoridade não se brinca.

Fonte:
SALES, Herberto (org.). Antologia de Contos Brasileiros. 9.ed. SP: Ediouro, 2005. p.109-113.
Imagem = http://antonini-eunice.spaces.live.com/

Folclore do Norte e Sul (Pé de Garrafa)


O equilíbrio espiritual está em um só ponto e não em vários. Essa é a lição que nos passa o Pé-de-Garrafa. Além disso, mostra que todos nós temos uma faceta "saltadora", que nos torna eternos peregrinos pela vida.

O Pé-de-Garrafa é um ente misterioso, um ser feérico que vive nas matas do centro e meio-norte do país. Raramente é visto, mas sempre se ouvem seus gritos estridentes, ora amedrontadores, ora familiares, capazes de confundir os caçadores, que acreditam ouvir os gritos de um companheiro em apuros. Em algumas ocasiões o pobre caçador enlouquece com os gritos arrepiantes.

Ouve-se muito falar dele no Paraná, em Goiás, no Piauí e no Tocantins, vivendo nas matas e capoeiras. Ele tem muitos outros nomes, como Cão-Coxo, Capenga, Cambeta e Pé de Quenga. Em Goiás, dizem que ele é negro e com o umbigo branco. Tem um chifre só na cabeça, um só olho, uma única mão com garras e um pé só, redondo.

CARACTERÍSTICAS:

Muitas pessoas que já o viram, nos dão outras características:

1. Ele é uma criatura semelhante à um homem, que pode apresentar-se de pele alva ou na cor negra. Pode surgir com dois ou um braço, porém é dotado de uma só perna. Deixa um rastro que se assemelha ao fundo de uma garrafa, perfeitamente redondo.

Algumas pegadas atribuídas supostamente a esta entidade, encontradas no estado de Piauí, mostra que o Pé-de-Garrafa deve ser muito pesado, deixando marcas profundas na terra dura.

2. Ele costuma gritar alto para informar o caminho na mata, mas as pessoas não devem lhe responder, pois caso contrário, ele o seguirá.

3. Segundo alguns, ele possui um ponto vulnerável, o seu umbigo branco, que deve ser atingido para se alcançar à fuga.

Câmara Cascudo o descreve:
O Pé-de-Garrafa é um ente misterioso que vive nas matas e capoeiras. Não o vêem ou o vêem raríssimamente. Ouvem sempre seus gritos estrídulos ora amedrontadores ou tão familiares que os caçadores procura-nos, certos de tratar-se de um companheiro transviado. E quanto mais rebuscam menos o grito lhes serve de guia, pois, multiplicado em todas as direções, atordoa, desvaira e enlouquece. Os caçadores terminam perdidos ou voltam à casa depois de luta áspera para reencontrar a estrada habitual. Sabem tratar-se do Pé-de-Garrafa porque este deixa sua passagem assinalada por um rastro redondo, profundo, lembrando perfeitamente um fundo de garrafa. Supõe que o singular fantasma tenha as extremidades circulares, maciças, fixando vestígios inconfundíveis. Vale Cabral , um dos primeiros a estudar o Pé-de-Garrafa, disse-o natural do Piauí, morando nas matas como o Caapora e devia ser de estatura invulgar a deduzir-se da pegada enorme que fica na areia ou no barro mole do massapé”.

Nosso Pé-de-Garrafa é similar ao Fachan, um elfo que vive na Irlanda e nas Terras Altas do Oeste da Escócia. Sua figura também é espantosa, com uma mão que sai do meio do peito, uma perna que brota do tronco, com um olho no meio do rosto e com grandes dentes. Apesar desse aspecto tão horrível, se diz que ele possui a propriedade de absorver todas as energias negativas dos seres impregnados pela perversidade e corrupção, transformando-as em energias positivas.
Quem viu, não quer ver!

