sábado, 3 de janeiro de 2009

Machado de Assis (Causa Secreta)



GARCIA, EM PÉ, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o teto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada. Tinham falado do dia, que estivera excelente, — de Catumbi, onde morava o casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de contar a história sem rebuço.

Tinham falado também de outra cousa, além daquelas três, cousa tão feia e grave, que não lhes deixou muito gosto para tratar do dia, do bairro e da casa de saúde. Toda a conversação a este respeito foi constrangida. Agora mesmo, os dedos de Maria Luísa parecem ainda trêmulos, ao passo que há no rosto de Garcia uma expressão de severidade, que lhe não é habitual. Em verdade, o que se passou foi de tal natureza, que para fazê-lo entender é preciso remontar à origem da situação.

Garcia tinha-se formado em medicina, no ano anterior, 1861. No de 1860, estando ainda na Escola, encontrou-se com Fortunato, pela primeira vez, à porta da Santa Casa; entrava, quando o outro saía. Fez-lhe impressão a figura; mas, ainda assim, tê-la-ia esquecido, se não fosse o segundo encontro, poucos dias depois. Morava na rua de D. Manoel. Uma de suas raras distrações era ir ao teatro de S. Januário, que ficava perto, entre essa rua e a praia; ia uma ou duas vezes por mês, e nunca achava acima de quarenta pessoas. Só os mais intrépidos ousavam estender os passos até aquele recanto da cidade. Uma noite, estando nas cadeiras, apareceu ali Fortunato, e sentou-se ao pé dele.

A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e remorsos; mas Fortunato ouvia-a com singular interesse. Nos lances dolorosos, a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um personagem a outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na peça reminiscências pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma farsa; mas Fortunato não esperou por ela e saiu; Garcia saiu atrás dele. Fortunato foi pelo beco do Cotovelo, rua de S. José, até o largo da Carioca. Ia devagar, cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que dormia; o cão ficava ganindo e ele ia andando. No largo da Carioca entrou num tílburi, e seguiu para os lados da praça da Constituição. Garcia voltou para casa sem saber mais nada.

Decorreram algumas semanas. Uma noite, eram nove horas, estava em casa, quando ouviu rumor de vozes na escada; desceu logo do sótão, onde morava, ao primeiro andar, onde vivia um empregado do arsenal de guerra. Era este que alguns homens conduziam, escada acima, ensangüentado. O preto que o servia acudiu a abrir a porta; o homem gemia, as vozes eram confusas, a luz pouca. Deposto o ferido na cama, Garcia disse que era preciso chamar um médico.

— Já aí vem um, acudiu alguém.

Garcia olhou: era o próprio homem da Santa Casa e do teatro. Imaginou que seria parente ou amigo do ferido; mas rejeitou a suposição, desde que lhe ouvira perguntar se este tinha família ou pessoa próxima. Disse-lhe o preto que não, e ele assumiu a direção do serviço, pediu às pessoas estranhas que se retirassem, pagou aos carregadores, e deu as primeiras ordens. Sabendo que o Garcia era vizinho e estudante de medicina pediu-lhe que ficasse para ajudar o médico. Em seguida contou o que se passara.

— Foi uma malta de capoeiras. Eu vinha do quartel de Moura, onde fui visitar um primo, quando ouvi um barulho muito grande, e logo depois um ajuntamento. Parece que eles feriram também a um sujeito que passava, e que entrou por um daqueles becos; mas eu só vi a este senhor, que atravessava a rua no momento em que um dos capoeiras, roçando por ele, meteu-lhe o punhal. Não caiu logo; disse onde morava e, como era a dois passos, achei melhor trazê-lo.

— Conhecia-o antes? perguntou Garcia.

— Não, nunca o vi. Quem é?

— É um bom homem, empregado no arsenal de guerra. Chama-se Gouvêa.

— Não sei quem é.

Médico e subdelegado vieram daí a pouco; fez-se o curativo, e tomaram-se as informações. O desconhecido declarou chamar-se Fortunato Gomes da Silveira, ser capitalista, solteiro, morador em Catumbi. A ferida foi reconhecida grave. Durante o curativo ajudado pelo estudante, Fortunato serviu de criado, segurando a bacia, a vela, os panos, sem perturbar nada, olhando friamente para o ferido, que gemia muito. No fim, entendeu-se particularmente com o médico, acompanhou-o até o patamar da escada, e reiterou ao subdelegado a declaração de estar pronto a auxiliar as pesquisas da polícia. Os dous saíram, ele e o estudante ficaram no quarto.

Garcia estava atônito. Olhou para ele, viu-o sentar-se tranqüilamente, estirar as pernas, meter as mãos nas algibeiras das calças, e fitar os olhos no ferido. Os olhos eram claros, cor de chumbo, moviam-se devagar, e tinham a expressão dura, seca e fria. Cara magra e pálida; uma tira estreita de barba, por baixo do queixo, e de uma têmpora a outra, curta, ruiva e rara. Teria quarenta anos. De quando em quando, voltava-se para o estudante, e perguntava alguma coisa acerca do ferido; mas
tornava logo a olhar para ele, enquanto o rapaz lhe dava a resposta. A sensação que o estudante recebia era de repulsa ao mesmo tempo que de curiosidade; não podia negar que estava assistindo a um ato de rara dedicação, e se era desinteressado como parecia, não havia mais que aceitar o coração humano como um poço de mistérios.

Fortunato saiu pouco antes de uma hora; voltou nos dias seguintes, mas a cura fez-se depressa, e, antes de concluída, desapareceu sem dizer ao obsequiado onde morava. Foi o estudante que lhe deu as indicações do nome, rua e número.

— Vou agradecer-lhe a esmola que me fez, logo que possa sair, disse o convalescente.

Correu a Catumbi daí a seis dias. Fortunato recebeu-o constrangido, ouviu impaciente as palavras de agradecimento, deu-lhe uma resposta enfastiada e acabou batendo com as borlas do chambre no joelho. Gouvêa, defronte dele, sentado e calado, alisava o chapéu com os dedos, levantando os olhos de quando em quando, sem achar mais nada que dizer. No fim de dez minutos, pediu licença para sair, e saiu.

— Cuidado com os capoeiras! disse-lhe o dono da casa, rindo-se.

O pobre-diabo saiu de lá mortificado, humilhado, mastigando a custo o desdém, forcejando por esquecê-lo, explicá-lo ou perdoá-lo, para que no coração só ficasse a memória do benefício; mas o esforço era vão. O ressentimento, hóspede novo e exclusivo, entrou e pôs fora o benefício, de tal modo que o desgraçado não teve mais que trepar à cabeça e refugiar-se ali como uma simples idéia. Foi assim que o próprio benfeitor insinuou a este homem o sentimento da ingratidão.

Tudo isso assombrou o Garcia. Este moço possuía, em gérmen, a faculdade de decifrar os homens, de decompor os caracteres, tinha o amor da análise, e sentia o regalo, que dizia ser supremo, de penetrar muitas camadas morais, até apalpar o segredo de um organismo. Picado de curiosidade, lembrou-se de ir ter com o homem de Catumbi, mas advertiu que nem recebera dele o oferecimento formal da casa. Quando menos, era-lhe preciso um pretexto, e não achou nenhum.

Tempos depois, estando já formado e morando na rua de Matacavalos, perto da do Conde, encontrou Fortunato em uma gôndola, encontrou-o ainda outras vezes, e a freqüência trouxe a familiaridade. Um dia Fortunato convidou-o a ir visitá-lo ali perto, em Catumbi.

— Sabe que estou casado?

— Não sabia.

— Casei-me há quatro meses, podia dizer quatro dias. Vá jantar conosco domingo.

— Domingo?

— Não esteja forjando desculpas; não admito desculpas. Vá domingo.

Garcia foi lá domingo. Fortunato deu-lhe um bom jantar, bons charutos e boa palestra, em companhia da senhora, que era interessante. A figura dele não mudara; os olhos eram as mesmas chapas de estanho, duras e frias; as outras feições não eram mais atraentes que dantes. Os obséquios, porém, se não resgatavam a natureza, davam alguma compensação, e não era pouco. Maria Luísa é que possuía ambos os feitiços, pessoa e modos. Era esbelta, airosa, olhos meigos e submissos; tinha vinte e cinco anos e parecia não passar de dezenove. Garcia, à segunda vez que lá foi, percebeu que entre eles havia alguma dissonância de caracteres, pouca ou nenhuma afinidade moral, e da parte da mulher para com o marido uns modos que transcendiam o respeito e confinavam na resignação e no temor. Um dia, estando os três juntos, perguntou Garcia a Maria Luísa se tivera notícia das circunstâncias em que ele conhecera o marido.

— Não, respondeu a moça.

— Vai ouvir uma ação bonita.

— Não vale a pena, interrompeu Fortunato.

— A senhora vai ver se vale a pena, insistiu o médico.

Contou o caso da rua de D. Manoel. A moça ouviu-o espantada. Insensivelmente estendeu a mão e apertou o pulso ao marido, risonha e agradecida, como se acabasse de descobrir-lhe o coração. Fortunato sacudia os ombros, mas não ouvia com indiferença. No fim contou ele próprio a visita que o ferido lhe fez, com todos os pormenores da figura, dos gestos, das palavras atadas, dos silêncios, em suma, um estúrdio. E ria muito ao contá-la. Não era o riso da dobrez. A dobrez é evasiva e
oblíqua; o riso dele era jovial e franco.

" Singular homem!" pensou Garcia.

Maria Luísa ficou desconsolada com a zombaria do marido; mas o médico restituiu-lhe a satisfação anterior, voltando a referir a dedicação deste e as suas raras qualidades de enfermeiro; tão bom enfermeiro, concluiu ele, que, se algum dia fundar uma casa de saúde, irei convidá-lo.

— Valeu? perguntou Fortunato.

— Valeu o quê?

— Vamos fundar uma casa de saúde?

— Não valeu nada; estou brincando.

— Podia-se fazer alguma cousa; e para o senhor, que começa a clínica, acho que seria bem bom. Tenho justamente uma casa que vai vagar, e serve.

Garcia recusou nesse e no dia seguinte; mas a idéia tinha-se metido na cabeça ao outro, e não foi possível recuar mais. Na verdade, era uma boa estréia para ele, e podia vir a ser um bom negócio para ambos. Aceitou finalmente, daí a dias, e foi uma desilusão para Maria Luísa. Criatura nervosa e frágil, padecia só com a idéia de que o marido tivesse de viver em contato com enfermidades humanas, mas não ousou opor-se-lhe, e curvou a cabeça. O plano fez-se e cumpriu-se depressa. Verdade é que Fortunato não curou de mais nada, nem então, nem depois. Aberta a casa, foi ele o próprio administrador e chefe de enfermeiros, examinava tudo, ordenava tudo, compras e caldos, drogas e contas.

Garcia pôde então observar que a dedicação ao ferido da rua D. Manoel não era um caso fortuito, mas assentava na própria natureza deste homem. Via-o servir como nenhum dos fâmulos. Não recuava diante de nada, não conhecia moléstia aflitiva ou repelente, e estava sempre pronto para tudo, a qualquer hora do dia ou da noite. Toda a gente pasmava e aplaudia. Fortunato estudava, acompanhava as operações, e nenhum outro curava os cáusticos.

