terça-feira, 26 de maio de 2009

Herberto Sales (A Emboscada)



Os dois homens começaram a descer a encosta. O velho Patuá vinha na frente. Era um cabra de ombros estreitos, grande bigode e pernas em arco, muito firmes ainda para a sua idade. O negro Guido seguia-o de perto, sustendo na mão esquerda a capanga de munição. Na semiobscuridade da madrugada, o vale esboçava amplos paredões hirtos, encaixotando funebremente o rio. Os dois homens saltavam de uma pedra para a outra, desciam pelos lajedões talhados quase a pique, subiam por íngremes atalhos, e logo reapareciam atrás de uma touça de malva ou de velame, com uma agilidade de cabritos monteses. Agora, porém, tinham eles conseguido alcançar um trecho melhor do caminho, e andavam num passo regular, encolhidos nos capotes surrados.

O ar era frio e úmido.

- Será que ele passa hoje? - perguntou Guido.

- Tem de passar - respondeu o outro homem. - Não é possível que o santo dele seja tão forte.

- Olhe que já faz dois dias que nós esperamos por ele...

- É assim mesmo. Tem emboscadas que dão muito trabalho. Você ainda não viu nada.

- De qualquer maneira, confesso que isso já está me amolando disse o outro.

O velho Patuá sacou do bolso do paletó de brim mescla um pedaço de fumo de corda e, com uma dentada, arrancou um naco para mascar. Era um antigo hábito seu, do qual trazia mascas nos longos caninos encardidos.

- Quanto mais se você tivesse ajudado a gente a matar o Major Cavalcanti! - disse.

- O que foi que teve?

- Nós esperamos por ele na emboscada oito dias seguidos.

- Oito dias? Ah, eu não era capaz de ter tanta paciência. Juro. - Será que nunca lhe aconteceu uma coisa dessas?

- A mim? Deus me livre!

Andando sempre, os dois homens contornaram uma grande rocha, e atravessaram em seguida uma moita de capim-gordura. O negro Guido olhou: amanhecia. A aurora barrava o horizonte de vermelho, e os píncaros lembravam massas carbonizadas em meio a um espantoso incêndio. Então o velho Patuá, que usava chapéu de couro e trazia as calças arregaçadas, disse de repente:

- Pois pode preparar o dedo, companheiro, que de hoje ele não passa. - Como é que você pode saber disso? - indagou o outro homem, meio intrigado.

- Como eu posso saber? Bem... Isso não lhe interessa. Sobre certas coisas é melhor a gente não fazer perguntas.

O negro era muito supersticioso e revelava uma espécie de místico respeito pelo seu companheiro. Disse com hesitação:

Eu l'iempre ouvi dizer que você era um mestre em rezas bravas...

Na verdade, eu estou aqui faz somente um mês. Mas em minha terra me contaram muitos casos que aconteceram com você.

- Não lhe disseram que eu tinha parte com o diabo? – perguntou sardonicamente o velho.

E o outro, olhando-o de lado:

- Você sabe que o povo fala muita coisa... Ouvi dizer que você tinha reza para amarrar rastro, e até para fazer uma pessoa desaparecer. O velho Patuá assumiu um ar de mistério:

- Você fala demais, Guido.

- Eu não falei por mal... - disse o outro homem, arrancando uma haste de capim com larga mão de palma musculosa. - Se você não gosta de perguntas, acabou-se. Eu só quero é que ele não deixe passar hoje.

- Pois fique calado e espere.

Os dois homens subiram uma rampa, entraram por um atalho, e pararam defronte de uma pequena caverna. Em tomo a vegetação era rude e agressiva. Instalaram-se atrás de uma pedra, como já vinham fazendo havia dois dias, e o velho Patuá observou:

- Este lugar é o melhor possível. Daqui a gente pode atirar nele à vontade.

Estavam instalados na crista de um precipício que dominava a estrada íngreme e pedregosa da serra. O rio escachoava adiante, no fundo do vale rasgado entre selvagens e imponentes escarpas. No céu, um tom róseo substituía agora o vermelho sangüíneo de antes. Pássaros-pretos cantavam.

- Quer fazer uma combinação, Patuá? - perguntou o negro Guido.

- Qual é?

- Como você tem melhor pontaria, atira na cabeça dele.

- E você?

- Bem... Eu atiro nas costas. É mais fácil.

O velho Patuá teve um risinho sarcástico:

- Não pensei que você fosse tão nervoso, Guido.

O outro homem guardou silêncio, demonstrando não ter gostado da observação do companheiro. De repente, atentando na pedra que ficava à entrada da caverna, foi empolgado pela certeza de estar bem protegido. "Caso ele reaja" - pensou - "toda a vantagem é minha, pois estou numa boa trincheira." Depois desembainhou a sua longa e afiada faca de dez polegadas e começou a cortar fumo para um cigarro.

Nisso o velho Patuá levantou-se (tinha uma expressão cruel e concentrada) para inspecionar mais uma vez o local. Completando de maneira magnífica as virtudes do esconderijo, alastrava-se por toda a crista um imbezeiro, ocultando inteiramente a entrada da caverna. Olhando através da folhagem, que descia em cortina, o velho Patuá viu a estrada coberta de seixos, àquela hora deserta, por onde o homem teria de passar.

- Vai ser uma pontaria bonita - disse. - Ele não vai nem gemer. O chão da caverna era coberto de capim - tufos verdes, amarela dos, macios - e o velho Patuá sentou-se. Depois pegou o clavinote e o pôs sobre as pernas, retirando da capanga a munição para a carga.

- Agora vou carregar, Guido. E você vai ficar de vigia - disse. Sentado como estou, não posso enxergar a estrada. A pedra não deixa. Ficando de joelhos, você domina a estrada toda. É só um instante, Guido. Eu carrego a arma depressa.

- Está certo - concordou o outro homem.

- Está enxergando bem? - perguntou ainda o velho.

- Estou.

De joelhos como se achava, Guido dominava realmente toda a estrada. A pedra lhe dava na altura do peito, e as folhas do imbezeiro ocultavam-lhe a cabeça. Nessa posição, acendeu um cigarro, tendo o cuidado de soltar as baforadas para dentro da caverna, o que fez por duas vezes. Mas, logo depois, atinando com a inconveniência de estar fumando ali, pois a fumaça poderia denunciar sua presença no local, apagou imediatamente o cigarro, esmagando-o na ponta de uma pedra. Depois soprou com força, para expelir o resto de fumaça que tinha na boca.

- Cadê a rolimã? - perguntou o velho Patuá.

- Você vai carregar com ela? - disse Guido, sem desviar os olhos da estrada.

- Vou. Você não quer que eu atire na cabeça dele? Portanto, vou precisar de uma carga possante. E ande depressa. Porque antes das sete horas ele deve estar passando por aqui.

Guido revolveu a capanga para procurar a rolimã, que, em sua terra, lhe dera um ferreiro que trabalhara numa garagem. Seus dedos tocaram em cartuchos de pólvora, barbantes, buchas, latas de chumbo meão e espoletas, e trouxeram afinal a esfera de aço que devia servir de bala. Tinha ela um brilho frio e sólido, e era do tamanho de um caroço de pitanga.

- Tome - disse, passando-a ao companheiro.

O velho Patuá tomou a rolimã entre os dedos e a examinou por um momento, como se estivesse avaliando o estrago que ela iria produzir na cabeça do homem a ser morto. Com ela carregou a arma, juntando boa dose de pólvora e algum chumbo grosso. Depois socou a bucha e colocou a espoleta.

- Pronto? - perguntou Guido.

- Pronto - respondeu o velho, limpando nas calças a mão suja de pólvora.

E depois de mais uma vez examinar a arma:

- Agora você carregue a sua, que eu fico de vigia.

Mais que depressa, o negro Guido trocou de lugar com o companheiro e tratou de carregar o seu clavinote. Notando, porém, ao retirar a munição da capanga, que a carga talvez não ficasse bastante forte, perguntou ao velho:

- Você não tem aí um chumbo mais grosso do que este meu?

- Tenho - respondeu o outro homem. - Tenho este chumbo cabeça-de-macaco, que serve bem; é chumbo para matar onça. Tome.

E passou a lata de chumbo ao negro.

- Mas eu acho bom você botar estes pregos também - acrescentou. - Reforça mais.

O negro Guido recebeu o chumbo e os pregos, e socou, bem socada, a carga do seu clavinote.

- Não bote chumbo demais não - observou o velho Patuá.

- Você está pilheriando? - respondeu Guido, guardando na capanga o pedaço de chifre que lhe servia de depósito de pólvora.

- Pilheriando?

- Sim, companheiro. Será que você acha que eu não sei carregar uma arma?

- Estou avisando por avisar.

- Fique sossegado. A carga foi bem calculada.

O velho Patuá voltou-se rapidamente para o companheiro e, vendo que este já havia carregado a arma, disse:

- Bem. Passe o resto de meu chumbo para cá. E agora fique aqui junto de mim.

O negro devolveu o chumbo restante, que o velho guardou apressadamente na capanga e entrincheirou-se atrás da pedra.

- Eu não estou enxergando bem daqui, não - disse, espiando por entre as folhas do imbezeiro. - Acho melhor eu ficar atrás da ponta da pedra.

- Então, fique - concordou o outro homem. - E você já sabe: só atire quando eu mandar.

- Está certo - respondeu Guido. - Mas eu acho que a gente só deve atirar quando ele entrar naquela curva.

E com o dedo apontou o local.

Era o trecho mais estratégico da estrada, porque ali a vítima poderia ser colhida pelas costas.

- O tiro vai ser seguro - garantiu Guido.

O velho Patuá parecia não estar disposto a aceitar nenhuma sugestão do companheiro. Como jagunço que tomara parte em várias emboscadas, tinha, de resto, as suas vaidades. Respondeu secamente:

- Deixe isso comigo. Na hora de atirar eu lhe digo.

Entretanto, o negro Guido não deixou de mudar de posição, colocando-se atrás da ponta da pedra. O velho Patuá continuou ajoelhado na parte mais alta da caverna, sobre tufos de capim, apoiando o clavinote contra a pedra. O lugar que escolhera proporcionava uma visibilidade perfeita.

- Eu dava tudo para tomar uma cachaça agora - confessou Guido.

- É. Mas a garrafa esvaziou desde ontem - respondeu o velho Patuá. - Não tem mais nem um pingo.
- Se ele não tivesse se atrasado ~ disse o outro homem - eu não estava agora com a garganta seca. Nós trouxemos bastante cachaça.

No fundo, também o velho Patuá sentia falta da bebida. Entretanto, mordaz, com o intuito de rebaixar o companheiro, perguntou:

- Será que você precisa beber para criar coragem?

Mas já o negro Guido não o escutava:

- Está ouvindo, Patuá? Está ouvindo?

O outro homem estava ouvindo. E identificou o ruído como sendo o dos cascos de um animal que vinha subindo a serra.

- É. Talvez seja ele - disse. - Vamos nos preparar para fazer fogo.

Os dois clavinotes estavam apontados em direção à estrada. Os canos tinham sido apoiados sobre a pedra, e os dois homens se entreolharam. A essa altura, já o sol faiscava nos lajeados, e o ar, embora frio, era reconfortante e seco. Um sabiá veio pousar perto da caverna, mas logo esvoaçou, ao pressentir os dois homens. Houve em seguida um rumor de folhas, provocado por uma lagartixa em fuga.

- Já vem bem perto - disse o negro Guido, com o dedo no gatilho da arma.

O tropel fazia-se ouvir cada vez mais próximo. De repente, surgiu, no topo do atalho, a cabeça de um cavalo. O velho Patuá estava calmo, ao passo que o outro dava visíveis mostras de excitação. À vista da cabeça do cavalo, seus lábios chegaram mesmo a embranquecer, como se uma sede atroz o tivesse assaltado.

