quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Adriana Falcão (O doido da garrafa)



Ele não era mais doido do que as outras pessoas do mundo, mas as outras pessoas do mundo insistiam em dizer que ele era doido.

Depois que se apaixonou por uma garrafa de plástico de se carregar na bicicleta e passou a andar sempre com ela pendurada na cintura, virou o Doido da Garrafa.

O Doido da Garrafa fazia passarinhos de papel como ninguém, mas era especialista mesmo em construir barquinhos com palitos. Batizava cada barco com um nome de mulher e, enquanto estava trabalhando nele, morria de amores pela dona imaginária do nome. Depois ia esquecendo uma por uma, todas elas, com exceção de Olívia, uma nau antiga que levou dezessete dias para ser construída.

Batucava muito bem e vivia inventando, de improviso, músicas especialmente compostas para toda e qualquer finalidade, nos mais variados gêneros. Uai aí aquela da mulher de blusa verde atravessando a rua apressada, e o Doido da Garrafa imediatamente compunha um samba, uma valsa, um rock, um rap, um blues, dependendo da mulher de blusa verde, do atravessando, da rua e do apressada. Geralmente ficava uma obra-prima.

Gostava muito de observar as pessoas na rua, do cheiro de café, de cantar e de ouvir música. Não gostava muito do fato de ter pernas, mas acabou se acostumando com elas. De cabelo ele gostava. Em compensação, tinha verdadeiro horror a multidão, bermudão, tubarão, ladrão, camburão, bajulação, afetação, dança de salão, falta de educação e à palavra bife.

Escrevia cartas para ninguém, umas em prosa, outras em poesia, como mero exercício de estilo.

Tinha mania de dar entrevistas para o vento e já sabia a resposta de qualquer pergunta que porventura alguém pudesse lhe fazer um dia.

Ajudava o dicionário a explicar as coisas inventando palavras necessárias, como dorinfinita.

Adorava álgebra, mas tinha particular antipatia por trigonometria, pois não encontrava nenhum motivo para se pegar pedaços de triângulos e fazer contas tão difíceis com eles.

Conhecia mitologia a fundo.

Tinha angústia matinal, uma depressão no meio da tarde que ele chamava de cinco horas, porque era a hora que ela aparecia, e uma insônia crônica a quem chamava carinhosamente de Proserpina.

Sentia uma paixão azul dentro do peito, desde criança, sempre que olhava o mar e orgulhava-se muito disso.

Acreditava no amor, mas tinha vergonha da frase.

Às vezes falava sozinho, Preferia tristeza à agonia.

Todas as noites, entre oito e dez e meia, era visto andando de um lado para o outro da rua, método que tinha inventado para acabar de vez com a preocupação de fazer a volta de repente, quando achava que já tinha andado o suficiente. (Preferia que ninguém percebesse que ele não tinha para onde ir.) Enquanto andava, repetia dentro da cabeÇa incessantemente a palavra ecumênico sem ter a menor idéia da razão pela qual fazia isso.

Durante o dia o Doido da Garrafa trabalhava numa multinacional, era sujeito bem visto, supervisor de departamento, ganhava um bom salário e gratificações que entregava para a mulher aplicar em fundos de investimento.

No fim do ano ia trocar de carro.

Era excelente chefe de família.

Não era mais doido do que as outras pessoas do mundo, mas sempre que ele passava as outras pessoas do mundo pensavam, lá vai o Doido da Garrafa, e assim se esqueciam das suas próprias garrafas um pouquinho.

Fonte:
FALCÃO, Adriana. O doido da garrafa. SP: Ed. Planeta do Brasil, 2003.
Capa do livro = http://ilvia.blogspot.com

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Carlos de Oliveira (1921 – 1981)


Carlos Alberto Serras de Oliveira (Belém do Pará, 10 de Agosto de 1921 — Lisboa, 1 de Julho de 1981) .

Em Belém do Pará se encontravam seus pais, portugueses cumprindo o fado (curto) da emigração. Longe da tranquilidade que só uma adaptação conseguida transporta, regressam a Portugal em 1923, fixando-se primeiro na Camarneira, onde vivia um seu avô, e quatro anos mais tarde em Febres para onde o pai, o saudoso Dr. Américo de Oliveira, virá exercer medicina depois de ter sido designado médico municipal. Aqui, Carlos frequenta a Escola Primária, onde foi discípulo da Professora Maria dos Prazeres Barbosa Baptista.

É pois aqui, em plena Gândara, que o "Carlitos", como era conhecido, passará a infância e a juventude, mantendo sempre ao longo da sua vida e na sua obra uma forte ligação a esta região.

"Meu pai era médico de aldeia, uma aldeia pobríssima: Nossa Senhora das Febres. Lagoas pantanosas, desolação, calcário, areia. Cresci cercado pela grande pobreza dos camponeses, por uma mortalidade infantil enorme, uma emigração espantosa. Natural portanto que tudo isso me tenha tocado (melhor, tatuado). O lado social e o outro, porque há outro também, das minhas narrativas ou poemas publicados (...) nasceu desse ambiente quase lunar habitado por homens(...)[O Aprendiz de Feiticeiro, p. 204].“Trago a janela de muito longe, da casa de meu avô”(idem, p. 173).

Durante dois anos (1931-33) frequenta o ensino secundário em Cantanhede, vila que inspirará a "Corgos" dos seus romances. Vai depois para Coimbra (1933), onde frequenta o Liceu D. João III, cidade onde permanecerá até 1948. Aí estuda e acabará por formar-se em Histórico-Filosóficas. Convive com grandes figuras da Cultura Portuguesa, consagrados já uns, outros, como ele, sedentos de conhecer: Afonso Duarte, João José Cochofel, Joaquim Namorado, Fernando Namora são alguns íntimos seus.

Durante este "período coimbrão" da sua vida publica o seu primeiro livro de poemas, Turismo (1942), com ilustrações de Fernando Namora. Publica depois o seu primeiro romance, Casa na Duna (1943) logo seguido de Alcateia (1944), livro que virá a ser apreendido pela PIDE, a polícia política de Salazar.

Visita Febres nas férias, sempre que pode, fazendo-se acompanhar, por vezes, de Fernando Namora com quem jogava a malha no Largo em convívio com populares.

Em 1945 publica um novo livro de poesias, Mãe Pobre. Os anos 1945 e seguintes serão, para Carlos de Oliveira, bem profícuos quanto à integração e afirmação no grupo que veicula e auspera por um “novo humanismo”, com a participação nas revistas Seara Nova e Vértice e a colaboração no livro de Fernando Lopes Graça Marchas, Danças e Canções – coletânea de poesias de vários poetas, musicadas por aquele, canções que vieram a ser conhecidas por “heróicas”.

Termina em 1947 a sua Licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, e no ano seguinte instala-se definitivamente em Lisboa, não deixando, contudo, de se deslocar periodicamente a Coimbra e à Gândara.

Um ano mais tarde casa com Ângela, uma jovem madeirense que conhecera em Coimbra enquanto estudante e que será a sua companheira de todas as horas. A ela dedica o escritor alguns dos seus livros (o romance Finisterra), poemas como "Carta a Ângela" e "Ilha" de Terra de Harmonia e ainda alguns excertos, como é o caso do seguinte em que surge referida anagramaticamente como Gelnaa:

"Ainda jovem quando a conheci, os olhos mais claros do que hoje (a vida escureceu-lhos bastante), o cabelo solto num halo de bruma e brisa, que faz pensar nos amanheceres da sua ilha (...)"(O Aprendiz de Feiticeiro)

Em 1953 publica Uma Abelha na Chuva, o seu quarto romance e, unanimemente reconhecido como uma das mais importantes obras da literatura portuguesa, estando integrado nos conteúdos programáticos da disciplina de português no ensino secundário.

Em 1957 organiza, com José Gomes Ferreira, numa abordagem do imaginário popular os dois volumes de Contos Tradicionais Portugueses, alguns deles posteriormente adaptados ao cinema por João César Monteiro.

Em 1968 publica dois novos livros de poesia, Sobre o Lado Esquerdo e Micropaisagem e colabora com Fernando Lopes no filme por este realizado e terminado em 1971, Uma Abelha na Chuva, a partir da obra homônima. Publica em 1971 O Aprendiz de Feiticeiro, coletânea de crônicas e artigos, e Entre Duas Memórias, livro de poemas, pelo qual lhe é atribuído no ano seguinte o Prêmio de Imprensa. Em 1976 reúne toda a sua poesia em Trabalho Poético, dois volumes, apresentando os livros anteriores, revistos, e os poemas inéditos de Pastoral, livro que será publicado autonomamente no ano seguinte. Publica em 1978 o seu último romance Finisterra, paisagem povoada de inspiração gandaresa, obra que lhe proporciona a atribuição do Prêmio Cidade de Lisboa, no ano seguinte.

Morre na sua casa em Lisboa a 1 de Julho de 1981.
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É um dos grandes poetas deste século, combinando a preocupação de intervenção social (neo-realismo) com a reflexão sobre a escrita no próprio processo da sua produção, o que cnfere à sua obra grande densidade e agudeza nos efeitos diversificados da sua leitura (Mãe Pobre, 1945, Entre Duas Memórias, 1971).

O mesmo se pode dizer em relação aos seus romances, nos quais se detecta uma evolução da problemática neo-realista mais pura (Casa na Duna, 1943) até à sua elaboração através da sobriedade do sentimento e do protesto (Uma Abelha na Chuva, 1953), culminando na complexidade de Finisterra (1978), composto a partir de mecanismos de repetição ficcional e de decalque temático e descritivo, que emerge na fronteira da oscilação da modernidade na nossa história literária.

Poesia
* Turismo (1942);
* Mãe Pobre (1945);
* Colheita Perdida (1948);
* Descida aos Infernos (1949);
* Terra de Harmonia (1950);
* Cantata (1960);
* Micropaisagem (1968, 1969);
* Sobre o Lado Esquerdo, o Lado do Coração (1968, 1969);
* Entre Duas Memórias (1971);
* Pastoral (1977).

Romance
* Casa na Duna (1943; 2000);
* Alcateia (1944; 1945);
* Pequenos Burgueses (1948; 2000);
* Uma Abelha na Chuva (1953; 2003);
* Finisterra: paisagem e povoamento (1978; 2003).

Crônicas
* O Aprendiz de Feiticeiro (1971, 1979).

Antologia
* Poesias (1945-1960) (1962);
* Trabalho Poético (1976; 2003).

