terça-feira, 3 de março de 2009

Machado de Assis (O Anel de Polícrates)



A
Lá vai o Xavier.
Z
Conhece o Xavier?
A
Há que anos! Era um nababo, rico, podre de rico, mas pródigo...
Z
Que rico? que pródigo?
A
Rico e pródigo, digo-lhe eu. Bebia pérolas diluídas em néctar. Comia línguas de rouxinol. Nunca usou papel mata-borrão, por achá-lo vulgar e mercantil; empregava areia nas cartas, mas uma certa areia feita de pó de diamante. E mulheres! Nem toda a pompa de Salomão pode dar idéia do que era o Xavier nesse particular. Tinha um serralho: a linha grega, a tez romana, a exuberância turca, todas as perfeições de uma raça, todas as prendas de um clima, tudo era admitido no harém do Xavier. Um dia enamorou-se loucamente de uma senhora de alto coturno, e enviou-lhe de mimo três estrelas do Cruzeiro, que então contava sete, e não pense que o portador foi aí qualquer pé-rapado. Não, senhor. O portador foi um dos arcanjos de Milton, que o Xavier chamou na ocasião em que ele cortava o azul para levar a admiração dos homens ao seu velho pai inglês. Era assim o Xavier. Capeava os cigarros com um papel de cristal, obra finíssima, e, para acendê-los, trazia consigo uma caixinha de raios do sol. As colchas da cama eram nuvens purpúreas, e assim também a esteira que forrava o sofá de repouso, a poltrona da secretária e a rede. Sabe quem lhe fazia o café, de manhã? A Aurora, com aqueles mesmos dedos cor-de-rosa, que Homero lhe pôs. Pobre Xavier! Tudo o que o capricho e a riqueza podem dar, o raro, o esquisito, o maravilhoso, o indescritível, o inimaginável, tudo teve e devia ter, porque era um galhardo rapaz, e um bom coração. Ah! fortuna, fortuna! Onde estão agora as pérolas, os diamantes, as estrelas, as nuvens purpúreas? Tudo perdeu, tudo deixou ir por água abaixo; o néctar virou zurrapa, os coxins são a pedra dura da rua, não manda estrelas às senhoras, nem tem arcanjos às suas ordens ...
Z
Você está enganado. O Xavier? Esse Xavier há de ser outro. O Xavier nababo! Mas o Xavier que ali vai nunca teve mais de duzentos mil-réis mensais; é um homem poupado, sóbrio, deita-se com as galinhas, acorda com os galos, e não escreve cartas a namoradas, porque não as tem. Se alguma expede aos amigos é pelo correio. Não é mendigo, nunca foi nababo.
A
Creio; esse é o Xavier exterior. Mas nem só de pão vive o homem. Você fala de Marta, eu falo-lhe de Maria; falo do Xavier especulativo...
Z
Ah! — Mas ainda assim, não acho explicação; não me consta nada dele. Que livro, que poema, que quadro ...
A
Desde quando o conhece?
Z
Há uns quinze anos.
A
Upa! Conheço-o há muito mais tempo, desde que ele estreou na rua do Ouvidor, em pleno marquês de Paraná. Era um endiabrado, um derramado, planeava todas as coisas possíveis, e até contrárias, um livro, um discurso, um medicamento, um jornal, um poema, um romance, uma história, um libelo político, uma viagem à Europa, outra ao sertão de Minas, outra à lua, em certo balão que inventara, uma candidatura política, e arqueologia, e filosofia, e teatro, etc., etc., etc. Era um saco de espantos. Quem conversava com ele sentia vertigens. Imagine uma cachoeira de idéias e imagens, qual mais original, qual mais bela, às vezes extravagante, às vezes sublime. Note que ele tinha a convicção dos seus mesmos inventos. Um dia, por exemplo, acordou com o plano de arrasar o morro do Castelo, a troco das riquezas que os jesuítas ali deixaram, segundo o povo crê. Calculou-as logo em mil contos, inventariou-as com muito cuidado, separou o que era moeda, mil contos, do que eram obras de arte e pedrarias; descreveu minuciosamente os objetos, deu-me dois tocheiros de ouro...
Z
Realmente...
A
Ah! impagável! Quer saber de outra? Tinha lido as cartas do cônego Benigno, e resolveu ir logo ao sertão da Bahia, procurar a cidade misteriosa. Expôs-me o plano, descreveu-me a arquitetura provável da cidade, os templos, os palácios, gênero etrusco, os ritos, os vasos, as roupas, os costumes...
Z
Era então doido?
A
Originalão apenas. Odeio os carneiros de Panúrgio, dizia ele, citando Rabelais: Comme vous sçavez estre du mouton le naturel, tousjours suivre le premier, quelque part qu'il aille. Comparava a trivialidade a uma mesa redonda de hospedaria, e jurava que antes comer um mau bife em mesa separada.
Z
Entretanto, gostava da sociedade.
A
Gostava da sociedade, mas não amava os sócios. Um amigo nosso, o Pires, fez-lhe um dia esse reparo; e sabe o que é que ele respondeu? Respondeu com um apólogo, em que cada sócio figurava ser uma cuia d'água, e a sociedade uma banheira. — Ora, eu não posso lavar-me em cuias d'água, foi a sua conclusão.
Z
Nada modesto. Que lhe disse o Pires?
A
O Pires achou o apólogo tão bonito que o meteu numa comédia, daí a tempos. Engraçado é que o Xavier ouviu o apólogo no teatro, e aplaudiu-o muito, com entusiasmo; esquecera-se da paternidade; mas a voz do sangue... Isto leva-me à explicação da atual miséria do Xavier.
Z
É verdade, não sei como se possa explicar que um nababo...
A
Explica-se facilmente. Ele espalhava idéias à direita e à esquerda, como o céu chove, por uma necessidade física, e ainda por duas razões. A primeira é que era impaciente, não sofria a gestação indispensável à obra escrita. A segunda é que varria com os olhos uma linha tão vasta de coisas, que mal poderia fixar-se em qualquer delas. Se não tivesse o verbo fluente, morreria de congestão mental; a palavra era um derivativo. As páginas que então falava, os capítulos que lhe borbotavam da boca, só precisavam de uma arte de os imprimir no ar, e depois no papel, para serem páginas e capítulos excelentes, alguns admiráveis. Nem tudo era límpido; mas a porção límpida superava a porção turva, como a vigília de Homero paga os seus cochilos. Espalhava tudo, ao acaso, às mãos cheias, sem ver onde as sementes iam cair; algumas pegavam logo...
Z
Como a das cuias.
A
Como a das cuias. Mas, o semeador tinha a paixão das coisas belas, e, uma vez que a árvore fosse pomposa e verde, não lhe perguntava nunca pela semente sua mãe. Viveu assim longos anos, despendendo à toa, sem cálculo, sem fruto, de noite e de dia, na rua e em casa, um verdadeiro pródigo. Com tal regime, que era a ausência de regime, não admira que ficasse pobre e miserável. Meu amigo, a imaginação e o espírito têm limites; a não ser a famosa botelha dos saltimbancos e a credulidade dos homens, nada conheço inesgotável debaixo do sol. O Xavier não só perdeu as idéias que tinha, mas até exauriu a faculdade de as criar; ficou o que sabemos. Que moeda rara se lhe vê hoje nas mãos? que sestércio de Horácio? que dracma de Péricles? Nada. Gasta o seu lugar-comum, rafado das mãos dos outros, come à mesa redonda, fez-se trivial, chocho...
Z
Cuia, enfim.
A
Justamente: cuia.
Z
Pois muito me conta. Não sabia nada disso. Fico inteirado; adeus.
A
Vai a negócio?
Z
Vou a um negócio.
A
Dá-me dez minutos?
Z
Dou-lhe quinze.
A
Quero referir-lhe a passagem mais interessante da vida do Xavier. Aceite o meu braço, e vamos andando. Vai para a praça? Vamos juntos. Um caso interessantíssimo. Foi ali por 1869 ou 70, não me recordo; ele mesmo é que me contou. Tinha perdido tudo; trazia o cérebro gasto, chupado, estéril, sem a sombra de um conceito, de uma imagem, nada. Basta dizer que um dia chamou rosa a uma senhora, — "uma bonita rosa"; falava do luar saudoso, do sacerdócio da imprensa, dos jantares opíparos, sem acrescentar ao menos um relevo qualquer a toda essa chaparia de algibebe. Começara a ficar hipocondríaco; e, um dia, estando à janela, triste, desabusado das coisas, vendo-se chegado a nada, aconteceu passar na rua um taful a cavalo. De repente, o cavalo corcoveou, e o taful veio quase ao chão; mas sustentou-se, e meteu as esporas e o chicote no animal; este empina-se, ele teima; muita gente parada na rua e nas portas; no fim de dez minutos de luta, o cavalo cedeu e continuou a marcha. Os espectadores não se fartaram de admirar o garbo, a coragem, o sangue-frio, a arte do cavaleiro. Então o Xavier, consigo, imaginou que talvez o cavaleiro não tivesse ânimo nenhum; não quis cair diante de gente, e isso lhe deu a força de domar o cavalo. E daí veio uma idéia: comparou a vida a um cavalo xucro ou manhoso; e acrescentou sentenciosamente: Quem não for cavaleiro, que o pareça. Realmente, não era uma idéia extraordinária; mas a penúria do Xavier tocara a tal extremo, que esse cristal pareceu-lhe um diamante. Ele repetiu-a dez ou doze vezes, formulou-a de vários modos, ora na ordem natural, pondo primeiro a definição, depois o complemento; ora dando-lhe a marcha inversa, trocando palavras, medindo-as, etc.; e tão alegre, tão alegre como casa de pobre em dia de peru. De noite, sonhou que efetivamente montava um cavalo manhoso, que este pinoteava com ele e o sacudia a um brejo. Acordou triste; a manhã, que era de domingo e chuvosa, ainda mais o entristeceu; meteu-se a ler e a cismar. Então lembrou-se... Conhece o caso do anel de Polícrates?
Z
Francamente, não.
A
Nem eu; mas aqui vai o que me disse o Xavier. Polícrates governava a ilha de Samos. Era o rei mais feliz da terra; tão feliz, que começou a recear alguma viravolta da Fortuna, e, para aplacá-la antecipadamente, determinou fazer um grande sacrifício: deitar ao mar o anel precioso que, segundo alguns, lhe servia de sinete. Assim fez; mas a Fortuna andava tão apostada em cumulá-lo de obséquios, que o anel foi engolido por um peixe, o peixe pescado e mandado para a cozinha do rei, que assim voltou à posse do anel. Não afirmo nada a respeito desta anedota; foi ele quem me contou, citando Plínio, citando...
Z
Não ponha mais na carta. O Xavier naturalmente comparou a vida, não a um cavalo, mas...
A
Nada disso. Não é capaz de adivinhar o plano estrambótico do pobre-diabo. Experimentemos a fortuna, disse ele; vejamos se a minha idéia, lançada ao mar, pode tornar ao meu poder, como o anel de Polícrates, no bucho de algum peixe, ou se o meu caiporismo será tal, que nunca mais lhe ponha a mão.
Z
Ora essa!
A
Não é estrambótico? Polícrates experimentara a felicidade; o Xavier quis tentar o caiporismo; intenções diversas, ação idêntica. Saiu de casa, encontrou um amigo, travou conversa, escolheu assunto, e acabou dizendo o que era a vida, um cavalo xucro ou manhoso, e quem não for cavaleiro que o pareça. Dita assim, esta frase era talvez fria; por isso o Xavier teve o cuidado de descrever primeiro a sua tristeza, o desconsolo dos anos, o malogro dos esforços, ou antes os efeitos da imprevidência, e quando o peixe ficou de boca aberta, digo, quando a comoção do amigo chegou ao cume, foi que ele lhe atirou o anel, e fugiu a meter-se em casa. Isto que lhe conto é natural, crê-se, não é impossível; mas agora começa a juntar-se à realidade uma alta dose de imaginação. Seja o que for, repito o que ele me disse. Cerca de três semanas depois, o Xavier jantava pacificamente no Leão de Ouro ou no Globo, não me lembro bem, e ouviu de outra mesa a mesma frase sua, talvez com a troca de um adjetivo. "Meu pobre anel, disse ele, eis-te enfim no peixe de Polícrates." Mas a idéia bateu as asas e voou, sem que ele pudesse guardá-la na memória. Resignou-se. Dias depois, foi convidado a um baile: era um antigo companheiro dos tempos de rapaz, que celebrava a sua recente distinção nobiliária. O Xavier aceitou o convite, e foi ao baile, e ainda bem que foi, porque entre o sorvete e o chá ouviu de um grupo de pessoas que louvavam a carreira do barão, a sua vida próspera, rígida, modelo, ouviu comparar o barão a um cavaleiro emérito. Pasmo dos ouvintes, porque o barão não montava a cavalo. Mas o panegirista explicou que a vida não é mais do que um cavalo xucro ou manhoso, sobre o qual ou se há de ser cavaleiro ou parecê-lo, e o barão era-o excelente. "— Entra, meu querido anel, disse o Xavier, entra no dedo de Polícrates." Mas de novo a idéia bateu as asas, sem querer ouvi-lo. Dias depois...
Z
Adivinho o resto: uma série de encontros e fugas do mesmo gênero.
A
Justo.
Z
Mas, enfim, apanhou-o um dia.
A
Um dia só, e foi então que me contou o caso digno de memória. Tão contente que ele estava nesse dia! Jurou-me que ia escrever, a propósito disto, um conto fantástico, à maneira de Edgard Poe, uma página fulgurante, pontuada de mistérios, — são as suas próprias expressões; — e pediu-me que o fosse ver no dia seguinte. Fui; o anel fugira-lhe outra vez. "Meu caro A, disse-me ele, com um sorriso fino e sarcástico; tens em mim o Polícrates do caiporismo; nomeio-te meu ministro honorário e gratuito." Daí em diante foi sempre a mesma coisa. Quando ele supunha pôr a mão em cima da idéia ela batia as asas, plás, plás, plás, e perdia-se no ar, como as figuras de um sonho. Outro peixe a engolia e trazia, e sempre o mesmo desenlace. Mas dos casos que ele me contou naquele dia, quero dizer-lhe três...
Z
Não posso; lá se vão os quinze minutos.
A
Conto-lhe só três. Um dia, o Xavier chegou a crer que podia enfim agarrar a fugitiva, e fincá-la perpetuamente no cérebro. Abriu um jornal de oposição, e leu estupefato estas palavras: "O ministério parece ignorar que a política é, como a vida, um cavalo xucro ou manhoso, e, não podendo ser bom cavaleiro, porque nunca o foi, devia ao menos parecer que o é." — "Ah! enfim! exclamou o Xavier, cá estás engastado no bucho do peixe; já me não podes fugir." Mas, em vão! a idéia fugia-lhe, sem deixar outro vestígio mais do que uma confusa reminiscência. Sombrio, desesperado, começou a andar, a andar, até que a noite caiu; passando por um teatro, entrou; muita gente, muitas luzes, muita alegria; o coração aquietou-se-lhe. Cúmulo de benefícios; era uma comédia do Pires, uma comédia nova. Sentou-se ao pé do autor, aplaudiu a obra com entusiasmo, com sincero amor de artista e de irmão. No segundo ato, cena VIII, estremeceu. "D. Eugênia, diz o galã a uma senhora, o cavalo pode ser comparado à vida, que é também um cavalo xucro ou manhoso; quem não for bom cavaleiro, deve cuidar de parecer que o é." O autor, com o olhar tímido, espiava no rosto do Xavier o efeito daquela reflexão, enquanto o Xavier repetia a mesma súplica das outras vezes: — "Meu querido anel..."
Z
Et nunc et semper... Venha o último encontro, que são horas.
A
O último foi o primeiro. Já lhe disse que o Xavier transmitira a idéia a um amigo. Uma semana depois da comédia cai o amigo doente, com tal gravidade que em quatro dias estava à morte. O Xavier corre a vê-lo; e o infeliz ainda o pôde conhecer, estender-lhe a mão fria e trêmula, cravar-lhe um longo olhar baço da última hora, e, com a voz sumida, eco do sepulcro, soluçar-lhe: "Cá vou, meu caro Xavier, o cavalo xucro ou manhoso da vida deitou-me ao chão: se fui mau cavaleiro, não sei; mas forcejei por parecê-lo bom." Não se ria; ele contou-me isto com lágrimas. Contou-me também que a idéia ainda esvoaçou alguns minutos sobre o cadáver, faiscando as belas asas de cristal, que ele cria ser diamante; depois estalou um risinho de escárnio, ingrato e parricida, e fugiu como das outras vezes, metendo-se no cérebro de alguns sujeitos, amigos da casa, que ali estavam, transidos de dor, e recolheram com saudade esse pio legado do defunto. Adeus.