— Tenho muita fé nos cáusticos, dizia ele.

A comunhão dos interesses apertou os laços da intimidade. Garcia tornou-se familiar na casa; ali jantava quase todos os dias, ali observava a pessoa e a vida de Maria Luísa, cuja solidão moral era evidente. E a solidão como que lhe duplicava o encanto. Garcia começou a sentir que alguma coisa o agitava, quando ela aparecia, quando falava, quando trabalhava, calada, ao canto da janela, ou tocava ao piano umas músicas tristes. Manso e manso, entrou-lhe o amor no coração. Quando deu
por ele, quis expeli-lo para que entre ele e Fortunato não houvesse outro laço que o da amizade; mas não pôde. Pôde apenas trancá-lo; Maria Luísa compreendeu ambas as coisas, a afeição e o silêncio, mas não se deu por achada.

No começo de outubro deu-se um incidente que desvendou ainda mais aos olhos do médico a situação da moça. Fortunato metera-se a estudar anatomia e fisiologia, e ocupava-se nas horas vagas em rasgar e envenenar gatos e cães. Como os guinchos dos animais atordoavam os doentes, mudou o laboratório para casa, e a mulher, compleição nervosa, teve de os sofrer. Um dia, porém, não podendo mais, foi ter com o médico e pediu-lhe que, como cousa sua, alcançasse do marido a cessação de tais experiências.

— Mas a senhora mesma...

Maria Luísa acudiu, sorrindo:

— Ele naturalmente achará que sou criança. O que eu queria é que o senhor, como médico, lhe dissesse que isso me faz mal; e creia que faz...

Garcia alcançou prontamente que o outro acabasse com tais estudos. Se os foi fazer em outra parte, ninguém o soube, mas pode ser que sim. Maria Luísa agradeceu ao médico, tanto por ela como pelos animais, que não podia ver padecer. Tossia de quando em quando; Garcia perguntou-lhe se tinha alguma coisa, ela respondeu que nada.

— Deixe ver o pulso.

— Não tenho nada.

Não deu o pulso, e retirou-se. Garcia ficou apreensivo. Cuidava, ao contrário, que ela podia ter alguma coisa, que era preciso observá-la e avisar o marido em tempo.

Dois dias depois, — exatamente o dia em que os vemos agora, — Garcia foi lá jantar. Na sala disseram-lhe que Fortunato estava no gabinete, e ele caminhou para ali; ia chegando à porta, no momento em que Maria Luísa saía aflita.

— Que é? perguntou-lhe.

— O rato! O rato! exclamou a moça sufocada e afastando-se.

Garcia lembrou-se que na véspera ouvira ao Fortunado queixar-se de um rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida desceu o infeliz até a chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia estacou horrorizado.

— Mate-o logo! disse-lhe.

— Já vai.

E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O miserável estorcia-se, guinchando, ensangüentado, chamuscado, e não acabava de morrer. Garcia desviou os olhos, depois voltou-os novamente, e estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a fazê-lo, porque o diabo do homem impunha medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida.

Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda
um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortar-lhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue.

Ao levantar-se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrou-se enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera evidentemente era fingida.

"Castiga sem raiva", pensou o médico, "pela necessidade de achar uma sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo deste homem".

Fortunato encareceu a importância do papel, a perda que lhe trazia, perda de tempo, é certo, mas o tempo agora era-lhe preciosíssimo. Garcia ouvia só, sem dizer nada, nem lhe dar crédito. Relembrava os atos dele, graves e leves, achava a mesma explicação para todos. Era a mesma troca das teclas da sensibilidade, um diletantismo sui generis, uma redução de Calígula.

Quando Maria Luísa voltou ao gabinete, daí a pouco, o marido foi ter com ela, rindo, pegou-lhe nas mãos e falou-lhe mansamente:

— Fracalhona!

E voltando-se para o médico:

— Há de crer que quase desmaiou?

Maria Luísa defendeu-se a medo, disse que era nervosa e mulher; depois foi sentar-se à janela com as suas lãs e agulhas, e os dedos ainda trêmulos, tal qual a vimos no começo desta história. Hão de lembrar-se que, depois de terem falado de outras coisas, ficaram calados os três, o marido sentado e olhando para o teto, o médico estalando as unhas. Pouco depois foram jantar; mas o jantar não foi alegre. Maria Luísa cismava e tossia; o médico indagava de si mesmo se ela não estaria exposta a algum excesso na companhia de tal homem. Era apenas possível; mas o amor trocou-lhe a possibilidade em certeza; tremeu por ela e cuidou de os vigiar.

Ela tossia, tossia, e não se passou muito tempo que a moléstia não tirasse a máscara. Era a tísica, velha dama insaciável, que chupa a vida toda, até deixar um bagaço de ossos. Fortunato recebeu a notícia como um golpe; amava deveras a mulher, a seu modo, estava acostumado com ela, custava-lhe perdê-la. Não poupou esforços, médicos, remédios, ares, todos os recursos e todos os paliativos. Mas foi tudo vão. A doença era mortal.

Nos últimos dias, em presença dos tormentos supremos da moça, a índole do marido subjugou qualquer outra afeição. Não a deixou mais; fitou o olho baço e frio naquela decomposição lenta e dolorosa da vida, bebeu uma a uma as aflições da bela criatura, agora magra e transparente, devorada de febre e minada de morte. Egoísmo aspérrimo, faminto de sensações, não lhe perdoou um só minuto de agonia, nem lhos pagou com uma só lágrima, pública ou íntima. Só quando ela expirou, é que ele ficou aturdido. Voltando a si, viu que estava outra vez só.

De noite, indo repousar uma parenta de Maria Luísa, que a ajudara a morrer, ficaram na sala Fortunato e Garcia, velando o cadáver, ambos pensativos; mas o próprio marido estava fatigado, o médico disse-lhe que repousasse um pouco.

— Vá descansar, passe pelo sono uma hora ou duas: eu irei depois.

Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo. Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns minutos, até que se levantou e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando à porta, estacou assombrado.

Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento.

Olhou assombrado, mordendo os beiços.

Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranqüilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.

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ANÁLISE DO CONTO
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O conto A Causa Secreta é um dos mais fortes de Machado de Assis. Sua estrutura narrativa lembra um pouco a de A Cartomante, com início abrupto, flashback e retomada do eixo em direção ao desfecho. Machado faz talvez um de seus melhores "desenhos psicológicos". Revela-nos a personalidade de um sádico, capaz de realizar "boas ações" desde que estas lhe permitam o exercício de seu prazer. A descrição da tortura a que submete um rato é página antológica na literatura brasileira.

Em 3ª pessoa, o narrador onisciente constitui uma notável caracterização psicológica em que revela, ao fazer o estudo do personagem Fortunato, o ápice do prazer que é conseguido na contemplação da desgraça alheia. O motivo do conto é explicar o verdadeiro sentido do termo "sadismo". Conta a estória de dois homens que, após um salvar a vida do outro e passar-se algum tempo, tornam-se sócios. Mas pouco a pouco um deles vai demonstrando tendências sádicas, torturando animais, fato que atordoa a esposa. Quando ela morre, Fortunato, o sádico, presencia o amigo beijar a testa da mulher e derreter-se em choro, saboreando o momento de dor do amigo que lhe traía.

Um conto naturalista. Ainda que a ambientação seja burguesa, os personagens parecem ratos de laboratório, uma analogia bastante explorada pelo autor na cena mais forte do texto em que o personagem Fortunato tortura um rato, cortando-lhe as patas lentamente, revelando todo o sadismo (patologia) que até então estivera oculto de todos, inclusive dos leitores.

A análise do conto A Causa Secreta, mostra que na perfeita normalidade social de Fortunato - um senhor rico, casado e de meia-idade, que demonstra interesse pelo sofrimento, socorrendo feridos e velando doentes - reside, na verdade, um sádico, que transformou a mulher e o amigo num par amoroso inibido pelo escrúpulo. Este escrúpulo, que gera o sofrimento do par, é a causa secreta do prazer de Fortunato e de sua atitude de manipulação de que o rato, no conto, é símbolo (Garcia, o protagonista, estaca perante a representação do horror. Fascinado perante o gesto frio de Fortunato, Garcia não faz sequer um gesto. Apenas contempla o sócio torturar lentamente um rato. Cortes meticulosos, pata a pata, precediam a queima do mesmo no fogo. O lento ritual prolongava o prazer. O narrador não subsume a cena em poucas palavras, mostrando-a por inteiro ao leitor).

Assim, de um narrador onisciente, nos principia o relato de um triângulo amoroso, trama comum a diversas ficções machadianas, enriquecida aqui de uma novidade incomum nas demais, o sadismo.

Em A Causa Secreta, Machado faz talvez um de seus melhores "desenhos psicológicos". Revela- nos a personalidade de uma pessoa, capaz de realizar "boas ações" desde que estas lhe permitam o exercício de seu prazer.

Começa-se com a informação de três pessoas, uma calma (Fortunato), outra intrigada (Garcia) e ainda uma terceira, tensa (Maria Luísa). Garcia havia visto pela primeira vez Fortunato durante a apresentação de uma peça de teatro, um “dramalhão cosido a facadas”. Este dava uma atenção especial às cenas, quase como se se deliciasse. Vai embora justo quando a obra entra em sua segunda parte, mais leve e alegre.

Mais tarde, Garcia volta a vê-lo quando do episódio de um esfaqueado, para o qual Fortunato dedica atenção especial durante o seu estágio crítico, tornando-se frio, indiferente quando a vítima melhora. Fica, portanto, seduzido pelo mistério sobre a explicação, a causa secreta de um comportamento estranho (não se deve esquecer que a postura de Garcia assemelha-se, guardadas as devidas proporções (já que não é dotado de onisciência), aos santos de Entre Santos, pois é dotado da capacidade de prestar atenção à personalidade humana. É, pois, quase um alter ego de Machado de Assis).

Tempos depois, passam a se encontrar constantemente no mesmo transporte, o que solidifica uma amizade. É a oportunidade para que o homem misterioso convide o amigo para conhecer casa e esposa. Estreitada a relação, duas conseqüências surgem daí. A primeira é a identificação entre Garcia e Maria Luísa, mulher do amigo. A sorte é que não se desenvolve nada mais do que isso. A segunda é a clínica que os dois homens vão abrir em sociedade. Nela, Fortunato vai-se destacar como um médico atencioso, principalmente para os doentes que se encontram no pior estágio de sofrimento.

E para aprimorar suas técnicas, pelo menos é o que confessa à cônjuge, o personagem dedica-se a dissecar animais. Chocada com o sofrimento dos bichos, Maria Luísa pede intervenção a Garcia, que faz com que Fortunato não praticasse mais tal ato, pelo menos, ao que parece, na clínica, tão perto da esposa.

A narrativa torna-se mais crítica quando Fortunato é flagrado vingando-se de um rato que supostamente teria roído documentos importantes: de forma paciente vai cortando as patas e rabo do bicho e aproximando do fogo, com cuidado para que o animal não morresse de imediato, possibilitando, assim, o prosseguimento do castigo. Maria Luísa havia pedido para Garcia interromper aquela cena, que foi a que justamente provocou o início do conto. A partir daí, encaminhamo-nos para o desfecho.