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://cvc.instituto-camoes.pt/literatura/carlosoliveira.htm
http://www.cm-cantanhede.pt/biblioteca/personagens_co.asp

Carlos de Oliveira (Teia de Poesias)

(a grafia original foi mantida)
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Amazónia

I
Selva.
O negro, o índio
e o mais que me souber.
O fogo doutro céu,
o nome doutro dia.
Tudo o que estiver
nos nervos
quem me deu.

II
Navegação.
O Amazonas
atira os barcos ao mar.
Defende o seu coração
Marca as zonas
de navegar

III
Fruto.
Minha selva
de nervos.
Potros,
potros na selva.

Maré cheia,
árvores em parto,
ondas sobre ondas
dum inferno farto.
Inferno pleno.
Terras verdes
e céu moreno.

Sol loiro.
Estrídulo, de hastes vermelhas.
Toiro.

Plasma.
Nus, torcidos.
Estrelas, que poucas.
Vento de todos os sentidos.
Bocas.

IV
Céu.
Apalpo e oiço
o silêncio. O silêncio
adensou e rangeu.

V
Anjos
entregam-se a anjos
e caem na terra
embebedados.
A terra

freme,
sabor de sol que lhe ficou
do dia calcinado,
treme

minhas orgias doiradas
enquanto as asas dos anjos
caem maculadas.
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Elegia de Coimbra

Gela a lua de março nos telhados
e à luz adormecida
choram as casas e os homens
nas colinas da vida.

Correm as lágrimas ao rio,
a esse vale das dores passadas,
mas choram as paredes e as almas
outras dores que não foram perdoadas.

Aos que virão depois de mim
caiba outra sorte em herança:
o oiro depositado
nas margens da lembrança.
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Leitura

Quando por fim as árvores
se tornam luminosas; e ardem
por dentro pressentindo;
folha a folha; as chamas
ávidas de frio:
nimbos e cúmulos coroam
a tarde, o horizonte,
com a sua auréola incandescente
de gás sobre os rebanhos.

Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.

Perdem mais densidade;
ascendem na pálida aleluia de que fulgor ainda?
e são agora
cumes de colinas rarefeitas
policopiando à pressa
a demora das outras
feita de peso e sombra.
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Soneto fiel

Vocábulos de sílica, aspereza,
Chuva nas dunas, tojos, animais
Caçados entre névoas matinais,
A beleza que têm se é beleza.

O trabalho da plaina portuguesa,
As ondas de madeira artesanais
Deixando o seu fulgor nos areais,
A solidão coalhada sobre a mesa.

As sílabas de cedro, de papel,
A espuma vegetal, o selo de água,
Caindo-me nas mãos desde o início.

O abat-jour, o seu luar fiel,
Insinuando sem amor nem mágoa
A noite que cercou o meu ofício.
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Estrela

Legenda
para aquela estrela
azul
e fria
que me apontaste
já de madrugada:
amar
é entristecer
sem corrompermos
nada.
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Salmo

A vida
é o bago de uva
macerado
nos lagares do mundo
e aqui se diz
para proveito dos que vivem
que a dor
é vã
e o vinho
breve.
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Infância

Sonhos
enormes como cedros
que é preciso
trazer de longe
aos ombros
para achar
no inverno da memória
este rumor
de lume:
o teu perfume,
lenha
da melancolia.
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Gândara

IV

Ao lume da estrumeira
lagos esverdeados.
Passam os meninos a tarde inteira
a olhar os lagos encantados.

Os vermes que apodrecem
aconchegando-nos nas mãos avaras:
os dedos dos meninos enegrecem,
os lagos ficam mais claros.

Já esqueceram a lagoa e a maneira
de atirar pedras às águas calmas como um manto.
Enfeitiçados, os lagos da estrumeira
trazem-nos naquele encanto.
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Estalactite IV, VI e VIII

Localizar
na frágil espessura
do tempo,
que a linguagem
pôs
em vibração
o ponto morto
onde a velocidade
se fractura
e aí
determinar
com exactidão
o foco
do silêncio.

Algures
o poema sonha
o arquétipo
do voo
inutilmente
porque repete
apenas
o signo, o desenho
do Outono
aéreo
onde se perde a asa
quando vier
o instante
de voar

Caem
do céu calcário,
acordam flores
milénios depois,
rolam de verso
em verso
fechadas
como gotas,
e ouve-se
ao fim da página
um murmúrio
orvalhado.
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Seguindo o fio

seguindo o fio
da tinta
que desenha
as palavras
e tenta
fugir ao tumulto
em que as raízes
grassam,
engrossam, embaraçam
a escrita
e o escritor:
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Nevoeiro

A cidade caía
casa a casa
do céu sobre as colinas,
construída de cima para baixo
por chuvas e neblinas,
encontrava
a outra cidade que subia
do chão com o luar
das janelas acesas
e no ar
o choque as destruía
silenciosamente,
de modo que se via
apenas a cidade inexistente.
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Fotomontagem = José Feldman

Carlos de Oliveira (Dunas)


Contar os grãos de areia destas dunas é o meu ofício actual. Nunca julguei que fossem tão parecidos, na pequenez imponderável, na cintilação de sal e oiro que me desgasta os olhos. O inventor de jogos meu amigo veio encontrar-me quase cego. Entre a névoa radiosa da praia mal o conheci. Falou com a exactidão de sempre:

“O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptíveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados científicos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem.”

Fontes:
http://www.triplov.com/poesia/carlos_de_oliveira/

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Machado de Assis (A Carteira)



...DE REPENTE, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar se, apanhá la e guardá la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:

- Olhe, se não dá por ela; perdia a de uma vez.

- É verdade, concordou Honório envergonhado.

Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A dívida não parece grande para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas as quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as dele não podiam ser piores. Gastos de família excessivos, a princípio por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta cousa mais, que não havia remédio senão ir descontando o futuro.

Endividou se. Começou pelas contas de lojas e armazéns; passou aos empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer, e os bailes a darem se, e os jantares a comerem se, um turbilhão perpétuo, uma voragem.

- Tu agora vais bem, não? dizia lhe ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da casa.

- Agora vou, mentiu o Honório.

A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos; por desgraça perdera ultimamente um processo, cm que fundara grandes esperanças. Não só recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma coisa à reputação jurídica; em todo caso, andavam mofinas nos jornais.

D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios. Não contava nada a ninguém. Fingia se tão alegre como se nadasse em um mar de prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política.

Um dia, a mulher foi achá lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro anos, e viu lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou lhe o que era.

- Nada, nada.

Compreende se que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças voltavam com facilidade. A idéia de que os dias melhores tinham de vir dava lhe conforto para a luta. Estava com trinta e quatro anos; era o princípio da carreira: todos os princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar, pedir fiado ou emprestado, para pagar mal, e a más horas.

A dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil réis de carros. Nunca demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor não lhe punha a faca aos peitos; mas disse lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto mau, e Honório quer pagar lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde.

Tinha se lembrado de ir a um agiota, mas voltou sem ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua da Assembléia é que viu a carteira no chão, apanhou a, meteu no bolso, e foi andando.

Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando, até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, enfiou depois pela Rua da Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou se daí a pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café. Pediu alguma coisa e encostou se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões, a consciência perguntava lhe se podia utilizar se do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida?

Eis o ponto. A consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a carteira à polícia, ou anunciá la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam no a ir pagar a cocheira. Chegavam mesmo a dizer lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido, ninguém iria entregar lha; insinuação que lhe deu ânimo.

Tudo isso antes de abrir a carteira. Tirou a do bolso, finalmente, mas com medo, quase às escondidas; abriu a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro; não contou, mas viu duas notas de duzentos mil réis, algumas de cinqüenta e vinte; calculou uns setecentos mil réis ou mais; quando menos, seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas despesas urgentes. Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e, depois de paga a dívida, adeus; reconciliar se ia consigo. Fechou a carteira, e com medo de a perder, tornou a guardá la.

Mas daí a pouco tirou a outra vez, e abriu a, com vontade de contar o dinheiro. Contar para quê? era dele? Afinal venceu se e contou: eram setecentos e trinta mil réis. Honório teve um calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da fortuna, a sua boa sorte, um anjo... Honório teve pena de não crer nos anjos...

Mas por que não havia de crer neles? E voltava ao dinheiro, olhava, passava o pelas mãos; depois, resolvia o contrário, não usar do achado, restituí lo. Restituí lo a quem? Tratou de ver se havia na carteira algum sinal.

"Se houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar me do dinheiro," pensou ele.

Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos dobrados, que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do Gustavo. Mas então, a carteira?... Examinou a por fora, e pareceu lhe efetivamente do amigo. Voltou ao interior; achou mais dois cartões, mais três, mais cinco. Não havia duvidar; era dele.

A descoberta entristeceu o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um ato ilícito, e, naquele caso, doloroso ao seu coração porque era em dano de um amigo. Todo o castelo levantado esboroou se como se fosse de cartas. Bebeu a última gota de café, sem reparar que estava frio. Saiu, e só então reparou que era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a necessidade ainda lhe deu uns dois empurrões, mas ele resistiu.

"Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer."

Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado e a própria D. Amélia o parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma cousa.

- Nada.

- Nada?

- Por quê?

Mete a mão no bolso; não te falta nada?

- Falta me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. - Sabes se alguém a achou?

- Achei a eu, disse Honório entregando lha.

Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse olhar foi para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade, era um triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde a achara, deu lhe as explicações precisas.

- Mas conheceste-a?

- Não; achei os teus bilhetes de visita.

Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou novamente a carteira, abriu a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o outro não quis abrir nem ler, e estendeu o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor.

Fontes:
Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
http://www.bibvirt.futuro.usp.br. In CD Rom E-Learning n.3. Digerati

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Mario Quintana (A Vida...)


A vida são deveres, que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
Agora, é tarde demais
para ser reprovado...
Se me fosse dada, um dia,
outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente
e iria jogando, pelo caminho,
a casca dourada
e inútil das horas...
Dessa forma, eu digo: não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo. A única falta que terá, será desse tempo que, infelizmente, não voltará mais.

Fonte:
http://www.velhosamigos.com.br/

Nicanor Filadelfo Pereira (Porque escrevo)


Aqui estou confortavelmente acomodado nesta poltrona giratória. À minha frente, uma pequena tela a reverberar luz no seu mais intrigante tom de cinza. Meus dedos repousam suaves sobre pequenos objetos quadriláteros. Intuitivamente os dedilho e me pergunto: por que escrevo? Minha alma, instigada, começa a percorrer o etéreo... Diáfanas imagens iniciam o seu pairar dolente que, pouco a pouco, começam fluir palavras, palavras e verbos, verbos e conjunções. - Mas o verbo é a palavra! - E palavras não são verbos e verbos não são palavras? As conjunções vão unindo palavras e os verbos juntam-se às palavras. As conjunções não conjugam os verbos. As palavras levam os verbos a se conjugarem conjuntamente, em extrema simbiose e cumplicidade.