Fontes:
ASSIS, Machado de. Papéis avulsos. (Volume de contos, publicado em 1882). Costaflosi Ltda., 1998.
Imagem = http://www.relojoariauniversal.com.br

Djalma Silveira (Imperador)


Era uma vez um homem pacífico que era conhecido por toda a cidade por alimentar os pombos na praça central. Era conhecido por sua calma, correção e bom coração. Talvez por isso, era amigo de todos. Entre todos os pombos, havia um pelo qual tinha especial afeição, o qual chamava de Imperador, pois era belo, robusto e imponente.

Aconteceu que este homem, um dia, teve dificuldades financeiras, de modo que não teve dinheiro para comprar ração para suas amadas aves. Fez, então, um empréstimo com os sete irmãos. Estes eram os homens mais ricos da cidade, donos de vastas extensões de terra e grande variedade de negócios. Entre estes negócios, emprestavam dinheiro a juros.

Ao chegar a data do pagamento da dívida, ocorreu que Jeremias conclui não ter condições de quita-la, de modo que viajou para a casa de parentes. Ele temia a reação dos sete irmãos, conhecidamente brigões e muito duros na condução dos seus negócios. Apesar de serem muito amáveis, quanto não havia dinheiro envolvido. Jeremias também esperava, durante sua ausência, que não passaria de uma semana, obter o dinheiro necessário para resolver o problema.

Passado o dia combinado para o pagamento, os sete irmãos enviaram um mensageiro para chamar Jeremias a dar explicações sobre o atraso. Foi assim que souberam de sua viagem, o que os deixou furiosos. Jeremias havia deixado, com um vizinho, o recado de que retornaria dentro de uma semana, pois atenderia uma emergência familiar.

Um dos sete irmãos questionou sobre a alimentação dos pombos durante sua ausência e, em comum acordo resolveram alimenta-los nesse período. Cada irmão iria à praça durante um dia e daria ração às aves. Naquele mesmo dia, um deles fez o combinado e, dirigindo-se à praça, pôs-se a alimentar os pombos. No entanto, quando Imperador se aproximou, passando à frente dos demais, ele o chutou violentamente. O pombo voou longe com o chute, chocando-se contra um banco de concreto que lá havia. Gravemente ferido, ensaiava mover-se arrastando-se como podia, talvez buscando ajuda.

No dia seguinte, o outro irmão dirigiu-se à praça e pôs-se a alimentar os pombos, o que muito o agradou. Mas, vendo o pombo ainda a arrastar-se, o chutou, de modo que Imperador chocou-se contra a roseira, cortando-se nos espinhos que lhe furaram um olho. O sangue e o pó da terra cobriram a brancura da linda ave, que agora tornava-se uma figura horrenda.

Nos dias seguintes, os outros irmãos repetiram o ritual de atirar ração às aves e chutar Imperador, que resistiu bravamente até o último golpe do último irmão, onde deu seu último suspiro. A esta altura, todos fugiam dele, que estava completamente coberto de sangue, sujo, desfigurado e, mesmo assim, se arrastava assustadoramente.

Jeremias retornou de viagem dez dias após sua partida e dirigiu-se logo à praça para ver suas queridas aves. Elas voaram em torno dele saudando sua volta, como se quisessem brincar consigo. E ele ficou feliz por vê-las tão bonitas e alegres. Mas ficou triste ao ver, num canto da praça, uma pomba coberta de bichos.

Um passante dirigiu-se agitado ao seu encontro contando para ele o que ocorrera. Jeremias, ouvindo as palavras do amigo, pôs-se, então, a chorar incontrolavelmente, com as mãos cruzadas sobre o peito e caindo de joelhos no chão. O amigo, vendo aquilo, foi embora, sem que Jeremias percebesse, pois temia que um dos irmãos aparecesse.

Foi então que Jeremias dirigiu-se até o local de trabalho dos sete irmãos. O mesmo onde pegara o empréstimo, dias atrás. Com uma mala na mão. Chegando ao local, encontrou, por acaso, todos eles reunidos, conferenciando e, dirigindo-se a todos, pediu desculpas por ter partido fugindo ao compromisso que assumira. Tirou dos bolsos todo o dinheiro de que dispunha, tirou também o seu relógio e os óculos e os colocou na mesa mais próxima, juntamente com a mala que, então, abriu. Dentro da mala havia roupas, algumas quase novas, um par de sapatos – o único que tinha, pois estava descalço - e outros objetos miúdos. Disse que aquilo era tudo que possuía, e que se dispunha mesmo a dar da própria roupa que vestia, se eles achassem que poderiam vendê-la.

Um dos irmãos analisou o tecido de sua calça e camisa e disse que ficaria com eles e que descontaria seu valor da dívida. Jeremias tirou as peças oferecidas e aceitas e as colocou na mesa, junto com os outros objetos. Disse, neste instante, que não descansaria enquanto não pagasse tudo o que devia e que nunca mais fugiria a seus compromissos, a que os irmão acenaram positivamente com a cabeça. Um deles, então lembrou a Jeremias, que eles haviam alimentado os pombos na sua ausência e que achava que ele deveria ressarci-los desta despesa e mesmo agradecê-los por esse gesto humanitário.