A mulher desenvolve tuberculose. É quando seu marido dedica-lhe atenção especial, extremada no momento terminal, ao qual ela não resiste. O final do texto é crucial para a total compreensão da história. Velando o corpo fica Garcia, enquanto Fortunato dorme. Em certa hora da noite, este acorda e vai até o local onde está a defunta. Vê Garcia dando um beijo naquela que amou. Ia dar um segundo beijo, mas não agüentou, entregando-se às lágrimas. Fortunato, ao invés de ficar indignado com a possibilidade de triângulo amoroso, aproveitou aquela dor “deliciosamente longa”. Descobre-se, assim, o seu caráter sádico.

É interessante notar como o autor deslinda aqui um comportamento doentio que norteia ações que aos olhos da sociedade podem parecer da mais completa bondade e dedicação ao próximo. É uma temática muito comum em Machado de Assis a idéia de que a aparência opõe-se radicalmente à essência.

Fontes:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/a/a_causa_secreta_conto
ASSIS, Machado de. Obra Completa. vol. II.RJ: Nova Aguilar, 1994.
Imagem =
http://www.cce.ufsc.br

Sergio Antonio Meneghetti (Caminha)



Um dia eu li na tábua da minha vida:
Caminha, caminha, caminha
Se tropeçares, levanta-te e caminha.
Se perder o rumo, olhe para o alto e caminha.
Se não tiver esperança, feche os olhos tenha fé e caminha.
Se vierem ao teu encontro para reter teus passos,
ore com amor, que vou retê-lo em meus braços e te direi: caminha.
Estou contigo em todos os teus passos, te livro dos embaraços,
acolho-te no meu regaço, seco suas lágrimas,
mostro teu endereço de redenção e apenas vos peço: caminha.
Tens o dom da palavra, do entendimento.
Tens os braços que modificam o mundo
Tens a mente que plasma o futuro
Tens a vontade e a disposição
Mais uma vez, apenas vos peço: caminha.
É tua estrada bendita
É tua evolução
É a felicidade que vos aguarda
É o caminho da tua perfeição
Não pare no descaso e na ignorância
Olhe para mim, Eu te espero.
Utilize suas pernas da vontade e o teu coração
Não pare, caminha.

09/06/2005

Fontes:
Colaboração do autor por email.
Imagem =
http://vibbe.wordpress.com

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Pedro Du Bois (Ano Novo)

dia: olha as árvores restantes
em busca do mágico canto
dos pássaros

noite: sabe insone o dia passado
entre concretos e negros asfaltos
onde morrem pássaros e árvores

repete: entre dias e noites sua espera
desperta sentimentos e tristezas
com que não se alimenta ou vê

pássaros: lembra o vôo altivo do albatroz
em busca da força e vida no que encontra
caça e come em ondas calmas

árvores: ao lado da casa do outro lado da rua
alguém derrubou a árvore restante e a cortou
em pedaços agora carregados para longe.
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Fonte;
Colaboração por e-mail do autor.

Stanislaw Ponte Preta "Sérgio Porto" (Conto de Natal)

Era um Papai-Noel mais subdesenvolvido do que - digamos - o Piauí. Uma barba mixuruquíssima, rala, encardida, que ele acabou por puxar para debaixo do queixo, na esperança de diminuir o calor.

Sim, porque fazia calor.

A calçada refletia por debaixo das calças dos transeuntes o seu bafo quente, o que ocorria também por debaixo das saias das passantes, mas esta imagem é mais refrescante e talvez não dê ao leitor a idéia do calor que fazia. A turba ignara ia e vinha, carregada de embrulhos, vítima da desonestidade dos comerciantes, mas, ávida de comprar presentinhos.

E o Papai Noel avacalhado ali na esquina, badalando. Era um sininho de som fino, que ele badalava meio sem jeito, como se estivesse disfarçando alguma coisa sem aquela dignidade de badalar de sino dos verdadeiros Papais- Noeis.

Também a roupa era mixa! A blusa não tinha aquela vermelhidão dos Papais-Noeis de capa de revistas. Nunquinha Madalena. Era cor-de-rosa, daquele cor-de-rosa das camisas que usam componentes de blocos de sujo, no Carnaval carioca. Isto, inclusive, talvez fosse verdade: aquele Papai-Noel era tão vagabundo que era bem possível que tivesse aproveitado o uniforme do Carnaval anterior, para o Natal.

Tia Zulmira, protegida pela sombra de uma marquise, aguardava condução e observava o Papai Noel. Observava, por exemplo, que o Papai-Noel usava tênis (bossa nova natalina), observava que o Papai-Noel não fazia anúncio de coisa nenhuma, ao contrário de seus coleguinhas de outras esquinas, que traziam às costas grandes cartazes coloridos com os nomes das lojas da cidade.

A velha, num lampejo, percebeu tudo. Viu logo que, naquele Papai-Noel, tinha truque. E, apenas para confirmar a sua teoria, abriu a bolsa, retirou um pedaço de papel e escreveu:

— 500 cruzeiros no grupo do gato — 1.675 pelos sete lados... NCr$ 200,00 — centena 463 (invertido) . . . NCr$ 150,00.

Enrolou o papelzinho no dinheiro correspondente e, saindo de debaixo da marquise, passou disfarçadamente pelo Papai-Noel e espalmou na sua mão a fezinha. Papai Noe1 apanhou tudo e disse baixinho:

— Obrigado, minha senhora. Um bom Natal para a senhora também.

Fonte:
"Dez em Humor", Editora Expressão e Cultura - Rio de Janeiro, 1968, pág. 50.
http://www.releituras.com.br

Sérgio Porto (A Casa)


“A casa”

Seriam ao todo umas trinta fotografias. Já nem me lembrava mais delas, e talvez que ficassem para sempre ali, perdidas entre papéis inúteis que sabe lá Deus por que guardamos. Encontrá-las foi, sem dúvida, pior e, se algum dia imaginasse que havia de passar pelo momento que passei, não teria batido fotografia nenhuma. Na hora, porém, achara uma boa idéia tirar os retratos, única maneira — pensei — de conservar na lembrança os cantos queridos daquela casa onde nasci e vivi os primeiros vinte e quatro felizes anos de minha vida.

Como se precisássemos de máquina fotográfica para guardar na memória as coisas que nos são caras! Foi nas vésperas de sair, antes de retirarem os móveis, que me entregara à tarefa de fotografar tudo aquilo, tal como era até então. Gastei alguns filmes, que, mais tarde revelados, ficaram esquecidos, durante anos, na gaveta cheia de papéis, cartas, recibos e outras inutilidades.

Esta era a escada,que rangia no quinto degrau, e que era preciso pular para não acordar Mamãe. Precaução, aliás, de pouca valia, porque ela não dormia mesmo, enquanto o último dos filhos a chegar não pulasse o quinto degrau e não se recolhesse, convencido que chegava sem fazer barulho.

A idéia de fotografar este canto do jardim deveu-se — é claro — ao banco de madeira, cúmplice de tantos colóquios amorosos, geralmente inocentes, que eram inocentes as meninas daquele tempo. Ao fundo, quase encostado ao muro do vizinho, a acácia que floria todos os anos e que a moça pedante que estudava botânica um dia chamou de “linda árvore leguminosa ornamental”. As flores, quando vinham, eram tantas, que não havia motivo de ciúmes, quando alguns galhos amarelos pendiam para o outro lado do muro. Mesmo assim, ao ler pela primeira vez o soneto de Raulde Leoni, lembrei-me da acácia e lamentei o fato de ela também ser ingrata e ir florir na vizinhança.

Isto aqui era a sala de jantar. A mesa grande, antiga, ficava bem ao centro, rodeada por seis cadeiras, havendo ainda mais duas sobressalentes, ao lado de cada janela, para o caso de aparecerem visitas. Quando vinham os primos recorria-se à cozinha, suas cadeiras toscas, seus bancos... tantos eram os primos!

Nas paredes,além dos pratos chineses — orgulho do velho — a indefectível Ceia do Senhor, em reprodução pequena e discreta, e um quadro de autor desconhecido. Tão desconhecido que sua obra desde o dia da mudança está enrolada num lençol velho, guardada num armário, túmulo do pintor desconhecido. Além das três fotografias — da escada, do jardim e da sala de jantar — existem ainda uma de cada quarto, duas da cozinha, outra do escritório de Papai. O resto é tudo do quintal. São quinze ao todo e, embora pareçam muitas, não chegam a cumprir sua missão, que, afinal, era retratar os lugares gratos à recordação. O quintal era grande, muito grande, e maior que ele os momentos vividos ali pelo menino que hoje olha estas fotos emocionado. Cada recanto lembrava um brinquedo, um episódio. Ah Poeta, perdoe o plágio, mas resistir quem há de?Gemia em cada canto uma tristeza, chorava em cada canto uma saudade. Agora, se ainda morasse na casa, talvez que tudo estivesse modificado na aparência,não maisque na aparência, porque, na lembrança do menino, ficou o quintal daquele tempo.

Rasgo as fotografias. De que vale sofrer por um passado que demoliram com a casa?Pedra por pedra, tijolo por tijolo, telha por telha, tudo se desmanchou. A saudade é inquebrantável, mas as fotografias eu também posso desmanchar. Vou atirando os pedacinhos pela janela, como se lá na rua houvesse uma parada, mas onde apenas há o desfile da minha saudade. E os papeizinhos vão saindo a voejar pela janela deste apartamento de quinto andar, num prédio construído onde um dia foi a casa.

Olha, Manuel Bandeira: a casa demoliram, mas o menino ainda existe.
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Sobre o Livro “A Casa Demolida” (Prefácio)

A casa demolida é o único volume que reúne crônicas de Sérgio Porto. Com o próprio nome, e não com o do primo, ele lançou apenas dois outros livros: uma Pequena história do jazz, dos Cadernos de Cultura editados por Simeão Leal,e as novelas de As cariocas. Estas, por sinal,sete histórias que, resumidas, dariam excelentes crônicas. Ou melhor, são histórias que podem ser lidas como crônicas, só que mais longas, Sérgio já convencido de que poderia ir mais longe como escritor,quem sabe animado por incentivos, elogios e até exageros, como o de Jorge Amado que, no prefácio das novelas, considera-o “jovem mestre de seu ofício”.

Sérgio dividiu a coletânea em cinco partes. A primeira é a que contém as nostálgicas voltas ao passado, ao seu mundo particular, à Copacabana cujas velhas casas iam sendo derrubadas para que modernos edifícios fizessem o bairro crescer para cima. Estão lá a casa,a varanda,o pomar, a rua, as pessoas queridas que habitaram ou passaram por sua infância. É um cronista, vá lá, sério, o que se entrega a essas lembranças, ainda que volta e meia com lances de humor. Sério e de um lirismo que Stanislaw jamais se permitiria. Um cronista da cidade,também. Só quem viveu em casa com quintal e varanda, em rua tranqüila, enfeitada de verde, os almoços de domingo reunindo à mesa uma família que só então se encontrava, pode entender o tom dessas crônicas. O Rio da infância de Sérgio começava a desaparecer. E era com os olhos de antigamente que ele a tudo assistia: “...a casa demoliram, mas o menino ainda existe”.