E nessa conjunção de alma e de imagens e divagações e sonhos, eis que surge o texto, e do texto surgem idéias que se entretecem, entrelaçando-se num fluir gostoso, inebriante, como o voar da borboleta azul, num florido jardim em manhã primaveril. A minha alma entra em devaneio... Ao devanear, entro no êxtase de imagens e de palavras e as conjugo como se a voar estivesse sobre o etéreo das imagens, sobre o etéreo das palavras, e as tomo como asas. Voando, vou ao mais profundo dos sentimentos e percorro a alma. Esquadrinho-a, constato, então, que amo. E, amando, descubro que amar é verbo, verbo que tem o condão da vida e que a vida necessita do verbo, do verbo que dá vida à palavra. Daí porque escrevo: porque amo e, ao amar, eu escrevo e, se escrevo, é porque amo a palavra. Amando vou escrevendo, escrevendo vou amando, amando o que escrevo.

Fonte
Cenario Cultural. http://www.cintianmoraes.com.br/colaboradores/nicanor.html

José Saramago (Memorial do Convento)



Apesar de ter sido trazida da Áustria já há dois anos, especialmente para gerar o sucessor ao trono de D. João V, rei de Portugal, a rainha D. Maria Ana Josefa parece não conseguir engravidar. Sendo o rei um símbolo de virilidade, ela é quem é considerada infértil e, conseqüentemente, a única culpada pelo fato de o rei ainda não ter tido herdeiros. Quando, ao cair da noite, o rei se prepara para ir ao quarto da rainha para mais uma tentativa, chega ao palácio D. Nuno da Cunha, bispo inquisidor, acompanhado de um velho frade franciscano, Antônio de S. José, que propõe uma solução para o problema do rei. Diz o frade que a rainha engravidaria assim que o rei prometesse construir um convento para os frades da ordem dos franciscanos na vila de Mafra. Feita a promessa, o casal real vai finalmente para o quarto.

Depois de consumado o ato sexual, rei e rainha dormem e sonham cada um com seus próprios desejos, suas diferentes fantasias: ela sonha que tem um encontro amoroso com seu cunhado, o Infante D. Francisco, enquanto o rei sonha que seu pênis está se transformando em árvore e, logo em seguida, em colunas do convento que ele prometera construir para os franciscanos.

Em tom irônico, o narrador revela suspeitas de que, antes mesmo da promessa, talvez a rainha já estivesse grávida e que talvez o padre o já sabia disso. Em todo caso, se a concepção da rainha ocorresse, o fato seria visto como mais um entre os vários milagres tradicionalmente relacionados à ordem de São Francisco. Diz-se, por exemplo, que um tal frei Miguel da Anunciação, mesmo depois de morto, conservara seu corpo intacto durante dias, atraindo, desde então, uma grande quantidade de devotos para sua igreja. Em outra ocasião, a imagem de Santo Antônio, que vigiava uma igreja franciscana, locomovera-se até à janela, onde ladrões tentavam entrar, passando-lhes assim um grande susto. E do convento de S. Francisco de Xabregas conta-se que, certa vez, suas lâmpadas tinham sido roubadas, e logo depois foram encontradas, como se por acaso, num mosteiro de jesuítas. A gravidez da rainha foi atribuída ao poder milagroso de Santo Antônio ou, segundo outros, à ameaça que um frade velho fizera contra a imagem do santo, acusando o protetor de descuido.

Passado o "entrudo" , como de costume, durante a quaresma as ruas se encheram de gente que fazia cada um suas penitências. Segundo a tradição, a quaresma era a única época em que as mulheres podiam percorrer as igrejas sozinhas e assim gozar de uma rara liberdade que lhes permitia até mesmo de se encontrarem com seus amantes secretos. Porém, D. Maria Ana não podia gozar dessas liberdades, pois, além de ser rainha, agora se encontrava grávida. Assim, tendo ido para a cama cedo, consolou-se em sonhar outra vez com D. Francisco, seu cunhado. Passada a quaresma, todas as mulheres retornaram para a reclusão de suas casas.

Em contraste com os conflitos da família real está a história de Baltasar Mateus, um homem de 26 anos, conhecido como "o Sete-Sóis". Baltasar dirige-se a Lisboa, caminhando pela estrada real, depois de ter sido soldado e perdido a mão esquerda em uma batalha contra a Espanha, para decidir a quem pertenceria o trono espanhol. Com um que lhe servia de mão e um espigão de ferro que funcionava como uma arma, Baltasar pede esmola em Évora e, a caminho de Lisboa, mata um ladrão que havia tentado assaltá-lo. Não sabendo ainda se ficaria em Lisboa ou se continuaria viagem em direção a Mafra , onde ainda viviam seus pais, Baltasar anda pelas ruas da capital e conhece João Elvas, com quem, junto a outros mendigos, vai passar a noite num "telheiro abandonado". Antes de dormir, cada um conta histórias de crimes que ocorreram na cidade, os quais são comparados às mortes que alguns deles presenciaram na guerra.

Não somente por causa da gravidez de cinco meses, mas também por estar de luto pela morte de seu irmão, a rainha Maria Ana deixa de freqüentar o grande auto-de-fé na praça do Rossio em Lisboa, evento muito popular, que já há dois anos não ocorria. Ali seriam castigados pela Inquisição diversos casos de heresia.

Entre os condenados pelo Santo Ofício, um é focalizado com maior destaque. É Sebastiana Maria de Jesus, acusada de ser feiticeira e cristã-nova . Sebastiana, durante alguns parágrafos, torna-se a narradora da história.

Sebastiana Maria de Jesus tem uma filha de 19 anos: Blimunda, jovem de poderes sobrenaturais, que assiste à procissão ao lado do padre Bartolomeu Lourenço. Perto dela está um homem, Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, a quem ela se dirige e cujo nome procura saber. Voltando a sua casa, Blimunda leva consigo o padre e deixa a porta aberta para que o recém-conhecido também possa entrar. Depois de o padre sair, Blimunda convida Baltasar para que fique morando em sua casa, pelo menos até que ele tivesse que voltar a Mafra . No dia seguinte, ao acordar, Blimunda, sem abrir os olhos, come um pedaço de pão e promete a Baltasar que nunca o olharia "por dentro".

Começa aqui a fiel e duradoura amizade entre os três personagens que se contrapõem aos personagens da família real, heróis da historiografia oficial. Inicia-se também a relação amorosa entre Baltasar e Blimunda, que ocupará o centro da narrativa.

Ao encontrar-se com o padre Bartolomeu Lourenço, que estava procurando usar sua influência no palácio para conseguir dinheiro. Baltasar fica sabendo que o padre era conhecido como "o Voador", por ter criado uma máquina a qual todos ridicularizam, chamando de "a passarola". Baltasar aceita o convite do padre para ser seu ajudante no projeto de construir a tal "máquina de voar", mas enquanto não chega o dinheiro para o material necessário, fica trabalhando em um açougue.

Enquanto isso, no palácio, para decepção do rei, a rainha dá à luz uma menina, Maria Xavier Francisca Leonor Bárbara, que é batizada por sete bispos. Apesar de o frade Antônio de S. José já ter morrido quando do nascimento da criança, a promessa do rei de construir o convento seria mantida.

Baltasar, que sempre dormia no lado direito da enxerga _ , procura saber por que Blimunda sempre comia pão ao acordar, antes mesmo de abrir os olhos. Ele já tinha tentado descobrir o mistério através do padre Bartolomeu Lourenço que, apesar de conhecer a verdadeira razão, não a quis revelar, dizendo apenas que voar é um mistério pequeno se comparado ao mistério de Blimunda. Certa manhã, tentando desvendar esse mistério de uma vez por todas, Baltasar esconde o pão de Blimunda que, ao acordar, começa a procurá-lo desesperadamente. Finalmente, depois de receber o pão das mãos de Baltasar, Blimunda revela que tem o poder de "olhar por dentro das pessoas", o que podia fazer somente quando estava em jejum. No dia seguinte, para provar-lhe seu poder (ou infortúnio), Blimunda, ainda em jejum, sai à rua com Baltasar, evitando olhá-lo, já que antes tinha prometido não "olhá-lo por dentro".

Dentre as coisas que vê, Blimunda descreve a gravidez de uma mulher, o que existe no subsolo, o órgão sexual de um jovem, apodrecido por doença venérea, e até mesmo uma moeda enterrada no chão.

Enquanto no palácio nascia D. Pedro, segundo filho da família real, e o rei viajava a Mafra para escolher o lugar onde seria erguido o convento monumental, Baltasar e Blimunda mudam-se para a abegoaria na quinta do duque de Aveiro, amigo do rei, em S. Sebastião da Pedreira. Além de proporcionar-lhe o lugar de trabalho, o rei, que se interessara pelo projeto do padre como uma criança se interessa por um brinquedo novo, com sua amizade e influência protegia o padre das garras da Inquisição que, caso viesse saber dos projetos do padre, teria motivos suficientes para acusá-lo de heresia.

Na quinta do duque de Aveiro, Padre Bartolomeu, com a ajuda de Baltasar e Blimunda, prossegue na construção da passarola. Decide, então, partir à Holanda, onde dizem que os sábios conhecem os mistérios da alquimia e a natureza do éter , o único elemento que, segundo ele, estava faltando para que sua invenção fosse concluída.
Baltasar e Blimunda, depois que o padre parte, decidem mudar-se para Mafra , terra natal de Baltasar. Antes de partir, o casal decide assistir, ao invés de mais um auto-de-fé que seria realizado na praça do Rossio, a uma outra festa popular, a tourada. Assim como os autos-de-fé , as touradas sempre terminavam com um forte cheiro de carne queimada, proveniente do churrasco realizado no final da festa _ . Ao chegar à casa da família em Mafra , acompanhado de Blimunda, Baltasar é recebido por sua mãe, Marta Maria, já que João Francisco, seu pai, estava trabalhando no campo. Baltasar fica sabendo que sua única irmã, Inês Antônia, estava casada com Álvaro "Pedreiro" Diogo. Dos dois filhos desse casal, apenas um sobreviveria, sendo que o outro morreria ao atingir a mesma idade em que o infante D. Pedro, filho de D. João V, também morreria, anos mais tarde.