Jeremias reconheceu a ação positiva dos seus credores e muito agradeceu, concordando em somar essas despesas ao total de sua dívida para com eles. Então, outro irmão lembrou Jeremias que, quanto mais demorasse a pagar, mais juros pagaria, mas que não cobrariam nem um centavo além do que era justo. E Jeremias acedeu reconhecendo a correção da sua atitude.

Quando Jeremias se dirigia até a porta de saída, outro irmão levantou-se e lembrou o que fizeram a Imperador. Disse que lamentava tudo aquilo, mas alguém tinha que pagar pelo seu erro, uma vez que ele se ausentara. No final, Jeremias é que seria o responsável pelo sofrimento e morte do seu querido amigo que, se não fosse preferido de Jeremias, nada teria sofrido. Aquilo deveria servir de lição a ele, para que não repetisse o mesmo erro.

As lágrimas invadiram os olhos de Jeremias que afirmou ter aprendido a lição e que assumia toda a responsabilidade pelo que aconteceu. Outro dos irmãos, levantando-se, afirmou que era bom mesmo que tivesse aprendido a lição. E outro irmão levantou-se alertando Jeremias para que não fugisse novamente de seus compromissos, para que outros não sofressem em seu lugar.

Jeremias acenou afirmativamente com a cabeça e saiu dali, impossibilitado de falar e convulsionado em lágrimas de tristeza por Imperador e pela humilhação a que tivera de se submeter. Ele era artesão e pôs-se a trabalhar dia e noite na madeira, produzindo obras de uma perfeição assustadora! Esculpia pombos parecidos com Imperador que pareciam ter vida na expressão do olhar.

A cada peça que vendia, levava o dinheiro para os sete irmãos, que agradeciam sorrindo-lhe amigavelmente. Vestido somente com um calção ficou Jeremias, até vender a última peça e, assim, quitar sua dívida. Neste ponto, turistas e comerciantes locais cobravam por novas peças, todos prometendo que sua arte era inigualavelmente bela e que ele poderia pensar grande.

Mas, Jeremias trabalhava somente para Imperador, cuja beleza não cansava de retratar a partir da imagem que guardava na memória. E assim fez, hora após hora. Dia após dia. Ano após ano. E, assim, comprou novas roupas, alimentando seus amados pombos e celebrando a memória daquele ser inocente que tanto sofrera em vida por um erro seu.

Fontes:
http://www.blocosonline.com.br/literatura/
Imagem = http://images.quebarato.com.br/

Waldir Araújo (Poesia da República de Guiné-Bissau)

Bandeira de Guiné-Bissau
Raiar

Desabrochei nas vésperas do cântico da liberdade
Cresci pueril emaranhado nos ecos de uma epopéia
Acreditando por ser acreditar a grande verdade
Entoei os cânticos de louvor à morte da centopéia

O tempo emprestou-me a tenacidade da dúvida
E do tempo, aliado me fiz e da dúvida a espada
Segui os rastos da vontade de entender tal vida
A realidade vislumbrou-me uma dureza pasmada

Questionei os dogmas para saber mais além
Cruzei saberes e dissabores na alma atormentada
E do além ainda distante, do saber muito aquém...
Exorcizei com versos a tormenta alimentada

No presente, nada mais é do que o não adquirido
Nada mais se disfarça para dúvidas semear
No presente, não mais vago é o caminho escolhido
Ladeando a realidade sim, com o sonho no limiar
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Despertar

Ergui a taça do vinho e num só gole
Traguei a essência das palavras, engoli
Gota-a-gota as frases deslizaram-se adentro
Sereno, repudiei as faces carentes de alento

Ergui a voz e soltei as frases dilacerantes
As palavras que ansiavam, escutaram, inertes.
Os gestos imobilizaram-se, olhares húmidos!
Do verbo, deslizei-me então nos gerúndios:

Querendo, lutando, acreditando, negando
Provoquei, invocando o medo sonegado
Dos murmúrios pedi barulho, agitação
Dos olhares vagos se projetaram ação

Ergui o olhar e vislumbrei um céu nebuloso
O prenúncio de uma noite no fundo do poço
Invoquei as divindades num parco discurso
E fez-se luz! Escolhemos outro percurso!
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ÍMPAR

Certezas são âncoras de um forte querer
razões que me levam a não seguir por aí
a seguir distante de tudo, perto de mim

PODER!

poder é não hesitar e partir
enfrentar os trilhos da indiferença
que rotulam os desalinhados e ser

SER!

ser assim e daqui distante
estar aqui sem unanimidade
ser singular para não rimar

QUERER!

querer o impossível e realizar
abraçar o diferente sem medo
na presença entre iguais, ser ímpar!
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Iniciação do Ser

Rasga os pergaminhos
Rompe com os mesquinhos
Inverte esta desordem
Cães ruidosos não mordem

Vento, sopra de avesso
Sem poeira nem arremesso
Todo esse querer é livre
Livre, com garras de tigre

Entoa o tal cântico
Que desafia o mítico
Atravessa o deserto
Vai, destino incerto

Revoluciona o tal verbo
Da palavra, torna-te servo
Do horizonte, fita o futuro
Por fim, salta do muro!
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Murmúrios

Dizem que são murmúrios os ecos
que chegam do fundo deste mar
São palavras soltas aos ventos
frases melódicas para somar

Murmúrios que escondem feitiços
segredos e estórias por desmontar
São lamentos de cores mestiços
São sombras desenhadas ao luar

No fundo deste mar o silêncio fala
grita e clama como a força das marés
Não longe essa voz alguém embala
Não longe os ecos se escutam no convês

No fundo deste mar há tormentos
Há vontade de um silêncio romper
Querer e vontade não são lamentos
No fundo, este mar esconde um poder!
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Sobre o Autor
Waldir Araújo nasceu em 1971, na Guiné-Bissau. Desde muito cedo que mostra interesse pela literatura. Em 1985 vence um prémio literário no Centro Cultural Português de Bissau que lhe concede a sua primeira viagem a Portugal, onde prosseguiu os estudos. Freqüenta o curso de Direito em Lisboa, que acaba por abandonar, para abraçar o Jornalismo. Desde 1996 que é jornalista, exercendo atualmente a profissão na RTP, Rádio e Televisão de Portugal - Canal África.
Em Fevereiro de 2008 publica o seu primeiro livro, uma recolha de contos intitulado "Admirável Diamante Bruto e Outros Contos" que veio apresentar na 27ª Feira de Livro de Brasília. Tem vários textos, prosa e poesia publicadas dispersamente em revistas e jornais literários de Portugal e Brasil.

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/

República da Guiné-Bissau



- Gentílico: guineense; guineano; guinéu
- Capital: Bissau
- Língua oficial Português (oficial); crioulo da Guiné-Bissau (reconhecido mas não oficial)
- Governo: República
- Independência de Portugal
Declarada 24 de setembro de 1973
Reconhecida 10 de setembro de 1974

Área
- Total 36 544 km² km² (136º)
População
- Estimativa de 2008 1 472 446 hab. (146º)
- Densidade 44 hab./km² (154º)
- Alfabetização 44,8% (166º)
- Moeda Franco CFA da África Ocidental (XOF)

A Guiné-Bissau é um país localizado na costa ocidental de África, estendendo-se, no litoral, desde o Cabo Roxo até a ponta Cagete. Faz fronteira, a norte, com o Senegal, a este e sudeste com a Guiné e a sul e oeste com o Oceano Atlântico. Além do território continental, o país integra ainda cerca de oitenta ilhas que constituem o arquipélago dos Bijagós, separado do Continente pelos canais do rio Geba, Pedro Álvares, Bolama e Canhabaque.

Foi uma colónia de Portugal, desde o século XV até à sua independência, em 1974. O primeiro navegador e explorador português a chegar à Guiné-Bissau foi Álvaro Fernandes em 1446. A vila de Bissau foi fundada em 1697, como fortificação militar e entreposto de tráfico negreiro, que mais tarde viria a ser elevada a cidade, e a capital da Guiné-Bissau após sua independência. Faz parte da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), Nações Unidas, PALOP e União Africana.

História
Posto de controle montado pelo PAIGC na Guiné-Bissau em 1974, depois da declaração de independência.Guiné-Bissau foi previamente uma parte do reino de Gabu, pertencente ao Império Mali; partes do reino existiram até o século XVIII. Apesar dos rios e costa dessa área terem sido uma das primeiras partes colonizadas pelos portugueses, o interior só foi explorado a partir do século XIX. Uma rebelião começada em 1956 pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderado por Amílcar Cabral, consolidou o seu controle sobre o país em 1973. A independência foi declarada unilateralmente em 24 de setembro de 1973, sendo reconhecida por dezenas de países nos meses que se seguiram, sobretudo comunistas e africanos. A antiga metrópole colonial só a reconheceu na Revolução dos Cravos, em 1974, revolução essa que decorreu em larga medida do fracasso português nessa pequena colónia. O país foi controlado por um conselho revolucionário até 1984. As primeiras eleições pluripartidárias aconteceram em 1994, mas um golpe militar em 1998 depôs o presidente e mergulhou o país numa guerra civil (1998-1999). Eleições novamente ocorreram e em 2000, Kumba Yalá foi eleito.

Em Setembro de 2003, outro golpe militar aconteceu, e, desta vez, o presidente Yala foi preso, sob a alegação de que era incapaz de resolver problemas. Após ter sido adiada por inúmeras vezes, eleições legislativas aconteceram em abril de 2004. Um motim em diversas facções das forças armadas em outubro de 2004 resultou na morte do comandante mor das forças do país, causando comoção por todo o país.

Em 2005 houve novas eleições presidenciais ganhas por João Bernardo "Nino" Vieira (o presidente deposto em 1998), ainda que envoltas em polémica. Estas eleições não impediram a continuação de um processo de degradação do país, em todos os domínios, com o narcotráfico (encaminhamento de drogas da América Latina para a Europa) a dominar a cena cada vez mais.

Em 1 e 2 de março de 2009 um golpe de Estado derruba Nino Vieira, que acabaria por ser morto.

Divisão Regional
Guiné-Bissau é dividida em oito regiões e um sector autónomo:

Bafatá (capital: Bafatá)
Biombo (capital: Quinhamel)
Sector autónomo de Bissau (Capital: Bissau)
Bolama (capital: Bolama)
Cacheu (capital: Cacheu)
Gabu (capital: Gabu)
Oio (capital: Farim)
Quinara (capital: Quinara)
Tombali (capital: Catió)

Geografia
O País estende-se por área de baixa altitude, seu ponto mais elevado está a 300 metros (acima do nível do mar). O interior é formado por savanas, e a costa por planície pantanosa. O período de chuvas alterna-se com outro de seca, com ventos quentes vindos do deserto do Saara. O arquipélago de Bijagós situa-se ao longo da costa.

Clima
A Guiné-Bissau tem um clima tropical. Situada sensivelmente a meia distância entre o equador e o trópico de Câncer, a Guiné-Bissau tem um clima quente e úmido característico das regiões tropicais. Tem duas estações: a quente e da da época das chuvas, o pais também e composto por mais de 80 ilhas insulares que tem uma das melhores praia de costa da africa ocidental.