Na segunda parte, personagens reais como Dolores Duran, o palhaço Benjamim de Oliveira, a cozinheira Almira, Heleno de Freitas, identificado apenas como “o ídolo”, desfilam ao lado de outros que podem ou não ter existido, Pedro Cavalinho, Aurora, Marlene, a moça no banho, a filha do embaixador,os cantores bêbados,o sósia de JK,Frederico, “seu”Torquato.

Das três últimas partes da coletânea constam crônicas, histórias, anedotas, ou o que sejam, em que se acham — entre graças, aí sim, mais próximas às do primo — tocantes referências às mulheres: a que passou, a que se foi, a que se desejou, a que se perdeu. O Sérgio Porto das crônicas sobre fins de caso, amores idos, separações, é, numa palavra, insuperável. A crônica que fecha o livro é pequena obra-prima que bem poderia ter servido de modelo ao Chico Buarque dos versos de “Trocando em miúdos”. Nenhum dos textos sobre mulheres parece ter algo a ver com a fossa da viagem a Buenos Aires. Até porque,ao contrário do que podem sugerir as crônicas sobre a casa, a rua, o bairro, ou sobre as pessoas que conheceu, ou sobre as outras que inventou, ou sobre as mulheres que amou, Sérgio Porto não é um escritor autobiográfico, um memorialista.

É,antes, um cronista que se vale de experiências — vividas ou imaginadas — para nos falar mais como testemunha do que como personagem. Mesmo quando assume o próprio nome (“Chamaste-me ‘meu Sérgio’ e depois partiste. Não fui nem teu Sérgio nem teu porto”), ele nos faz entrar em sua pele em vez de simplesmente o lermos a distância. É como se também nós, e não somente Sérgio, estivéssemos passando pelas mesmas emoções. Não tivesse ele,afinal, pertencido a uma brilhante geração de cronistas — Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlinhos de Oliveira — que sabia exatamente a diferença entre escrever na primeira pessoa e divagar sobre o próprio umbigo.

Claro, Sérgio Porto sabia que, se cometesse esse pecado, o do umbigo, estaria correndo o risco de ver o implacável primo Stanislaw incluí-lo entre os mais fortes candidatos a cocoroca do ano.

Fonte:
http://www.livrariacultura.com.br

Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) 1923 - 1968)



Sérgio Porto, por ele mesmo, "Auto-retrato do artista quando não tão jovem"

"ATIVIDADE PROFISSIONAL: Jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade dizem que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário.

OUTRAS ATIVIDADES: Marido, pescador, colecionador de discos (só samba do bom e jazz tocado por negro, além de clássicos), ex-atleta, hoje cardíaco. Mania de limpar coisas tais como livros, discos, objetos de metal e cachimbos.

PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES: Mulher.

QUALIDADES PARADOXAIS: Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério.

PONTOS VULNERÁVEIS: Completa incapacidade para se deixar arrebatar por política. Jamais teve opinião formada sobre qualquer figurão da vida pública, quer nacional, quer estrangeira.

ÓDIOS INCONFESSOS: Puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.

PANACÉIAS CASEIRAS: Quando dói do umbigo para baixo: Elixir Paregórico. Do umbigo para cima: aspirina.

SUPERSTIÇÕES INVENCÍVEIS: Nenhuma, a não ser em véspera de decisão de Copa do Mundo. Nessas ocasiões comparativamente qualquer pai-de-santo é um simples cético.

TENTAÇÕES IRRESISTÍVEIS: Passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não tão boa quanto pensa.

MEDOS ABSURDOS: Qualquer inseto taludinho (de barata pra cima).

ORGULHO SECRETO: Faz ovo estrelado como Pelé faz gol. Aliás, é um bom cozinheiro no setor mais difícil da culinária: o trivial.

Assinado, Sérgio Porto, agosto de 1963."
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Filho de Américo Pereira da Silva Porto e de D. Dulce Julieta Rangel Porto, Sérgio Marcos Rangel Porto, um cidadão acima de qualquer desfeita, nasceu no Rio de Janeiro em pleno verão, no dia 11 de janeiro de 1923, e ficou famoso anos depois sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, emprestado à Oswald de Andrade (vide Memórias de Serafim Ponte Grande). Foi casado com Dirce Pimentel de Araújo, com quem teve três filhas: Gisela, Ângela e Solange.

Dizem seus estudiosos que no citado livro teria encontrado seu grande filão:a irreverência. Começou uma obra carioquíssima, até hoje insuperável, transpondo para jornais, livros e revistas o saboroso coloquial do Rio de Janeiro. Afirmam, também, que as melhores crônicas são aquelas onde a disposição de desfazer o sentido de uma palavra ou de uma situação não se manifesta apenas no final do enredo, mas parece atingir a estrutura da narrativa; quer dizer, a partir de pistas falsas, a história é conduzida visando a um final que não acontece, substituído por outro, totalmente inesperado (vejam Menino Precoce e A Charneca, por exemplo).

Era um mestre das comparações enfáticas:
"Mais inchada do que cabeça de botafoguense"
"Mais assanhado do que bode velho no cercado das cabritas"
"Mais suado do que o marcador de Pelé"
"Mais duro do que nádega de estátua"
"Mais feia do que mudança de pobre"
"Mais murcho do que boca de velha"

Traçou, em 12 palavras, o retrato de uma época , os tais anos dourados nada permissivos, quando o preconceito prevalecia, principalmente em matéria de sexo:

"Se peito de moça fosse buzina, ninguém dormia nos arredores daquela praça". Antes da liberação sexual, as praças e outros cantinhos escuros eram, então, um buzinaço.

Criador de Tia Zulmira, Rosamundo e Primo Altamirando, foi com seu Festival de Besteira que Assola o País - FEBEAPÁ, lançado em plena vigência da Redentora, apelido do golpe militar de 1964, que ele alcançou seu grande sucesso. Stanislaw afirmava ser difícil precisar o dia em que as besteiras começaram a assolar o Brasil, mas disse ter notado um alastramento desse festival depois que uma inspetora de ensino no interior de São Paulo, portanto uma senhora de nível intelectual mais elevado pouquinha coisa, ao saber que o filho tirara zero numa prova de matemática, embora sabendo tratar-se de um debilóide, não vacilou em apontar às autoridades o professor da criança como perigoso agente comunista.

Outras besteiras colhidas pelo autor:

"No mesmo dia em que o governo resolvia intervir em todos os sindicatos, resolvia mandar uma delegação à 16a. Sessão do Conselho de Administração da OIT, em Genebra. Ao Brasil caberia exatamente fazer parte da Comissão de Liberdade Sindical. Na mesma ocasião, um time da Alemanha Oriental vinha disputar alguns jogos aqui e então o Itamarati distribuiu uma nota avisando que eles só jogariam se a partida não tivesse cunho político. Em Mariana, MG, um delegado de polícia proibia casais de se sentarem juntos na única praça namorável da cidade, baixando portaria dizendo que moça só podia ir ao cinema com atestado dos pais. Em Belo Horizonte, um outro delegado distribuía espiões pelas arquibancadas dos estádios. Dali em diante quem dissesse mais de três palavrões ia preso."

Na mesma época (1954) em que o jornalista Jacinto de Thormes publicou na revista Manchete a lista das "Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano", Stanislaw, que escrevia na mesma revista sobre teatro-rebolado, não quis ficar por baixo e inventou a lista das "Mulheres Mais Bem Despidas do Ano". Com a grita das mães das vedetes, passou a usar uma expressão ouvida de seu pai — "Olha só que moça mais certa" — e estavam, assim, criadas as "certinhas" do Lalau. De 1954 a 1968 foram 142 as selecionadas. Dentre outras, podemos citar Aizita Nascimento, Betty Faria, Brigitte Blair, Carmen Verônica, Eloina, Íris Bruzzi, Mara Rúbia, Miriam Pérsia, Norma Bengell, Rose Rondelli, Sônia Mamede e Virgínia Lane.

Ao contrário do que parecia ser -- um cara folgado, brincalhão, gozador e pouco chegado ao labor, Sérgio Porto, por suas inúmeras atribuições, era um lutador. Nos últimos anos de vida tinha uma jornada nunca inferior a 15 horas de trabalho por dia."Só estou levantando o olho da máquina de escrever pra botar colírio. Hoje fui gravar na televisão e antes foi aquela batalha contra as teclas. Estou trabalhando demais, outra vez. Só para esta semana: seis Stanislaws, um Fatos & Fotos, um final apoteótico para o novo programa do Chico Anísio, roteiro e script para aquela bosta chamada Espetáculos Tonelux, depois quadros humorísticos para a TV Rio, Miss Campeonato, Da Boca pra Fora, o programa de rádio Atrações A-9, além da revisão do livro O Homem ao Lado que será reeditado no próximo mês e da gravação do programa Qual é o assunto?" Para alguém que teve seu primeiro infarto ao 36 anos, era demais.

"Tunica, eu tô apagando". Essas foram as últimas palavras ditas pelo autor ao sofrer seu derradeiro infarto, no dia 29 de setembro de 1968.

Paulo Mendes Campos, o excelente e tão esquecido cronista mineiro, traça um perfil do autor em um texto cheio de humor e de dor pelo falecimento de Stanislaw Ponte Preta (in "O Anjo Bêbado", Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1969, pág. 7).

SÉRGIO E STANISLAW PONTE PRETA

O diabo o é que todo mundo pensa que sou um cínico; ninguém acredita que sou um sentimentalão que não agüenta uma gata pelo rabo.

Sérgio me dizia isso a milhares de metros de altitude, copo de uísque na mão, rumo a Buenos Aires. Ao saber que eu tinha resolvido assistir ao jogo Brasil e Uruguai, no Campeonato Pan-Americano de 1959, veio procurar-me com uma ansiedade incomum: precisava afastar-se do Rio de qualquer jeito, me disse, tinha decisivos assuntos íntimos sobre os quais queria pensar.

Sendo assim, por que ir a Buenos Aires? Não fiz a pergunta por entendê-lo: Sérgio possuía o talento de viver em diversas faixas ao mesmo tempo; Buenos Aires lhe calhava numa instância de decisões pessoais porque o recolhimento do hotel se somava aos benefícios do torneio de futebol, da companhia dos amigos, das anedotas jornalísticas e até mesmo dos restaurantes portenhos.

Já dentro do avião, nessa ou em qualquer outra viagem, desligado de suas duras obrigações, transformava-se: mesmo roído por dentro, a gratuidade do instante era boa demais para não ser aproveitada. Sempre que uma aeromoça lhe perguntava se queria um sanduíche ou um refrigerante, respondia alegremente com uma frase que ouviu de Billy Blanco: "Quero tudo a que eu tenha direito." E era verdade.

Na chegada a Buenos Aires, houve uma dessas súbitas situações cômicas criadas por aquele homem carregado de conflitos: avião estacionado, entrou nele um médico da saúde pública, um homem ruivo e bastante calvo. Pedindo aos passageiros que exibissem o atestado de vacina, o médico estendeu a mão para Sérgio, ao mesmo tempo que dizia em tom cavo e impessoal: "Vacunación, señor." Como se estivesse recebendo um cumprimento de boas-vindas, Stanislaw (aí era ele), muito grave, apertou a mão do médico, falando claro e efusivo: "Vacunación para usted también?" O médico, rubro de indignação, expulsou-nos do avião, sem mais exigir o documento sanitário e, enquanto eu explodia de rir, ele sussurrava-me entre os dentes: "Agüenta a mão, se não a gente acaba em cana."