Baltasar fala à família de suas intenções de ficar morando com a mulher em Mafra . A família acolhe bem Blimunda, depois de se certificar de que ela não era judia ou cristã-nova , o que não era completamente verdade. O pai informa ao filho recém-chegado de que abrira mão de suas terras na Vela, pois elas haviam sido desapropriadas para a construção do convento, uma obra monumental que, segundo acreditavam, traria muitos empregos para os moradores da região, especialmente para o cunhado de Baltasar, que era pedreiro. Baltasar vai visitar as obras do convento e, ao retornar, encontra Blimunda conversando com Maria Marta, de quem a jovem se tornaria companheira e ajudante, enquanto Baltasar iria trabalhar com o pai no cultivo de terras que não lhes pertenciam.

Encontrando-se o rei bastante enfermo, seu irmão aproveita as perspectivas que lhe são favoráveis e revela à rainha seu interesse em tornar-se seu marido e o novo rei. O infante D. Francisco declara saber que é objeto dos sonhos da rainha, numa conversa que seria a primeira entre tantas que finalmente acabariam por destruir o desejo original que ela experimentara. Mesmo depois de recuperada a saúde do rei, seus antigos sonhos nunca teriam aquele mesmo encanto de antigamente, já que ela tem plena consciência de que sua condição de mulher e rainha mudaria pouco, fosse ela casada com um ou outro irmão.

Voltando da Holanda, onde estivera por três anos, o padre Bartolomeu Lourenço dirige-se à quinta de S. Sebastião da Pedreira, encontrando a albegoaria abandonada. Algumas semanas depois, parte em direção a Coimbra, de onde conta retornar já "doutor em cânones". Antes, porém, decide visitar o casal amigo em Mafra , onde, ao chegar, encontra um pároco, Francisco Gonçalves, que lhe oferece um quarto para ficar hospedado. Em conversa com Blimunda e Baltasar, o padre Bartolomeu conta-lhes o que descobrira na Holanda, ou seja, que ao contrário do que se pensa, o éter não é uma substância que possa ser encontrada pelas artes da alquimia, mas que, antes de subir ao céu, o éter existe dentro das pessoas, pois nada mais é do que a "vontade" de cada um. Assim, o padre pede a Blimunda que olhe dentro das pessoas e encontre essa "vontade", que é como uma nuvem fechada. E que, cada vez que percebesse a vontade de alguém escapando, que ela a capturasse usando um frasco contendo âmbar, que é a substância que atrai o éter.

Em Mafra, pela primeira vez Blimunda comunga conforme manda os ensinamentos da igreja católica, ou seja, em jejum. Ao fazê-lo, vê na hóstia uma nuvem fechada, o que muito a impressiona. Já tendo o padre ido para Coimbra há algum tempo, o casal decide partir de volta à quinta, assim que passassem as festividades de inauguração dos alicerces do convento, cujas primeiras pedras seriam colocadas pelas mãos do próprio rei.

Dias antes da inauguração dos alicerces, uma grande tempestade de vento, comparável ao "sopro de Adamastor" derruba a igreja de madeira construída especialmente para a cerimônia. Sabendo do acidente, o rei começa a distribuir moedas de ouro, e distribui ainda mais quando os pedreiros voltam ao trabalho e reconstroem a igreja em dois dias, de modo que o que era catástrofe passou a ser visto como milagre. No primeiro dia de festividades, a inauguração foi feita em cerimônias restritas a poucos convidados e, no dia seguinte, (ou seja, a 17 de novembro de 1717, seis anos depois de o rei ter feito sua promessa), realizou-se uma grande festa pública.

De volta à quinta do Duque de Aveiro, Baltasar desmonta a passarola que, abandonada, encontrava-se com a estrutura enferrujada e os panos cheios de mofo. Pouco tempo depois chega o padre, que logo quer saber quantas vontades Blimunda já recolhera. Ao ouvir que até então havia apenas trinta "vontades" na garrafa, o padre lhe diz que eram necessárias pelo menos duas mil. Baltasar continua trabalhando na "máquina de voar" enquanto padre Bartolomeu vai constantemente a Coimbra, a fim de concluir seus estudos. Quando volta definitivamente para Lisboa, o padre fica conhecendo o músico Domenico Scarlatti , napolitano de 35 anos, professor particular de música da infanta D. Maria Bárbara que, a essas alturas, já tem nove anos de idade. O encontro dos dois homens estimula uma discussão sobre o poder extraordinário da música e a essência da verdade, comparando-se finalmente a música do italiano com a oratória do padre.

Em outra ocasião, o padre e o compositor se encontram e juntos vão à S. Sebastião da Pedreira, onde o padre revela seu segredo ao músico e apresenta-lhe a "trindade terrestre", composta por ele, o amigo e ajudante Baltasar e sua companheira Blimunda.

Depois da partida do italiano que, tendo prometido que voltaria trazendo seu cravo e o tocaria para o casal e para a passarola, o padre Bartolomeu Lourenço começa a trabalhar em um sermão que estava preparando para a festa do Corpo de Deus. Nesse sermão, que a princípio receberia a aprovação e até mesmo a admiração dos padres e censores do Santo Ofício, o padre questiona os fundamentos da doutrina cristã da trindade divina.

Sabendo de uma epidemia de febre amarela que, trazida do Brasil, se alastrava por Lisboa e já matara quatro mil pessoas em três meses, o padre Bartolomeu pede a Blimunda que aproveite a ocasião para recolher as vontades que se desprendem do peito dos moribundos. Blimunda faz o que o padre lhe pedira e, no final da epidemia, consegue recolher as duas mil vontades necessárias para fazer voar a "passarola". O casal acaba se tornando conhecido em Lisboa, por sempre andar pela cidade sem medo da epidemia.

Depois de cumprida a tarefa, Blimunda fica doente e, durante toda sua convalescença, o músico Scarlatti vai tocar-lhe cravo, o que contribui para a restauração de sua saúde.

Estando as vontades recolhidas e a máquina de voar já pronta, nada falta para que o invento do padre seja testado. Além disso, o rei já não pode fazer nada para que o Duque de Aveiro lhes empreste a quinta onde trabalham. O padre, que andava receoso do Santo Ofício, vai ao palácio se certificar da proteção e amizade do rei, mas volta aflito, pois descobrira que o Santo Ofício já estava a sua procura. Assim, só lhe resta propor ao casal que os três terminem rapidamente o projeto e juntos fujam na "máquina de voar". Assim, depois de retirarem o telhado da abegoaria e colocarem tudo o que possuem dentro da máquina, deixando para trás apenas o cravo de Domenico Scarlatti , a "passarola" enfim levanta vôo. Scarlatti , que chegara à quinta a tempo de ver a máquina subir aos ares, senta-se ao cravo e toca uma música, antes de lançar o instrumento ao fundo de um poço.

Depois de passarem despercebidos sobre a cidade de Lisboa, os três sobrevoam a vila de Mafra , onde várias pessoas vêem a máquina voadora, julgando ser uma aparição do Espírito Santo. Encontrando dificuldades para controlar a máquina, finalmente a fazem aterrissar, graças à iniciativa de Blimunda de segurar junto a seu peito as duas esferas contendo as "vontades".

No dia seguinte, o casal impede o padre, que se encontrava aflito de emoção ou de medo, de atar fogo à máquina. Mas não podem impedir que ele parta sozinho mata adentro, para nunca mais voltar. Blimunda e Baltasar escondem a máquina sob a ramagem e partem na mesma direção tomada pelo padre, até chegarem, depois de alguns dias, a Mafra , onde uma procissão celebrava o milagre que o povo acreditava ter presenciado. Ali, Baltasar, a exemplo de tantos outros moradores locais, começa a trabalhar nas obras do convento, cuja dimensão e quantidade de homens que emprega muito o impressionam, apesar de achar o ritmo com que se desenvolve demasiado lento. Chegam notícias do terremoto de Lisboa, que foi seguido de inaudita tempestade _ . Apesar dos estragos causados por ambos os desastres, implementaram-se os negócios de vários setores da sociedade e, em particular, da igreja, que freqüentemente se aproveitava das catástrofes para alimentar a religiosidade popular.

Dois meses depois de terem chegado a Mafra , Baltasar decide voltar ao Monte Junto, onde haviam deixado a máquina de voar. Ele a encontra no mesmo lugar, mas necessitando de alguns reparos. A partir de então, ele faria visitas freqüentes ao local, cuidando da manutenção da máquina, sempre com uma certa esperança de reencontrar o padre. Algum tempo depois, Domenico Scarlatti chega a Mafra , onde fora visitar as obras do convento, ficando hospedado na casa de um visconde. Ao se cruzarem na rua, Blimunda e Scarlatti , tentando evitar as suspeitas dos moradores, que poderiam achar estranho duas pessoas de níveis sociais tão diferentes se conhecerem, conversam às escondidas. O músico trazia a notícia da morte do padre Bartolomeu de Gusmão em Toledo, Espanha, para onde ele havia fugido no dia 19 de novembro, o dia da tempestade em Lisboa. Em seguida, enquanto no palácio o rei medita sobre suas riquezas, celebra-se em Mafra uma missa para um grande número de trabalhadores.

A construção do convento exige esforços colossais e causa muitas vítimas. Um dos eventos mais penosos foi o transporte, da vila de Pêro Pinheiro até a vila de Mafra , de uma imensa pedra, destinada a ser a laje de uma varanda sobre o pórtico da igreja. Seiscentos homens e um grande número de bois foram utilizados na empreitada, que durou oito dias, durante os quais não faltaram acidentes fatais. Um dos casos mais dramáticos foi o do trabalhador Francisco Marques, que acabou esmagado sob uma roda de um carro de bois.

Depois de quase quatro anos em Mafra , Blimunda pela primeira vez pede a Baltasar para acompanhá-lo em uma de suas visitas periódicas ao Monte Junto. Depois de lá chegarem, resolvem passar a noite para que, ao amanhecer, Blimunda, ainda em jejum, se certificasse de que as vontades ainda estavam guardadas dentro de cada uma das duas esferas.

Enquanto isso, na residência real, D. João V manifesta seu desejo de construir uma Basílica em Portugal como a de S. Pedro em Roma. Para dar conta do projeto gigantesco, o rei chama o arquiteto alemão João Frederico Ludovice (ou Ludwig), que o dissuade da idéia, com o argumento de que o rei não viveria o suficiente para ver a obra concluída. Convencido, o rei decide então ampliar a dimensão do projeto do convento de Mafra, de modo que, ao invés de 80, coubessem nele 300 frades, o que muito agrada ao provincial dos franciscanos da Arrábida. O projeto é, sem dúvida, ambicioso demais para os recursos do reino, o que se reflete em conversa, imaginada pelo narrador, entre o rei e o almoxarife ou guarda-livros.