A época das chuvas começa em meados do mês de Maio e estende-se até meados de Novembro. Os meses de maior pluviosidade são Julho e Agosto. A estação seca e fresca corresponde aos restantes meses do ano. Os meses de Dezembro e Janeiro são os mais frescos. No entanto, as temperaturas são muito elevadas durante todo o ano.

Demografia
A população da Guiné-Bissau é constituída por mais de 20 etnias, com línguas distintas, costumes e estruturas sociais. A maioria da população vive da agricultura e professa religiões tradicionais locais, outros 45% pratica o islamismo, e as línguas mais faladas são o Fula e o Mandinga de povos concentrados no norte e no nordeste. Outros grupos étnicos importantes são os Balanta e Papel, que vivem na costa sul assim como os Manjaco e os Mancanha que ocupam o centro e o norte (nas regiões costeiras).

Expectativa de vida ao nascer:
Homem: 46.77 anos
Mulher: 51.37 anos (2000)
Taxa de natalidade: 5.27 crianças por mulher (2000)
Grupos étnicos: Africano 99% (Balanta 30%, Fula 20%, Manjaca 14%, Mandinga 13%, Papel 7%), Europeus e outros: menos que 1%
Religiões: crenças indígenas 50%, muçulmana 45%, cristianismo 5%
Total da população: 53.9%
Homem: 67.1%
Mulher: 40.7% (1997)

Economia
BissauGuiné-Bissau encontra-se abaixo de um programa de ajuste estructural da FMI, e depende fortemente da agricultura e da pesca. O preço das castanhas de caju aumentou invejavelmente em anos recentes, e hoje o país encontra-se em sexto na produção mundial do produto. A Guiné-Bissau exporta peixe e mariscos juntamente com amendoim, semente de palma e madeira. As licenças para a pesca são uma fonte de receitas do governo. O arroz é o cereal mais produzido e comida típica.

As lutas intermitentes entre as tropas revolucionárias apoiadas pelo Senegal e a junta militar que controlava o país destruiu grande parte das infraestruturas do país e causaram danos em todas as suas regiões em 1998; a guerra civil fez cair o PIB em 28% naquele ano, com uma recuperação parcial em 1999. A produção agrícola caiu à volta de 17% durante o conflito, assim como a produção de castanhas de caju caíram até 30%. Piorando a situação, no ano 2000 o preço das castanhas caíram em 50% no mercado internacional, aumentando a devastação começada com a guerra civil.

Antes da guerra, as reformas mais bem-sucedidas do governo foram a reforma comercial e a liberalização dos preços, tudo sob a tutela do FMI (Fundo Monetário Internacional). A austeridade fiscal e o incentivo ao desenvolvimento do sector privado deram novo fôlego à economia. Após a guerra civil, as medidas de recuperação lançadas pelo governo (novamente com a ajuda do FMI e também do Banco Mundial) trouxeram alento à debilitada economia e recuperaram o PIB em 8% em 1999.

Em dezembro de 2000 a Guiné-Bissau tentou uma ajuda internacional de de U$800 milhões para a estratégia de redução da pobreza, que deverá ser colocado em prática em 2002. O país só começará a receber boa parte da quantia quando responder a necessidades básicas. A prospecção de petróleo e de fosfato e outros recursos minerais vão começar a ser explorados em 2010. O País também possui petróleo a ser explorado na zona de exploração conjunta com o Senegal. A economia guineense começou nos últimos 3 anos a conhecer novos avanços, e segundo o FMI a economia guineense vai crescer este ano 2.3% devido ao aumento da produção e exportação da castanha de caju, e receitas das licenças de pescas. O país está optimista pois já existem grandes empresas multinacionais com investimentos no país em diferentes áreas, principalmente no turismo.

Cultura

Guiné-Bissau possui uma herança cultural bastante rica e diversificada. Esta cultura, que varia de etnia para etnia, passando desde a diferença linguística, a dança, a expressão artística, a profissão, a tradição musical até as manifestações culturais.

A dança é, contudo, uma verdadeira expressão artística dos diferentes grupos étnicos.

Os povos animistas caracterizam-se pelas suas belas e coloridas coreografias. No dia a dia, estas fantásticas manifestações culturais podem ser observadas na altura das colheitas, dos casamentos, dos funerais, das cerimônias de iniciação.

O estilo musical mais importante do país é o gumbé. O carnaval guineense é completamente original, com caracteríticas próprias, tem evoluído bastante, constituindo uma das maiores manifestações culturais do País.

O músico José Carlos Schwarz é ainda hoje considerado um dos maiores nomes de sempre da música guineense.

Hino Nacional (Esta é a Nossa Pátria Bem Amada)

Sol, suor e o verde e mar,
Séculos de dor e esperança!
Esta é a terra dos nossos avós!
Fruto das nossas mãos,
Da flôr do nosso sangue:
Esta é a nossa pátria amada

Refrão
Viva a pátria gloriosa!
Floriu nos céus a bandeira da luta.
Avante, contra o jugo estrangeiro!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
(repete as três linhas anteriores)
Paz e o progresso!

Ramos do mesmo tronco,
Olhos na mesma luz:
Esta é a força da nossa união!
Cantem o mar e a terra
A madrugada e o sol
Que a nossa luta fecundou,

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

Dicionário do Folclore (Letra D)



DANDALUNDA. É como também se chama Iemanjá, Anambunucu, Dona Janaína, Mãe Dandá. Veja IEMANJÁ
DANTE DE LAYTANO nasceu no dia 23 de março de 1908, na cidade de Porto Alegre, RS. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de Porto Alegre. Foi juiz municipal de Sobradinho (RS) e de Torres (RS), promotor público da Comarca de Cachoeira do Sul (RS) e consultor jurídico da Secretaria de Agricultura. Professor Catedrático da Faculdade de Filosofia da PUC, professor de Literatura da Língua Portuguesa, do Curso de Jornalismo e professor catedrático da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Rio Grande do Sul, Dante Laytano, pertencendo a diversas organizações culturais, é cronista, crítico literário, sociólogo. Na área de Folclore publicou Congadas (1945), A estância gaúcha (1952), Pequrno esboço de um estudo do linguajar gaúcho-brasileiro (1961) e O folclore do Rio Grande do Sul (1987).
DA-REDE-RASGADA. Diz-se da pessoa que não leva nada a sério. Alguém metido a besta, insolente. Moça mal comportada.
DAR-O-NÓ. Significa casar. Significa, também, quando qualquer problema ficou difícil, como na expressão: "Agora, deu-o-nó. E não há quem desate".
DAR-O-PIRA. Ir embora, se mandar, sumir, desaparecer, escafeder-se.
DEDOS. Os passatempos e as brincadeiras feitas com os dedos são muito interessantes. O nome dado aos dedos pelas crianças é de origem portuguesa: dedo mindinho, seu vizinho, maior de todos, fura-bolo, cata-piolho. As formas eruditas, usadas pelos adultos, são: mínimo, anular, médio, indicador e polegar. Tem a brincadeira feita com as criancinhas: "Dedo mindinho, seu vizinho, maior de todos, fura-bolo e cata-piolho. Depois toca-se na palma da mão da criança, perguntando: Onde está o bolinho que deixei aqui? O gato comeu, responde. Vai-se subindo pelo braço, cocegando e dizendo em cada parada: aqui descansou, aqui almoçou, aqui comeu, aqui parou e sobe-se até as axilas, fazendo cócegas: está aqui, está aqui. Outra brincadeira: toca-se em cada dedo da criança dizendo: "Este diz que quer comer; este diz não ter o que; este diz que vai furtar; este diz que não vá lá; este diz que Deus dará!" É com os dedos que se dá cafuné. (Ver CAFUNÉ). Com os dedos é feita a brincadeira de cama-de-gato. (Ver CAMA-DE-GATO). Até na linguagem popular vamos encontrar os dedos na boca do povo, como na expressão: "Dei dois dedos de prosa com ele". O dedo indicador serve para mostrar a direção de uma rua, de uma casa, de uma pessoa, e também acionar o gatilho das armas de fogo. Os dedos tocam instrumentos de corda. Dizem umas pessoas engraçadas que a gente devia ter um olho na ponta do dedo indicador.
DEFUNTO. As viúvas para não pronunciarem o nome dos maridos, em suas conversas, dizem: - "O defunto do meu marido..." O morto também é o finado, o falecido, além de defunto. Nas notícias policiais o morto é o cadáver, como nas manchetes: "O cadáver da vítima foi encontrado dias depois", etc. Mas essa, viúvas herdaram esse tabu de não pronunciarem o nome de seus falecidos esposos, dos australianos, polinésios, mongóis, tuaregues, acambas da África Central.
DEIXADA. É o nome que se dá à mulher abandonada pelo marido: - "Fulana não é solteira, nem viúva. É deixada!" A expressão é comum no Nordeste.
DEIXE-OS-PATOS-PASSAR. É uma expressão baseada num conto popular meio esquecido. Também se usa carneiros em lugar de patos. Significa alguma coisa que não acaba nunca, que jamais acontecerá, como na expressão no dia de são nunca.
DENDÊ. O dendê é um azeite indispensável na culinária afro-brasileira. A palmeira que dá o dendê é encontrada em todo o litoral africano do Atlântico e foi trazida para o Brasil pelos escravos africanos. Na linguagem popular pernambucana, dendê quer dizer pitéu, gostoso, coisa boa, apreciável; também coisa difícil, obstáculo.
DENTES. Os dentes são usados nos amuletos para combater o mau-olhado. Quando colocados no pescoço das crianças facilitam uma dentição forte, principalmente os de jacaré e da aranha-caranguejeira. Na Europa, colares feitos com dentes de tubarão e cação-lixa livram as crianças do medo. Entre os africanos e ameríndios os dentes do inimigos abatidos eram os troféus de maior valor. A criança atira o dente extraído da primeira dentição (os chamados dentes de leite) pra cima do telhado da casa, dizendo: "Mourão, Mourão toma teu dente podre, dá cá meu dente são!". Esse hábito tornou-se muito popular no Brasil. Também se usa atirar o dente no mar, para trazer felicidade para a criança. Na sabedoria de muitos países corre a expressão "Olho por olho, dente por dente", significando que as pessoas devem pagar o mal com o mal e o bem com o bem.
DESAFIO. O desafio é uma disputa entre poetas cantadores e que, vindo de Portugal, foi, no Nordeste onde melhor se aclimatou. O desafio é acompanhado por viola, na maioria dos casos. Outros cantadores nordestinos, como o negro Inácio da Catingueira, usavam, nos desafios, também o pandeiro. Os desafios são verdadeiras pelejas entre os cantadores que procuram diminuir as qualidades e aumentar os defeitos dos parceiros, mas que no fim dá tudo certo, de vez que tudo não passou de uma cantoria.
DESPACHO. Despacho é feitiço, macumba, ebó, coisa-feita. O ebó ou despacho é de procedência africana. Muitas vezes basta uma pequena quantidade de pipocas, embrulhos com farinha e azeite-de-dendê ou outros objetos usados na feitiçaria, para se fazer um despacho que deve ser jogado na direção da pessoa a quem se quer fazer mal.
DIABO. Veja CÃO.
DIA-DA-MENTIRA. Tudo começou em 1564, quando Carlos IX, rei da França, determinou que o ano começasse no dia primeiro de janeiro, no que foi seguido por outros países da Europa e, depois, por quase todos os países do mundo. É claro que no início a confusão foi geral, de vez que os meios de comunicação eram inexistentes. Não havia, na época, rádio, nem mesmo o jornal, pois a invenção da imprensa, por Gutemberg, só aconteceu muitos anos depois. Antes do rei Carlos IX determinar que o dia primeiro de janeiro fosse o começo do ano, este tinha início no dia primeiro de abril, o que resultou ficar conhecido como o dia-da-mentira, por causa das brincadeiras feitas com intenção de fazer rir. Surgiram, então, as brincadeiras em todo o mundo, como a da carta que se mandava por um portador destinada a outra pessoa, na qual se lia: - "Hoje é primeiro de abril. Mande este burro para onde ele quiser ir".
DIA-DE-SÃO-PAGAMIÃO. É um santo também imaginário, inventado pelo povo como o Dia-de-São-Nunca. O Dia-de-São-Pagamião tem dia certo; é o dia em que as pessoas recebem seus salários: "Eu só lhe pago no dia-de-São-Pagamião".
DIA-DE-SÃO-NUNCA. Nunca é um santo que não existe; é um santo criado pela imaginação popular. "Só lhe pagarei no dia-de-São-Nunca", isto é, nunca o pagamento da dívida será efetuado.
DINHEIRO. É bom o recebedor persignar-se (fazer o sinal da cruz) com o primeiro dinheiro que ganhar com seu trabalho, para que nunca lhe falte o que fazer.
DOBRADIÇA. A dobradiça é um passo com que o dançador do frevo marca o compasso da música carnavalesca, dobrando várias vezes a cintura, como se fosse uma dobradiça de porta. A coreografia do frevo – o passo – é muito rica.
DOIS-DOIS. É o nome que o povo dá, na Bahia, aos santos Cosme e Damião, festejados no dia 27 de setembro, com refeições oferecidas a sete crianças, seguindo-se o almoço dos adultos e danças, diante do peji ou altar onde estão as imagens dos santos gêmeos. A dança é muito animada, ao som de um atabaque e de um agogô.
DONA SANTA. O nome de dona Santa era Maria Júlia do Nascimento, mas seus familiares lhe deram o tratamento de Santa, Santinha por ser uma menina muito dócil e querida de todos. Foi escolhida como rainha do Maracatu Leão Coroado. Até que seu marido – João Vitorino – foi coroado rei da Nação Elefante, quando deixou de ser rainha. Mas quando o marido morreu, Dona Santa assumiu a direção do Maracatu Elefante até sua morte, em 1962. O acervo do Maracatu Elefante foi doado à Fundação Joaquim Nabuco.
DOR-DE-COTOVELO. 1. Também chamada de dor-de-viúva; é uma dor mais ou menos forte e rápida, causada por uma pancada no cotovelo onde fica situado o nervo cubital; 2. Na linguagem popular, é a situação em que fica o namorado (a) quando o namoro acaba e um dos dois fica roendo, sentindo a falta do outro parceiro.
DOR-DE-VIÚVA. Veja DOR-DE-COTOVELO
DORMIR. Quando a pessoa está dormindo, sua alma deixa o corpo e viaja. Antes de dormir, os católicos dizem uma oração, recomendando sua alma a Deus, pedindo proteção para que ela não sofra influência de forças malignas, para que volte ao corpo da pessoa. Uma série de crendices tem o ato de dormir como tema: a pessoa não deve dormir com sede, porque o anjo da guarda levanta-se de noite para beber água e pode se afogar no pote; não dormir com a casa sem água porque a alma pode sentir sede e procurar os rios, os lagos, as cacimbas e se cair dentro d'água, o corpo morre; não dormir em cima da mesa, porque dá azar, como também, não dormir com os pés para a porta da rua.
DUNGA. É o valentão, o homem que não tem medo de nada, nem de ninguém. É o chefe do bando, da galera. É o chefe político local, o mandão, que tudo resolve e todos lhe obedecem.

Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br

segunda-feira, 2 de março de 2009

Bruno Ramalho (Teia de Poesias)


Doze versos

Irremediavelmente aprisionado
indubitavelmente acorrentado
iludidamente alucinado
insanamente descontrolado
incrivelmente debilitado
incessantemente agitado
imparcialmente abobalhado
infinitamente fascinado
inusitadamente poetizado
impossivelmente libertado
impacientemente irritado
simplesmente apaixonado.
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Uma Cadeira

Em conversa com a solidão,
por acidente de um fim de tarde,
descobri que meu corpo arde
de poesia sem explicação.

Decerto, outrora me acharia louco,
mas agora um bobo sem inspiração,
dedicando a ela todo o coração,
o que, um dia, a outrem dediquei tão pouco.

Assim, pela arte que em mim não morre,
e sobrevive, sim, à linha mais torta,
fiz estes versos a uma cadeira,
que, por acaso, segurava a porta.
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Mundo em vão

Medo
da sombra do demo,
do tempo e do feno que iria comer,
do cão que me late,
do cão que me bate,
medo da água que iria beber.

Medo
de todas as faces da desilusão,
do mundo em vão a se conhecer,
da morte que corre,
da morte que morre
no medo da vida que iria sofrer.
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Gaivotas

Aquele que espera
é o mais sábio dos homens
ou o mais sensato dos apaixonados.

O mais amante dos poetas
ou o mais louco dos anjos.

Aquele que espera
é o mais fraco dos jovens
ou o mais tonto dos sóbrios.

O mais belo dos tristes
ou, quem sabe,
a mais leve das gaivotas.
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Ontem

ontem tudo parecia tão presente...
sequer me dava conta do esperado.

o depois torna-se antes tão de repente:
eu pisco os olhos e o que sou já é passado.

ontem hoje parecia tão distante,
mas o tempo é traiçoeiro, prega peças.

tu, destino, eras menino e tão errante,
e agora, pasmes, em tuas barbas te tropeças!

e eu envelheço, a cada dia, mais aberto,
e, a cada minuto passado, mais amante...

o meu desejo, a cada ruga, é mais desperto.
ah! como hoje me parecia distante...

e cada verso, agora, entrega-se em promessa
do amor em ciclo, nato e morto com o poente.

como essa vida corre... eu tenho pressa.
ah! como ontem me parecia o presente...
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Não

Não.
A palavra ecoa na sala vazia dos meus pensamentos.

E eu não quero ser a pedra no caminho,
mesmo que esteja sozinho.
E eu não quero ser o espinho da flor,
mesmo que a mão não me toque.
E eu não quero ser substituto,
mesmo que seja um ator.
E eu não quero ser igual,
não quero ser teatro,
não quero ser amor.

Não.
Mesmo que seja doloroso.

E eu não quero ser obrigação,
mesmo que de coração.
E eu não quero ternura,
mesmo que pura.
E eu não quero o sorriso,
mesmo que seja preciso.
E eu não quero querer,
não quero ser verdade,
não quero saudade.

Não.
Mesmo que o sim seja mais fácil.
E eu não quero perseguir um ideal,
mesmo que seja normal.
E eu não quero ser mais um vazio,
mesmo que haja fastio.
E eu não quero ser diferente,
mesmo que venha a ser.
E eu não quero poente,
não quero nascer,
não quero querer.

Não.
Mesmo que seja pouco o tempo.

E eu não quero ser beijo,
mesmo que haja o desejo.
E eu não quero ser fonte,
mesmo que exista a sede.
E eu não quero ser tudo,
mesmo que tudo seja pouco.
E eu não quero ser frio,
não quero ser verso,
não quero ser louco.

Não.
Mesmo que eu tenha forças.

E eu não quero ser mal,
mesmo que o bem esteja morto.
E eu não quero ser imã,
mesmo que a atração seja vital.
E eu não quero ser alimento,
mesmo que eu seja tesão.
E eu não quero ser deus,
não quero lamento,
não quero paixão.

Não.
Mesmo que as palavras sejam ditas.

E eu não quero respostas,
mesmo que eu seja pergunta.
E eu não quero propostas,
mesmo que eu puxe o assunto.
E eu não quero sangria,
mesmo que o fim esteja perto.
E eu não quero ser dono do mundo,
não quero universo,
não quero um deserto.

Não.
A palavra ecoa na sala vazia dos pensamentos.

E eu não quero ser lágrima,
mesmo que sertão.
E eu não quero ser história,
mesmo que de glória.
E eu não quero ser mera lembrança,
mesmo que de criança.
E eu não quero vitória,
não quero segredo,
não quero memória.

Não.
Mesmo que pareça romântico.

E eu não quero ser poesia,
mesmo que a lua me peça.
E eu não quero heresia,
mesmo que um dia eu mereça.
E eu não quero calor,
mesmo que nada me aqueça.
E eu não quero leitura,
não quero tristeza,
não quero deixar de escrever.
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Sobre o autor
Bruno Ramalho nasceu em 1978 na cidade do Rio de Janeiro e é medico formado pela Universidade Federal de Uberlândia (MG). Publicou sua primeira obra, "A penúltima coisa que se faz", como produção independente. Participou do 1° Concurso Nacional de Poesias Regina Lima, alcançando a 12a. colocação com "Memória". Teve poesia publicada na antologia de poesias, contos e crônicas da Editora Scortecci, em 2000, "Encontro com a palavra".


Fontes:
RAMALHO, Bruno. A penúltima coisa que se faz. MG: Ed. autor, 1999.
Biografia = http://www.netsaber.com.br/

Caio Tozzi (Postal)



Como de costume, colocou os dois pratos sobre a mesa. Não havia sorriso, não havia fome. Enquanto a comida esfriava, a tempestade fazia barulho ao bater no teto. Vez ou outra se ouvia as rajadas do trovão, ainda que distantes. A mão delicada de Madalena aproximou-se lentamente da janela, como um arrepio que sobe pela espinha. Aquela janela velha de madeira, azulada como quisera, se prendia pela tranca, mesmo estando contra o vento que vinha do oceano. Tivera medo do que estava lá fora, diante dela. Mas o rosto também chegou mais perto. Quem estava longe não veria os imensos olhos negros observarem pela fresta do vitral o lado de fora. Fechou abruptamente, com todos os sonhos que aquela mulher poderia ter.

O aceno, o último olhar, se transformava naquela luz que aparecia no mar. Subindo e descendo, subindo e descendo, subindo assim, descendo de lá. As ondas aumentavam, e a luz ao longo do horizonte, ia se distanciando. Um uivo de vento passava pela casa pequena, silenciosa. Se prestasse atenção, fazia-a tremer. A mão pequena fechava-se como se não pudesse mais agir. A flecha fora atirada. A palavra dita. Chegara sorrindo, queimado de sol.

— Descobri meu grande sonho.

Descobrir os sonhos pode custar caro.