- Será ele mesmo? - perguntou.

Foi quando o cavaleiro apareceu. Subia a estrada descuidado, assobiando. Guido logo reconheceu o fazendeiro Pedro Neves. Então, o que havia de incerteza no seu espírito transformou-se imediatamente numa sensação de alívio, marcada a um só tempo de medo e crueldade. Apontou a arma, fazendo mira, sempre com o dedo no gatilho. Viu o homem parar de assobiar, enxugar o suor do rosto, com um lenço que de novo guardou no bolso, e acender o cigarro.

Foi quando o velho Patuá comandou:

- Fogo!

O negro procurava fazer um bom alvo, na pontaria contra o paletó de brim cáqui, onde havia manchas de suor.

- Fogo! - repetiu o velho Patuá num tom de irritação.

E, com o clavinote apontado para a nuca do homem, apertou o gatilho. O negro Guido acompanhou-o. Dois tiros estrondaram, ao mesmo tempo que a caverna se enchia de fumaça. Como se uma invisível mão os enxotasse, os pássaros voaram. Um desabrido tropel foi então ouvido: era o cavalo do fazendeiro, que fugia com os arreios vazios. Espantado, corria doidamente estrada abaixo - as caçambas batendo como sinos. Como sinos roucos. Estranhamente roucos.

Fonte:
SALES, Herberto (org.). Antologia escolar de contos Brasileiros. 2.ed. SP: Ediouro, 2005.
Capa do Livro = Foto de José Feldman.

Dicionário do Folclore (Letra L)



LABATUT. É um monstro que tem forma humana e que vive na região do Apodi, fronteira do Ceará com o Rio Grande do Norte. É um bicho pior que o lobisomem, pior que a caipora e o cão coxo. Ele mora no fim do mundo e, todas as noites, percorre a cidade procurando o que comer. Seus pés são redondos, as mãos são compridas, os cabelos são longos e assanhados, seu corpo é cabeludo, só tem um olho na testa e seus dentes são como os do elefante. O nome do monstro é uma lembrança das violências e brutalidades do General Pedro Labatut, que esteve no Ceará (1832-1833) para combater a insurreição de Joaquim Pinto Madeira, e que terminou se rendendo com 1690 homens em armas. O monstro Labatut preferia comer as crianças por terem a carne mais mole.

LADAINHAS. São orações de Nossa Senhora, do Sagrado Coração de Jesus e de todos os Santos, rezadas durante as novenas e os terços.

LAGO ENCANTADO DO GRONGONZO. O morro do Grongonzo fica situado no município de São Bento, Pernambuco. No morro, que é arredondado, diz a lenda que aparece e desaparece, sem deixar vestígios, um grande lago que guarda, no fundo de suas águas, riquezas incalculáveis. Quem viu o lago uma vez não verá mais.

LAMA-DE-POTE. É o lodo formado nas paredes do lado de fora dos potes e das quartinhas (bilhas) de barro. Misturado com cinza e suco de limão é um remédio popular bastante usado pelas pessoas que estão com papeira (cachumba).

LAMPIÃO. Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, nasceu em Floresta do Navio, Pernambuco, no dia 4 de junho de 1898. Com três anos de escola aprendeu a ler e escrever. Antes de tornar-se assassino, com 17 anos de idade, Lampião era vaqueiro, amansador de cavalos e burros. Nas horas vagas, fazia obras de couro (selas, arreios, etc.) e tocava sanfona de oito baixos. Quando seu pai faleceu, Lampião já havia assassinado algumas pessoas e assaltado muitas fazendas e pequenas cidades. Lampião não entrou no cangaço por vingança. Conhecedor da região, Lampião sabia se esconder, em companhia de seu bando, das forças policiais de quatro Estados que andavam à sua procura, combatendo-o em batalhas das quais ele conseguia sempre escapar. Ninguém sabe quantas pessoas Lampião matou. Considerado violento, sádico, estuprador, incendiário, Lampião escreveu uma das páginas mais sangrentas da história dos sertões nordestinos. Rezava, tocava sanfona, gostava de ler e de ser fotografado, fazia versos, era temido e respeitado durante os anos que dominou o sertão. Apesar de cego de um olho (leucoma), tinha uma boa pontaria para matar os soldados que lhe davam combate. Depois de muitas lutas, cercos, fugas, Lampião foi abatido com um tiro de fuzil, na cabeça, pelo soldado Antônio Honorato da Silva, da Força Policial Alagoana, sob o comando do Capitão João Bezerra da Silva, que era pernambucano. Maria Bonita, que era sua amante e vivia no grupo, caiu morta ao seu lado, em companhia de mais nove cangaceiros. Com a morte de Lampião, a paz recomeçou a reinar nos sertões nordestinos. Veja COITEIROS, XAXADO.

LAPINHA. É o nome que o povo dá ao pastoril, sem a inclusão de danças e cantos estranhos aos assuntos natalinos, substituídos pela manjedoura, o menino Jesus, Nossa Senhora, São José e os Reis Magos com seus presentes, bem como os animais, em forma de pequenas imagens dos santos e miniatura de animais da manjedoura. Na Noite de Reis, retiradas as imagens dos santos e as estátuas dos animais, a lapinha é queimada. Veja PASTORIL e QUEIMA.

LARANJINHA. 1. Cachaça em cuja garrafa são colocados pedaços de laranja; 2. Também era, nos carnavais antigos, bolas de cera cheias de água perfumada, que eram jogadas nos foliões, também conhecida como lima-de-cheiro ou limão-de-cheiro dos carnavais cariocas. A laranjinha desapareceu depois que surgiu o lança-perfume.

LARANJO. O laranjo é como se chama, no interior da Bahia, Pernambuco e Piauí, o homem ruivo de olhos azuis. Talvez seja o resultado do casamento de brasileiros com holandeses e franceses, quando andaram pela região.

LAURA DELLA MONICA nasceu no dia 21 de novembro de 1922, na cidade de São Paulo, SP. Licenciada em Música - pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (1947), em Pedagogia – pela Faculdade de Educação e Ciências Humanas "Prof. Laerte de Carvalho" (1978) e em Educação Artística – pela Faculdade de Ciências e Letras de Araras – SP (1980), Pós-Graduação, em nível de Especialização em Percepção Musical – pela Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro (1972), em Didática do Ensino Superior – pela Faculdade São Judas Tadeu, em Museologia – pelo Instituto de Museologia de São Paulo e Pós-Graduação em nível de Mestrado – pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (1992), Pós-Graduação em nível de Doutorado – curso de Ciências da Comunicação – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, além de vários outros cursos, seminários e jornadas sobre Folclore, Turismo, Lazer, etc., e estágios em diversas entidades culturais, Laura Della Mônica que muito tem divulgado o Folclore brasileiro nos países que tem visitado tomando parte em congressos e seminários além de vários ensaios publicados em revistas especializadas e muitos artigos na imprensa brasileira, nos deu Folclore paulista (1965), Rosa Amarela (1967), Manual do Folclore (1976), Folclore brasileiro (1976), Acorda povo! (1988), Festas populares (1991), Folclore e taologia (1992), A influência indígena na formação cultural brasileira (1993), A influência francesa no cancioneiro infantil do Brasil (1994) e Os três santos do mês de junho (1995) e outros.

LAVAGEM-DE-IGREJA. Dizem os historiadores que a lavagem das igrejas é uma tradição que tem mais de duzentos anos e consiste na promessa que as pessoas fazem de varrer, lavar e enfeitar as igrejas. É uma tradição que vem dos tempos imperiais, quando uma princesa varria a Igreja de Petrópolis, como uma simples empregada. Em Salvador é que a tradição se mantém viva até hoje. A lavagem da Igreja do Senhor do Bonfim na quinta-feira de oitava não é de origem africana, de vez que já existia em Portugal. Quem introduziu a lavagem da igreja do Senhor do Bonfim foi um português que combateu na Guerra do Paraguai e fez uma promessa de lavar o átrio da referida igreja se voltasse vivo. Hoje, entretanto, a cerimônia se transformou numa festa tradicional.

LAVANDEIRA. É um pássaro de cor branco-creme com asas pretas, também conhecida como lavandeira de nossa senhora. Quem matar uma lavandeira ofende Nossa Senhora porque a ave ajudou a lavar as roupinhas do Menino Jesus.

LAZARINA. A lazarina é uma espingarda de carregar pela boca, usando chumbo fino e médio, muito amiga dos homens do campo que, aos domingos, saem para caçar. Seu nome teve origem em 1651, quando o milanês Lázaro Caminazzo começou a fabricar essas espingardas que ganharam seu nome.

LÉGUA-DE-BEIÇO. Para o nosso matuto, acostumado a andar a pé, todo lugar fica perto. Quando perguntado onde fica a fazenda ou sítio de um agricultor, ele, estendendo o lábio inferior, diz: - "É ali...". Acontece que o sítio ou fazenda ficam a algumas léguas de distância. Daí a expressão légua-de-beiço, geralmente léguas muito grandes, muito compridas.

LENÇO. É muito comum presentear uma pessoa com uma caixa de lenços. Mas o povo acredita que não é bom receber lenços de presente porque eles chamam lágrimas, isto é, fazem com que morra alguém da família. Quando uma pessoa recebe lenços de presente é bom dar logo outro presente à pessoa que lhe deu; assim fazendo, nada acontecerá.

LENDA. A lenda é um episódio heróico ou sentimental com elemento maravilhoso ou sobre-humano, transmitida na tradição oral popular, conservadas as quatro características do conto popular: ambigüidade, persistência, oralidade e anonimato. Muitas são as lendas existentes no Brasil e em todos os países do mundo: a lenda da Mãe-D'água, a lenda de Santo Antônio, a lenda do Barba-Ruiva.

LEONARDO ANTÔNIO DANTAS SILVA nasceu em 1945, na cidade do Recife, PE. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Católica de Pernambuco (1969), dedicou-se, desde jovem, ao jornalismo, tendo começado na revisão e posteriormente exercido as funções de redator do Jornal do Commercio (1965-1975) e do Diario de Pernambuco (1974-1988). Diretor do Departamento Estadual de Cultura (1975-1979), criador da Fundação de Cultura Cidade do Recife (1979-1983), Diretor de Assuntos Culturais da Fundarpe (1983-1987), atualmente exerce as funções de Diretor da Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco. Além de produtor fonográfico e animador cultural, tem publicado inúmeros ensaios e artigos, bem como vários livros dentre os quais destacamos Bandeira de Pernambuco (1972), Recife: uma História de Quatro Séculos (1975), Pequeno Calendário Histórico-Cultural de Pernambuco (1976), Ritmos e Danças-frevo (1977), Cancioneiro Pernambucano (1978), O Piano em Pernambuco (1987), Alguns Documentos para a História da Escravidão (1988), A Imprensa e Abolição (1988), A Abolição em Pernambuco (1988), Estudos sobre a Escravidão Negra 2v. (1988), Nabuco e a República (1990) e A República em Pernambuco (1990), Blocos carnavalescos do Recife (1998) e Bandas musicais de Pernambuco (1998).

LIMÃO. O limão, com que se faz uma deliciosa limonada, muito aconselhável aos que moram nos lugares de clima quente, também afasta os malefícios. Quando a pessoa vai viajar de navio ou de avião, conduzir um limão no bolso ou na bolsa faz com que a pessoa não enjoe. O sumo do limão é um poderoso contraveneno. Na culinária, é bom espremer limão, principalmente em carne de porco. Depois de uma feijoada bem pesada, nada como um cálice de batida-de-limão, feita com água de coco, para equilibrar o estômago.

LÍNGUA. Estirar a língua em quase todos os países do mundo é um insulto. Mas no Tibet é a maneira mais educada de se saudar uma pessoa. Os meninos gostam de estirar a língua, quando estão brabos.