Finalmente, o rei decide que a sagração da basílica deveria ser realizada dois anos mais tarde, no dia vinte e dois de outubro de 1730, quando ele completasse 41 anos, estivesse ou não a obra concluída. Com a ampliação do projeto, tornara-se necessário que se recrutasse um grande número de trabalhadores, dentre os quais muitos seriam levados a fazer o trabalho contra a própria vontade, o que causaria grande tristeza a muitas famílias de toda a região. Simultaneamente, as famílias reais de Portugal e de Espanha logo se preparariam, em 1729, para se unirem através de dois casamentos.

De fato, a "troca das princesas" uniria, em 1729, as famílias reais de Portugal e Espanha, segundo um acordo que já havia sido concluído havia quatro anos. Mariana Vitória, da Espanha, de 11 anos, seria trazida a Portugal para que se casasse com o infante D. Pedro, enquanto Maria Bárbara, de 17 anos, seria levada a Espanha para unir-se a Fernando, dois anos mais novo que a noiva. Assim, uma comitiva leva a família real até a fronteira dos dois países, sobre o rio Caia, em Elvas, passando por Mafra . Na região de Mafra , os trabalhadores, que à força são levados às obras do convento, chamam a atenção da princesa e por um momento lhe despertam compaixão.

Além da coincidência entre o nascimento da princesa e a promessa do rei de construir o convento de Mafra , no nível popular, duas outras histórias convergem. João Elvas, que conhecera Baltasar em Lisboa logo depois da guerra, acompanha, junto a um grupo de pedintes, a comitiva à fronteira onde está situada sua cidade natal. Ao conversar com um certo Julião Mau-Tempo, que menciona a enorme pedra transportada até Mafra, João Elvas lembra-se do ex-soldado, seu amigo Baltasar, com quem o interlocutor havia trabalhado.

Em 1730, pouco mais de um ano depois da "troca das princesas", a basílica do convento seria enfim consagrada, mesmo estando as obras, tanto as da basílica como as do convento, ainda longe de serem concluídas. Várias estátuas de santos desfilam pelas ruas e são transportadas até o local onde seriam instaladas. Blimunda e Baltasar resolvem ver as imagens dos santos Segundo acreditam, os santos passariam a noite conversando pela última vez, antes de serem isolados em seus nichos, na basílica.

Ao amanhecer, Baltasar decide ir sozinho ao Monte Junto, verificar o estado da "passarola". Ao tentar fazer os já costumeiros reparos na máquina, Baltasar tropeça e rasga os panos que cobriam as esferas, de modo que quando os raios de sol as atingem, a máquina inesperadamente levanta vôo. Blimunda vai procurá-lo no dia seguinte, ao mesmo tempo em que romarias se dirigem à sagração da basílica, mas não encontra seu amado, apenas o espigão de ferro, que ela não hesita em usar quando um frade a tenta violá-la.

Blimunda continua a procurar Baltasar durante nove anos, perambulando por todas as partes do país. Sua jornada termina em Lisboa, em situação semelhante àquela em que conhecera Baltasar. Em 1739, em um auto-de-fé na praça do Rossio, onze vítimas encontram-se a caminho da fogueira - inclusive o dramaturgo Antônio José da Silva, "O Judeu". Estava lá também Baltasar, cujo vulto Blimunda vê. Quando Baltasar está para morrer, sua "vontade" se desprende e é finalmente recolhida dentro do peito de sua amada Blimunda.

Fontes:
1100 Cursos e Apostilas. CEC0004 - Digerati Com. Tecnologia Ltda. (CD ROM)
Capa do Livro = http://www.submarino.com.br

Teste o seu Português 1



"O pior erro que você pode cometer na vida é o de ficar o tempo todo com medo de cometer algum erro".

Deleitemo-nos com Carlos Drummond de Andrade:

No meio do caminho
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Obs.: Tal texto não tem sequer uma palavra a ser alterada sob o ponto de vista do novo acordo ortográfico. Você percebe que não há palavras com sinal gráfico (diacrítico).

Deixemos as pedras no meio do caminho e leiamos, também de Drummond:

Privilégio do mar
Neste terraço mediocremente confortável,
bebemos cerveja e olhamos o mar.
Sabemos que nada nos acontecerá.
O edifício é sólido e o mundo também.
Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais.
Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
e vem cá em cima respirar a brisa do oceano,
o que é privilégio dos edifícios.
O mundo é mesmo de cimento armado.
Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baía em frente da cidade,
a vida seria incerta... improvável...
Mas nas águas tranquilas só há marinheiros fiéis.
Como a esquadra é cordial!
Podemos beber honradamente nossa cerveja.

Obs.: O segundo texto do poeta tem apenas uma palavra a ser alterada sob o ponto de vista do novo acordo ortográfico (tranquilas). O trema desapareceu, foi eliminado das palavras portuguesas, devendo ser usado apenas em nomes estrangeiros.

Vamos ver se você já está se acostumando com a nova ortografia.

1 - Você teve uma ótima ______________.
a ( ) idéia;
b ( ) ideia.

2 - Sua ___________ não me incomoda.
a ( ) feiura;
b ( ) feiúra.

3 - Eu _________ todas as suas falhas.
a ( ) perdôo;
b ( ) perdoo.

4 - Coitados, eles ___________ de tudo!
a ( ) descreem;
b ( ) descrêem.

5 - Essa onda de ___________ está cada vez mais ____________.
a ( ) seqüestros - freqüente;
b ( ) sequestros - frequente.

Respostas na lateral esquerda ao final

Fonte:
Terezinha Bellote Chaman.
http://www.dgabc.com.br/

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Escritor brasileiro recordista no Guinness com mais de mil livros publicados


Com uma idéia na cabeça e uma Olivetti nas mãos, José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue escreveu 999 livros em 6 anos sobre os mais variados temas. Best-sellers assinados com pseudônimos estrangeiros — James Monroe, George Fletcher, Jeff Taylor, Bill Purse e muitos outros, somando um total de 39 nomes "americanizados" — "Era uma exigência das editoras", explica Ryoki.

Seu milésimo livro acompanha um prefácio do jornalista Alexandre Garcia: “As histórias de seus livros são de tirar o fôlego. Como os eventos ocorrem em minutos e dias, Ryoki faz os batimentos cardíacos dos leitores aumentarem. É difícil interromper a leitura por causa da narração que acontece como num filme, como no bom cinema americano com todos os ingredientes repletos de sexo, corrupção, violência, política, espionagem e um final surpreendente. Ryoki é o Pelé da literatura.”

Recentemente ele lançou pela Editora Globo o livro "SAGA", um romance de 365 página que conta a história de quatro gerações de uma família japonesa no Brasil.

E o livro técnico de número 1.074, pela Summus Editorial, "Vencendo o desafio de escrever um romance", onde trata o processo criativo e redacional como técnica, enfatizando a disciplina, a pesquisa e a organização. A obra traz informações valiosas tanto para escritores iniciantes como para os que já publicaram e desejam se aprimorar.

E vem por aí o "O Fruto do Ventre", um livro que, segundo a Editora Record, promete ser um sucesso com mais de 500 páginas repletas de ação e muito suspense.

Críticos e jornalistas falam sobre o autor que já teve seu seu nome como objeto de matérias em importantes publicações e programas de TV, como a Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, Folha da Tarde, Jornal da Tarde, Valeparaibano, Gazeta de Vitória, A Tribuna, revistas Veja, IstoÉ e Manchete, no Brasil; revista Lire e Culture, na França; Der Spiegel, na Alemanha; Wall Street Journal (matéria de capa), nos USA; e várias outras publicações ao redor do mundo; programas Jô Soares - Onze e Meia (SBT) Globo Repórter e Fantástico (Rede Globo), e foi entrevistado pela Radio Culture de Paris e pela Nippon Televison Network, de Tóquio, entre outros:

"A maioria das pessoas não conseguem ler na mesma velocidade que ele escreve." Jô Soares, Jô Onze e Meia

"Ele produz capítulos inteiros durante suas idas ao banheiro." Matt Moffet, Wall Street Journal

“O mais produtivo escritor do Brasil e do mundo tem seus trabalhos escritos com um português perfeito.” ANSA Agency

“Não é difícil encontrá-lo escrevendo em seu PC de 6 às 2 da manhã.” Fantástico, TV Globo

“A produção literária do incansável Ryoki Inoue levou-o não apenas ao Guinness Book como o autor mais prolífico do mundo, mas também a ser comparado a Georges Simenon por alguns críticos internacionais. Outros comparam seu estilo e sua velocidade de produção com Sidney Sheldon. Outros dizem que ele pode ser posto ao lado de Harold Robbins, principalmente pela forma como tece as tramas de seus thrillers.” Flávio Tiné

“Ryoki alimenta sozinho mais de 400 mil leitores por mês.” Eduardo Bueno, Estadão

O milésimo livro marca a virada na carreira de José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue. E agora, Presidente? Um romance político-policial que aproxima esse escritor de ficção da realidade brasileira.” Paulo Pestana, Correio Brasiliense

“Junto com a imaginação e o dom de escrever, o que o torna especial é sua disciplina e determinação.” Goulart de Andrade

"A maioria das edições dos livros escritos por Ryoki alcançam mais de 10 mil exemplares. Todos eles são vendidos imediatamente." Severino Francisco, Correio Brasiliense

Quem quiser já pode aproveitar e baixar no site http://www.ryoki.com.br/ seis de seus livros, como "A Carta Amassada" e "A Bruxa", escrito em 1992, desta vez utilizando-se do computador.

Fonte:
http://www.overmundo.com.br/overblog/

José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue (1946)



Tudo começou há 55 anos, exatamente no dia 22 de julho de 1946, em São Paulo, quando Ryoki nasceu de mãe portuguesa e pai japonês. Formou-se em medicina em 1970 e largou-a em 1986 para tornar-se escritor, editando seus pocket-books, sob nada mais, nada menos, que 39 pseudônimos, por exigência de seus editores. Sua grande especialidade na época foi o estilo policial, onde as tramas apresentavam muita ação, espionagem e traições. Porém, jamais deixou de escrever sobre um tema que sempre o apaixonou: o faroeste. Suas novelas de banguebangue são verdadeiros filmes que prendem o leitor da primeira página à última, de tal forma que algumas montadoras de automóveis proibiam seus empregados de entrarem na fábrica com esses livros pois eram capazes de abandonar a linha de produção enquanto não terminassem completamente a leitura.