— Quero conhecer o mundo.

Conhecer o mundo era ter ele todo para si.

— Você não pode conhecer o mundo.

— Posso. — Olhou para o mar.

— Então me leva.

— É perigoso.

— Então não vá.

Perde-se a luz de vista, mas logo surge mais pequenino, quase caindo no céu. Pedido fora negado.

— Meu sonho é conhecer o mundo — repetia.

A vida continuava, debaixo de sol ou sob a chuva fria que molhava rostos, com a mesma intensidade que a lágrima lhe escorria. E se perguntou, porque está arrumando suas coisas, por que seu barco está aí na frente. Entendera, mas não quis acreditar. Era o mundo que estava pronto para receber. O céu começou a fechar.

— Quero conhecer o mundo também — pegou-o pelo braço.

Beijou-lhe na despedida, assim como beijou a barriga que traria alguém para conhecer o novo mundo. Acariciou ternamente. Filho do adeus. A luz se apagou lá longe. O mar ainda revolto, revirava vidas dentro e fora dele.

— Eu tenho um sonho.

Olhou-a com curiosidade.

— Meu sonho é conhecer o mundo.

Ele sorriu e subiu no barco. Ela correu, mas percebeu que um sonho era mais forte que ela.

— Então me faça uma promessa.

Ele concordou com a cabeça. Madalena pediu, queria conhecer as coisas mais bonitas do mundo.

— Por onde você passar, me mande um postal.

A tempestade teima em não parar. A comida ainda esfria na mesa. E ela nunca recebera nenhum postal.
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Sobre o Autor
Caio Tozzi (1984) é paulistano e estuda jornalismo em São Bernardo do Campo, na Universidade Metodista de São Paulo. Seu objetivo é trabalhar com a literatura, ser escritor. Sua crônica, “São Paulo, só pra te ver”, selecionada em concurso promovido pela Biblioteca Mário de Andrade, em 2004, foi publicada no livro “São Paulo — 450 anos”.

Fontes:
http://www.releituras.com.br
Imagem =
http://www.idi.art.br

Dicionário do Folclore (Letra B)