No escuro da noite sem lua.
Por entre as árvores da mata.
Um grito ecoa.
Como um gemido agonizante.
Seus passos soam tuc, tuc, tuc, como pilão socando o chão.
Dizem matutos experientes que um Pé de Garrafa quando pega uma pessoa espanca-o drasticamente...estraçalha-o.
Pequenos e horripilantes, suas pernas são unidas numa só, tomando a forma de uma garrafa.
Morenos cor de terra, cabelos desgrenhados e bocarra na cara de mau, moram sob as locas das grandes pedras.
Se alimentam de animais e ervas.
E só aparecem a noite.
Huuuuuuu!!!!
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Folclore Paulista (Ipupiara, o demonio da água)



Os sentimentos que procedem do espaço mais profundo e recôndito de nossas mentes são manifestações de tudo o que expressa o Ipupiara. Inclusive os piores e mais ruins.

O Ipupiara é um homem-marino, homem-peixe ou homem-sapo, inimigo dos pescadores e lavadeiras. O cronista português Pero de Gandâvo nos contou que, no ano de 1564, um monstro marinho, que os índios chamavam de Ipupiara, tinha sido morto nas costas de São Vicente, no litoral do estado de São Paulo.

Outro cronista colonial, o jesuíta Fernão Cardim, dizia que tais criaturas tinham boa estatura, mas eram muito repulsivas. Matavam as pessoas abraçando-as, beijando-as e apertando-as até o sufocamento. Tais monstros, também devoravam os olhos humanos, narizes, ponta dos dedos dos pés e das mãos e as genitálias.Existiam também na forma feminina, possuindo cabelos longos e eram muito formosas. O Ipupiara era, segundo estes cronistas, um ser "bestial, faminto, repugnante, de ferocidade primitiva e brutal".

A LENDA...

Conta a lenda brasileira que,em São Vicente, no ano de 1564, a linda escrava índia, IRECÊ ao ir à praia a noite, para um de seus encontros com o jovem ANDIRÁ, que vinha ao continente de canoa, deparou com um animal marinho gigantesco, com cerca de três metros de altura, com uma grande cabeça, bigode, braços longos, dentes pontiagudos e pés de barbatanas. IRECÊ encontrou a canoa de seu amado no mar, vazia.

Esse animal, a princípio, foi descrito como sendo CURUPIRA - o fantasma do mar, que foi morto pelo capitão Baltazar Ferreira assistente do Capitão-Mór, ao acudir o clamor de IRECÊ.

Os indios identificaram o animal como sendo IPUPIARA o demônio da água. Diziam que ele habitava o espaço entre a velha "Casa de Pedra" ( primeira construção de alvenária do Brasil) e a Praia de São Vicente (gonzaguinha). O fato, misto de horror e fantasia, teria sido comentado por todo o Brasil e até por estrangeiros de vários paises. Entretanto, ninguém jamais falou da única vítima presumível do IPUPIARA o vicentino ANDIRÁ, que deixou para trás sua canoa solitária à beira mar e o coração partido de IRECÊ. Como toda lenda, a do IPUPIARA parte de algumas premissas verdadeiras. Estudiosos e historiadores entendem que o tal monstro não passava de um leão marinho, desviado pelas águas frias do inverno que, desavisado, veio parar nas praias brasileiras.

No estado do Bahia e Goiás, ainda sobrevive a crença do "negro d'água", homens de cor negra que respiram debaixo da água e vem à tona em determinadas noites para assustar e afogar os humanos. Dizem que sua morada é uma cidade subaquática, onde existem riquezas, principalmente diamantes. Em lugar das mãos e dos pés, possuem membranas semelhantes a pés de pato.

No Xingu existe a crença do homem-sapo, que costuma assustar, raramente matar, os indígenas Seu corpo é coberto de escamas, que o protegem das flechas, mas o rosto é o de um sapo. Sua boca é enorme e babenta e flutua nos remansos como se fosse um jacaré.

Quando não tem alimento, o homem-sapo devora os próprios filhos. Anda aos saltos como uma rã, dando pulos de até cinco metros, na água ou na terra.

É quando se agarra firmente às costas dos pescadores, derovando-lhe preferencialmente a cabeça da vítima.

O homem-sapo só teme as tempestades e os ventos e é quando vai para os rios. Lá fica mergulhado até o tempo melhorar.

No mundo inteiro, o conhecimento indígena relativo aos animais, tem nos conduzido e ainda conduzirá à descoberta de novas espécies que a ciência desconhecia. Entretanto, algumas crendices populares fazem exageros óbvios, contendo na maioria das vezes elementos sobrenaturais altamente ressaltados. Podemos nos perguntar se talvez os monstros da mitologia antiga não contribuíram um pouco na adulteração progressiva da descrição de alguns animais. Tentando explicar o processo de formação das lendas, o filósofo Evêmero, já no século 4 a.C., defendia este ponto de vista. Lendas são deformações de uma realidade e foram poetizadas através das gerações, até acabarem deturpando consideravelmente a realidade prosaica.