Foi também editor e redator dos periódicos Farol do Sul Capixaba (Piúma/ES), Notícias do Japão (1992-93/SP), International Press (1993-94/SP - Tóquio), O Riso do Corujão (1996-97/Campos do Jordão); das revistas Amazônia (1992/Giparaná - RO), Letra Verde (1997-98/Campos do Jordão) e Vertente (1997/São José dos Campos - SP) e cronista de diversos jornais e publicações, por seis anos.

Quando chegou à marca dos mil livros, com a obra E Agora, Presidente? (prefaciado pelo jornalista Alexandre Garcia), Ryoki decidiu-se por uma mudança em sua carreira literária, abandonando os livros de bolso e passando a escrever romances maiores, publicados com seu próprio nome. Seus temas são simplesmente tudo, a vida, o cotidiano, os debates sociais, histórias de gente comum e de gente não tão comum.

Em 1992, fez o lançamento de seu livro A Bruxa na Bienal Internacional do Livro (SP). Um outro marco na vida do autor foi a publicação, em 1993, no Japão, de seus livros Conexão Perigo: São Paulo-Tóquio, O Preço do Tráfico, Operação Amazônia e Sempre há Esperança, voltados para o público nipobrasileiro residente naquele país. Já no ano seguinte, implantou o Pólo Editorial de Pocket Books para a América Latina, em Piúma (ES).

Seu nome já foi objeto de matérias em importantes publicações e programas de TV, como a Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, Folha da Tarde, Jornal da Tarde, Valeparaibano, Gazeta de Vitória, A Tribuna, revistas Veja, IstoÉ e Manchete, no Brasil; Portugal Diário, revista Lire e Culture, na França; Der Spiegel, na Alemanha; Wall Street Journal (matéria de capa), nos USA; e várias outras publicações ao redor do mundo; programas Jô Soares - Onze e Meia (SBT) Globo Repórter e Fantástico (Rede Globo), e foi entrevistado pela Radio Culture de Paris e pela Nippon Televison Network, de Tóquio, entre outros.

Ao ver Ryoki no Guinness Book, Matt Moffett, jornalista americano do Wall Street Journal, teve sua curiosidade despertada para o processo de criação do escritor, querendo ver pessoalmente para crer, como alguém poderia produzir histórias de sucesso em tão pouco tempo. Assim, lançou um desafio ao escritor e aportou em São José dos Campos (onde Ryoki morava na época), no final de janeiro de 1996. Uma semana depois, Moffett contou como nasceu o livro de Ryoki Inoue - Seqüestro Fast Food, elaborado em uma noite, mais precisamente das 23h30 às 4h - num dos jornais mais famosos do mundo.

Com 1.060 livros, de seu próprio punho, publicados, sua produção compulsiva não parava nunca. Chegou a escrever três romances por dia, trabalhando madrugadas a dentro. Hoje a marca é de 1076.

Para ele, o segredo do processo criativo está em noventa e oito por cento de suor, um por cento de talento e um por cento de sorte. Além disso, disciplina e aplicação é o que faz com que ele consiga ficar sentado diante de seu computador e daí não saia antes do the end de sua nova obra.

Ryoki continua a escrever: está produzindo vários romances, faz trabalhos como ghost writer para pessoas famosas e para empresas, escreve roteiros e, com o objetivo de aperfeiçoar seus conhecimentos no campo da espionagem — obviamente para melhor criar seus romances — dedica-se à pesquisa e ao estudo da Inteligência Competitiva, fazendo inúmeras traduções de livros, artigos e teses para empresas desse ramo. Atualmente, o objetivo de Ryoki é produzir um romance por ano, no máximo dois.

Formado médico pela USP, especialista em Cirurgia do Tórax, Ryoki deixou a medicina em 1986 para se tornar escritor.

Em pouco tempo, dominava 95% dos pocket books publicados no Brasil: escreveu 999 novelas em seis anos, entre estórias de faroeste, guerra, policiais, espionagem, amor e ficção científica.

Quando, em 1992, sugeriu aos seus editores uma melhora na apresentação gráfica dos livros de bolso brasileiros, espantou-se com o pouco caso que eles todos manifestaram quanto ao seu projeto. Não interessava a nenhum editor melhorar a qualidade gráfica e literária dos livros que produziam e muito menos de competir em nível internacional.

Abandonou, então os pockets para se dedicar a livros maiores, mais elaborados e com maior qualidade gráfica.

Só que Ryoki se deparou com um outro problema: nenhuma editora brasileira tinha fôlego para publicar e distribuir sua fenomenal produção: uma média de seis novos títulos por mês. Ninguém é de ferro e, por fim, Ryoki cansou-se desse ritmo alucinante. Ele, então, decidiu reformular seus objetivos e durante esse intervalo de tempo, Ryoki não deixou de escrever: produziu vários romances, trabalhou como ghost writer para pessoas famosas e para empresas, escreveu roteiros e, com o objetivo de aperfeiçoar seus conhecimentos no campo da espionagem — obviamente para melhor criar seus romances — dedicou-se durante três anos à pesquisa e ao estudo da Inteligência Competitiva e fez inúmeras traduções de livros, artigos e teses para empresas desse ramo. Atualmente, o objetivo de Ryoki é produzir um romance por ano, no máximo dois.

Devido à sua intensa e extensa produção literária, desde 1993, Ryoki Inoue figura no International Guinness Book of Records, como o homem que mais escreveu e publicou livros em todo o planeta.

Fonte:
http://www.ryoki.com.br/biografia.htm

José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue (O Sebo )



Pouco maior que uma quitanda e quase tão sujo quanto uma peixaria malcuidada, este estabelecimento comercial não deixa de ter seu encantamento, sua poesia.

Todo o mobiliário se resume a uma escrivaninha em que o proprietário faz suas anotações, duas cadeiras ordinárias e montanhas de livros espalhadas pelo meio da loja, empilhadas pelos cantos, que sobem pelas paredes formando uma decoração caótica e complicada. Em todos os montes são desrespeitados os princípios mais elementares do equilíbrio e vê-se claramente que não há a menor preocupação com a estética. Aliás, não é mesmo possível adotar qualquer ordem de arrumação, pois os volumes, cada um diferente do outro em tamanho, cor e forma, não permitem tal luxo.

E há um certo aroma no ar! Sim, pois assim como uma quitanda ou uma peixaria tem seus cheiros característicos, esta loja também tem o seu: é um cheiro de mofo, de poeira misturada com nicotina e papel velho. Pode ser que seja o inferno para os asmáticos, mas conheço muitas pessoas que adoram essa mescla de estranhos perfumes... Entre elas há até as que dizem que esse é o cheiro da verdadeira intelectualidade.

Estamos num sebo, numa loja de livros usados, de segunda ou mesmo de enésima mão.

Já pela simples disposição das mercadorias, vemos que é absolutamente impraticável toda e qualquer operação de limpeza.

Faxina, então, nem pensar! Imaginem ter de levar tudo aquilo parra algum lugar para se poder passar um pano no chão! Varrer, apenas varrer, já é uma tarefa complicada e arriscada, pois seria muito fácil misturar com o lixo diversos opúsculos e livretos que jazem pelo assoalho em completa intimidade com pontas de cigarro, papéis de bala, palitos de fósforos queimados e muitas outras coisas ainda bem menos nobres e poéticas. Isso, é claro, sem falar do perigo de se esbarrar numa avultada pilha de enciclopédias, mal equilibrada sobre um dicionário, e causar um monumental desastre... Há até o risco de morte. A morte sob o peso do conhecimento!

Encontrar, especificamente, uma obra ali? Tarefa totalmente impossível. Nessa loja, compra-se aquilo que o acaso faz cair nas mãos. Lobato está ao lado de Eça que, por suas vez, está por cima de Montaigne, que, inexplicavelmente, está apoiado em Rousseau — que se encontra frente a frente com Byron. O positivismo se avizinha do tomismo e Kant se deixa montar por Sartre e por Baudelaire. James Joyce disputa um instável lugar com Hemingway, enquanto Jorge Amado e Simone de Beauvoir empurram Thomas Mann para uma posição perigosa.

Sorrindo, vemos que inimigos mortais em vida se encontram agora lado a lado, deitados juntos, placidamente instalados. Talvez em seus túmulos, eles estejam remexendo, cheios de revolta...

Fontes
http://www.ryoki.com.br/sebo.htm
Imagem = http://www.overmundo.com.br/

Paulo Afonso Ramos (Velhice)

Velho com cachimbo (Rodrigo Quaresma)
Parei à porta do destino, por tantas ruas que andei e com tantas pessoas me cruzei em gestos impensados e com palavras agridoces, que nem dei pelo tempo passar...

Sempre acreditei que um dia, longínquo dia, eu te encontraria. Sempre te vi como um destino para lá de Marte e nem sequer questionei a minha loucura ...

Oh! Louco de emoção, por estar à tua porta, por estar contigo, num tempo quase parado e em que me sobra quase tudo ... apenas me falta a agilidade do meu corpo torneado de outros tempos ...

Nem sei se foi o destino que se cruzou com a minha velhice ou se foi ao contrário, nem sei se posso almejar o futuro.

Hoje interiorizei a tua imagem de sapiência e de cautela disfarçada, agarrei o teu silêncio na bravura desse espaço suave ... hoje comecei um novo ciclo.

Agora, deixa-me desfrutar os momentos. Deixa-me mesmo que não queiras ...

Fontes:
In Programa Lugar Aos Outros. http://www.truca.pt/raposa_textos/
Pintura = http://blog.oxys.com.br/

Natália Bonito (Poemas Avulsos)



Natália Bonito, uma jovem com 21 anos, natural de Canhas, uma povoação da freguesia da Ponta do Sol, na Madeira. É, atualmente, finalista do curso de Economia, na Universidade da Madeira. Escreve desde os 12 anos, sendo em 2005, com 18 anos, apoiada pela Câmara Municipal da Ponta do Sol, na edição do seu primeiro trabalho de poesia, intitulado “Amor do meu Viver”.

No passado dia 27 de Setembro foi lançado o seu segundo livro, intitulado “A Janela deste Mar”, com a chancela da Corpus Editora. Está já a preparar outro livro de poemas que terá como título “Quatro Dimensões”.

É desta obra o primeiro poema intitulado “Inspiração”..
Inspiração

Vejo-te na sombra de um abraço,
Procuras a relatividade perdida
Na noite infinda de cansaço
Noite de entrega jamais esquecida.

Vejo-te presa no meu regaço
Sequiosa, floras a excitação prometida
Em beijos tocados no compasso
Da sinfonia foragida.
Vejo-te na dimensão deste espaço
Onde te rasgas despida
Para gáudio do aplauso
Desta miragem suicida.