LITERATURA ORAL. A literatura oral é a literatura falada, como a estória, a lenda, as adivinhações, os provérbios, as parlendas, as frases-feitas, os ditos, os trava-línguas, etc., diferente da literatura escrita que compreende o romance, o conto, a crônica, a poesia, etc.

LOBISOMEM. O lobisomem é um mito universal. A imaginação do povo retrata o lobisomem assim: é um homem pálido, magro, de orelhas compridas e nariz levantado. Como é que surge o lobisomem? Nasce o lobisomem quando o filho é resultado de um incesto. É o filho que nasceu de um casal que teve sete filhas. Quando chega aos treze anos, numa terça ou quinta-feira, sai à noite e, quando encontra um lugar onde um jumento se espojou, começa o fado. Daí por diante, todas as terças e sextas-feiras, de meia-noite às duas horas, o lobisomem tem que fazer sua corrida, visitando sete cemitérios, sete partidas do mundo, sete oiteiros, sete encruzilhadas e, ao regressar ao lugar onde o jumento se esponjou, readquire a forma humana. Quem ferir o lobisomem, quebra-lhe o fado; mas a pessoa não deve se sujar com seu sangue porque, se assim acontecer, também se tornará lobisomem. Para desencantar um lobisomem basta feri-lo ou usar uma bala untada com cera de vela acesa durante três missas de domingo ou na Missa do Galo, rezada na meia-noite de Natal.

LONGUINHO. É um santo popular do Nordeste. Quando uma pessoa perde alguma coisa, faz uma promessa a São Longuinho, rezando, assim: "Meu São Longuinho, se eu achar o que eu perdi, dou três saltos, três gritos e três assobios". Achando a coisa perdida a pessoa paga a promessa feita, dando três pulos, três gritos e três assobios.

LORDE. A palavra lord em inglês significa senhor e o vocábulo se popularizou com o intercâmbio comercial do Brasil com a Inglaterra, começado em 1810. Ainda hoje o povo usa este termo quando acha que uma pessoa está alinhada, bem vestida. A pessoa está, assim, lorde.

LOURENÇO. Lourenço foi um santo que morreu queimado vivo numa grelha, por perseguição do Imperador Valeriano, em Roma, no século I I I . O povo diz que São Lourenço é o guardião dos ventos, governador dos ventos. Quando os meninos nordestinos querem soltar papagaio (pipa) e não tem vento, eles costumam gritar: - "São Lourenço, São Lourenço! Abra a porta do vento!" E o vento num instante chega, fazendo com que os papagaios ganhem as alturas.

LOUVA-A-DEUS. É um pequeno inseto também conhecido por põe-mesa. Parecido com um grilo muito magro, traz sempre as mãos postas, juntas, os joelhos dobrados e os olhos voltados para o céu, como se estivesse rezando, razão pela qual é chamado louva-a-deus.

LUA. A Lua é considerada como a mãe das plantas, presidindo seu crescimento. O povo crê que cabelo cortado em noite de Lua Nova cresce rápido e afina. Se a mulher grávida dormir banhada pela claridade da Lua, o filho nasce débil mental, aluado. É bom mostrar dinheiro à Lua Nova para que ele se multiplique, cresça. Nas noites de Lua, as mães embalam seus filhos cantando: - "A bênção, Dindinha Lua,/Me dê pão com farinha,/ Para eu dar à minha galinha,/ Que está presa na cozinha!/ Xô, galinha! Vai pra tua camarinha!". A Lua tem muito significado para as pessoas que se amam. É nas noites de Lua Cheia que são feitas as serenatas, as serestas, ao som de violões e clarinetes, quando os rapazes enaltecem a beleza da mulher amada, declarando seu amor. O cancioneiro popular é rico tendo a Lua como tema, principalmente valsas. A Lua sempre foi e continuará sendo a inspiração dos poetas, nos seus sonetos e poemas.

LUÍS DA CÂMARA CASCUDO nasceu em 1898, na cidade do Natal, RN. Começou a estudar medicina em Salvador, mas teve que desistir em virtude das dificuldades financeiras de sua família. Estreou no jornalismo aos vinte anos de idade, publicando seus primeiros artigos em A IMPRENSA, jornal de propriedade de seu pai. Concluiu o curso de Direito na Faculdade de Direito do Recife em 1928. Publicou seu primeiro livro aos vinte e três anos, Alma Patrícia, reunindo artigos sobre escritores de sua terra. Professor de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito, e de Etnologia Geral da Faculdade de Filosofia do Natal, Cascudo foi um homem culto e simples, havendo publicado mais de cem livros e ninguém sabe quantos artigos em jornais e revistas nacionais e internacionais. Considerado por suas pesquisas, seu saber e seus trabalhos na área de sua predileção como o Papa do Folclore Brasileiro, publicou dentre outros os seguintes livros: Vaqueiros e Cantadores (1952), Geografia do Mito Brasileiro (1947), Literatura Oral (1952), Dicionário do Folclore Brasileiro (1954), Geografia do Brasil Holandês (1956), Jangada (1957), A Vaquejada Nordestina (1974), Antologia da Alimentação no Brasil (1977). Faleceu na cidade do Natal, onde viveu toda a sua vida no seio de seu povo, que ele tanto amou, em 1986.

LUMINÁRIAS. Os indígenas brasileiros descobriram o fogo friccionando, pacientemente, uma haste de madeira, seca, na cavidade de um tronco de árvore. Logo que esse atrito continuado produzia chama, fogueiras eram feitas para adorar seus deuses, moquear a carne da caça abatida, proteger a taba dos animais ferozes e iluminar suas noites. Já os colonizadores sabiam dominar o fogo e fabricavam suas luminárias de pequenas panelas de barro contendo azeite de mamona, de coco ou de baleia, com uma torcida de algodão e começaram a ser usadas no Brasil a partir do século XVI, recomendadas por Cartas Régias. O querosene só apareceu em 1850. Somente depois de 1870 é que os candeeiros passaram a iluminar as casas, e as cidades tiveram suas ruas iluminadas por lampiões. Algum tempo depois começaram a chegar da Europa bonitos candeeiros de vidro, coloridos com flores e pássaros, de diversos tamanhos, com mangas medidas por linhas, enfeitando as salas dos senhores de engenho, dos comerciantes e das famílias abastadas. Os funileiros da zona rural, aproveitando as latas de manteiga, de compotas, de óleo lubrificante e de outros produtos industrializados, começaram a fabricar seus fifós, de mesa ou de parede, ainda hoje usados nas casas humildes. As famílias ricas iluminavam suas salas com artísticos lustres de cristal a carboreto, novidade trazida para o Nordeste pelos trens da Great Western. Ainda hoje vamos encontrar no interior, durante as festas de Natal, de Ano Novo, de Reis ou da padroeira do lugar, toscos bicos de carboreto iluminando os taboleiros de confeito, mata-fome ou cocada e as toldas de sorvete raspa-raspa. Os velhos funileiros do interior, no seu artesanato, matam a saudade do tempo passado fazendo seus fifós até mesmo de lâmpadas elétricas inutilizadas.

LUNÁRIO PERPÉTUO. Durante cerca de duzentos anos o Lunário Perpétuo foi o livro mais lido do Nordeste brasileiro. Nele, as pessoas encontravam as informações mais diferentes como horóscopos, remédios populares, fazes da lua, o tempo certo de serem plantados o milho, o feijão, etc. A primeira edição do livro data de 1703, feita pela casa de Miguel Menescal, em Lisboa. Hoje o Lunário é uma preciosidade só encontrada na biblioteca dos estudiosos ou bibliófilos.

LUNDU. Conhecido também como lundum, landu, londu, o lundu foi uma música e dança trazidas pelos escravos africanos. Outros gêneros musicais surgiram do lundu, como aconteceu com a chula, o tango brasileiro e o fado. Era um bailado muito erótico.

LUZ. A luz, combatendo a escuridão noturna, afugenta os fantasmas, as almas penadas, o espírito dos mortos recentes que ainda acham que estão vivos. É crença do povo que criança pagã, mulher de resguardo, doente grave, não devem dormir no escuro. O diabo, os morcegos e as feras noturnas não gostam e têm medo da luz.

LUZIA. Santa Luzia nasceu (281) e faleceu (304) em Siracusa. Foi perseguida pelo Imperador romano Diocesano que mandou arrancar seus olhos, colocando-os numa bandeja e enviando de presente, a quem havia elogiado sua beleza. No dia de Santa Luzia, comemorado no dia 13 de dezembro, não se caça, não se pesca, não se costura. Quando cai um argueiro no olho de uma pessoa, o melhor remédio que o povo usa é recitar, esfregando o dedo no olho, dizendo as seguintes palavras: - "Corre, corre, cavaleiro,/ Vai à porta de São Pedro,/ Dizer a Santa Luzia/ Que me dê uma pontinha do lenço/ Pra tirar esse argueiro!". A Experiência de Santa Luzia, pra saber se o inverno vai ser bom, é feita da seguinte maneira: Colocam-se doze pedras de sal enfileiradas, no sereno. Cada pedra representa um mês do ano. No dia seguinte, as pedras que estiverem derretidas são os meses de chuva e as outras, que não se derreteram, são os meses secos, sem chuva. Luzia também era o nome que o povo dava ao Partido Liberal no Segundo Império, depois que Caxias derrotou a insurreição em Minas Gerais. Depois da Revolução Praieira de 1848, os liberais pernambucanos eram conhecidos por Luzias.
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O Dicionário completo pode ser obtido em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/dicionario-de-folclore
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Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br/

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de outras linguas) Letra G-H


Genus irritabile vatum
Latim – Raça irritadiça dos poetas. É como Horácio traduz a idéia de que poetas e escritores são temperamentais.

Gloria Patri

Latim – Glória ao Pai. Relativo apalavras iniciais do versículo que se canta ou reza no fim dos salmos e de outras orações da Igreja.

Gloriae et virtutis invidia est comes

Latim – A inveja é a companheira da glória e da virtude. A inveja procura destruir a virtude e o mérito alheio.

God save the king ou the queen
Inglês – Deus salve o rei (ou) a rainha. Frase inicial do hino nacional inglês.

Gold point
Inglês – Ponto de ouro. Situação cambial equilibrada nos países de moeda-ouro.

Graecum est, non legitur
Latim – É grego, não se lê. Axioma medieval que mostra o desprestígio do grego entre os eruditos.

Grammatici certant
Latim – Os gramáticos discutem. Empregada para significar que uma questão não se resolverá facilmente.

Grande mortalis aevi spatium

Latim – Grande espaço da vida de um mortal. Assim descreve Tácito os quinze anos em que reinou Domiciano.

Grand-prix
Francês – Grande prêmio. Diz-se do maior prêmio concedido em exposições, concursos, corridas etc.

Gratia argumentandi
Latim – Pelo prazer de argumentar. Emprega-se quando se quer usar um argumento do adversário considerado inconsistente.

Gratis pro Deo
Latim – De graça, para Deus. Sem remuneração.

Gravis testis
Latim – Testemunha grave. Testemunha digna; testemunha de peso.

Graviter facere
Latim – Agir com prudência, com moderação, com gravidade.

Grosso modo
Latim – De modo geral. Por alto, sem penetrar no âmago da questão.

Gutta cavat lapidem
Latim – A gota de água cava a pedra. Traduz a idéia do provérbio: Água mole em pedra dura tanto dá até que fura.

Habeas corpus
Latim – Direito = Que tenhas o corpo. Meio extraordinário de garantir e proteger com presteza todo aquele que sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, por parte de qualquer autoridade legítima.

Habemus confitentem reum
Latim – Temos o réu que se confessa. Frase da oração em que Cícero defende Ligário, partidário de Pompeu.