BABA-DE-MOÇA. Doce antigo e popular no Brasil, feito com polpa de coco verde, açúcar, gemas de ovo. Sobremesa leve, servida em qualquer ocasião. Gilberto Freyre sempre ofereceu essa iguaria aos hóspedes de sua casa. Também é feito com o leite de coco e com açúcar, da maneira como são feitos todos os doces.
BABALAÔ. Sacerdote dos cultos afro-brasileiros, também chamado de babalorixá mestre, pai-de-santo, jeje-nagôs, babá, piji-gan (dono do altar). Para ser um babalaô a pessoa tem que ter devoção, direitos e deveres, jurisdição e misteres da religião africana. Veja PAI-DE-SANTO.
BABALORIXÁ. É o pai-de-santo, zelador, pai-de-terreiro, o mestre, o guia terreno, governador espiritual e administrador do candomblé. O feminino de babalorixá é alourixá, mãe-de-santo. A diferença entre babalorixá e babalaô é que o babalorixá fica sempre ligado ao culto através dos orixás, enquanto que babalaô diz o futuro consultado pelo Ifá, Opelê, Eluô, são videntes. São bastante confundidos, mas o babalaô é superior ao babalorixá. O babalorixá é conhecido fora da religião africana como feiticeiro, macumbeiro, bruxo das artes negras e assombrosas. Veja BABALAÔ.
BABAU. É o nome popular do mamulengo, fantoche, brincadeira popular nas festas dos engenhos e das cidades do interior. O babau não tem nada a ver com o bumba-meu-boi. É irmão gêmeo do cavalo-marinho. São personagens do babau ou mamulengo o Cabo 70, o Preto Benedito, Zé Rasgado, Simão e Etelvina.
BABOSA. A babosa é uma planta originária do sul e do leste da África e está aclimatada nas regiões tropicais de todos os continentes. Seu nome botânico é aloe e é encontrada no nordeste e centro-oeste brasileiros. Seu uso na medicina popular é muito grande. Como supositório é usada na cura de hemorróidas e oxiuros. bem como nas inflamações vaginais e prisão de ventre. As mulheres usam a babosa para combater a caspa e afinar os cabelos. Para curar as queimaduras, nada como colocar um pedaço de babosa na área atingida. O órgão que controla a venda de remédios nos Estados Unidos (FDA) já aprovou o uso da planta para testes de pacientes com AIDS. Mas a babosa está sendo muito usada entre pessoas portadoras de tumores malignos da próstata e no combate ao câncer. No último caso, é feita uma mistura de babosa, mel de abelha e cachaça ou uísque, remédio que tem obtido resultados positivos. O remédio já está sendo industrializado e vendido nas farmácias.
BACALHAU-DO-BATATA. Troça de carnaval que, desde 1965, se exibe na Quarta-Feira de Cinzas na cidade de Olinda, PE, composta de garçons, motoristas, vigilantes e enfermeiros que não brincaram o carnaval por estarem trabalhando. Foi fundada pelo garçon Isaias Ferreira da Silva, já falecido, com a participação de seus amigos Lima, Toinho e Isaque. Saía da rua das Bertiogas.
BACO-BACO. Como o povo chama aos caminhões que queimam gás óleo. A origem é onomatopaica, isto é, do barulho que o motor do caminhão faz quando está trabalhando.
BACURAU. Pássaro noturno, de plumagem sedosa, que se alimenta de insetos. As penas das asas do bacurau curam dor de dentes quando esfregadas neles. Diz-se das pessoas, dos boêmios que saem à noite à procura de aventuras amorosas. No Recife, existia uma feira-do-bacurau, que começava de noite e ia até o dia amanhecer.
BAIANA. É a roupa vestida pela negra, pela mestiça de Salvador. As baianas usam uma saia rodada de várias cores, anágua (saia de baixo, engomada), uma bata (blusa branca comprida e solta). Um pano da costa (comprido manto de algodão listrado), um torso ou turbante de algodão ou seda à volta da cabeça, calçam chinelos de salto baixo, e se enfeitam com colares, brincos, braceletes e balangandãs. Carmen Miranda universalizou a baiana em Holywood, vestindo-se como verdadeira baiana, e cantando "O que é que a baiana tem?".
BAIÃO. É uma dança popular do Nordeste, o mesmo que rojão, baiano. Quem divulgou o baião foi o sanfoneiro pernambucano Luís Gonzaga, apresentando-o, com muito sucesso, nas estações de rádio e televisão de todo o país, gravando muitos discos, razão pela qual ficou conhecido como o "Rei do Baião".
BAIÃO-DE-DOIS. Comida típica, popular do Ceará, feita com arroz e feijão cozinhados juntos, para se comer na hora do almoço.
BAILE. Dança. Na linguagem popular significa descompostura, agressão verbal pública: "Alice deu um baile em Clara".
BAILE-DA-SAUDADE. O Baile-da-Saudade apareceu em 1973, como uma prévia do carnaval do Recife. Duranteobaile, muito concorrido principalmente por saudosistas, a orquestra só toca músicas do passado, como Aurora, Um pierot apaixonado, É de amargar, Jardineira,etc., que, na realidade, continuam animando os carnavais nos bailes dos clubes.
BAILE-DOS-ARTISTAS. Prévia do carnaval recifense que reúne artistas e intelectuais de todas as áreas e que foi realizado, pela primeira vez, em 1979 pelo teatrólogo Marcus Siqueira. Cada ano, um escritor ou um artista é homenageado.
BAILE MUNICIPAL. Baile promovido pela Prefeitura da Cidade do Recife, desde 1965, como abertura oficial do carnaval recifense, ultimamente no Clube Português.
BAIO. 1. Dança popular no Piauí. Assemelha-se ao miudinho, do sul do país. Ritmo vivo, parecido com a arcaica chula, onde os pares fazem piruetas no meio da roda, e os dançadores se movimentam com rapidez, com sapateados difíceis e elegantes; 2. Diz-se do cavalo castanho.
BALA. É o projétil de arma de fogo que significa, também, na linguagem popular, rapidez, como na expressão: "Foi e voltou como uma bala!" Na culinária, é o ponto em que a calda do açúcar refinado com a essência de uma fruta atinge o ponto certo para a fabricação de balas, bolas, rebuçados. No Nordeste, a bala é mais conhecida como bombom.
BALADEIRA. Veja ATIRADEIRA.
BALANGANDÃS. É a coleção de ornamentos que as crioulas trazem pendentes na cintura nos dias de festa, principalmente na do Senhor do Bonfim. O vocábulo erradicou-se na Bahia, "quem não tem balangandãs, não vai ao Bonfim!", diz a cantiga. Também podem ser usados no pescoço. Quando uma pessoa está muito enfeitada diz-se que está cheia de balangandãs. Também é um conjunto de miniaturas em prata, ouro ou qualquer outro material, em forma de figas, corações, dentes, chaves, cadeados, placas, frutos, sapatinhos, bonecas, tesouras, chifres, conchas e outras peças.
BALÊ. Nos xangôs pernambucanos balê é um quartinho fora do barracão das festas, destinado a hospedar o espírito dos mortos antes da viagem para o outro mundo. É a casa dos mortos.
BAL-MASQUÉ. Luxuosa prévia carnavalesca realizada, desde 1948, com o comparecimento de foliões, vestindo ricas fantasias, realizada no Clube Internacional do Recife.
BAMBELÔ. É samba, coco-de-roda, dança em círculo acompanhada por instrumentos de percussão, tendo, no centro do círculo, um ou dois dançarinos.
BANANEIRA. Árvore de fruta tropical que tem variadas espécies: anã, maçã, prata, comprida, etc. É um vegetal que tem suas origens na criação do mundo. A bananeira tem suas estórias e mistérios. Na noite de São João, à meia-noite, a moça que enfiar uma faca virgem no tronco de uma bananeira verá o nome do futuro noivo escrito na lâmina da faca. Quando a bananeira vai dar cacho, ela geme como a mulher nas dores do parto. A banana está presente na culinária brasileira. Mingaus, bolos, tortas, saladas, farinhas, doces (inclusive o nego-bom), são feitos com a banana. As folhas da bananeira servem para envolver peixes, assados, pratos afro-brasileiros e outras guloseimas.
BANDEIRA. Além de ser o símbolo de uma nação, a bandeira também tem sua significação religiosa. A bandeira de São João dá início às festividades juninas quando içada nos mastros antes ou depois da novena do santo, entre música e salva de foguetes. Terminada a novena, uma pessoa será escolhida ou sorteada pelos presentes para guardar a bandeira até o ano seguinte, o que lhe trará sorte e felicidade. Nas festas de São Gonçalo, do Divino, e de São João, as bandeiras saem da casa onde ficaram guardadas durante o ano que passou e, em procissão, vão até o local onde se encontram os mastros em que serão içadas.
BANGUELO. Pessoa sem dentes. Entre 6 a 7 anos a criança perde os dentes-de-leite ficando banguela. Antigamente os banguelos eram escravos que vinham de Angola com os dentes limados, por motivos estéticos ou religiosos.
BANHO-DE-CHEIRO. É um banho aromático preparado com ervas, cascas de plantas, flores, essências e resinas, que tem o poder de conservar a felicidade, afastar o caiporismo e readquirir os favores da sorte. O banho-de-cheiro nordestino é feito com sete plantas: arruda, alecrim, manjericão, malva-rosa, malva-branca, manjerona e vassourinha. Antes do banho, fricciona-se o corpo com cachaça. O banho-de-cheiro é muito usado nas religiões afro-brasileiras. É bom lembrar que nos banhos de cheiro não se usa sabonete nem toalha. Os melhores dias para tomar banho-de-cheiro são os seguintes: dia de Ano-Novo, no Sábado de Aleluia, no dia de São João, no dia de Natal e antes de casar. É bom tomar um banho-de-cheiro para acabar com o mau-olhado.
BANHO-DE-MAR-À-FANTASIA. Juntando o carnaval à praia, os cariocas promovem o banho-de-mar-à-fantasia, que começou, numa promoção do jornal A Noite, em 1935, no Posto 4, em Copacabana.
BANHO-DE-SARGENTO. É lavar o rosto e os braços. É uma meia-sola, como se diz em São Paulo.
BANHO-DE-TARTARUGA. É o banho em banheira. A água pode ser fria ou morna, de acordo com a vontade da pessoa. É bom para relaxar, quando a água está morna.
BARBA. A barba antigamente dava ao homem o tom de seriedade, de poder. Os condes, os barões, os nobres, de maneira geral, usavam barba crescida até os começos do século. Os rapazes, quando iam fazer a barba pela primeira vez, tinham que pedir licença ao pai. Não é bom barbear-se nas terças-feiras, dia em que o diabo anda solto, nem às sextas-feiras, porque nesse dia os judeus fizeram a barba de Nosso Senhor. Antigamente, um fio de barba valia até mesmo como garantia da palavra dada.
BARRIGA VERDE. Nome dado às pessoas nascidas no Estado de Santa Catarina, por causa do colete verde usado pelos soldados de um batalhão de fuzileiros formado por Silva Paes.
BATALHA-DE-CONFETE. Promovida pelo jornal A Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, no carnaval de 1907, a batalha-de-confete consistia no arremesso, entre os foliões, nos bailes, de confete.
BATE-BATE. Bebida feita com cachaça, açúcar e limão, ou maracujá, abacaxi ou outra fruta qualquer. É consumida nos carnavais do Nordeste. No Sul, esta bebida tem o nome de batida, feita, quase sempre, com limão.
BATE-CHINELA. Veja ARRASTA-PÉ.
BATERIA. Conjunto de instrumentos de percussão muito usado em espetáculos e shows, tocados por uma só pessoa. Também é uma coleção de bebidas ou de panelas de cozinha.
BATIDA. Veja BATE-BATE.
BATUCADA. 1. Conjunto de três ou quatro ritmistas batucando seus instrumentos de percussão e que sai às ruas, no Rio de Janeiro, nos dias de carnaval; 2. Estilo de música, com ritmo bem marcado, herdado do batuque angolano. Duas batucadas fizeram bastante sucesso nos carnavais cariocas do passado: General da Banda (de Sátiro Melo, J. Alcides e Tancredo Silva), em 1949 e Nega do Cabelo Duro (de Rubens Soares e David Nasser), em 1942.
BATUQUE. Dança acompanhada de sapateado, palmas e tambor, quando de negros. No batuque de branco, o pandeiro e a viola são tocados. Batuque é o nome que se dá, geralmente, a todas as danças de negros vindos da África.
BEBER-ÁGUA-DE-CHOCALHO. Quando as crianças estão demorando a falar, as mães nordestinas enchem um chocalho com água e, depois de meia hora, dão ao filho para beber, para falar logo. Quando uma pessoa fala muito, demais, o povo diz que ela bebeu água de chocalho quando criança.
BEBER-FUMO. Era o nome que se dava ao ato de fumar, logo que o fumo apareceu. Na linguagem popular, beber fumo, agora, é fumar maconha.
BEDEGUEBA. Na linguagem popular nordestina bedegueba significa o chefe, o patrão, o homem autoritário, o mandão, o manda-chuva local. Também é o homem desprezível, inferior: "Ele é um bedegueba. Um qualquer". No pastoril, é o velho que dirige a brincadeira, que faz papel de palhaço, conta anedotas, canta, pinta o sete.
BEIJA-FLOR. É um passarinho de bico bem fininho que se alimenta do mel que têm as flores. O beija-flor anuncia visitas. Quando entra numa casa e não sabe sair, significa que vai haver briga do casal. Para os indígenas, o beija-flor é o mensageiro de outro mundo. Diz o povo que ele passa seis meses dormindo e seis meses acordado. Também é conhecido em outras regiões brasileiras como pica-flor, chupa-mel.
BEIJU. Feito com a massa da mandioca na zona rural, nas casas de farinha, com coco ralado e um pouco de sal, na época das farinhadas. Comido ainda quentinho, com manteiga-de-garrafa, é uma delícia.
BELISCÃO-DE-FRADE. Beliscão dado com os nós do dedo médio e indicador, ou seja o maior-de-todos e o fura-bolo. Também pode ser chamado beliscão-de-beata.
BEM-CASADOS. 1. Planta que veio de Madagascar, na África, para o Brasil, com duas pequenas flores de vermelho muito brilhante e que ficou conhecida, entre nós, como dois-amigos, dois-irmãos, bem-casados, coroa-de-cristo. 2. Biscoito de goma, redondo, uma parte maior sobre uma parte menor. A parte maior representando o homem e a parte menor, a mulher. Também é conhecido nas festas de aniversários como um tipo de brigadeiro, feito com leite condensado, uma parte é branca e a outra preta, com chocolate.
BEM-TE-VI. É um pássaro cujo canto é como se ele estivesse dizendo seu próprio nome, avisando que alguém dele se aproxima. O bem-te-vi anuncia visitas. Quando uma pessoa morre o bem-te-vi cantando, costuma perguntar: - "Quem tu viste, bem-te-vi? Homem ou mulher?". Se o passarinho cantar logo depois da pergunta, a visita é de homem; mas se demorar a cantar, a visita é de mulher.
BENDITOS. 1. Canto religioso entoado pelas pessoas que acompanham as procissões: - "Bendito, louvado seja, o Santíssimo Sacramento". 2. Orações cantadas pedindo uma graça a Deus e aos santos. No sertão, quando está demorando muito a chover com o povo morrendo de fome e o gado já não tendo mais pasto, as famílias se reúnem para cantar o bendito da seca: - "Meu pai, meu Senhor,/ De nós tenhais dó,/ Que a seca está grande,/ Está tudo em pó". E muitos versos se seguem, mostrando a devoção do povo e pedindo chuva.