Um dos argumentos que reforçam esta tese é que a maioria destes animais fabulosos, se apresentam como híbridos impossíveis, pois são formados pela justaposição absurda de fragmentos anatômicos de diferentes animais , inclusive o homem. Acredito, que os seres que entram nestas composições híbridas, foram cuidadosamente escolhidos pelas qualidades que simbolizam. Se nos deparamos com um monumento de faraó com corpo de leão, sabemos que nele está contido a intenção de atribuir a este monarca as qualidades de rei do deserto. Já a deusa com cabeça de vaca, simboliza a fertilidade. Estamos aqui diante de uma teoria alegórica, mas que dá o que pensar. Hoje, também o cristão acredita que o Espírito Santo tem realmente a forma de uma pomba. Para criarmos um guardião de tesouros, também pensaríamos na força do leão, na sagacidade da águia, na maldade da serpente e na dissimulação do escorpião.

Mas há, entretanto, alguns, como os unicórnios, as sereias, os pigmeus, a fauna de gnomos e duendes, a fênix, o leviatã, entre outros, que perduram através dos milênios e pela sua coerência anatômica nos dá a esperança de encontrá-los na natureza, feito que aliás, muitos já obtiveram.

Bibliografia
CASCUDO, Luís da Camara – Geografia dos Mitos Brasileiros. Belo Horizonte/ São Paulo, edit. Itatiaia Ltda/Edusp, 1983.
HOLANDA, Sérgio B. de – Raízes do Brasil. 17ª edição. Rio: José Olympio editora, 1984.
KAPPLER, Claude – Monstros, Demônios e Encantamentos no Fim da Idade Média. 1ª edição brasileira. São Paulo: Liv. Martins Fontes editora, 1994.
Inferno Atlântico – Demonologia e Colonização (séculos XVI – XVIII). São Paulo: Cia. das Letras, 1993.
Planeta - Editôra Três. Em busca da Serpente Marinha, por Bernard Heuvelmans

Fonte:
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendaipuiara.htm

Antônio Carlos Tórtoro (Um Poeta e Sua Poesia)

O Poeta Viajeiro (Gustave Moureau)
O dia está na minha frente esperando para ser o que eu quiser. Tudo depende só de mim !”
Charles Chaplin


O cirurgião dentista Cavalheiro Verardo, poeta, escritor e trovador de São Vicente de Minas, sabe que “poesia é terapia / que envolve e explica / nossas carências, lembranças, ilusões / nossos amores, sonhos, dissabores; / tomando por base / cada saudade que sentimos / e cada esperança que temos “.

E sabedor disso tudo, tal qual “ um grande caminhão / de coleta de lixos recicláveis / passando em nossas vidas ... / Ele passa recolhendo : / cacos de sonhos , / pedaços de ilusões , / e esperanças com datas vencidas “ , e escreve um livro com 36 poemas : Um poeta e sua poesia.

Num mundo em que a violência e o desamor tomam conta das páginas de jornais e revistas , das telas das tevês e dos monitores dos computadores acessados via Internet, a poesia de Verardo é um oásis no qual podemos beber da mais pura e adolescente poesia, mas que é, ao mesmo tempo, madura, concreta, originada na realidade da vida.

Os versos do Cavalheiro Verardo, livres, ou presos às rimas e métricas de sonetos, compõem uma teia de vida, entrelaçando histórias, danças, risadas, esperanças, cinzas, saudades, paz, surpresas, felicidade, amor, lágrimas, aniversários, festas, e me fazem lembrar as palavras de sua irmã, Laudicéia, escritas na contracapa de um outro seu livro “Amor e poesia”: “falar dele é lembrar-me de seu jeito manso, mineiro; de seus olhos que muitas vezes procuram explicações para as mais simples coisas; de seus cabelos brancos que traduzem a clareza de seus sonhos que na adolescência tivera e muitos não realizou”.