Habent sua fata libelli
Latim – Os livros têm o seu destino. Aforismo de Terenciano Mauro, cuja obra permaneceu obscura durante muito tempo.

Happy end
Inglês – Fim feliz. Indica o desfecho feliz nas peças teatrais e cinematográficas.

Hasta la vista
Espanhol – Até a vista.

Hic et nunc
Latim – Aqui e agora. Imediatamente; neste instante.

High fidelity
Inglês – Alta fidelidade. Alta qualidade, grande pureza de som obtida nos aparelhos eletrônicos.

Hic jacet
Latim – Aqui jaz. Expressão consagrada nas inscrições de lápides mortuárias.

Hic jacet lepus
Latim – Aqui está a lebre; esta é a dificuldade.

Hoc caverat mens provida Reguli
Latim – A mente previdente de Régulo previra isto. Aplica-se nos casos em que alguém diz ter previsto um acontecimento depois dele realizado.

Hoc erat in votis
Latim – Isto estava nos votos. Aplica-se quando se obtém algo muito desejado.

Hoc opus, hic labor est
Latim – Aí é que está a dificuldade. Sentença de Virgílio que se aplica no sentido literal.

Hoc volo, sic jubeo; sit pro ratione voluntas
Latim – Quero isto, ordeno isto, que a vontade sirva de razão. Frase de Juvenal que condena a arbitrariedade.

Hodie mihi, cras tibi
Latim – Hoje para mim, amanhã para ti. Usada nas inscrições tumulares e quando se deseja o mesmo mal a quem o causou.

Home fleet

Inglês – Esquadra da casa. Nome que se dá à Armada Inglesa, referindo à parte dela que permanece na Grã-Bretanha.

Homo faber
Latim – O homem artífice. Locução empregada por Henri Bergson para designar o homem primitivo ante a necessidade de forjar ele próprio os utensílios indispensáveis à manutenção da vida.

Homo homini lupus
Latim – O homem é lobo para o homem. Pensamento de Plauto, aceito por alguns e praticado por muitos.

Homo sapiens
Latim – O homem sábio. 1 Nome da espécie homem na nomenclatura de Lineu. 2 Expressão usada por Henri Bergson para indicar o homem, único animal inteligente em face aos demais.

Homo sum et nihil humani a me alienum
Latim – Sou homem e nada do que é humano me é estranho. Terêncio advoga a solidariedade humana.

Honni soit qui mal y pense
Francês – Envergonhe-se quem pensar mal disto. Divisa da ordem da jarreteira na Inglaterra.

Honoris causa
Latim – Por causa da honra. Título honorífico concedido a pessoas ilustres.

Honos alit artes
Latim – A honra alimenta as artes. Máxima de Cícero que explica a necessidade de aplausos como incentivo aos artistas.

Horresco referens
Latim – Tremo ao referir. Palavras de Enéias ao narrar o episódio da morte de Laocoonte.

Horribile dictu
Latim – Horrível de se dizer. Locução interjetiva.

Hors ligne

Francês – Fora da linha; bem acima do normal.

Hospes hostis
Latim – Estrangeiro, inimigo. Máxima antiga que traduz o sentimento de desconfiança e hostilidade para com os estrangeiros.
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As outras letras:
LETRA A
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA B
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_07.html
LETRA C
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LETRA D
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA E
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_28.html
LETRA F
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/01/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html


Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=gramatica/docs/expressoeslatinas

domingo, 24 de maio de 2009

Trova VII

Montagem em cima de imagem do blog http://blogmaria.blogspot.com

Miriam Panighel Carvalho (O Poeta)



Assim como o ator interpreta
uma peça com emoção,
assim também verseja o poeta
que escreve com seu coração.

Faz poemas com sentimento
A emoção não consegue ocultar
Não tem hora, não tem momento
Para o bardo o amor decantar

O poeta jamais "faz de conta"
Ele conta e -ah! - como encanta!
Abre a alma e jamais desaponta
Não escreve - o vate - ele canta.

De espírito super sensível
Na verdade é incompreendido
Mas nos olhos deixa visível
Vestígios de um amor perdido...
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Lygia Fagundes Telles (As Cerejas)



Aquela gente teria mesmo existido? Madrinha tecendo a cortina de crochê com um anjinho a esvoaçar por entre rosas, a pobre Madrinha sempre afobada, piscando os olhinhos estrábicos, vocês não viram onde deixei meus óculos? A preta Dionísia a bater as claras de ovos em ponto de neve, a voz ácida contrastando com a doçura dos cremes, esta receita é nova... Tia Olívia enfastiada e lânguida, abanando-se com uma ventarola chinesa, a voz pesada indo e vindo ao embalo da rede, fico exausta no calor... Marcelo muito louro - por que não me lembro da voz dele? - agarrado à crina do cavalo, agarrado à cabeleira de tia Olívia, os dois tombando lividamente azuis sobre o divã. Você levou as velas à tia Olívia? , perguntou Madrinha lá embaixo. O relâmpago apagou-se. E no escuro que se fez, veio como resposta o ruído das cerejas se despencando no chão.

A casa em meio do arvoredo, o rio, as tardes como que suspensas na poeira do ar - desapareceu tudo sem deixar vestígios. Ficaram as cerejas, só elas resistiram com sua vermelhidão de loucura. Basta abrir a gaveta: algumas foram roídas por alguma barata e nessas o algodão estoura, empelotado, não, tia Olívia, não eram de cera, eram de algodão suas cerejas vermelhas.

Ela chegou inesperadamente. Um cavaleiro trouxe o recado do chefe da estação pedindo a charrete para a visita que acabara de desembarcar.

- É Olívia! - exclamou Madrinha. - É a prima! Alberto escreveu dizendo que ela viria, mas não disse quando, ficou de avisar. Eu ia mudar as cortinas, bordar umas fronhas e agora!... Justo Olívia. Vocês não podem fazer idéia, ela é de tanto luxo e a casa aqui é tão simples, não estou preparada, meus céus! O que é que eu faço, Dionísia, me diga agora o que é que eu faço!
Dionísia folheava tranqüilamente um livro de receitas. Tirou um lápis da carapinha tosada e marcou a página com uma cruz.

- Como se já não bastasse esse menino que também chegou sem aviso...

O menino era Marcelo. Tinha apenas dois anos mais do que eu mas era tão alto e parecia tão adulto com suas belas roupas de montaria, que tive vontade de entrar debaixo do armário quando o vi pela primeira vez.

- Um calor na viagem! - gemeu tia Olívia em meio de uma onda de perfumes e malas. - E quem é este rapazinho?

- Pois este é o Marcelo, filho do Romeu - disse Madrinha. - Você não se lembra do Romeu? Primo-irmão do Alberto...

Tia Olívia desprendeu do chapeuzinho preto dois grandes alfinetes de pérola em formado de pêra. O galho de cerejas estremeceu no vértice do decote da blusa transparente. Desabotoou o casaco.

- Ah, minha querida, Alberto tem tantos parentes, uma família enorme! Imagine se vou me lembrar de todos com esta minha memória. Ele veio passar as férias aqui?
Por um breve instante Marcelo deteve em tia Olívia o olhar frio. Chegou a esboçar um sorriso, aquele mesmo sorriso que tivera quando Madrinha, na sua ingênua excitação, nos apresentou a ambos, pronto, Marcelo, aí está sua priminha, agora vocês poderão brincar juntos . Ele então apertou um pouco os olhos. E sorriu.

- Não estranhe, Olívia, que ele é por demais arisco - segredou Madrinha ao ver que Marcelo saía abruptamente da sala. - Se trocou comigo meia dúzia de palavras, foi muito. Aliás, toda a gente de Romeu é assim mesmo, são todos muito esquisitos. Esquisitíssimos!

Tia Olívia ajeitou com as mãos em concha o farto coque preso na nuca. Umedeceu os lábios com a ponta da língua.

- Tem charme...

Aproximei-me fascinada. Nunca tinha visto ninguém como tia Olívia, ninguém com aqueles olhos pintados de verde e com aquele decote assim fundo.

- É de cera? - perguntei tocando-lhe uma das cerejas.

Ela acariciou-me a cabeça com um gesto distraído. Senti bem de perto seu perfume.

- Acho que sim, querida. Por quê? Você nunca viu cerejas?

- Só na folhinha.

Ela teve um risinho cascateante. No rosto muito branco a boca parecia um largo talho aberto, com o mesmo brilho das cerejas.

- Na Europa são tão carnudas, tão frescas.

Marcelo também tinha estado na Europa com o avô. Seria isso? Seria isso que os fazia infinitamente superiores a nós? Pareciam feitos de outra carne e pertencer a um outro mundo tão acima do nosso, ah! como éramos pobres e feios. Diante de Marcelo e tia Olívia, só diante dos dois é que eu pude avaliar como éramos pequenos: eu, de unhas roídas e vestidos feitos por Dionísia, vestidos que pareciam as camisolas das bonecas de jornal que Simão recortava com a tesoura do jardim. Madrinha, completamente estrábica e tonta em meio das suas rendas e crochês. Dionísia, tão preta quanto enfatuada com as tais receitas secretas.

- Não quero é dar trabalho - murmurou tia Olívia dirigindo-se ao quarto. Falava devagar, andava devagar. Sua voz foi se afastando com a mansidão de um gato subindo a escada. - Cansei-me muito, querida. Preciso apenas de um pouco de sossego...

Agora só se ouvia a voz de Madrinha que tagarelava sem parar: a chácara era modesta, modestíssima, mas ela haveria de gostar, por que não? O clima era uma maravilha e o pomar nessa época do ano estava coalhado de mangas. Ela não gostava de mangas? Não?... Tinha também bons cavalos se quisesse montar, Marcelo poderia acompanhá-la, era um ótimo cavaleiro, vivia galopando dia e noite. Ah, o médico proibira? Bem, os passeios a pé também eram lindos, havia no fim do caminho dos bambus um lugar ideal para piqueniques, ela não achava graça num piquenique?
Fui para a varanda e fiquei vendo as estrelas por entre a folhagem da paineira. Tia Olívia devia estar sorrindo, a umedecer com a ponta da língua os lábios brilhantes. Na Europa eram tão carnudas... Na Europa.

Abri a caixa de sabonete escondida sob o tufo de samambaia. O escorpião foi saindo penosamente de dentro. Deixei-o caminhar um bom pedaço e só quando ele atingiu o centro da varanda é que me decidi a despejar a gasolina. Acendi o fósforo. As chamas azuis subiram num círculo fechado. O escorpião rodou sobre si mesmo, erguendo-se nas patas traseiras, procurando uma saída. A cauda contraiu-se desesperadamente. Encolheu-se. Investiu e recuou em meio das chamas que se apertavam mais.

- Será que você não se envergonha de fazer uma maldade dessas?

Voltei-me. Marcelo cravou em mim o olhar feroz. Em seguida, avançando para o fogo, esmagou o escorpião no tacão da bota.

- Diz que ele se suicida, Marcelo...

- Era capaz mesmo quando descobrisse que o mundo está cheio de gente como você.

Tive vontade de atirar-lhe a gasolina na cara. Tapei o vidro.

- E não adianta ficar furiosa, vamos, olhe para mim! Sua boba. Pare de chorar e prometa que não vai mais judiar dos bichos.

Encarei-o. Através das lágrimas ele pareceu-me naquele instante tão belo quanto um deus, um deus de cabelos dourados e botas, todo banhado de luar. Fechei os olhos. Já não me envergonhava das lágrimas, já não me envergonhava de mais nada. Um dia ele iria embora do mesmo modo imprevisto como chegara, um dia ele sairia sem se despedir e desapareceria para sempre. Mas isso também já não tinha importância. Marcelo, Marcelo! chamei. E só meu coração ouviu.

Quando ele me tomou pelo braço e entrou comigo na sala, parecia completamente esquecido do escorpião e do meu pranto. Voltou-lhe o sorriso.