BERIMBAU. Instrumento sonoro feito de ferro ou de aço. São dois espaços que se ligam arqueando-se com uma lingueta no meio. Toca-se o berimbau levando-se à boca, prendendo-o nos dentes e fazendo a lingüeta vibrar, puxando-a com o dedo indicador. O berimbau traduz um som parecido com um zumbido. O berimbau foi trazido pelos portugueses.
BERIMBAU-DE-BARRIGA. Trazido pelos escravos africanos, o berimbau-de-barriga é um instrumento musical composto pela metade de um cabaço presa a um arco formado por uma varinha curva com um fio de latão, sobre o qual se bate ligeiramente. Algumas varetas têm um cabaço bem pequeno, cheio de sementes, fazendo, assim um minúsculo maracá.
BICHO. Diz-se que bicho é pessoa muito feia, de gênio mau, parecida com animal selvagem, monstro. Também é alma de outro mundo. Quando as babás querem amedrontar as crianças costumam dizer: - "Olhe o bicho", "Não faça isso que o bicho te pega". Também dizem bicho-papão. Quando uma pessoa toma uma bebida pela manhã diz-se que está matando-o-bicho, o gênio mau.
BLOCO. É um grupo de pessoas, homens e mulheres, vestindo a mesma fantasia, cantando seu hino, desfilando pelas ruas da cidade durante os dias de Carnaval. O bloco é acompanhado por uma banda de música e quase sempre seus componentes fazem crítica ou sátira social ou política. Atualmente o bloco mais em evidência na cidade do Recife é o Galo da Madrugada que, pela quantidade enorme de acompanhantes, já entrou no Livro dos Recordes Mundiais, o Guines Book, como o maior bloco do mundo. Em Olinda, os blocos mais famosos são a Pitombeira dos Quatro Cantos, Elefante e o Bloco da Saudade, além de muitos outros que desfilam pelas ruas da cidade.
BLOCO-EU-SOZINHO. Original bloco de carnaval composto de apenas uma pessoa, sendo seu fundador Júlio Silva, pernambucano, em 1919. Ele mesmo, vestido com uma camisa listrada e uma calça de cetim, conduzia seu micro-estandarte. Faleceu em 1979, sem deixar continuador de sua original idéia.
BOA-HORA. Deseja-se que a mulher grávida tenha uma boa-hora, isso é, que tenha um parto normal, sem complicações.
BOA-MÃO. Há pessoas que têm uma boa-mão para tudo quando fazem. Boa-mão para botar ovos para galinha chocar, para bater bolo, para plantar, e tudo que elas fazem dá certo. Há, também, pessoas que têm boa-mão para certas coisas e mão-má para outras.
BOBÓ. O bobó é uma comida africana muito popular na Bahia. O bobó é feito de feijão-mendubi (também conhecido como feijão-mulatinho) bem cozido com pouca água, sal a gosto, batata-da-terra, quase madura. Depois que o feijão é reduzido a uma massa pouco consistente, junta-se bastante azeite-de-dendé e farinha de mandioca. Também usam fazer o bobó com inhame. Bobó, na linguagem popular, significa bofe, pulmão.
BODE. é o marido enganado, a refeição que os operários levam para o lugar de trabalho, o protestante que canta muito nos seus cultos. Bode é o conquistador.
BODOQUE ou BADOQUE. Veja ATIRADEIRA.
BOI. O boi se faz presente no folclore, nas cantigas de ninar ("Boi, boi, boi!/Boi da cara preta,/Pega este menino/Que tem medo de careta"), nas vaquejadas, nos folhetos de feira, no bumba-meu-boi e em muitas outras manifestações o boi sempre dá o ar de sua graça. Dizem que do boi nada se perde, a não ser seu mugido. De seu couro são feitos sapatos, cinturões, sandálias. De seus ossos são feitos botões, pentes, etc. Da vaca, temos o leite com que se fazem a manteiga, o queijo, a coalhada, etc.
BÓIA. Comida, refeição, alimento preparado na cadeia, no quartel ou rancho. Bóia-de-governo é almoço e jantar servidos em serviço social. O nome bóia surgiu, no quartel ou cadeia e vem de feijão mal cozido ou podres que fica boiando. Nas universidades, os estudantes chamam de chepa. Em Portugal, bóia-de-salvação é um barril de cortiça fechado, lançado a quem ameaçado de afogamento. Não-ver-bóia é estar sem esperança de êxito. No campo há os bóias-frias, que são trabalhadores rurais que viajam de caminhão e executam serviços de agricultura nas fazendas durante a safra.
BOI-BUMBÁ. É o nome que se dá ao bumba-meu-boi no Pará e no Amazonas e que se exibe nos festejos juninos. O boi-bumbá quando sai de sua sede visita a casa das pessoas do lugar.
BOI CALEMBA. Veja BUMBA-MEU-BOI.
BOI-DE-FITA. Dos bois que vão correr durante sua exibição nas vaquejadas, o mais bonito, o maior, o mais gordo não se derruba pela cauda. Na ponta dos chifres são amarradas duas fitas de cores diferentes. A brincadeira consiste em o vaqueiro tirar o laço de fita do lado onde ele está correndo. O vaqueiro que não conseguir tirar o laço de fita dos chifres do boi é vaiado. Quando consegue tirar o laço, é aclamado como ganhador e oferece o laço ao prefeito, ao vigário, à namorada, noiva ou mulher.
BOI-DE-MAMÃO. É o nome que se dá ao bumba-meu-boi em Santa Catarina. Veja BUMBA-MEU-BOI.
BOI-DE-REIS. Veja BUMBA-MEU-BOI.
BOI-SANTO. Movimento supersticioso ocorrido no Ceará (1918-1920), com repercussão no Nordeste. Foi chamado Boi Santo, porque o padre Cícero ganhou um zebu de presente e mandou seu administrador levar o animal até sua fazenda, no município do Crato. O administrador, que se chamava José Lourenço, não conhecendo aquela raça, ficou impressionado com o porte do animal e começou a fazer promessas e orações. O boi tinha o nome de Mansinho. José Lourenço dedicou ao animal inteira devoção. Foi o primeiro devoto do boi-santo. E depois sua fama de milagreiro espalhou-se em toda a região. Mansinho virou boi Ápis.
BOIÚNA. No folclore amazonense, boiúna é uma cobra escura, a mãe-d’água que, para enganar as pessoas, se transforma em canoas, vapores, navios. A boiúna engole uma pessoa. Quando ela anda no rio faz o barulho de um navio. Quando bota a cabeça fora da água, seus olhos parecem dois archotes que, de tão fortes, fazem com que os navegantes fiquem desnorteados. O número de estórias da boiúna, contadas pelo povo, é enorme.
BOI-VAQUIM. O boi vaquim é um boi místico, do Rio Grande do Sul, com asas e guampas de ouro. Mete medo aos camponeses porque faísca fogo das pontas das guampas e tem olhos de diamante. É preciso ser muito bom, muito forte e muito corajoso para laçá-lo e estar montado num cavalo bom de patas e de rédeas. Guampas são vasilhas, feitas de chifres.
BONECAS DE PANO ou BRUXAS. São, como o próprio nome está dizendo, bonecas feitas com retalhos ou sobras de fazenda para a alegria das meninas pobres cujos pais não têm dinheiro suficiente para comprar bonitas e maiores bonecas de louça ou de plástico, com vestidos bem feitos, que choram, fazem xixi e chamam mamãe. As bonequeiras ainda existem nas cidades do interior nordestino e são representantes da nossa arte popular. Há pessoas adultas que possuem coleções com centenas de bonecas de pano.
BORBOLETA. Diz o povo que a borboleta é mensageira, que uma borboleta de cores claras traz felicidade, alegria e fortuna. Já a borboleta negra é o contrário da borboleta de cores claras. A borboleta negra é aliada da morte, avisando que alguém vai morrer. Na Europa, ela é o espírito de uma criança que morreu sem ser batizada; é a encarnação das bruxas. De qualquer maneira a borboleta é uma festa para os olhos. O povo acredita que quem pegar uma borboleta e passar as mãos nos olhos, fica cega, por causa de seu pelo.
BORÉ. É um instrumento de sopro feito de bambu, usado pelos indígenas.
BOTADA. É o começo da moagem da cana nos engenhos do Nordeste. O ato é solene. O padre dá a bênção e é servido um jantar aos senhores de engenho da vizinhança, amigos e convidados. Se a botada não receber a bênção do padre pode acontecer, como castigo, alguma desgraça de sérias conseqüências. Alguns senhores de engenho mandam, logo cedo, antes da botada, rezar uma missa, assistida por todos os que trabalham no engenho, bem como seus familiares.
BOTIJA. 1. As botijas de barro vidrado que vinham da Holanda e da Bélgica, cheias de genebra, eram, depois de bebido seu conteúdo, transformadas em instrumentos musicais. Segurando-se a asa da botija e atritando-se com qualquer objeto metálico ao longo do seu pescoço, ouvia-se um som alegre vivo, servindo para dar ritmo ao samba e embolada. 2. Como antigamente não havia bancos nas cidades do interior, as pessoas colocavam suas economias (moedas de prata e ouro), dentro de uma panela de barro devidamente fechada e que era enterrada num dos quartos da casa ou debaixo de uma árvore. Se a pessoa morresse e deixasse suas economias numa botija enterrada, sua alma ficaria penando. E a pessoa morta aparecia aos vivos mostrando onde é que estava enterrada sua botija. A pessoa tinha que ir sozinha. Se fosse com outra pessoa, a botija desaparecia ou virava carvão. Quando a alma do falecido aparecia a uma pessoa, pedia que a botija fosse desenterrada e que parte do dinheiro fosse gasto celebrando missas para sua alma.
BOTO. É o golfinho do Rio Amazonas. Existe o boto vermelho, o boto branco, o piraia-guará, ou pira-iauara, peixe-cachorro. O boto no Rio Amazonas é tão conhecido que virou lenda no Pará. O boto seduz todas as moças que vão lavar roupa ou se banhar no Rio Amazonas. À noite, transforma-se num bonito rapaz, alto, branco, forte, caçador, bêbado. Freqüenta os bailes, namora, conversa e aparece fielmente aos encontros femininos. Antes da madrugada pula na água do rio e volta a ser boto novamente. Engravida as moças e torna-se o pai desconhecido. O boto protege as canoas em época de temporais, enxota os cardumes para as margens. O boto leva sempre a culpa, mesmo não praticando o ato e é sempre o culpado de adultérios e defloramentos. Também é chamado genericamente de tucuxi e possui faro mais aguçado do que o de cachorro. O boto vermelho é o mais perseguido pelos caboclos. A crendice pertence aos mestiços e não aos nativos da selva e se espalhou com a presença do nordestino na região do Pará e Amazonas.
BRÁULIO DO NASCIMENTO nasceu no dia 22 de março de 1924, na cidade de João Pessoa, PB. Diplomado em Letras, professor, crítico literário, jornalista, folclorista, Braúlio do Nascimento exerceu diversas funções públicas entre as quais a de diretor do Instituto Brasileiro de Folclore, tempo em que o folclore brasileiro foi mais estudado, mais divulgado, através de inúmeros livros e revistas publicados, muitos CDs, cursos, seminários, congressos, encontros, etc. Quase todos os dias o folclore brasileiro estava presente na imprensa, na televisão, radiodifusão brasileira, razão pela qual o folclore muito deve ao folclorista Bráulio do Nascimento quando foi diretor do Instituto Brasileiro de Folclore. De sua autoria foram publicados Processo de avaliação do romance (1964), Literatura popular em verso (1965), As sequências temáticas no romance tradicional (1966), Bibliografia do folclore brasileiro (1971), Pesquisa do romanceiro tradicional do Brasil, Eufemismo e criação poética no romanceiro tradicional (1972), Um século de pesquisas do romance tradicional do Brasil (1973), Literatura oral – um século de pesquisas no Brasil (1973), O romance tradicional do Brasil (1973), O ciclo boi na poesia popular (1973), Romanceiro tradicional (1974), Arquétipo e versão na literatura de cordel (1977), Um romance tradicional entre índios do Amazonas no século XIX (1979).
BREVE. É um saquinho feito de pano ou de couro, contendo uma oração destinada a proteger as pessoas que o trazem pendurado ao pescoço.
BRINCANTE. É como se auto denomina o artista popular.
BROTE. O brote é uma bolacha vendida no Nordeste e quando é feito em tamanho pequeno recebe o nome de brotinho. É uma das poucas palavras deixadas pelos holandeses em nossa linguagem popular. A palavra brote vem de broot (pão), como se escrevia no século XVII. E brotinho também é a denominação de adolescentes, meninas jovens.
BUCHADA. A buchada é um dos pratos mais tradicionais do Nordeste; consumida sempre num almoço para se comemorar um acontecimento, como casamento, batizado, etc. A maneira de se preparar a buchada varia de Estado para Estado. Na Bahia, por exemplo, as pessoas costumam colocar a cabeça do carneiro ou do cabrito dentro do fato, saco do estômago do animal onde também são colocados, em pedaços, o sangue coalhado e as vísceras. A buchada é considerada uma comida pesada, muito gorda, razão pela qual é bom tomar um cálice de cachaça para cortar seus efeitos. Não é bom dormir depois de comer buchada: a pessoa pode ter uma congestão e morrer.
BUMBA-MEU-BOI. Também conhecido como Boi-Calemba, Bumba (Recife), Boi-de-Reis, Boi-Bumbá (Maranhão, Pará e Amazonas), Três-Pedaços (Porto de Pedras, Alagoas), Folguedo-do-Boi (Cabo Frio, Estado do Rio), Boi-de-Mamão (Santa Catarina), é um dos folguedos brasileiros mais importantes. O Bumba-Meu-Boi tem uma duração enorme; começa às 8 ou 9 horas da noite e vai até o dia amanhecer. O Bumba-Meu-Boi tem início com a apresentação do Cavalo Marinho, que é o dono do boi. Em seguida, vem o boi que dá marradas e corre atrás de Mateus e Birico, que são uma espécie de palhaços. Um deles dá uma cacetada no boi e o boi morre. O Cavalo Marinho manda chamar o Doutor. Vem o padre para confessar o boi ou o Mateus e algumas vezes para celebrar o casamento de Catirina com Bastião. O Doutor chega e receita um clister. Um dos vaqueiros corre atrás dos meninos que estão assistindo ao folguedo e, pega um deles que funcionará como seringa e mete o menino pela traseira do boi que, em seguida, ressuscita. Em continuação, tem lugar a dança da Burrinha, as loas dos Galantes e Damas ao Menino Jesus. O folguedo do Bumba-Meu-Boi termina com a retirada do Cavalo Marinho.
BUNDA-CANASTRA. É a brincadeira que consiste em apoiar a cabeça no chão e, com as pernas, tomar um impulso para cair sentado. Canastra é o nome que o povo dá às costas, espáduas. Também é um jogo de cartas.
BUSCA-PÉ. Fogo de artifício muito usado nas cidades do interior nordestino por ocasião da noite de São João e Santo Antônio. Trata-se de um mosquito medindo trinta centímetros, feito com pedaços de bambu, de pequeno diâmetro e que, depois de aceso, corre atrás das pessoas e termina com a explosão de uma bomba. É muito perigoso.

Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
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