O dom mais surpreendente de Sérgio era esse trânsito livre entre as manifestações da vida. Ainda no dia de nossa chegada a Buenos Aires, eu o veria em atitudes múltiplas: durante o jogo dramático entre o Brasil e o Uruguai (o três a um da briga), ele deu um empurrão nos peitos dum argentino que insultava os brasileiros, chorou quando Paulo Valentim fez o terceiro gol, riu-se às gargalhadas quando o Garrincha passou indiferente entre uruguaios e entrou no ônibus com um sanduíche enorme na boca e outro na mão; e ainda conversou longamente comigo sobre suas aflições, depois de cear com entusiasmo.

Quando acordei, ele já andava pelo saguão, depois de ler os jornais todos, à cata de histórias do Mendonça Falcão - a máquina já destampada no quarto.

Fiquei seu amigo há mais de vinte anos, quando ele escrevia crônicas de música popular para a revista Sombra. Bonito, forte, elegante, inteligente, alegre, simpático - era um privilegiado sem ostentação. Só lhe faltava o dinheiro, como de resto ao grupo todo: mesmo mal pagos, tínhamos de aceitar as ofertas que a imprensa nos fazia como um favor, bicando aqui e ali, sofrendo na carne os atrasos do caixa, brigando pelo dinheirinho de cada dia. Mas o clima não era de miséria nem de tristeza: bebíamos crepuscularmente nosso uísque escocês no Pardellas da Rua México, dançávamos no Vogue, andávamos de táxi. Já que o dinheiro era pouco, o jeito era gastá-lo no essencial: o apartamento próprio que esperasse.

Eustáquio Duarte, Lúcio Rangel, Luís Jardim, Cássio Fonseca, Jarbas Duarte eram diariamente pontuais no Pardellas; Zé Lins do Rego, Rosário Fusco, Santa Rosa, Jaime Adour da Câmara, Flávio de Aquino, Simeão Leal, Luis Santa Cruz e outros apareciam com freqüência. O jazz negro era o nosso alimento: Sérgio e seu tio Lúcio Rangel ensinaram ao resto da turma o que era puro nesse setor e o que se contaminara.

Por um momento, numa fase financeira mais dura, quase o acompanhei num gesto até certo ponto desesperado: o de escrever programas de rádio. Para ele foi o início duma vida de sucesso profissional e cruel desgaste físico. Na imprensa, no rádio e na televisão do Brasil a ascensão se confunde com a queda. Sucesso nesse terreno não é poder trabalhar menos e ganhar o suficiente: é trabalhar sempre mais. Vitorioso no Brasil é o jornalista que sempre encontra mercado de trabalho; e não preços mais altos. Só chega ao chamado certo nível de vida somando diversas atividades corrosivas.

O humorista começou a surgir no semanário Comício, excelente escola de descontração do estilo jornalístico, dirigido por Rubem Braga, e Joel Silveira, onde escreviam ainda Clarice Lispector, Millôr Fernandes, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Rafael Correia de Oliveira, Carlos Castelo Branco, Edmar Morel, onde também apareceram as primeiras crônicas de Antônio Maria e as primeiras reportagens de Pedro Gomes.

Digo o humorista profissional, porque o da convivência com os amigos vinha do tempo das peladas em Copacabana: Sandro Moreira, João Saldanha, Mauricinho Porto, George Rangel, Máriozinho de Oliveira, Carlos Peixoto e Carlinhos Niemeyer são alguns que se lembram das histórias engraçadas de Sérgio, o Bolão.

Sua vivacidade era tão instantânea que sempre a aceitei com naturalidade. Espantava-me, isto sim, seu discernimento, agudo, preciso, a respeito de tudo: uma canção, um cantor, um vestido, um quadro, uma atmosfera, uma situação complicada. Dizia em cima a palavra exata, a observação certa, o julgamento justo.

O contraditório é que pudesse fazer humorismo uma pessoa que possuía tanto senso das proporções e da verdade escondida. Seu humorismo, bem reparado, não era o usual, pelo contrário, ele fazia humor sem caricaturar o assunto. Bernard Shaw, quando queria fazer graça, dizia a verdade. Ele também fez graça falando verdades, descobrindo verdades, tendo a coragem de ser odiado por dizê-las.

Como todo homem de sensibilidade, precisava de amigos e afeto; mas desprezava os mesquinhos, os medíocres, os debilóides, os cretinos.

Seu gosto era certo. Amava os livros e os discos, milhares de discos, discos que ouvia às vezes enquanto trabalhava, atendendo ao telefone a todo instante, recebendo amigos, contando piadas, e continuando a batucar na máquina, insistindo para que o visitante ficasse, sob a afirmação (verdadeira) de que estava acostumado a escrever no meio da maior confusão.

Eu, que apesar de tarimbado, já começo a ficar afobado no fim deste mal enramado artigo, com a redação querendo saber se já pode mandar buscá-lo, lembro a tranqüilidade de Sérgio no meio do caos, e não entendo o segredo que o dotou ao mesmo tempo de extraordinária capacidade de trabalho e da calma que deve ser a dos monges tibetanos.

De que morreu Sérgio Porto? Do coração e do trabalho.

No fim do ano passado, nas vésperas de Natal, estivemos juntos em Brasília: ele se lamentou o tempo todo no dia da volta, dizendo que ficaria ali, na ociosidade do hotel, por um tempo indeterminado. Foi difícil arrancá-lo da cama ao anoitecer. Este ano viajamos novamente juntos para São Paulo e Belo Horizonte. Foi a mesma coisa. Queria descansar, transfigurando-se no repouso, encarando com horror as atividades que o esperavam no Rio.

Na nossa última noite em Belo Horizonte, ele, Fernando, Rubem, Gérson Sabino e eu jantamos num restaurante muito bonito, que tinha de tudo, menos comida mineira. Sérgio reclamou tristemente durante todo o jantar. Queria arroz, feijão, couve, lingüiça.

Não sei por que essa lembrança me comove e serve para fechar esta página que eu não queria triste. Que a tristeza fique conosco, os amigos que o amavam.

Bibliografia:
Como Stanislaw Ponte Preta:
- Tia Zulmira e Eu - Editora do Autor, 1961
- Primo Altamirando e Elas - Editora do Autor, 1962
- Rosamundo e os Outros - Editora do Autor, 1963
- Garoto Linha Dura - Editora do Autor, 1964
- FEBEAPÁ1 (Primeiro Festival de Besteira Que Assola o País), Editora do Autor, 1966
- FEBEAPÁ2 (Segundo Festival de Besteira Que Assola o Pais), Editora Sabiá, 1967
- Na Terra do Crioulo Doido - FEBEAPÁ3 - A Máquina de Fazer Doido - Editora Sabiá, 1968

Com o nome de Sérgio Porto:
- A Casa Demolida - Editora do Autor/1963 (Reedição ampliada e revista de O Homem ao Lado - Livraria. José Olympio Editores)
- As Cariocas - Editora Civilização Brasileira, 1967

Fonte:
http://www.releituras.com.br

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Jandira Zanchi (Poesias Avulsas)



Amendoeira

O poeta é
tão instante
e fronteira
quanto as
estrelas
pisadas
do óleo
de uma
amendoeira.
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Luvas de Aço

Desfaço com
luvas de aço
a complexidade
do conhecimento
consciente

Arranho com
punhos da água
a valsa
do recôndito
rebanho
inconsciente

Vago por marés
de plumas e
cortejo jasmins
jesuítas sisudos no
toque de recolher.
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Língua Cifrada

Língua cifrada
de Arcanjos
NEGROS
Lençóis de agulhas ao vento
lilases as metáforas da sina
em frente e por sobre
a fralda do Tempo
(Anjo Arcanjo
de mim)

na casa do pai
em nome do Santo
Amém
teu verbo é ósculo
de pranto e pompa
arena de sereno
quase estupidez

que flor de vida
nas cores do jardim
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Gume de Gueixa

Sou uma única mulher
quando a trombeta anuncia
um inverno sem tropeços.

Os legionários da palavra
espiam sua falta de dados
como me fiz por nenhum motivo
conheço o luxo de ser nua e insofismável
inquestionável é a questão e o próximo dia.
Também invoco nas santas armações
da luta contínua por porto algum
as desculpas estilhaçadas em farpas
dos ausentes cansados em dentes de ogro.

Mas me canso descanso de meu fel.
Ardia na boca do estômago a fúria da pretensão
– esqueci-a retaliada no sofá branco e bagunçado –
deve haver algo melhor do que essa faca
gume de gueixa
a ponta de prata que rebola a qualquer ultraje
para dentro através da margem.

e porém... como dizia tenho azia
dor de baço e um cansaço...
aí retomei a pena e o pó dos livros
a lide das pernas e a busca do pão
pensei no amor como um condimento vespertino
dos enfeites adiei o aprumo e por três ou quatro
minutos dos restantes sorri e adormeci
ali ao pé do carvalho planto, morena,
serena e de orvalho em pé e sombra
afogada e deslumbrada
– o nome daquele é o mesmo deste?
Estes os problemas e sua função.
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Claudicante





Alvéolos de partículas semicerradas
alheias e frias, pingando sua calda
quente e quimérica
Ruiva e Romã
enlevos de ouro e prata
azul lançado para água
e estirado no mar
ainda me fazem sonhar......
Claudicante, a neblina da noite, faiscante
de pudor e amassada de desejo, não extraí
em seus ruídos nenhum símbolo sedimentado
nenhuma curva consciência de onipresenças
antes, enrola-se a meus pés, arfante,
vinil de neve agridoce e quase rude em
seu percurso de longa latitude de extorsão
enviesada e serena nos compartimentos
ora fluídos, outros, efervescentes de gases
e experimentos dessas terras extensas.
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Anunciação
O sonho e suas sete partes de dúvidas
as esperanças e suas intoleráveis
vertentes de lixo e dor

maresia maré morena
a agonia esquecida
que fatos eram aqueles
que remavam e vexavam
o desanuviar certeiro
do esplendor?

Joguei-os em meio aos cadernos
mal elaborados
maltrapilhos ensangüentados
nu e decidido o poente da terra
a anunciação do demover solícito
- era plano e mácula
e nada me dizia a respeito
a respeito do que forma e se conforma.


era oriente na face oeste da lua –
divisei o pranto e o exílio
e fui-me vencida
em meio ao luxo da vitória.
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Aspirinas
Me levem em
surdina e sem gritos
o leito perfumado
de aspirinas
=====================

Vésperas

A negra sombra do fio da lua
assombrou a serpente em
sua cauda de fantasia,
amava-te em frases perjuras
espiava-te senhor do amanhecer
e esquecia-me sobre o sol
- verde véspera –
das notícias malevolentes
que levaram-me
santa pontífice navegadora
a espiar enviesada
uma suave passagem
semáforo e sombra
fugas fugazes do meu ser.