- Então é essa a famosa tia Olívia? Ah, ah, ah.

Enxuguei depressa os olhos na barra da saia.

- Ela é bonita, não?

Ele bocejou.

- Usa um perfume muito forte. E aquele galho de cerejas dependurado no peito. Tão vulgar.

- Vulgar?

Fiquei chocada. E contestei mas em meio da paixão com que a defendi, senti uma obscura alegria ao perceber que estava sendo derrotada.

- E, além do mais, não é meu tipo - concluiu ele voltando o olhar indiferente para o trabalho de crochê que Madrinha deixara desdobrado na cadeira. Apontou para o anjinho esvoaçando entre grinaldas. - Um anjinho cego.

- Por que cego? - protestou Madrinha descendo a escada. Foi nessa noite que perdeu os óculos. - Cada idéia, Marcelo!

Ele debruçara-se na janela e parecia agora pensar em outra coisa.

- Tem dois buracos em lugar dos olhos.

- Mas crochê é assim mesmo, menino! No lugar de cada olho deve ficar uma casa vazia - esclareceu ela sem muita convicção. Examinou o trabalho. E voltou-se nervosamente para mim. - Por que não vai buscar o dominó para vocês jogarem uma partida? E vê se encontra meus óculos que deixei por aí.

Quando voltei com o dominó, Marcelo já não estava na sala. Fiz um castelo com as pedras. E soprei-o com força. Perdia-o sempre, sempre. Passava as manhãs galopando como louco. Almoçava rapidamente e mal terminava o almoço, fechava-se no quarto e só reaparecia no lanche, pronto para sair outra vez. Restava-me correr ao alpendre para vê-lo seguir em direção à estrada, cavalo e cavaleiro tão colados um ao outro que pareciam formar um corpo só.

Como um só corpo os dois tombaram no divã, tão rápido o relâmpago e tão longa a imagem, ele tão grande, tão poderoso, com aquela mesma expressão com que galopava como que agarrado à crina do cavalo, arfando doloridamente na reta final.

Foram dias de calor atroz os que antecederam à tempestade. A ansiedade estava no ar. Dionísia ficou mais casmurra. Madrinha ficou mais falante, procurando disfarçadamente os óculos nas latas de biscoitos ou nos potes de folhagens, esgotada a busca em gavetas e armários. Marcelo pareceu-me mais esquivo, mais crispado. Só tia Olívia continuava igual, sonolenta e lânguida no seu negligê branco. Estendia-se na rede. Desatava a cabeleira. E com um movimento brando ia se abanando com a ventarola. Às vezes vinha com as cerejas que se esparramavam no colo polvilhado de talco. Uma ou outra cereja resvalava por entre o rego dos seios e era então engolida pelo decote.

- Sofro tanto com o calor...

Madrinha tentava animá-la.

- Chovendo, Olívia, chovendo você verá como vai refrescar.

Ela sorria umedecendo os lábios com a ponta da língua.

- Você acha que vai chover?

- Mas claro, as nuvens estão baixando, a chuva já está aí. E vai ser um temporal daqueles, só tenho medo é que apanhe esse menino lá fora. Você já viu menino mais esquisito, Olívia? Tão fechado, não? E sempre com aquele arzinho de desprezo.

- É da idade, querida. É da idade.

- Parecido com o pai. Romeu também tinha essa mesma mania com cavalo.

- Ele monta tão bem. Tão elegante.

Defendia-o sempre enquanto ele a atacava, mordaz, implacável: É afetada, esnobe. E como representa, parece que está sempre no palco . Eu contestava, mas de tal forma que o incitava a prosseguir atacando.

Lembro-me de que as primeiras gotas de chuva caíram ao entardecer, mas a tempestade continuava ainda em suspenso, fazendo com que o jantar se desenrolasse numa atmosfera abafada. Densa. Pretextando dor de cabeça, tia Olívia recolheu-se mais cedo. Marcelo, silencioso como de costume, comeu de cabeça baixa. Duas vezes deixou cair o garfo.

- Vou ler um pouco - despediu-se assim que nos levantamos.

Fui com Madrinha para a saleta. Um raio estalou de repente. Como se esperasse por esse sinal, a casa ficou completamente às escuras enquanto a tempestade desabava.

- Queimou o fusível! - gemeu Madrinha. - Vai, filha, vai depressa buscar o maço de velas, mas leva primeiro ao quarto de tia Olívia. E fósforos, não esqueça os fósforos!
Subi a escada. A escuridão era tão viscosa, que se eu estendesse a mão poderia senti-la amoitada como um bicho por entre os degraus. Tentei acender a vela mas o vento me envolveu. Escancarou-se a porta do quarto. E em meio do relâmpago que rasgou a treva, vi os dois corpos completamente azuis, tombando enlaçados no divã.

Afastei-me cambaleando. Agora as cerejas se despencavam sonoras como enormes bagos de chuva caindo de uma goteira. Fechei os olhos. Mas a casa continuava a rodopiar desgrenhada e lívida com os dois corpos rolando na ventania.

- Levou as velas para a tia Olívia? - perguntou Madrinha.

Desabei num canto, fugindo da luz do castiçal aceso em cima da mesa.

- Ninguém respondeu, ela deve estar dormindo.

- E Marcelo?

- Não sei, deve estar dormindo também.

Madrinha aproximou-se com o castiçal.

- Mas que é que você tem, menina? Está doente? Não está com febre? Hem?! Sua testa está queimando... Dionísia, traga uma aspirina, esta menina está com um febrão, olha aí!

Até hoje não sei quantos dias me debati esbraseada, a cara vermelha, os olhos vermelhos, escondendo-me debaixo das cobertas para não ver por entre clarões de fogo milhares de cerejas e escorpiões em brasa, estourando no chão.

- Foi um sarampo tão forte - disse Madrinha ao entrar certa manhã no quarto. - E como você chorava, dava pena ver como você chorava! Nunca vi um sarampo doer tanto assim.

Sentei-me na cama e fiquei olhando uma borboleta branca pousada no pote de avencas da janela. Voltei-me em seguida para o céu limpo. Havia um passarinho cantando na paineira. Madrinha então disse:

- Marcelo foi-se embora ontem à noite, quando vi, já estava de mala pronta, sabe como ele é. Veio até aqui se despedir, mas você estava dormindo tão profundamente.

Dois dias depois, tia Olívia partia também. Trazia o costume preto e o chapeuzinho com os alfinetes de pérola espetados no feltro. Na blusa branca, bem no vértice do decote, o galho de cerejas.

Sentou-se na beirada da minha cama.

- Que susto você nos deu, querida - começou com sua voz pesada. - Pensei que fosse alguma doença grave. Agora está boazinha, não está?

Prendi a respiração para não sentir seu perfume.

- Estou.

- Ótimo! Não te beijo porque ainda não tive sarampo - disse ela calçando as luvas. Riu o risinho cascateante. - E tem graça eu pegar nesta altura doença de criança?

Cravei o olhar nas cerejas que se entrechocavam sonoras, rindo também entre os seios. Ela desprendeu-as rapidamente.

- Já vi que você gosta, pronto, uma lembrança minha.

- Mas ficam tão lindas aí - lamentou Madrinha. - Ela nem vai poder usar, bobagem, Olívia, leve suas cerejas!

- Comprarei outras.

Durante o dia seu perfume ainda pairou pelo quarto. Ao anoitecer, Dionísia abriu as janelas. E só ficou o perfume delicado da noite.

- Tão encantadora a Olívia - suspirou Madrinha sentando-se ao meu lado com sua cesta de costura. - Vou sentir falta dela, um encanto de criatura. O mesmo já não posso dizer daquele menino. Romeu também era assim mesmo, o filho saiu igual. E só às voltas com cavalos, montando em pêlo, feito índio. Eu quase tinha um enfarte quando via ele galopar.

Exatamente um ano depois ela repetiria, num outro tom, esse mesmo comentário ao receber a carta onde Romeu comunicava que Marcelo tinha morrido de uma queda de cavalo.

- Anjinho cego, que idéia! - prosseguiu ela desdobrando o crochê nos joelhos. - Já estou com saudades de Olívia, mas dele?

Sorriu alisando o crochê com as pontas dos dedos. Tinha encontrado os óculos.

Fonte:
TELLES, Lygia Fagundes. As Cerejas. Ed. Atual, 1993.

João Guimarães Rosa (Sagarana) (Parte I)



Artigo do prof. Teotônio Marques Filhos
Artigo em 3 partes.

Localização da obra no estilo de época

Publicado em 1946, Wilson Martins coloca Sagarana como uma das três grandes estréias da prosa de ficção pós-modernista ou, como querem outros, neomodernista.

Para a crítica, o Pós-Modernismo representa o incontido desejo de superar as formas modernistas em busca, principalmente, de originalidade e expressividade, não só no concernente à linguagem, onde se explora a sua plumagem e o seu canto, para usar as mesmas expressões de Guimarães Rosa, como também a ânsia do universal. Deste modo, procurando transcender o estritamente regional, o escritor pós-modernista parte sempre de um plano vertical para, assim, chegar a uma dimensão metafísica, universal do homem.

Embora seja o livro de estréia de Guimarães Rosa, não é difícil ver em Sagarana esses elementos inovadores que caracterizam o Pós-Modernismo. Com efeito, a pesquisa lingüística e a ânsia do metafísico - que superam o estritamento local e regional - têm sido uma das grandes características pós-modernistas, e aqui, especialmente, de Guimarães Rosa. Entretanto, esses elementos apenas vislumbram em Sagarana, despontando intensa e desconcertantemente no monumental romance - Grande Sertão: Veredas (1956). Diríamos que Sagarana foi uma espécie de rascunho que Guimarães Rosa usou para a elaboração de Grande Sertão: Veredas. Na comparação não vai nenhuma subestimação do primeiro livro de Guimarães que, pelo fato de ter sido rascunho, não deixa de ser obra-prima. É a velha história de Adão e Eva que se repete aqui: toda obra-prima tem um rascunho. No caso, o rascunho seria o velho Adão; a obra-prima, a femininíssima Eva... Quem é que vai negar uma coisa desta, minha gente, quem?!

Como sugere o título, Sagarana é uma coletânea de contos estruturados a partir de uma visão moderna dessa espécie literária, pois, embora apresentem os seus elementos tradicionais, os contos de Guimarães Rosa são portadores de “um sopro renovador”, como observa o crítico Massaud Moisés: “Numa linguagem mesclada de tipismos mineiros, eruditismos e arcaísmos, traz para a literatura regionalista um sopro renovador, um senti­do de epicidade e profundo conhecimento da alma humana, que fazem dele, desde logo, um escritor de lugar definitivamente marcado” (Massaud Moisés).

Como já ressaltamos atrás, Guimarães Rosa foi um dos primeiros entre nós que logrou captar o mundo regional através de um prisma universal: a sua obra veio concretizar a nova dimensão que o regionalismo estava esperando: a dimensão do espírito e do mistério das coisas.

Dono de um estilo pessoalíssimo, onde sobressaem os elementos melopéicos das palavras, os contos de Sagarana, fogem, muitas vezes, àquela estrutura que apontamos no início.

Estilo de Guimarães Rosa em Sagarana

Com relação ao estilo de Guimarães Rosa em Sagarana, muita coisa tem-se que falar. Pelo menos cinco características sobressaem na sua maneira de ver o mundo, no seu modo de escrever. Abaixo vamos relacionar essas características:

1) Linguagem

Quanto à linguagem, Augusto de Campos observa que “embora revele um notável e incomum domínio artesanal, a linguagem de Guimarães Rosa também não se confunde com a dos estilistas da língua. O seu palavreado diferente não é constituído propriamente de vocábulos “difíceis” ou desusados, como no caso de Euclides da Cunha ou Coelho Neto, mas de recriações e invenções forjadas a partir das virtualidades do idioma, que levam o leitor a constantes descobertas.” Vejamos, abaixo, os principais aspectos:

Criação de vocábulos

É o que podemos chamar de neologismos onde sobressaem composições e derivações novas, além “de novos tipos de construção frasal”, ditos “neologismos sintáticos”, segundo Mattoso Câmara.