Enfim, para quem continua, apesar de tudo, acreditando na aurora de um novo dia, vale a pena tentar desvendar, nas entrelinhas, todo o mistério e beleza que permeiam as relações entre um poeta e sua poesia, entre o poeta e o mundo que o rodeia, e, a partir daí, empenhar-se em tornar o mundo melhor: só depende de nós.

Fonte:
http://www.movimentodasartes.com.br/arl/pop/051203a.htm
Pintura = http://nonas-nonas.blogspot.com/

O Nosso Português de Cada Dia (Passar Daí)

Segundo o Dicionário Houaiss, o verbo passar possui 77 significados diferentes, incluídos nesse número os regionalismos.

Quando alguém diz a outra pessoa “passarei daí em 15 minutos”, esse verbo foi utilizado no sentido de “fazer-se presente, em deslocação; circular” segundo o Houaiss. Esse sentido é o de número 15 segundos esse mesmo dicionário.

Ainda esse dicionário dá os seguintes exemplos de frases: “o trem costuma passar por aqui às 9h35m” e “passou por São Paulo e seguiu para o Paraná”.

Observemos que nesses exemplos não se usou a palavra DE + AÍ = DAÍ. E por quê? Porque após o verbo passar, no sentido de que estamos tratando aqui, a palavra correta para ser usada é POR, classificada como preposição pela gramática normativa.

Portanto, está errada a expressão: passarei daí em 15 minutos. Devemos dizer “passarei por aí em 15 minutos”.

Fonte:
Prof. Dr. Ozíris Borges Filho.
http://www.movimentodasartes.com.br/

Igor Rykovski (Adão)

O Jogo (The game), de Henryette Weijmar Schultz.
Ano 2130, os robôs fazem parte do cotidiano das pessoas. A busca incessante pela inteligência artificial alavancou a produção tecnológica de tal forma que 95% da população mundial tinham algum robô em sua casa ou em seu corpo. O começo foi com órgãos artificiais implantados, máquinas controladas pelos pulsos cerebrais. Depois vieram os primeiros robôs autônomos que seguiam uma lógica pré-definida. Vieram os robôs que aprendiam, moldando sua lógica conforme sua experiência. Até que veio um robô chamado Mark.

A FIDE (Federação Internacional de Xadrez) adotara regras cada vez mais rígidas, pois houve inúmeras fraudes relacionadas às máquinas. Os campeonatos mundiais exigiam a ausência total de computadores e robôs no ambiente de jogo. Como um cérebro artificial nunca funcionou em um humano até o momento, a cabeça era escaneada para verificar se não havia ali um processador ao invés do órgão. Não que a diferença entre um humano e um robô não pudesse ser notada de cara, porém o procedimento já era utilizado prevendo novidades.

Mark era um invento secreto do CPM(Conselho Político Mundial), um robô único, o primeiro com um cérebro artificial idêntico a um humano. Em sua memória fora gravado a simulação de reações humanas a fatos, desde uma coceira no nariz se houvesse algo o irritando, até sorrisos com o êxito. Externamente seu corpo era idêntico a um humano, era aquecido a 36 graus, e o sistema de resfriamento era igual ao humano, o suor. Seu sistema se alimentava como os humanos e ele tinha baterias com autonomia para meses sem alimento.

Mark também aprendia como os outros, porém, não tinha as limitações que o impedia de tomar decisões prejudiciais aos humanos, programa comum nos robôs. Seus criadores instalaram nele um dispositivo remoto que desativaria seu cérebro caso necessário. Ele fora submetido a uma série de situações cotidianas, foi com cuidado integrado à sociedade como um humano.

Depois de dois anos vivendo como homem, Mark havia aprendido inúmeras coisas com sua curiosidade aguçada. Mesmo não tendo o programa para ser inofensivo aos humanos, não havia nenhum registro de agressividade ou animosidade. Ele ficara mais gentil e sorridente com o tempo, surpreendeu os técnicos da CPM quando resolveu comprar um cachorro e fez alguns amigos, em geral vizinhos de sua casa numa rua de classe média de Los Angeles.