No dia demarcado te darei
três pontas da flor amarela
nave trevo entressafra

Minhas mãos enfraquecem
e não se formam
no molde cor de marte
que se arrasta na encosta

aqui no árido vale da morte
os ventos se envaidecem
de nuvens e grinaldas
tules de aspargos e
vazadas aspirações .

Malvada maldita colheita
estimo em cem tantos mil
os passos que contei
chamuscando os seios
nas setas indiferentes

mas te aguardo com tamanha
contenção de euforia
que quase rezo em
cima de duas afrontas
a certeza do amor.

Vácuos de luz me acompanham
na reforma os vestidos e as vésperas
quatrocentos arroubos de incertezas
era quase já tanto tanto tarde
mais dia e muita pouca noite
eram tropeços trôpegos do silêncio
no seu colar de gestos e enfoques....
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Pontífices

sou vazada e diurna
escorrego na ponte
pontífices e pedras
––––––––––––––––––

Favorita

O mistério não cede
ele sobe desce.

As três flores da geração passada
Curvaram o boreal de divergências.
Público e privado – quantas vertentes
vértices vacâncias exprimiu teus lábios.

Independência – morte
sugerida em 120 flexões.

Enquanto cursava discursava
a ponte desligou o último beijo
- nos prepararam cem mil milhas
de vidas mal vividas.

Noite e calor – quem parte ?
O que vence se distraiu , o
espelho turvo eram as águas
do rio dourado e sujo –
brincalhão.

O Barco passava ao largo
- ajuste de contas –
te devo alguns cem mil réis,
me deves uma esperança
redonda e não jocosa.

Estou na porta aberta
rumo ruminante
ao futuro branco
esfarelado de reticências
pós vontades

que humano tolo
não interroga a estrela
mas tenta devorar
a entranha do outro.

Não falo mais verdades
as palavras enrubescem
frente ao fronte.

Fulmino esse momento branco
As cores coradas da manhã de Sábado

Desconheci o amplamente reconhecido

Seguro pôr hoje o novecentos.
Se parto? Quedo-me em teus braços.
Espero pôr teus olhos que engoliram
dos meus a corrente que enfurecia
essas entranhas de medusa
e Madona aborrecida.

Ah, os compassos e seus componentes,
quem eram e pôr que vieram?
Nunca soube imprimir a
expressão balbuciada do outro.

Me diziam que era um aparte
apostei na briga
esvaziei a intriga.

A branca montanha que se nos oferecem
distancia abaixo o desvio das faces.

Não percebi porque foi sem muito entender
que vesti a túnica creme cor de amarelo
se me basto...
ignoro a tal corrente
me deram a folha e seu perfume
namoro essa macia visão na água.

Estúpida estúpido espetáculo
sombras na noite vieram despedir
acenei-lhes com o envelope branco,
dentro a alforria e vinte e sete
pares de ímpares.

Saí pela manhã, era o 1º
dia da liberdade,
os códigos estavam mornos
se já sabes e inventas
sela o selo do silêncio

No 1º dia na 1ª missa
conjunto de hóstias na cabeça
a cabaça vazia e feita
- vi as malas que partiam para
um rumo desconhecido e certo –

Tão quente e favorita
a menina guardou na
caixinha de madrepérola
suas jóias turcas
azuis e ametistas

luz e dia sombra alta
a terra arde e ama
o Sol de seu príncipe
segue-se um terço
e partes.

- e recomeça-se na quinta hora
quando definir-se a margem –
te veremos com três lances
de cores e momentos
és fria e fácil e farta
fulmina-te no fado fascinante
de tuas últimas facetas
agrimensora de noite e circo
é teu e vela-o
os frutos, que nascem em grupos,
terão seus pés amarelos
azul anil e açucarado

te reúnas, pôr 5 ou 6 vezes,
com sábios e alfarrábios
satisfazes esse silêncio
de sonatas e sonetos.
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Sobre a Autora
Poeta, ficcionista e educadora. Curitibana, licenciou-se em Matemática em 1979 pela Universidade Federal do Paraná. Tem cursos de pós-graduação em astronomia e educação e é profissional de magistério, com experiência em ensino superior, médio e preparatório. Entre as muitas faculdades e colégios em que trabalhou, inclui-se a Universidade Agostinho Neto, em Luanda – Angola, no período de 1985 a 1987, como professora cooperante. É autora de alguns livros de poesia e literatura ainda inéditos.
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Fontes:
http://jandirazanchigueixa.blogspot.com/
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/parana/jandira_zanchi.html

Balaio de Trovas V



Numa visita diária
a um coração em carência,
a saudade solidária
tenta suprir tua ausência...
ÉLBEA PRISCILA DE S. E SILVA
Caçapava-SP

Zumbindo sobre as corolas,
de delicada beleza,
os insetos são violas
na orquestra da Natureza!
ANGÉLICA VILLELA SANTOS
Taubaté-SP

Sem alegria no rosto,
mas para espantar o pranto,
tento esquecer meu desgosto
cantando, triste, mas canto.
ARGEMIRA F. MARCONDES
Taubaté-SP

É sina dos trovadores,
no mundo tão incomum,
falar de tantos amores,
às vezes sem ter nenhum.
CARLOS ALVES CABRAL
Pindamonhangaba-SP

Falamos muito de paz
mas, às vezes, esquecemos
que todo bem que ela traz
é todo o bem que fazemos.
JUDITE DE OLIVEIRA
Taubaté-SP

A natureza se enflora
e eu vivo um contraste assim:
é primavera lá fora
e inverno dentro de mim...
OSCAR DIAS SOARES
Taubaté-SP

Toda a noite, quando saio,
vendo o céu luminescente,
sinto a paz que é como um raio
de luar dentro da gente.
MYRTHES MAZZA MAZIERO
São José dos Campos-SP

Folha em branco à minha frente,
inquisidora, calada,
como a esperar que eu invente
um verso, uma trova...e nada !
NÉLIO BESSANT
Pindamonhangaba-SP

Sou, nas praias dessa vida,
que o destino desprezou,
fugaz espuma esquecida
que o mar, na areia, deixou!
JOSÉ VALDEZ DE C. MOURA
Pindamonhangaba-SP

Sábio é quem, mesmo que falhe
nos caminhos que envereda,
corrige cada detalhe
para evitar outra queda.
MAURÍCIO CAVALHEIRO
Pindamonhangaba-SP

Deixando o orgulho de lado,
meu amor lhe declarei
e, por ter me declarado,
com mais orgulho fiquei.
PAULO TARCÍZIO MARCONDES
Pindamonhangaba-SP

Tangendo as tropas em sonho,
velho tropeiro: ar cansado...
- Este é o tropel mais tristonho
pelos sertões do passado!...
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba-SP
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Fonte:
Boletim Literário da UBT de Tremembé/SP – Vale Trova – Ano I – n.3 – 15 nov 2008
Responsável: Luiz Antonio Cardoso

Ana Lúcia Carvalho (Poesias Avulsas)

Canção do Talvez

Talvez sonhe demais
Ria demais
Peça demais
Ame demais
Talvez...
Viva de olhos fechados
Vá de encontro aos espinhos,
Nas rosas cravados
Talvez sangre demasiado.
Talvez...
Viva para sonhar
Por ter medo de acordar e,
Abrir os olhos e ver
Que não há primavera ou verão
Só o inverno nesse teu coração.
Talvez...
Ame demais,
Ria demais,
Espere demais...
Talvez estejas cansado
De todos os meus ais
De todo o meu medo
De todos os meus vendavais
Talvez...
Talvez eu me canse de ser assim
E me torne como me queres
Um espelho de ti dentro de mim....
Talvez...
Desista de te dar o meu perdão
E que me canse de procurar justificação
Por não seres alguém,
Que sonha demais,
Ama demais,
Mas espera demais.
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Jardim do meu velho Castelo

Não há flores novas no meu velho jardim,
Só as heras espalhadas pelas paredes
Das antigas muralhas do meu castelo
Borboletas, já nem as conheço
Não param aqui neste lugar morto
Cofre do que esqueço
Lugar onde escondo o que desconheço
Espinhos foram rosas
Lembranças, sonhos
Suspiros do vento, sorrisos
Palavras soltas, belos poemas...
Já não há vida neste canto,
Apenas o sopro do desencanto
Já não crescem flores no meu jardim, onde,
A terra afunda ao mais leve toque
O verde se esconde por detrás das sombras
Das imponentes eras que,
Foram tempo de indomáveis feras,
Brilhantes cavaleiros, belas princesas,
E grandes herois do derradeiro...
Não crescem flores novas no meu jardim...
O sol já não brilha como antes, aqui...
Só a lua desperta os antigos cantares
Das velhas vozes dos apaixonados
Que uivam de dor, esquecidos neste lugar perdido...
Só os velhos contadores de histórias sabem,
Deixar-se enganar pelos sentidos,
E ver aqui, aquele velho jardim...
Onde flores cobriam a terra de mil diferentes cores
Os pássaros cantavam para fazer sorrir o vento
Linhas soltas de belos poemas,
Cantados pelas princesas e heróis que,
Caminhavam descalços sobre a terra,
Em direcção ao por do sol, a caminho da lua...
Já não crescem flores aqui,
Restam-me os contadores de histórias
Que avivam com as suas palavras sábias
As velhas memórias do que já foi,
O mais belo jardim do meu velho castelo...
=================
Larga-me da mão

Larga-me a mão
Deixa-me livre para voar
Deixa-me perder
Para me voltar a encontrar.
Larga-me,
Solta-me os pés
Deixa-me partir,
Sabes que volto para ti outra vez.
Ferida da batalha
Tu curas-me o corpo e a alma
Eu agradeço e acabo por ficar,
Acabo sempre contigo no final.
Larga-me a mão
Deixa-me ir, então
Porque se não partir
Não terás nada para curar
E eu não terei razões para ficar.
==================
Marioneta

Neste pedaço de chão
De terra sem dono
Somos só pequenas,
Frágeis, indefesas
Trôpegas marionetas.

Pedaços de madeira viva
Por seiva molhada, corrida
Personagens por detrás da cortina
De uma continua peça teatral
De assistência divina.

Eu...
Eu, sou um pedaço de pau.
Quem sabe já fui parte de uma velha nau
Das que partiram procurando, em segredo
Um novo mundo, um novo porto,
Vencendo as teias do eterno medo.

Agora sou só um pedaço de pau
A tremer por detrás de um pano vermelho
Ansiosa por entrar em cena
De uma peça, num teatro velho.

Onde a atriz é pequena
Feita de madeira, sempre serena ,
E presa por fios de corda torcida,
Vive o teatro a que chama vida
==========================
Sobre a autora, por ela mesma
Chamo-me Ana Lúcia Carvalho, tenho 21 anos e desde há muito que encontro conforto entre as palavras. Sinto-me ainda uma criança perante a vida. Há tanto que não sei, tanto para aprender...