Vamos arrolar aqui alguns exemplos de neologismos vocabulares:

a) derivação prefixal. Um dos prefixos mais usados é ainda dês-: desfeliz, desinquieto, desenxergar, etc. sempre em sentido negativo ou como mero reforço, dado e desgaste do prefixo existente, como é o caso de desinfeliz ou mesmo desinquieto.

b) derivação sufixal. É outro processo formador de vocábulos novos bastante usado no livro e que funciona como expressivo recurso estilístico, principalmente em se tratando de linguagem popular. Entre outros exemplos, mencionemos o caso de: vaqueirama, assinzinho, coisama, pensação, cigarrar, rapaziar, quilometrosa, maismente, saudadear, pererecar, etc.

As vezes o sufixo é usado mesmo em palavras que não o comportam, como é o caso, já citado, de maismente, assinzinho, arranjeizinho (cf. “Arranjeizinho lá um lugar de guarda-civil”, Sag. 82) e amormeuzinho que aparece no conto “São Marcos”.

Registre-se ainda o expressivo verbo pernilongar, que aparece no conto ‘São Marcos”.

c) derivação parassintética. Consiste no uso de prefixo e sufixo ao mesmo tempo. Não é muito freqüente em Sagarana, mas mesmo assim podemos anotar alguns exemplos: avoamento, esmoralizado, desbriado, amaleitado, etc.

d) abreviação. Na abreviação, registre-se o caso de estranja (cf. “você não tem vergonha de trabalhar p’ra esses gringos, p’ra uns estranjas, gente atoa?” — Sag. 89), além de largo uso da síncope, como é o caso de corgo em vez de córrego, p’ra em vez de para, e muitos outros casos que refletem a nossa língua popular. Veja-se ainda vam’bora para “vamos embora” e ixa para “virgem” (como interjeição).

e) composição aglutinada. Consiste na junção de dois vocábulos de modo que percam a sua individualidade fônica. É o caso de, entre outros: passopreto (pássaro + preto), milmalditas (mil + malditas), suaviloqüência (suave + eloqüência), destamanho (deste + tamanho), membora (me + embora), santiaméin (santo + amém) e o curioso nomopadrofilhospritossantamêin (em nome do pai, do filho e do espírito santo, amém) que sugere a rapidez com que Nhô Augusto fez o sinal da cruz, naquelas circunstâncias em que se achava (cf. Sag. 362).

É curioso também o dei’stá (deixa + está) de largo uso no interior.

f) composição justaposta. Consiste na união de dois ou mais vocábulos em que se mantém a integridade fônica de ambos. Como exemplo, anote-se: hoje-em-dia, mulheres-a­toa, todo-o-mundo e aqueles vocábulos formados pela introspecção bovina de “Conversa de Bois” como: “boi-grande-que-berra-feio-e-carrega-uma-cabeça-na-cacunda (para marruás, touro) e homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta (para o homem que guia os bois e leva o ferrão).

Arcaísmos

Como sabemos, arcaísmos são “vocábulos, formas ou construções frasais que saíram do uso na língua corrente”. Evidentemente, os arcaísmos de Sagarana foram usados por Guimarães Rosa para fins estilísticos, com a intenção de estabelecer coerência entre forma e conteúdo. Com efeito, o arcaísmo em Sagarana é um reflexo da linguagem popular, visto que a língua do interior, afastada do contato com a civilização, é estática, conservando muitos vocábulos do português arcaico. Entre outros, anotemos aqui alguns exemplos: riba (cf. por riba do monte), banda (em lugar de lado), vigiar (em vez de olhar), quentar (em vez de esquentar) e uma enfiada de verbos com prótese de um a, outrora bastante em voga em nossa língua e que ainda existe na fala do nosso homem do interior: agarantir, alembrar, alumiar, amostrar, arreconhecer, arrenegar, arresolver, arresponder, arresistir, aclivertir, etc.

Erudismo

Escrever com erudismo é um fato que a crítica reconhece no estilo de Guimarães Rosa. É o que ocorre sempre quando é o escritor que narra, quando não pretende registrar modismos regionais ou a linguagem popular. Nesse sentido nos parecem válidos os contos “São Marcos” e “Minha Gente”, principalmente este último, donde extraímos este exemplo:

Eu tinha cochilado na rede, depois de um almoço gostoso e pesado, enquanto Tio Emílio, na espreguiçadeira, lia sua pilha de jornais de uma semana. A varanda era uma praia de ilha, ao mar da chuva. Meu espírito fumaceou, por ares de minha só pos-se — e fui, por inglas de Inglaterra, e marcas de Dinamarcas, e landas de Holanda e Irlanda. Subi à visão de deusas, lentas apsaras de sabor de pétalas, lindas todas: Dária, da Circássia; Ragna de Aase; e Gúdrun, a de olhar cor dos fiordes; e Vivian, violeta; e Érika, sílfide loira; e Varvára, a de belos feros olhos verdes; e a princesa Vladislava, císnea e junoniana; e a princesinha Berengária, que vinha, sutil, ao meu encontro, no alternar esvoaçante dos tornozelos preciosos...” (pág. 197).

Figuras

Aqui sobressaem pelo menos três figuras importantes:

a) Metáfora. Consiste numa transposição do sentido de um vocábulo por se tornar opaco ou gasto o existente. Como ressalta Oscar Lopes, as metáforas de Guimarães Rosa são tantas e tão originais que produzem um efeito poético radical: o efeito de ressaca do significado novo sobre o significado corrente. Anote-se: “De noite, saiu uma lua rodo-leira, que alumiava até passeio de pulga no chão” (26); em vez de dizer que a lua era cheia e brilhava intensamente; “Cor do céu que vem chuva” (24) para indicar uma cor que é mais que o castanho ou baio; “Estou como ovo depois de dúzia” (32) para dizer que está sobrando; “em mão de vaqueiro com dez anos de lida nos currais do sertão” (36) para dizer que o vaqueiro era experiente; “Só de vez em quando é que um quer me saudar com a mão canhota” (40) para indicar que, vez por outra, surgiam ingratidões, ou coisa semelhante; “aproveitava para encher, mais um trecho, a infinda lingüiça da vida” (49) para indicar que ia levando a vida de qualquer jeito; “Durou o prazo de se capar um gato” (98), para dizer que a ação foi rápida; e aquele “arquipélago de reses” (172) para indicar ajuntamentos de reses aqui e ali. E assim muitas outras.

b) Anacoluto. “Chama-se anacoluto ou frase quebrada àquela em que a uma palavra ou locução, apresentada inicialmente, se segue uma construção oracional em que essa palavra ou locução não se integra.” A definição é de Mattoso Câmara (cf. Dicionário de Filologia e Gramática), que acrescenta: “Na língua oral coloquial o anacoluto é um processo freqüente de construção de frase”. E o que se pode ver em Sagarana, visto que uma das principais características de Guimarães é exatamente a estilização da sintaxe popular. Veja-se esse exemplo: “Que há? O senhor sabe que, a mim, eu gosto de estimar e respeitar os meus amigos, e, grande principalmente, as suas famílias excelentíssimas...” (82); ou aquela passagem de “Conversa de Bois”, onde o escritor procura expressar a angústia e inquietude do menino Tiãozinho através de um mundo de reticências e frases entrecortadas que avolumam na sua cabeça e dão prova do seu apavoramento diante da mor­te de seu Agenor Soronho (vide pág. 317-318).

c) Silepse. A silepse é uma concordância ideológica. Quer dizer, é uma concordância que se faz com a idéia e não com o termo expresso. É o caso do coletivo com o verbo no plural que ocorre várias vezes em Sagarana. “Eu acho que a boiada vai bem, sêo Major. Não vão dar muito trabalho, porque estão bem gordos” (20) “Ele é de uma turma de gente sem-que-fazer, que comeram carne e beberam cachaça na frente da igreja, em sexta-feira da Paixão, só p’ra pirraçar o padre e experimentar a paciência de Deus...” (256).

Trata-se, igualmente, de uma concordância bem popular.

Musicalidade

Trata-se de uma das características mais presentes e individualizadoras de Guimarães Rosa, que dão um caráter nitidamente poético à sua prosa. É o que o escritor chama de “plumagem e canto das palavras”. Com efeito, amiúde Guimarães apela para os aspectos auditivos (“canto”) e visuais (“plumagem”), fazendo uma verdadeira orquestração sonora com as palavras. Isso sobressai principalmente em “O Burrinho Pedrês” e “São Marcos” onde, nesse último, há uma verdadeira saraivada de luz e cores de início (aspecto visual-plumagem das palavras), para ceder lugar aos sons e ao ritmo (canto das palavras), depois que fica cego. É curioso ver-se o conto neste sentido.

Entre outros recursos melopéicos, ressaltam-se:

a) Rimas. É um recurso bastante explorado em Sagarana e expressa, mais uma vez, a natureza popular da linguagem rosiana. Vejam-se esses exemplos: “por amos e anos” (3); “boi sanga sapiranga” (6); “veio apropinquando, brando” (10); “suspiro de vaca não arranca estaca” (17), “e as vagas de dorsos, das vacas e touros” (23): “Quem não trabuca não manduca” (72); “Você é tudo, bigodudo” (89); “ó Vitalina, engambela ela” (111); “papo de mola, quando anda pede esmola” (139); “Pega à unha, joão-da-cunha” (147).

Sensível ao poder fônico dos vocábulos, diz o Prof. Wilton Cardoso, Guimarães Rosa se deixa entregar a combinações léxicas, cujo fim é sem dúvida explorar o seu manancial sonoro”. Na prática desse recurso, “se algumas vezes pretende ilustrar conteúdo semântico, à maneira onomatopaica, em outros casos dá à nota sonora valor próprio e exclusivo, já que não se relaciona com o contexto.”

b) Ritmo. É outro elemento poético que se pode constatar em Sagarana. Principal­mente em “O Burrinho Pedrês”, onde a disposição das palavras parece acompanhar as marchas e contra-marchas do rebanho que começa a trotar em passos cadentes:

Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combuscos, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados, corombos, cornetos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros... E os tocos da testa do mocho macheado, e as cuarmas antigas do boi cornalão...” (pág. 22).

Move-se o rebanho lentamente e o ritmo pentassilábico acompanha-lhes a marcha cadente e uniforme.

As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão...” (pág. 23).

c) Aliteração. Consiste numa “repetição de dado fonema, numa frase, em vocábulos seguidos, próximos, distantes e simetricamente dispostos” (Mattoso Câmara). É recurso que serve para intensificação do ritmo, conferindo-lhe expressiva harmonia imitativa, como é o caso ainda da boiada anterior onde a mansietude do ritmo pentassilábico “é aparente ou provisória, observa o prof. Wilton Cardoso, porque a rês brava pula e volteia na ponta da vara e comunica calor à centopéia ondulante, que começa a acelerar-se.” É o que parece expressar as aliterações em medida trissilábica da passagem abaixo: “Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando.. . Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando...” (pág. 23).

Outros exemplos de aliterações são: “três trons de trovões” (18); “bebedérrimo, Badu” (49); “que vinha vivendo o visto mas vivando estrelas” (235); etc.

d) Onomatopéia. É outro recurso melopéico, de larga tonalidade, que Guimarães explora em Sagarana. Consiste em “procurar reproduzir determinado ruído, constituindo-se com os fonemas da língua, que pelo efeito acústico, dão melhor impressão desse ruído” (Mattoso Câmara). Entre outros, citemos: “A boiada entra no beco - Tchou! Tchou! Tchou!... (48) para tanger o gado; “lho... lho... lho... - vão, devagar, as braçadas de Sete-de-Ouros” (66), para o burrinho atravessando o rio; “-Prrr-tic-tic-tic!” para chamar galinha; “i-tchungs”-tchungou uma piabinha” (242), para o movimento da piaba, etc.