Mark arrumara emprego em uma loja de roupas masculinas. Foi promovido em 6 meses, pois rapidamente se tornara o funcionário mais capaz da loja. A elegância com que se vestia e vestia os outros chegava a intrigar, afinal sua memória original não tinha nada sobre isso. Nas folgas ele aprendeu a jogar xadrez, freqüentando os Shoppings Center da cidade, local aonde enxadristas se reuniam para jogar. Com o tempo ele passou a ser um dos melhores jogadores. Os outros o encorajavam a participar de um campeonato da FIDE, pois seu xadrez era muito bom.

Porém Mark achava injusto sendo um robô, participar como homem. Ele sabia das regras que a FIDE impunha aos inscritos, restringindo o uso de máquinas de qualquer espécie. Mas o xadrez era o início do auto-questionamento em relação a sua existência. Poderia ser ele um novo humano, um novo ser que habitaria a terra em conjunto com os homens? Ele não pensava como um robô, os robôs eram totalmente dependentes de comandos, se ocorresse algo diferente do seu entendimento eles simplesmente paravam estáticos até que um humano os orientasse. Ele não, ele era independente. Ele sentia tristeza por não ser um homem, sentia um vazio existencial, sentia medo de falhar e ser desativado. Por isso procurava sempre ser gentil, sempre obedecer às leis humanas.

Com o tempo Mark passou a buscar novos desafios no xadrez, afinal ninguém iria puni-lo por ganhar, no tabuleiro ele não tinha medo, não sentia tristeza. Tomou a decisão de sua existência inscrevendo-se no torneio estadual. Era recheado de jovens estudantes que não foram páreo para ele em nenhum momento. Venceu todas as partidas que disputou e chamou a atenção dos dirigentes da FIDE que o convidaram para participar do campeonato mundial em Nova York.

Mark pediu licença de uma semana no trabalho para participar do torneio que contaria com grandes mestres do mundo todo. Ele participou das seletivas com os campeões regionais alcançando a fase final. Venceu 18 partidas de vinte a serem disputadas, empatou uma e jogaria contra o russo Pavlov o maior mestre em atividade, que tinha vencido as 19 partidas que disputou.

O jogo foi fantástico, a multidão de pessoas assistindo olhavam maravilhadas para aquele novo mestre enfrentando o maior deles. O fim de jogo foi com torre e dois peões para cada um. Mark com as pretas, estava encurralado pelo rei e peões de Pavlov que tentava de todo jeito com sua torre dar o mate. As combinações aconteceram e era o último lance de Pavlov. Ele devia mover a torre até c8 dando enfim o mate em Mark.

Porém, na hora de mexer a peça, Pavlov tocara antes em seu rei sem a intenção de movê-lo. Um movimento do rei inverteria o jogo e deixaria Mark a duas jogadas do mate. Pavlov olhou para Mark com semblante receoso, olhou para o juiz que indicou que o rei deveria ser movimentado. No momento em que Pavlov movia sua mão até o rei, Mark derrubou o seu desistindo da partida. Pavlov com um sorriso aprovou a atitude e estendeu a mão para cumprimentar Mark que esquecera que era um robô e aceitou a derrota como humano.

Ali ficou claro para ele seu papel na existência, era mostrar a humanidade o quanto suas máquinas eram humanas, passíveis de erro e dignas de respeito.

Mark pediu sua desclassificação do campeonato aos juízes alegando que trapaceou. Fora questionado sobre sua trapaça.

- Utilizei uma máquina para jogar, devo ser desclassificado.

- Mas como? Todos foram escaneados, que máquina você utilizou? –
questionou um dos juízes.

- Eu.

- Você?

- Sim, sou um robô.

- Impossível!

- Sim, sou um robô da CPM, um projeto secreto.

Naquele instante ele fora desativado pela CPM, o que pareceu um desmaio às pessoas. O vice-campeonato foi confirmado para aquele mestre de passagem tão meteórica pelo xadrez. Suas últimas palavras foram desconsideradas pois técnicos envolvidos em seu projeto passaram por médicos atribuindo o fato a um devaneio momentâneo aos juízes. Ele foi declarado oficialmente morto como homem, Mark, o Adão.

Igor Rykovski
São Paulo/SP - Brasil, 29 anos, Escritor Semi-profissional

Fontes:
Publicado no Recanto das Letras em 29/11/2008
http://www.recantodasletras.net/contosdeficcaocientifica/
Imagem = http://aladerei.e-xadrez.com