As minhas palavras reflectem isso mesmo; os meus sentimentos e sonhos, o que sou e quem sou.
São elas que me dão as asas que tanto preciso para voar e o dom de pintar realidades que só existem na minha mente... O meu caderno anda comigo onde quer que eu vá e o meu blog, onde escrevo os meus textos, tornou-se como uma especie de espelho, onde aprendi a observar o meu reflexo.
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Fonte:
http://www.estudioraposa.com/index.php/category/lugar-aos-outros/

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

José Feldman diplomado pela ONE em Sorocaba

No dia 19 de dezembro o presidente da Ordem Nacional dos Escritores diplomou e entregou mais sete colares a novos associados.
A cerimônia aconteceu no Gabinete de Leitura Sorocabano às 10h seguido de um almoço junto aos escritores e novos sócios. No encontro, a mesa foi composta pelo presidente do Gabinete, Cel. Res. PM João Oliveira Verlangieri, o diretor do núcleo da região, Douglas Lara, e o presidente da ONE, José Verdasca dos Santos.






Além da presença do ex-presidente da Fundec, Alexandre Latuf, os sete novos associados, entre os quais as mais jovens escritoras associadas, Maria Giulia Jacção Alves e Roberta Rodrigues Giudice, ambas tem nove anos e declamaram suas poesias publicadas na antologia Rodamundinho.


Entre os novos membros estavam o escritor, trovador e criador do blog literário Singrando Horizontes José Feldman, o jornalista e escritor Pedro Viegas, o editor Mylton Ottoni e o empresário Alexandre Latuf.

No momento da entrega também foram declamadas poesias pelos escritores Gonçalves Viana, Oswaldo Biancardi, Nicanor Filadelfo, João Verlangieri e pelo presidente da Ordem.

O presidente da Ordem acrescentou que anteriormente o Estatuto não previa a admissão de menores de idade em sua associação e que hoje esse termo foi reformulado. “A Diretoria Nacional tudo fará para apoiar, estimular e incentivar aos jovens a seguirem este rumo, propiciando bons exemplos a seus colegas de escola, vizinhos e parentes, nós encaramos este trabalho como uma missão, talvez a mais importante da nossa associação”, comenta Verdasca.

Durante a reunião, a TV COM registrou o momento das entregas dos colares, também entrevistou os novos associados e o presidente da Ordem que se emocionou dizendo sobre a importância dos jovens exercitarem a escrita e não somente a leitura. A TV COM (canal 7 da NET Sorocaba) exibiu partes das entrevistas e está preparando uma matéria especial sobre literatura em Sorocaba.

A ONE é uma sociedade civil com fins culturais e científicos, sem objetivos lucrativos e abrange todo o espaço da Lusofonia. Os principais objetivos da Ordem são preservar, promover, estimular, incentivar as atividades literárias de escritores, aconselhar e auxiliar os autores em suas obras e produções, bem como defender a atuação do escritor lusófono na livre manifestação de seu pensamento e em defesa de seus trabalhos e direitos.

Segundo José Feldman «a acolhida recebida em Sorocaba foi de tal maneira surpreendente, que me senti como se fosse uma reunião de família. Foi uma honra enorme receber este colar, mas o trabalho para a divulgação da nossa cultura tão vasta em solo brasileiro é árduo, é uma semente que estamos plantando, que espero um dia dar frutos. Enfatizo que o meu blog assim como tantos outros blogs e sites é uma das sementes que eu regarei todos os dias até se tornar uma árvore frondosa que envolva em seus ramos todos os estados do Brasil, as nações de lingua portuguesa e todas as outras nações do mundo. Agradeço ao escritor Douglas Lara e à jornalista Cintian Moraes, principalmente, entre tantos outros que colaboraram direta e indiretamente para esta conquista. Um agradecimento especial ao Cel. Verlangieri pela recepção em seu Gabinete de Leitura, e à ONE pelo reconhecimento de meus esforços ».
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Fontes:
http://www.cintianmoraes.com.br/ONE/index.htm
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

sábado, 20 de dezembro de 2008

17 a 29 de Dezembro (Intervalo)


No período de 17 a 29 de dezembro não haverá postagem.

Dia 30 retorno com novidades e maior quantidade de postagens, e novas valiosissimas colaborações.

Feliz Natal a todos!

José Feldman

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Artur da Tavola (1936 - 2008)


José Feldman (A Virada de Ano sem Artur da Tavola)

Meu amigo,

Este ano se encerra, e você não está mais junto de nós, e as saudades de você que nos deixou, não fará com que seja um final de ano feliz, pois a sua ausência será sentida e muito, muito mesma. Esta é uma distância que não permite que possamos te ver, nem te abraçar, e nem ouvir a sua voz.

E quando partiu, você deixou saudades, pois foram marcantes senão em minha vida, mas em tantas outras. Podemos ver seus retratos, escutar sua voz gravada em algum lugar, mas sempre aquele aperto no coração persiste, pois a saudade é muito forte.

Sentimos saudades de amigos que não vimos mais, e mais ainda, nos arrependemos ao saber que a distância nos separou, e nunca mais nos veremos mais.

Daí vem à mente tantos momentos que tivemos e sentimos saudades. Das pessoas que falamos e nunca mais, da infância que vivemos, de nossos pais quando vivos, ou bem mais jovens. Dos namoros, das risadas que sempre demos. Sentimos saudades do passado e dos muitos momentos que não vivemos e também daqueles que vivemos e nunca mais teremos novamente. Saudades dos sonhos que tivemos e que hoje, talvez nem lembremos mais quais são, mas que acreditávamos como algo mágico.

Sinto saudades de você que se foi, e nem mesmo tive oportunidade para lhe dizer adeus. Dos momentos que nos falamos, sejam de dor ou de alegria, foram momentos inesquecíveis.

Queria poder fazer uma trova, um haicai, uma poesia, alguma coisa bonita que perpetuasse para sempre a falta que faz, pois direta ou indiretamente, participou de minha vida.

Mas, mesmo que eu sinta a tristeza que há pela sua ausência, meu coração sorri, pois o seu espírito está mais vivo do que nunca em mim, e fostes um dos construtores de um santuário colossal, denominado Cultura. E, a cada tijolo que colocarmos nele, poderemos sentir sua presença, sua mão nos ajudando a coloca-lo no local exato.

Até mais tarde, meu amigo Artur, que este ano de 2009 seja a consolidação de seu sonho.
José Feldman

*****************
(Artur da Tavola ) Vida Ensina

Se você pensa que sabe; que a vida lhe mostre o quanto não sabe.

Se você é muito simpático mas leva meia hora para concluir seu pensamento; que a vida lhe ensine que explica melhor o seu problema, aquele que começa pelo fim.

Se você faz exames demais; que a vida lhe ensine que doença é como esposa ciumenta: se procurar demais, acaba achando. Se você pensa que os outros é que sempre são isso ou aquilo; que a vida lhe ensine a olhar mais para você mesmo.

Se você pensa que viver é horizontal, unitário, definido, monobloco; que a vida lhe ensine a aceitar o conflito como condição lúdica da existência.Tanto mais lúdica quanto mais complexa.

Tanto mais complexa quanto mais consciente.Tanto mais consciente quanto mais difícil.

Tanto mais difícil quanto mais grandiosa. Se você pensa que disponibilidade com paz não é felicidade; que a vida lhe ensine a aproveitar os raros momentos em que ela (a paz) surge.

Que a vida ensine a cada menino a seguir o cristal que leva dentro, sua bússola existencial não revelada, sua percepção não verbalizável das coisas, sua capacidade de prosseguir com o que lhe é peculiar e próprio, por mais que pareçam úteis e eficazes as coisas que a ele, no fundo, não soam como tais, embora façam aparente sentido e se apresentem tão sedutoras quanto enganosas.

Que a vida nos ensine, a todos, a nunca dizer as verdades na hora da raiva.

Que desta aproveitemos apenas a forma direta e lúcida pela qual as verdades se nos revelam por seu intermédio; mas para dizê-las depois. Que a vida ensine que tão ou mais difícil do que ter razão, é saber tê-la. Que aquele garoto que não come, coma.

Que aquele que mata, não mate. Que aquela timidez do pobre passe.

Que a moça esforçada se forme. Que o jovem jovie.

Que o velho velhe. Que a moça moce. Que a luz luza. Que a paz paze.

Que o som soe. Que a mãe manhe. Que o pai paie. Que o sol sole. Que o filho filhe. Que a árvore arvore.

Que o ninho aninhe. Que o mar mare. Que a cor core. Que o abraço abrace. Que o perdão perdoe.

Que tudo vire verbo e verbe. Verde. Como a esperança. Pois, do jeito que o mundo vai, dá vontade de apagar e começar tudo de novo. A vida é substantiva, nós é que somos adjetivos.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Nelson Capucho (A Vaca do Oitavo Andar)

Trrriiiiimmm.

Turíbio esfrega os olhos, olha o relógio sobre a cômoda: 9 horas. Não pode ser o despertador. Trabalha à noite, só vai para a cama por volta das 3 horas. Assim, teoricamente, alguém está lhe telefonando às 6 horas da madrugada.

Trrriiiimmm.

Vira-se, cobre a cabeça com o travesseiro. “Ninguém me deixa dormir”, pensa. Quando não é o cachorro da vizinha do 803 é o telefone.

Triiiiiimmm.

Não deve ser alguém da família. Todos os parentes sabem que ele dorme até mais tarde, que é diferente da maioria dos mortais.

Trrriiiiimmm.

Arrepende-se por não ter desligado o aparelho da tomada. Depois começa a imaginar que aconteceu alguma desgraça. Tio Luís não anda bem de saúde. O irmão que se casou com uma nissei e está morando no Japão. Lá tem muito terremoto. Movimenta a mão na direção do telefone com a agilidade de um astronauta em solo lunar.

Trrim...

Desligaram. Antes que pudesse dizer alô.

Resmunga um palavrão, ofende o coitado do Graham Bell e decide retomar o sono. Lembra-se que estava sonhando com a Sandrinha. E era bom. Tenta recuperar o roteiro do sonho. O maldito cachorro do 803 começa a latir.

Ah, a Sandrinha...

Trrriiiiimmmm.

Ah, não...

Trrriiiimmm.

Atende.

- Hum?

- Bom dia. É da residência do senhor Turíbio? (Voz feminina. Alguma secretária – logo deduz).

- É.

- O senhor Turíbio está?

- Ele.

- Aqui é da Associação dos Pecuaristas Anônimos e o senhor participou do nosso concurso beneficente, não foi?

- E eu por acaso sou boi para participar do concurso de vocês?

- Muito boa, essa. O senhor comprou uma de nossas rifas, certo?

- Sei lá, compro tanta porcaria...

- O senhor ganhou o primeiro prêmio, seu Turíbio!

- Ganhei alguma coisa? Não é possível, minha filha. Ultimamente ando perdendo até no jogo da velha para o meu sobrinho de quatro anos.

- Pois a sua sorte mudou. O senhor ganhou a novilha.

- Como é que é?

- A vaca. O primeiro prêmio!

Agradece à moça, senta-se na cama e sorri. Enfim, uma boa notícia. Mas logo começa a se preocupar. Mora em um edifício, oitavo andar. O que vai fazer com uma vaca? Precisa ir buscar o prêmio na manhã seguinte. Telefona para alguns conhecidos: ninguém quer comprar uma novilha. Quem sabe os açougues? Não, não teria coragem.