Concluindo, podemos afirmar com Pedro Xisto que “os vocábulos do nosso romancista-poeta não se restringem a contar uma história. Eles têm, ainda, o que contar de si próprios. Eles são mais do que signos abstratos e indiferentes. Eles integram a coisa, participando, concretamente, das vivências.”

Assim, em Guimarães Rosa, “não é a linguagem que se acomoda à realidade, mas a realidade que se transforma em linguagem”.

2. Fabulação

É outra característica de Guimarães Rosa que sobressai em Sagarana: o seu extraordinário poder de fabulação. Suas narrativas, repletas de incidentes, casos fantásticos e imaginários, contém às vezes mais de uma “estória” dentro da “estória”. É o que se pode notar, principalmente, em “O Burrinho Pedrês”, onde, dentro da “estória” de Sete-de-Ouros podemos surpreender e anotar outros casos que os vaqueiros vão relatando no decorrer da viagem.

Outros exemplos neste sentido são: “Minha Gente” que inicialmente se perde em descrições paisagísticas (outra grande qualidade de Guimarães), para depois se concentrar na história propriamente, por sua vez, mesclada de outros casos; “Corpo Fechado”, cuja “estória” começa propriamente no final, com Manual Fulô contando outros casos para o doutor; “Conversa de Bois”, que é entrecortada também por outros casos, etc.

De um modo geral, entretanto, esses casos secundários são postos em função do principal: têm a finalidade de comprovar ou preparar terreno para a história principal.

3. Personagens

De um modo geral os personagens de Sagarana estão ligados à paisagem mineira, à vida das fazendas, à saga dos vaqueiros e dos criadores de gado - mundo da infância e mocidade de Guimarães Rosa.

Seus personagens são admiravelmente delineados e caracterizados não apenas externamente, mas com uma rara penetração da psicologia do homem rústico. Suas descrições, atestam um conhecimento minucioso de gentes, plantas e bichos em contacto com o ambiente sertanejo”. (Augusto de Campos).

Entre outras personagens que sobressaem nos contos de Sagarana, podemos relacionar aqui Nhô Augusto, de “A Hora e Vez de Augusto Matraga”; Latino Salãthiel, de “A Volta do Marido Pródigo”; Maria lima, de “Minha Gente”; Manuel Fulô, de “Corpo Fechado”; Turíbio Todo, de “Duelo”, além do burrinho Sete-de-Ouros, de “O Burrinho Pedrês” e aquele fantástico boi Rodapião, de “Conversa de Bois”, onde Guimarães se revela também profundo conhecedor da “psicologia” bovina.

4. Provérbios e Quadras

É outra característica do estilo rosiano que evidencia um gosto bem popular: o gosto por ditados e provérbios, além das quadrinhas que harmonizam as noites sertanejas, sob um céu palpitante de luar e de estrelas que pululam encantadas dos sons gotejantes das melodias populares. Mundo de fantasia e poesia que já começa a crepuscular para dar lugar aos sons trepidantes e fumegantes das guitarras desconcertantes que infestam e empestam este soberbo século XX de maravilhas fatais!

Dos primeiros, anote-se: “não é nas pintas da vaca que se mede o leite e a espuma” (18); “Suspiro de vaca não arranca estaca!” (17), “para bezerro mal desmamado, cauda de vaca é maminha” (34); “Sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão” (319), e muitas outras.

Das segundas (quadrinhas), entre as muitas que o livro oferece, citemos:

O Curvelo vale um conto,
Cordisburgo um conto e cem.
Mas as Lages não têm preço,
Porque lá mora o meu bem
...” (pág. 22)
-------------------------
continua...

Sófocles (496 a.C. – 406 a.C.)



Sófocles foi um dramaturgo grego, um dos mais importantes escritores de tragédia ao lado de Ésquilo e Eurípedes. Suas peças retratam personagens nobres e da realeza. Filho de um rico mercador, nasceu em Colono, perto de Atenas, na época do governo de Péricles, o apogeu da cultura helênica.

Escreveu em grego 123 peças para a competição dramática anual das festas dionisíacas e obteve 24 vitórias, constando que a primeira vitória foi aos 18 anos (468 a. C.), sendo este o marco inicial de uma carreira de sucesso. Apenas sete "sobrevivem" até os dias de hoje, e também trabalhou como ator.

Dedicou parte de sua vida às atividades atléticas, à música, à política, ao militarismo e à vida religiosa (foi sacerdote do herói-curador Amino). Considerado o continuador da obra de Ésquilo, Com apenas 16 anos de idade Sófocles estava pronto para competir com os dramaturgos já experientes, e ganhou o 1º prêmio que também era concorrido por Ésquilo. Ele sempre interpretava suas próprias peças. Foi sacerdote ordenado, ligado ao serviço de dois heróis locais, Arconte e Esculápio; o deus da Medicina. Dirigiu o departamento do Tesouro, que controlava os fundos da Confederação de Delfos.

Em suas tragédias, mostra dois tipos de sofrimento: o que decorre do excesso de paixão e o que é conseqüência de um acontecimento acidental (destino). Concentrava em suas obras a ação em um só personagem destacando o seu caráter e os traços de sua personalidade. Reduziu a importância do coro no teatro grego, relegando-o ao papel de observador do drama que se desenrola à sua frente. Também aperfeiçoou a cenografia e aumentou o número de elementos do coro de 12 para 15, porém esse número pode variar de acordo com o poeta que define a tragédia. Sua concepção teatral foi inovadora e elevou o número de atores de dois para três.

Teve dois filhos: Lofon de sua esposa Nicostrata e Ariston, de sua concubina Teoris de Scione.
Suas peças "sobreviventes" são:
Ájax
Antígona
As Traquínias
Édipo Rei
Electra
Filoctetes
Édipo em Colono

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_3169.html
http://pt.shvoong.com/books/biography/1776689-s%C3%B3focles/
Imagem = http://www.filosofix.com.br/

Sófocles (Édipo Rei)



Composta por Sófocles, em data ignorada, e particularmente admirada por Aristóteles, esta obra-prima da tragédia grega, ilustra a impotência humana diante do destino.

Édipo é filho de Laio, rei de Tebas, e da rainha Jocasta. Nos antecedentes dessa história, o Oráculo anuncia a Laio que, por causa da maldição dos Labdácidas, se este viesse a ter um filho com Jocasta, esse filho o mataria. Laio, com temor de que a profecia do Oráculo se realizasse, ordena Jocasta a entregar seu filho a um pastor da região. Amarra, fura-lhe os pés e o abandona no monte Citerón para sua vida ser ceifada. Mas, o pastor, com piedade, entrega-o a Pólibo, rei de Coritos. Pólibo e sua mulher Meréope criam-no como um filho.

A estória começa quando Édipo, príncipe de Corinto, é insultado por um bêbado, que o acusa de ser filho ilegítimo do Rei Políbios. Embora Políbios procure tranqüilizar Édipo, o príncipe, perturbado, recorre ao Oráculo de Píton, mais tarde conhecido como Delfos.

O oráculo evita responder à sua dúvida, mas dá a terrível informação de que Édipo está destinado a matar o pai e casar-se com a mãe.

O Oráculo apenas revela que Édipo mataria seu próprio pai e casaria com sua própria mãe. Desesperado e crendo que Pólibo e Meréope eram seus pais verdadeiros, Édipo resolve abandonar Corintos para nunca mais regressar. É nessa mesma época que a cidade de Tebas está sendo atacada pela Esfinge, devorando os cidadão tebanos, pois eram incapazes de decifrar o enigma proposto pela Esfinge. Ao passar por Tebas, numa encruzilhada de três caminhos, Em uma encruzilhada, Édipo depara-se com uma carruagem. À frente vem o arauto, que ordena rudemente a Édipo que se afaste e tenta empurrá-lo para fora da estrada. O príncipe começa uma briga e termina matando todo mundo que nela se envolve. Para sua desgraça, um dos homens que vinha na carruagem era seu pai verdadeiro, o rei Laios de Tebas. Ao chegar na cidade de Tebas, Édipo consegue decifrar o enigma da Esfinge, libertando a cidade do flagelo e acaba sendo proclamado o rei de Tebas, casando-se com a viúva de Laio, a rainha Jocasta, sua mãe verdadeira.

Assim, a profecia se tornou realidade: Édipo matou o próprio pai e se casou com a própria mãe.

Anos se passam e Édipo reina como um verdadeiro soberano e tem vários filhos com Jocasta, mas a cidade passa por momentos difíceis e a população pede ajuda ao rei. Os deuses enviam uma peste a cidade de Tebas, pois os homens estavam desobedecendo ao Oráculo. Édipo, preocupado com a situação envia seu cunhado, Creonte, ao Oráculo de Delfos para saber qual era a causa da peste que assolava a cidade de Tebas. A resposta do Óráculo foi que a cidade estava naquela situação por causa da morte de Laio e que para solucionar o problema o assassino deveria ser descoberto e punido. Porém, Édipo não sabe que Laio era seu pai e que o tinha matado na encruzilhada. Então manda seu cunhado Creonte buscar o adivinho Tirésias, que com medo de revelar que era Édipo o assassino, resiste em responder.

Depois de ser muito insultado por Édipo, chamado de traidor da cidade, Tirésias não hesita em revelar quem é o verdadeiro assassino. O assassino era o próprio Édipo. Édipo não crê nisso, mas acredita que Creonte e Tirésias estão armando. Assim, Édipo de investigador se torna investigado e vai em busca de assassino de Laio. Ao longo da tragédia, Édipo descobre que Pólibo e Meréope não eram seus pais e que seu verdadeiro pai era Laio e sua verdadeira mãe era Jocasta. Jocasta suicída-se assim que descobre. Não suportando a verdade de ser um assassino e um parrecida Édipo fura os próprios olhos para não ver sua dura realidade.

Foi daí que veio seu nome: "oidípous" significa "pé inflamado".
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Um clássico da literatura ocidental, esta peça de Sófocles é considerada uma das mais perfeitas tragédias da Grécia Antiga.

Fonte:
www.E-Book-Gratuito.Blogspot.Com

Luiz Eduardo Caminha (Liberdade, Liberdade!)

Imagem do filme Sonho de Liberdade
Um caniço na beira do lago, uma voz no deserto, um uivo na escuridão, sei lá, não importa. Não me curvo com o vento, o deserto não me cala (mesmo que ninguém me ouça!), as trevas não me amedrontam. Então: brademos!!!

Liberdade, liberdade!

Não me ponhas normas,
Preceitos, nem regra.
Depois de tanta refrega,
Não hei de obedecer!

Não me imponhas grades,
Grilhões, nem cadeia.
Depois de tanta peleia,
Não hei de me prender!

Não me coloques canga
Ferros, nem algema.
Depois de tanta pena,
Não hei de fenecer!

Não me cales, enfim,
Nem queiras qu’eu fique mudo.
O que sobra do meu mundo imundo,
É o meu jeito de dizer!

Liberdade, liberdade,
Ainda que seja tarde.
Ainda que duvidoso,
O porvir, o alvorecer!
...
Minha voz é filha do silêncio,
Minha escrita, enteada do vento,
Minha vida é um curso d’água,
Minha vocação, um oceano!

(Florianópolis , Ratones, 03.05.2009)
Fonte:
Colaboração do autor.

sábado, 23 de maio de 2009

Bandeira Tribuzi (Vôo Poético)



ITINERÁRIO DO CORPO

A Afonso Felix de Sousa

I

O pequeno lugar predestinado:
cama – lençóis, colchão e travesseiro:
objetos banais pousados sobre
a armação de madeira para dois.