Vejo-te nua, poética passo a passo
Por entre a penumbra desta descida
Que ampara cada pedaço
Desta visão entorpecida.
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Apaixonantes sensações

Arde em mim a sensação
Dos minutos sem fim
Como se tudo fosse inspiração
Doce, com sabor a jasmim,
Como se eu fosse alma e coração
E tu pedaço de mim.

Clamo a evidência perfeita
Dos abraços ancorados
Na submissão desfeita
Pelo poder dos corpos suados
Que em cada palavra eleita
Oferecem poemas amados.

Olho o infinito da escuridão
Nesta noite de calmaria,
E sonho com a tua mão
Estendida na periferia
Do meu latente coração
Num gesto de sintonia.

Por instantes, sinto o teu respirar
Bem perto da liberdade
Que a minha mente teima em traçar
Com purpurina e vaidade
Na esperança de ver chegar
O momento da feliz verdade.

E vejo-te, ao longe, a sorrir…
Aproximas-te com lentos passos
Regateando as flores por abrir
Com gestos delicados e rasos
Que fazem lembrar notas a cair
Na pauta musical dos abraços.

És tu, apaixonante,
A vida do meu respirar;
És tu, meu amante,
Alma límpida por amar,
Rosto marcante
Que teima em ficar.
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Ingrata submissão

Regresso à existência
Inexistente deste abraço
Como se a clemência
De cada passo
Não fosse mais que veemência
Inculto cansaço
Vil desobediência.

Sigo as pinceladas
Do quadro pintado à beira mar
Onde as ondas apaixonadas
Quiseram beijar
As pedras encharcadas
Das palavras por poetizar
Rudes ausências demoradas.

E mais uma vez regresso ao seguimento
Da curvatura lembrada
Nos céus do firmamento
Onde a lua ancorada
Dançou ao sabor do vento
Uma dança recusada
Sem desculpa ou argumento.

Sigo com o espírito calado,
A alma cede e é só escuridão
No resquício rasgado
Do meu coração
Despedaçado
Pela ingrata submissão
De ser apaixonado.
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Estrofes solitárias

O silêncio derruba a sensação
De ser verso descoberto
Na estrófica dimensão
Deste poema aberto.

Sinto as alvíssaras prometedoras
A derrubar
As pontes ameaçadoras
Do verbo criar.

Sozinha,
Choro a angústia do tormento
Grito o desalinho da frieza
Espero encontrar o alento
Desejo libertar a tristeza.

Sozinha,
Creio na sepultura dos incrédulos
Anseio um céu bem maior
Invento a loucura dos belos
Finjo ser primavera do amor.
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Não engano meu coração

Entra em mim uma imprópria vontade...
Somente um grito por gritar
Engana minha triste saudade;
Somente uma noite por chegar
Acalma o fulgor da idade.
Sempre acreditei na luz da vida,
Brinquei às paixões fulminantes
E na brincadeira, esquecida,
Deixei à nora meus amantes...
Agora meu castigo é chorar,
Chorar uma inocência perdida,
Uma pureza que não mais quer voltar:
Fugiu sem alma, nem vida,
Juntamente com aquele amar...
E não engano meu coração,
Porque sou eu quem mais ama:
Sou eu amor e paixão,
Fogo que queima a própria chama...

in A Janela deste Mar
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Fugaz eternidade de viver

Cerca-me uma fugaz eternidade!
A aura celeste perde-se
Em ritos de bela vaidade
Que ofuscam o interior
Da mais singela cidade
Construída com amor
E muito pesar da idade...
Eu também teria nesta procura
Um insensato querer,
Uma réstia de loucura,
Um fogo que teima em arder
Mas que muito não dura,
Pois morrer é viver
Uma manhã mais escura...

Adriana Falcão (O homem que só tinha certezas)

Nem o homem feliz de Maiakovsky nem o homem liberto de Paulo Mendes Campos, resolvi imaginar outra improbabilidade. Digamos que aparecesse agora, justo aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, mais exatamente, bem aí na sua frente, um homem que só tivesse certezas.

O homem que só tinha certezas quase nunca usava ponto de interrogação, e em seu vocabulário não constavam as expressões: talvez, quiçá, quem sabe, porventura.

Parece que foi de nascença. Ele já teria vindo ao mundo assim, com todas as certezas junto, pulou a fase dos por quês e nunca soube o que era curiosidade na vida. Na escola, era uma sensação. Mas não ligava muito pra isso não. E cresceu achando muito natural viver derramando afirmações pela boca. Tinha resposta pra tudo, o homem que só tinha certezas, mas o maior orgulho do homem eram as certezas mais duvidosas que ele tinha. A certeza de que o mais fraco ia vencer, de que as coisas iam melhorar, de que o desenganado ainda teria muitos anos pela frente.

A notícia espalhou-se rapidamente. Como ele vivia no meio de pessoas, e pessoas vivem cheias de dúvidas, logo começaram a pedir sua opinião para os mais diversos assuntos, os triviais e os de grande importância, e ele, certo de que podia viver muito bem de suas certezas, virou um consultor. Pendurou em sua porta uma placa onde estava escrito "Consultor de tudo" e o negócio foi crescendo aos pouquinhos. Devido ao boca-a-boca favorável de clientes e a um único anúncio no rádio, passou a atender, sem nenhum exagero, milhares de pessoas por dia, até que limitou o número de consultas diárias para quatrocentos e oitenta, um minuto e meio por pessoa, o que era mais do que suficiente para uma resposta certa desde que a pergunta não fosse muito longa.

Chegava gente do país inteiro e depois de outros continentes, pessoas comuns, pessoas ilustres, todas elas indecisas, mas cada pessoa só tinha direito a uma pergunta por consulta, o que as deixava mais indecisas ainda. Certa vez uma moça chegou na dúvida se devia perguntar primeiro sobre o amor ou o trabalho, no que o homem respondeu, sobre o amor, é claro, senão você não vai conseguir trabalhar direito, e deu por encerrada a consulta. O homem que só tinha certezas aconselhou um garoto tímido a tomar quatro cervejas, encorajou um político receoso a aprovar um projeto esquisitíssimo que se destinava a melhorar a vida dos homens, avisou a uma senhora preocupada com os anos que no caso dela nada melhor do que beijos na boca, desentorpeceu um rapaz doente de amor por uma mulher que gostava de outro, convenceu o ministro da fazenda de que ou o dinheiro era pouco, ou eram muitos os homens, ou ele estava louco, ou alguém tinha se enganado nas contas.

Não demorou muito para se tornar capa de todas as revistas e personagem assíduo dos programas de TV. Para cada pergunta havia uma só resposta certa e era essa que ele dava, invariavelmente, exterminando aos pouquinhos todas as dúvidas que existiam, até que só restou uma dúvida no mundo: será que ele não vai errar nunca? Mas ele nunca errava, e já nem havia mais o que errar, uma vez que não havia mais dúvidas.

Num mundo que só tinha certezas, o homem que só tinha certezas virou apenas mais um homem no mundo. Melhor assim, ele pensava, ou melhor, tinha certeza.

Um dia aconteceu um imprevisto, e o homem que só tinha certezas, quem diria, acordou apaixonado. Para se assegurar de que aquela era a mulher certa para ele, formulou cento e vinte perguntas, que ela respondeu sem vacilar, mandou fazer mapas do céu, exames de sangue, contagem de triglicerídeos, planilhas complicadíssimas e finalmente apresentou a moça à sua mãe e ao seu cachorro. Os dois se amaram noites adentro, foram a Barcelona, tiraram fotos juntos, compraram álbuns, porta-retratos, garfos, facas, um escorredor de pratos, tiveram filhos e tal, e, desde então, por alguma razão desconhecida, o homem que só tinha certezas foi perdendo todas elas, uma por uma. No início ainda tentou disfarçar, por via das dúvidas, quem sabe era um mal passageiro? Mas as dúvidas multiplicavam-se como praga (dúvidas se multiplicam?), espalharam-se pelo mundo, e agora, meu Deus? Deus existe? Existe sim. Ou será que não? Ele não estava bem certo.

Fonte:
FALCÃO, Adriana. O doido da garrafa. SP: Ed. Planeta do Brasil, 2003.

Adriana Falcão (1960)



Solidão é uma ilha com saudade de barco
(Adriana Falcão)

Roteirista e escritora brasileira. Nasceu no Rio de Janeiro, e mudou-se para Recife aos 11 anos de idade. Teve uma história de vida trágica: o pai suicidou e a mãe, um tempo depois, tomou uma dose fatal de comprimidos para dormir.

Formada em Arquitetura, logo após formar-se voltou para o Rio de Janeiro junto com João Falcão, seu marido, que se mudou para lá a fim de fazer teatro. Lá começou a escrever os diálogos, e os atores começaram a gostar de seus diálogos e a usá-los nas peças. Nunca exerceu a profissão de arquiteta, pois logo descobriu sua vocação para a literatura.

Seu primeiro livro, voltado para o público infantil, "Mania de Explicação", teve duas indicações para o Prêmio Jabuti/2001 e recebeu o Prêmio Ofélia Fontes — "O Melhor para a Criança"/2001, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Em 2002, publicou "Luna Clara & Apolo Onze", seu primeiro romance juvenil. Seu romance "A Máquina" foi levado aos palcos por João Falcão. Na televisão, Adriana colaborou em vários episódios de "A Comédia da Vida Privada", "Brasil Legal" e "A grande família", todos da Rede Globo. Adaptou, com Guel Arraes, "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, para a TV, posteriormente levado ao cinema.

Outros livros da escritora:“Pequeno dicionário de palavras ao vento” (2003); “A tampa do céu” (2005)-ilustrações de Ivan Zigg e, em conjunto com outros escritores,”Histórias dos tempos de escola: Memória e aprendizado” (2002); “Contos de estimação” (2003); “A comédia dos anjos” (2004); “PS Beijei” (2004); “Contos de escola” (2005); “O Zodíaco – Doze signos, doze histórias” (2005); “Tarja preta” (2005); "Sonho de uma noite de verão" (2007) e "Sete histórias para contar" (2008).

Fontes:
http://www.releituras.com.br/
http://pt.wikipedia.org/
http://www.pensador.info/

Entrevista com Adriana Falcão


Por: Gabriela Cuzzuol em 25 de julho de 2007.