Vai à Associação dos Pecuaristas disposto a contar o seu drama, entregar o animal ao primeiro que se interessar. De graça. Mas quando vê a vaquinha, aquele olhar carente, Turíbio muda de idéia:

- Tudo bem. Vou levar. Agora a vizinha do 803 vai ver o que é bom para tosse!

Fonte:
CAPUCHO, Nelson. O Jardineiro de Flores Estranhas. Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. (Série Crônicas de Londrina).

Machado de Assis (Duas Juízas)

Uma era a Devoção de Nossa Senhora das Dores, outra era a Devoção de Nossa Senhora da Conceição, duas irmandades de damas estabelecidas na mesma igreja. Qual igreja? Este é justamente o ponto falho do meu conto; não posso lembrar-me em qual das nossas igrejas era. Mas, pensando bem, que necessidade há de saber-lhe o nome? Uma vez que eu diga os outros e todas as circunstâncias do acontecimento, do caso, o resto pouco importa.

No altar da esquerda, à entrada, ficava a imagem das Dores, e no da direita a da Conceição. Esta posição das duas imagens definia até certo ponto a das Devoções, que eram rivais. Rivalidade nestas obras de culto e religião não pode ou não deve dar de si se não maior zelo e esplendor. Era o que acontecia aqui. As duas Devoções brilhavam de ano para ano; e que era tanto mais admirável quanto que o ardor fora quase repentino e recente. Durante longos anos, as duas associações vegetaram na obscuridade; e, longe de serem contrárias, eram amigas, trocavam obséquios, emprestavam alfaias, as irmãs de uma iam, com as melhores toilettes, às festas da outra.

Um dia, a Devoção das Dores elegeu para juíza uma senhora D. Matilde, pessoa abastada, viúva e fresca, ao mesmo tempo que a da Conceição punha à sua frente a esposa do comendador Nóbrega, D. Romualda. O fim de ambas as Devoções era o mesmo: era dar mais alguma vida ao culto, desenvolvê-lo, comunicar-lhe certo esplendor que não tinha. Ambas as juízas eram pessoas para isso, mas não corresponderam às esperanças. O que fizeram no seguinte ano foi pouco; e, ainda assim, nenhuma das Devoções pôde dispensar os obséquios da congênere. Enfim, Roma não se fez num dia, repetiram as devotas de ambas, e esperaram.

Na verdade, as duas juízas tinham distrações noutras partes; não podiam subitamente cortar por hábitos antigos. Note-se que eram amigas, andavam muita vez juntas, encontravam-se em bailes, e teatros. Eram também bonitas e vistosas; circunstância que não determinara a eleição, mas agradou às eleitoras, tão certo é que a beleza não é só um ornato profano, e, posto que a religião exija principalmente a perfeição moral, os pintores não se esquecem de pôr o arrependimento de Madalena dentro de belas formas.

Vai senão quando, D. Matilde, presidindo a uma sessão de mesa administrativa da Devoção das Dores, disse que era preciso cuidar seriamente de levantar a associação. Todas as companheiras foram do mesmo parecer, com grande contentamento, porque realmente não desejavam outra coisa. Eram pessoas religiosas; e, salvo a secretária e tesoureira, viviam na obscuridade e no silêncio.

— As nossas festas, continuou D. Matilde, têm sido muito descuidadas. Não vem quase ninguém a elas; e da gente que vem pouca é a de certa ordem. Vamos trabalhar. A deste ano deve ser esplêndida. Há de pontificar monsenhor Lopes; estive ontem com ele. A orquestra deve ser de primeira qualidade; podemos ter uma cantora italiana.

E foi por diante a juíza, dando os primeiros lineamentos do programa. Em seguida, adotaram certas resoluções: — alistar novas devotas — e D. Matilde www.nead.unama.br 3 indicava as suas amigas da alta sociedade —, fazer entrar as anuidades atrasadas, comprar alfaias porque, ponderou a juíza, “não é bonito estarmos a viver de Coisa interessante! Quinze dias depois, ou três semanas, quando muito, a outra Devoção celebrava uma sessão da mesa administrativa em que D. Romualda exprimia iguais sentimentos, propunha uma reforma análoga, espertava o espírito religioso das companheiras para o fim de celebrar uma festa digna delas. D.

Romualda também prometeu fazer entrar um certo número de devotas abastadas e briosas.

Dito e feito. Nem uma nem outra das duas juízas deixou de cumprir o prometido. Era uma ressurreição, uma vida nova; e justamente o fato da vizinhança das duas Devoções serviu-lhes de estímulo. Ambas souberam dos planos, ambas tratavam de levar a cabo os seus com mais particular fulgor.

D. Matilde, que a princípio não cuidava daquilo principalmente, daí a pouco não pensava em mais nada. Não rompeu com outros hábitos; mas não lhes deu mais do que se dá a um costume. O mesmo acontecia a D. Romualda. As duas associações estavam contentíssimas, porque, em verdade, a maior parte das devotas não o eram só de nome. Uma delas, pertencente à Devoção das Dores, que supunha continuar a antiga troca de serviços, lembrou que se pedisse não sei o que à outra devoção. D. Matilde repeliu com desdém: — Não; antes vendamos a última jóia.

A devota não compreendeu bem a resposta; era digna e espartana, mas pareceu-lhe que, em matéria de religião, a confraternidade e a caridade eram as primeiras leis. Entretanto, achou bom que todas se obrigassem ao sacrifício, e não tornou ao assunto. Ao mesmo tempo, dava-se na Devoção da Conceição análogo incidente. Dizendo uma das irmãs que D. Matilde trabalhava muito, acudiu D.

— Eu saberei trabalhar muito mais.

Era claro que a rivalidade e o despeito ardiam nelas. Por desgraça, tanto o dito de uma como o da outra correram mundo, e chegaram ao conhecimento de ambas; foi como lançar palha ao fogo. D. Romualda bradou em casa de uma amiga: — Vender a última jóia? Talvez ela já tenha as suas empenhadas! E D. Matilde: — Creio, creio... Creio que trabalhe mais do que eu, mas há de ser de A festa das Dores foi realmente bonita; muita gente, boa música, excelente sermão. A igreja estava tomada com um luxo desconhecido dos paroquianos.

Alguns entendidos da matéria calcularam as despesas e subiram a um algarismo muito alto. A impressão não se restringiu ao bairro, foi a outros; os jornais deram notícia minuciosa da festa, e o trouxe o nome de D. Matilde, dizendo que a esta senhora era devido aquele esplendor. “Folgamos de ver, concluía aquele órgão religioso, folgamos de ver que uma senhora de tão superiores qualidades emprega www.nead.unama.br 4 uma parte da sua atividade no serviço da Virgem Santíssima.” D. Matilde mandou transcrever a notícia nos outros jornais.

Não é preciso dizer que D. Romualda não foi à festa das Dores; mas soube de tudo, porque uma das zeladoras foi espiar e contou-lhe o que houve. Ficou passada e jurou que havia de meter D. Matilde num chinelo. Quando, porém, leu nos , a irritação não teve mais limites. Não todos os nomes feios, mas aqueles que uma senhora educada pode dizer de outra, esses disse-os D. Romualda falando da juíza das Dores — pretensiosa, velhusca, tola, intrometida, ridícula, namoradeira, e poucos mais. O marido procurava aquietá-la: — Mas, Romualda, para que há de você irritar-se tanto assim? E batia o pé, amarrotava a folha que tinha na mão. Chegou ao extremo de dar ordem para não receber mais o ; mas a idéia de que podia merecer da folha alguma justiça, quando chegasse a festa da Conceição, fê-la retirar a ordem.

Dali em diante, não se ocupou de outra coisa, senão de preparar uma festa que vencesse a das Dores, uma festa única, admirável. Convocou as irmãs, e disselhes francamente que não poderia ficar abaixo da outra Devoção; era preciso vencêla, não igualá-la; igualá-la era pouco.

E toca a trabalhar na coleta de donativos, na cobrança de anuidades. Nas últimas semanas, o comendador Nóbrega quase não pôde ocupar-se de outra coisa, senão de ajudar a mulher nos preparos da grande festa. A igreja foi armada com uma perfeição que excedia a da festa das Dores. D. Romualda, a secretária, e duas zeladoras não saíam de lá; viam tudo, falavam de tudo, corriam tudo. A orquestra foi a melhor da cidade. Estava de passagem um bispo da Índia; alcançaram dele que pontificasse. O sermão foi incumbido a um beneditino de fama. Durante a última semana trabalhou a imprensa, anunciando a grande festa.

D. Matilde caiu em mandar para as folhas algumas mofinas anônimas, em que argüía a juíza da Conceição de ser dada à charlatanice e à inveja. Respondeu D. Romualda, também anonimamente algumas coisas duras; a outra voltou à carga, e recebeu nova réplica; e isto serviu ao esplendor da festividade. O efeito não podia ser maior, todas as folhas deram uma notícia, embora curta; o um longo artigo, dizendo que a festa da Conceição fora das melhores que se tinham dado no Rio de Janeiro, desde muitos anos. Citou também o nome de D. Romualda como o de uma senhora distinta pelas qualidades de espírito, como digna de apreço e louvor pelo zelo e piedade. “Ao seu esforço, concluía a folha, devemos o prazer que tivemos no dia 8. Oxalá muitas outras patrícias possam imitá-la!” Foi uma punhalada em D. Matilde. Trocaram-se os papéis; ela agora é que deitava à outra os nomes mais cruéis de um vocabulário elegante. E jurava que a Devoção das Dores não ficaria vencida. Imaginou então umas ladainhas aos sábados e contratou uma missa especial aos domingos, fazendo anunciar que era a missa aristocrática da paróquia. D. Romualda respondeu com outra missa, e uma prática, depois da missa; além disso, instituiu um mês de Maria, e convidou a melhor gente.

Esta luta durou uns dois anos. No fim deles, D. Romualda, tendo dado à luz uma filha, morreu de parto, e a rival ficou só em campo. Vantagem do estímulo! Tão depressa morreu a juíza da Conceição como a das Dores sentiu afrouxar o zelo, e já a primeira festa esteve muito aquém das anteriores. A segunda foi feita com outra juíza, porque D. Matilde, alegando cansaço, pediu dispensa do posto.

Um paroquiano curioso tratou de indagar, se além das causas de estímulo religioso, alguma outra houve; e veio a saber que as duas damas, amigas íntimas, tinham tido uma pequena questão, por causa de um vestido. Não se sabe qual delas ajustara primeiro um corte de vestido; sabe-se que o ajuste foi vago, tanto que o dono da loja imaginou ter as mãos livres para vendê-lo a outra pessoa.

— A sua amiga, disse ele à outra, já aqui esteve e gostou muito dele.

— Muito. E quis até levá-lo.

Quando a primeira mandou buscar o vestido, soube que a amiga o comprara. A culpa, se a havia, era do vendedor; mas o vestido era para um baile, e no corpo de outra fez maravilhas; todos os jornais o descreveram, todos louvaram o bom gosto de uma senhora distinta, etc... Daí um ressentimento, algumas palavras, frieza, separação. O paroquiano, que, além de boticário, era filósofo, tomou nota do caso para contá-lo aos amigos. Outros dizem que era tudo mentira dele.

Fonte:
ASSIS, Machado de. Contos sem data. Rio de Janeiro: Ediouro (coleção prestígio).