Pequeno apartamento de cidade!
Pequenos corpos e cansados despem-se,
despem roupas, sapatos, conveniências
à pequenina luz que afaga as coisas.

Estão nus, lado a lado, sobre o leito
e se entrelaçam para desafogo
de raivas, lutas, ilusões, sentidos.

Talvez não saibam
por que assim se prendem,
Já cantam sino pelo novo filho!

II

Entre o campo de neve a vida fende-se
barbaramente, para dar passagem
à colheita que vem sem estações:
bicho da terra que se chama homem.

Nove meses guardado e construído
com silêncio, carne, sangue e esperança,
ei-lo que rasga o ovo e se apresenta
disforme, placentário, precioso.

Ela está como o campo após a ceifa.
De seus peitos já mana o claro líquido
onde a vida se côa como um filtro.

Olha o pequeno corpo que se deita
a seu lado, entre o sonho e a realidade,
e, brandamente, diz apenas: - Filho!

III

Infância triste, tempo de castigos
e doces ilusões mas sem brinquedo
que teus olhos encontram nas vitrines
e tua débil mão jamais alcança.

Porém o corpo vai rompendo elástico
pesar do tempo amargo em que floriste.
Teus olhos já se pousam sobre a vida
embora ignorando-lhe a inocência.

Assim, surgindo vens dos alimentos,
cuidados e remédios e o alicerce
da sapiência que são letra e número.

Assim te formas resumido corpo
que será de homem e continuará
brincando em nova trágica maneira.

IV

Resides entre o sonho e coisas ásperas,
a confusão do trágico e a rosa,
a escola, o emprego, o livro clandestino,
a refeição modesta, o sono limitado.

Teu corpo é apenas máquina de sexo
e coração: toda a razão de ser
está na amada, amada inconsistente:
olhos, cabelos, seios, agressivos

somente, mas tu a colocas lá
bem no centro do mundo e lhe declamas
baladas, vossos corpos se aproximam.

Entre comícios, agressões, revoltas,
pressa, atenção, estudo, devaneio,
estás defronte ao mundo e interrogas.

V

A resposta és tu mesmo: corpo de homem,
o sentimento e pensamento de homem,
passo seguro de homem, ombros de homem,
boca, face, palavra e gestos de homem.

O que sabes do mundo! Gestos mágicos
te multiplicam ao calor dos corpos.
Uma coragem funda, o olhar sábio,
avanças com o tempo e o constróis.

A noite existe – não a das carícias,
de sono leve, corpos repousando –
noite pesando sobre cada coisa.

Avanças bloqueado pela Noite
(há muitos, muitos corpos avançando)
e teus passos vão dar na madrugada.

VI

És fogo que se apaga lentamente.
Folhas que vão tombando despem a árvore.
Árvore a quem a seiva foi faltando,
tua missão se acaba e envelheces.

Teus olhos já cansados de aprender
formas, gestos e a grande cor do mundo.
Tua boca já cansada de alimentos,
de beijos, de palavras, de protesto.

Outros vêm substituir tua coragem
com novos braços para a mesma luta,
e passos fortes para o mesmo fim.

Tua hora vem chegando necessária.
O corpo se dissipa. Tua passagem
não terá vermes para devorá-la.
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CONCLUSÃO PARA CONSOLO

Bicho da terra estás apenas morto.
Já a terra de que és bicho te recobre
e uma pequena flor acena, leve,
um pequenino adeus sobre teu túmulo.

Tua mulher jamais esquecerá
tua sólida figura. Nem teus filhos
que em si a reproduzem e prosseguem
tua presença em gestos e palavras.

O tempo que rompeu teu rude corpo
como inverno passando sobre o campo,
não cortou a semente indispensável.

Ele mesmo será propício à nova
árvore forte que sustem o mundo
e reverdece o chão da vida mágica.
Lamentação do quase ex-príncipe

Menino sou do tempo que se acaba
e, consequentemente, sou aquele
para quem tudo que de novo venha
recorda o anterior que mais amava.

Sou filho do ruído das palavras
de que abusava para, sem sentido,
me ver de cores vivas revestido.
Não ter lugar real facilitava

o meu estar entre diversas forças,
neutro. Menos a idéia que o proveito
exerci. Filho do tempo e inculpável,

sempre exaltei gratuitas circunstâncias.
Não sei se me defendo, se me odeio,
se iludo o meu saber-me e odiar-me.
============================

PAISAGEM

Eis aqui um cão
e defronte um homem:
ambos o pão
da fome comem.
Olha o cão a vida
triste das pedras
(coitado do cão
que não pasta ervas)
e por fim já morde
o osso das trevas.

Olha a vida o homem
com saudade amarga.
Os olhos do homem
já não olham nada.
Só, em seus ouvidos
de carne fanada,
teimam os latidos
da morte e do nada.
=============================

A MESA

A mesa tem somente o que precisa
para estar, circundada de cadeiras,
fazendo parte da vida familiar
entre alimentos, flores e conversa.

Escura mesa gravemente muda
que, parecendo alheia a quanto a cerca,
encerra no silêncio toda a ciência
da idade desdobrando gerações.

olho de cerne, comovido e frio!
indiferente coração parado
entre o grito infantil e o olhar cansado.

Mistério de madeira rodeado
por cadeiras, lembranças, utensílios,
e um leve odor de tempo alimentício.
=======================

ORDEM DO DIA

Há que remover a neve desta folha de papel!

Breve escutaremos o motor dos sentimentos
enchendo a manhã com sua algazarra. Eis a máquina se
movimentando! Da esquerda para a direita vão surgindo
os sulcos onde caem as sementes
da Emoção.

Na vasta planície
desvirginada
germina já o pólen da lírica.

Um vento de humana condição
(oh arte, coisa social!) faz voar até tuas mãos
esta lavoura mental.
Como bom descendente de um povo de camponeses
medes o rigor da semeadura,
sonhas as chuvas na raiz, o futuro pão...
Pão sonoro!

De repente,
as aves da poesia, que se alimentavam no campo semeado, rompem vôo para o céu de tua inteligência
e desfecham seu canto
maravilhoso contra tua surpresa.

Teu coração é a corda do violino!
Eis a geração do poema:
sua mecânica, seu plantio,
sua colheita.
Estás diante de uma safra eterna!
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O HOMEM EM PELE E OSSO

A pele é superfície,
os ossos são entranha.
A pele é o que se vê,
os ossos o que escapa.
A pele é uma casca,
os ossos uma safra.
A pele é entrega,
o osso é arma.
A pele é palma,
o osso é clava.
A pele é a pintura,
os ossos são a casa.
A pele é o acidente,
o osso o permanente.
A pele são as nuvens,
os ossos são a água.
A pele são os musgos,
os ossos são as montanhas.
A pele é o agora,
os ossos são milênios.
A pele é um orvalho,
os ossos são invernos.
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ROMANCEIRO DA CIDADE DE SÃO LUÍS

Pré-história

Na solidão do chão sem tempo
há uma ilha de expectativa,
entre dois rios, como braços,
suavemente recolhida.
Verdes copas e o vento nelas
e os cachos das frutas nativas
e as alvas coxas de suas praias
ao sol do trópico estendidas.

Vizinho o mar com sua espuma,
seu horizonte imaculado,
com sua raiva e sua ânsia,
com seu verde pulmão salgado,
misturando sua maresia
com o acre cheio do mato.
Vizinho o mar com seu mistério
e o além por ser desvendado.

o mar de onde, por milênios,
tudo que vem é rumor longo,
surdo ou cavo, manso ou severo,
cantochão grave, som redondo

contra pedras, conchas, areias,
interminável apelo em som do
horizonte que não revela
o mistério profundo e abscôndito.
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IMAGEM

Vista do mar, a cidade,
subindo suas ladeiras,
parece humilde presépio
levantado por mãos puras:
nimbada de claridade,
ponteia velhos telhados
com as torres das igrejas
e altas copas de palmeiras.
Seus dois rios, como braços
cingem-lhe a doce figura.

Sobre a paz de sua imagem
flui a música do tempo,
cresce o musgo dos telhados
e a umidade das paredes
escorre pelos sobrados
o amargo sal dos invernos.
Tudo é doce e até parece
que vemos só o animado
contorno de iluminura
e não a realidade:
vista do mar, a cidade
parece humilde presépio
levantado por mãos puras
e em sua simplicidade
esconde glórias passadas,
sonha grandezas futuras.
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POEMA

Um cão ladrou
na noite obscura
tremores frios
de inanição
A mulher magra
esperou cansada
que a carne exausta
fosse chamariz
Poucos sexos jovens
se investigaram
muitos não conseguiram
fugir à frustração
Alguns descansaram
outros se diluíram
o caixote de lixo
esperou esperou
]Depois rompeu
a madrugada.
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SONETO DO VIETNÃ

A bomba de napalm está fritando
a carne espedaçada no sudoeste.
Relincham os canhões e aves uivando
sobrevoam os pântanos da peste.

A morte cultivada, amontoando
vai cadáveres bons para a manchete:
é a vida, a leste e a oeste prosperando
no negócio da morte que floresce.

E quantos mais prodígios desabrocham,
quando o século atinge o último quarto
na véspera intranquila desse parto

do futuro obscuro, a que se imolam
a puta de Saigon, amarga e nua,
e o astronauta pisando o chão da lua!
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CONSUMO & DOR (fragmentos)

Como é bela
a favela
Azul e amarela;
que ruído
colorido
da bala no ouvido;
que floração
de gozo-ação
na prostituição;
que doçura
na cobertura
de jornal em noite pura;
que inaudita
arquitetura
da palafita;
que aconchego
de sossego
do desemprego;
como consola
a esmola...!

Quem é este pobre
animal que pasta
apenas angústia
e paz recusada?
Quem é este pobre
bicho cuja erva
que rói é um veneno
em que se alimenta?
Quem é este ser
já tão diferente
de quanto seria
se fosse existente

Ó pergunta vã
que ninguém responde:

é o filho da manhã
padecendo a noite,

é a vida florindo
sua própria morte.
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OS TELHADOS

Sobre este campo vermelho
que o tempo pasta,
o passado é lento rebanho
retouçando nuvens brancas.

Andorinhas seculares
ondeiam no verão supremo
e o musgo denuncia aos ares
que o tempo se fez eterno

Torna viagem

Parasse o rio onde foi fonte,
ficasse a fonte onde foi nuvem,
voltasse o mar onde foi rio
para que o rio fosse chuva...

Assim esta rosa de outono
que já vai sendo minha vida,
seria folha, caule, seiva
e raiz da infância perdida!
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INEVITÁVEL

Insaciavelmente ela te espera
carnívora em seu furor uterino.
Movida pela fome de pantera
vigia teus descuidos de menino.

De numerosas tramas tece a espera
e os becos sem saída do destino
e em seu macio pêlo esconde a fera,
a fúria, o enredo e o negro desatino.

Sempre atenta te espreita desarmado,
pronta a te desferir garra ferina
para sorver-te a vida àquela hora

insuspeita, fatal e inevitada.
Pois, se lhe foges, ela te fascina
E, se te entregas, ela te devora.
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A PORTA ESTREITA

Entre estar vivo e a morte
um interstício apenas, porém se
do próprio sono limitado ao permanente
é tão profundo o limiar de incógnita!

Como saber no emaranhado
de voz, silêncio, gesto e rigidez,
o tempo inicial da irreversível
ausência e o derradeiro arfar do peito?

Como saber onde começa o adeus,
onde parou o olhar, onde os ouvidos
desceram véus imateriais ou quando

os sentidos, ornados de indiferença,
caminham já na outra margem frios
a este rumor de vida que não cessa?
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