Os detalhes da trajetória de Adriana Falcão, são tão diferentes que poderiam ter sido extraídos de um de seus livros de ficção. Carioca, criou-se em Recife e voltou para o Rio, quando, depois de se formar em arquitetura resolveu passar a vida fazendo algo de que gostasse, ou seja, escrever. Embrenhou-se pelo universo da publicidade, até que Guel Arraes, diretor humorístico, pegou um de seus textos e resolveu utilizá-lo em teatro. Tempos depois, os dois adaptariam para TV e cinema, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, que acabaria sendo um divisor de águas do cinema nacional.

Mais uma vez, fez o “caminho inverso” , tendo se firmado primeiro como roteirista, cronista e então embarcando para literatura. .Em 15 anos de carreira são 13 livros, 2 adaptações para cinema, uma peça de teatro e três séries para TV, entre as quais A Grande Família no ar há 7 anos e quarta maior audiência da emissora .

Nesta entrevista Adriana fala de sua trajetória, planos futuros e de “Sonhos de Uma Noite de Verão”, adaptação de Shakespeare “bem abrasileirada” assinada por ela:

Gabriela Cuzzuol: Você é arquiteta. Como enveredou pela literatura?

Adriana : Bem, para começar eu detestava muito arquitetura, não tinha nada a ver. Aí conheci o João, que largou o curso e foi fazer teatro. Fui com ele, mudamos para o Rio e eu comecei a escrever diálogos. Os atores de teatro gostavam e começaram a usar em peças.

Gabriela Cuzzuol: Já imaginava poder viver de arte?

Adriana Falcão: De forma nenhuma. Para qualquer menina brasileira era inimaginável viver qualquer forma de arte, imagine para uma que vivia em Recife! Eu sou carioca, mas fui criada lá! Então, trabalhava como redatora publicitária e me considerava bem feliz por poder ao menos, viver de escrever! O João (Falcão- esposo e sócio de Adriana),começou a trabalhar com isso profissionalmente encarando, inclusive as dificuldades da profissão. Eu,
colaborava, mas vivia de publicidade.

Gabriela Cuzzuol: Sim. E da redatora a roteirista...

Adriana: Pois é. Fui convidada a escrever umas crônicas para a “Veja São Paulo”, entre 1994 e 95. O Guel (Arraes) gostou e pediu para usar. Paralelamente, o João trabalhava com teatro e os atores gostavam dos diálogos que eu escrevia. Então foi assim. Até hoje sou especialista em diálogos, Na “Grande família” por exemplo, é essa a minha maior função e quando tenho que fazer adaptação para roteiro trabalho com um roteirista do lado.

Gabriela Cuzzuol: E com o Guel Arraes você adaptou “O Auto da Compadecida” ?

Adriana: Sim, foi. O Guel é um grande amigo e fizemos boas coisas juntas. Acho inclusive que um texto meu ter caído nas mãos dele, foi uma grande sorte minha.

Gabriela Cuzzuol: E o desenvolvimento da sua carreira passa pela do João Falcão, seu marido?

Adriana: Sim, sem dúvida. Fizemos e ainda fazemos muitas coisas juntas. A adaptação da “A Máquina” para teatro é dele a para cinema foi a parceria, a “Comédia da Vida Privada” e “A Grande Família” também No momento estamos adaptando o meu livro “A Comédia dos Anjos” para cinema . Somos casados há 19 anos e muito próximos.

G.C: Adriana, ainda falando de cinema, em sua opinião se fazem poucos filmes no Brasil?

Adriana: Pouquíssimos. Acho que nós estamos vindo de um período negro no cinema nacional, anos e anos sem produção nenhuma, estamos recomeçando todo um trabalho. João e eu sempre estivemos muito próximos a todo o processo de produção de filmes, no ‘A Máquina” por exemplo acompanhamos tudo bem de perto, e acho inclusive que o processo se parece bastante com o de Tv.

G.C: E isso é ruim?

Adriana: Não necessariamente. Existe esse preconceito de que diretor de TV não pode fazer cinema porque fica com cara de TV e isso não tem nada a ver. O cara que está ali fazendo TV há 20 anos tem todo um conhecimento técnico que pode e deve ser aproveitado. O Jorge Furtado, tem como elemento básico no currículo a experiência em Tv. O Guel também agrega as duas coisas e tal...acho isso muito válido. São inclusive dois grandes diretores, que juntam as experiências em veículos diferentes.

G.C:Ainda tratando de cinema, você acha que faltam roteiristas?

Adriana: Faltam , sobretudo bons . Acho que como passamos muitos anos sem produzir cinema, só agora as pessoas estão se interessando em estudar roteiro, aprender a fazer , se interessando mais aprimorar , investindo nisso. Eu acho que falta um pouco de formação, ou melhor que a formação é algo recente. O Guel costuma dizer que difícil no cinema brasileiro não é diretor, mas roteirista. Não é todo dia que eu olhe um roteiro e ache realmente surpreendente. É difícil de encontrar.

G.C: você as chances para estes novos roteiristas? Está mais difícil começar?

Adriana: Nossa, muito. É muito complicado porque você tem que dar sorte. Eu sinto as vezes que as pessoas têm até certa má vontade em ler um roteiro de alguém que está começando, sabe? Você tem que contar com a sorte de fazer um bom contato, de o roteiro cair nas mãos certas,e aí vai... Eu costumo dizer que tive muita sorte na vida, conhecer o Guel inclusive foi uma delas...
Eu não estaria aqui hoje se não fosse por sorte.

G.C:Então você acha que era o seu caminho?

Adriana: Tenho certeza de que em todo o caminho o importante é a persistência.Se você quer, se acredita, batalha porque um dia vai.
Como eu coloquei, há a necessidade de novos roteiristas.Na “Grande Família” trabalhamos com uma equipe de 7 pessoas que vieram da Oficina da Globo e tem dado muito certo.

G.C: O mercado de cinema necessita de maior produção?

O mercado precisa de mais produção, o país tem que filmar mais. Eu acho um prazer ler roteiro de iniciante porque é bom você ver algo novo, diferente, então leio tudo o que cai na minha mão e acho que não é favor.E tem ainda a ver com minha filosofia de “devolver a vida o que ela me deu”. Acho que tenho muita sorte não apenas no profissional, mas também no pessoal, tenho duas filhas lindas, um casamento bacana, uma profissão que amo. Então tenho mais é que me sentir honrada em poder ser gentil com as pessoas, ... não acho que seja favor não. Acho que o nosso cinema precisa de novidade, o nosso país precisa de gente nova , preparada e boa fazendo cinema.

G.C: E falando de literatura Adriana, você acaba de lançar uma releitura de Shakespeare. Como surgiu a idéia?

Adriana: A Editora Objetiva me ligou e falou que tinha o projeto “Devorando Shakespeare”,pelo qual eu, Veríssimo e Jorge Furtado adaptássemos as obras que preferíssemos do autor. Aí, fiquei nervosa duas vezes: primeiro por ser tratar de Shakespeare, segundo por estar ao lado do Veríssimo e do Furtado, que são dois ídolos para mim!
Eu pensei: Nossa, olha a responsabilidade! Vão digitar Veríssimo, Furtado e Shakespeare na Internet e lá estarei eu, ao lado deles! E para piorar, eu não sou profunda conhecedora da obra dele, há outros autores que conheço bem, mas ele não!
Gosto e tudo, mas sei o básico.

G.C:E como foi a opção pelo “Sonhos de uma Noite de Verão”?

Adriana: Pois é, eu gosto muito de realismo fantástico, aquela coisa meio Gabriel García Marques, Vargas Llosa e tal...
Então, pensei em fazer o “Sonhos” por ter essa coisa meio mágica, meio surreal, de quatro noites que parecem uma e no fim é tudo um sonho.

G.C:E a idéia da estória se passar no Carnaval da Bahia, foi simples?

Adriana: Não, foi bem complicado. A idéia da Objetiva era de adaptar o roteiro para uma realidade bem brasileira , então eu pensava, pensava, até que achei que esse negócio de quatro noites que parecem uma poderia acontecer no Carnaval da Bahia.

G.C: Já esteve lá?

Adriana: Sabe que nunca! Ouço falar, os artistas vão e me contam e acho até que nós vemos tanto pela TV que nem precisa ir para saber como é (risos)...

G.C: O “Sonhos...” ironiza essa cultura de celebridades. Coincidentemente, você e João Falcão não são comumente vistos na mídia. É temperamento ou opção?

Adriana: Acho que os dois. Eu sou mais caseira, até porque ando trabalhando demais e quando tenho um tempinho, prefiro curtir a família, reunir os amigos em casa e tal...
João é mais de tocar um violão, confraternizar aqui mesmo. É mais a nossa...

G.C: No Comédia dos Anjos (seu best seller) , você trata das relações familiares. Acha que isso manifesta um traço cultural latino?

Adriana: Totalmente. Eu e João estivemos na França, enquanto fazíamos a adaptação do livro para cinema, e reparamos em como essa relação é diferente lá. Essa coisa do filho em casa aos 30 anos chega a incomodar os pais...Aqui nós choramos quando eles vão embora.

G.C:Ainda falando sobre o “Comédia...”, você diz que ele foi inspirado na sua mãe. São pessoas que te inspiram ou vem mais de situações diversas?

Adriana: Olha tem umas pessoas bem engraçadas que acabam por ser referência.
Tenho um cunhado por exemplo, de quem me lembro quanto estou escrevendo o Agostinho da “Grande Família”. Tipo, ele não tem aquele estilo malandrão, meio irresponsável...mas o jeito “figura” do Agostinho é todo dele. Algo que vi na rua, algo que me contaram...na hora de escrever, vai tudo!

G.C: Você tem livros publicados para o público infantil e infanto-juvenil. Resolveu escrever para este filão por achar que há carência de mercado ou sua forma de narrativa tem elementos que facilitam o contato com esse público?

Adriana: Olha, eu acho que o mercado infanto-juvenil tem uma produção muito pequena. Há muitas coisas para crianças e adultos, mas poucas para aquele período entre uma fase e outra. Mas também acho que meu estilo de escrever tem essa característica de reinventar as coisas, repensar...isto facilita tudo, as coisas mais simples.

G.C: E os próximos projetos, quais são?

Adriana: Bem, João e eu adaptamos para cinema o “Comédia dos Anjos”, que está em fase de produção e terá a Marieta (Severo) como protagonista . Se tudo der certo será lançado em 2008. Estou terminado uma oficina de diálogo, no Teatro Poeira no Rio, que me demandou bastante energia. No fim do mês, quero tirar uns 10 dias para me concentrar apenas na “Grande Família” e depois pensar em futuro com calma.

Fonte:
http://www.overmundo.com.br/overblog/entrevista-com-adriana-falcao