quinta-feira, 2 de abril de 2009

Plágio em Concursos (Dúvidas)



1 - Se numa trova ou numa poesia eu colocar uma das estrofes "o poeta é um fingidor" (que é de conhecimento geral ser do Fernando Pessoa), mas todo o resto for diferente, pode ser considerado como um plágio? Ou perdem seu direito a participar de um concurso?

R= Não tem como implicar com uma trova porque tem um verso igual ao verso de outra. No entanto, em um concurso, os julgadores poderão desconsiderar a mesma, caso este verso seja extremamente conhecido, como o de Fernando Pessoa.

2 - Se as estrofes forem formadas de gente conhecida, mas cada uma de um outro autor. Exemplo: 1ª. Estrofe é do Castro Alves, a 2ª. Do Manuel Bandeira, a 3ª. Do Cláudio Manoel da Costa a 4ª. Do Ouverney, e assim por diante. Isto é considerado plágio?

R= Este caso se aplica ao exemplo anterior. Versos do conhecimento geral não tem como "assumirmos a paternidade" em um concurso.

3 - Se eu participar com uma trova em um concurso e nem me classificar com ela e quiser envia-la para outro, posso ou não é permitido isto, pois de repente os julgadores podem ser deste e lembrar desta trova?

Pode. Em Pouso Alegre, no ano 2000, Waldir Neves foi 1º lugar no tema "Noite:

Cai a noite ... Seu negrume,
mercê de um mistério estranho,
faz de um ínfimo queixume
um lamento sem tamanho ...

Quando eu o parabenizei pela belíssima trova (muito bem elaborada), ele me disse que ela havia sido enviada, anos atrás, para Friburgo e não pegou nada lá. O julgador poderá até lembrar-se dela mas o que vale é não ter sido publicada em lugar nenhum, ser inédita em termos de divulgação.

4 – Se eu haver divulgado uma trova na Internet, posso participar de concurso com ela, ou por estar ao publico perde direito?

R= Se ela está divulgada, deixou de ser inédita. Já vi casos, até recentes (em que o autor arrisca pois, afinal, pouca gente o acessou na Internet. Manda para o concurso e ganha. Eu, particularmente, acho mais grave o autor premiar com uma trova já premiada. O que também ocorre. Veja o exemplo abaixo:
http://www.falandodetrova.com.br/2008/miltonloureiro

5 - Até quanto de uma trova ou poesia é considerado plágio?

Exemplo:
Naqueles tempos de antanho,
De escribas e fariseus,
Conheci um homem tacanho,
Que consertava pneus.

As duas primeiras é do Durval Mendonça (o restante seria: Um homem do meu tamanho/ tinha o tamanho de Deus) e as 2 ultimas muito mal feitas (horrorosas) (só como exemplo), são minhas. É plágio isto?

São dois versos extremamente conhecidos, seriam caracterizados como plágio. Acho que não é bem o tamanho do que se copiou mas é quando se atinge a parte chamada "achado", o diferencial da composição. Conheço trovas que têm até três versos parecidos, mas são tão comuns que todo dia tem alguém escrevendo algo igual, ou quase.

6 – Reforçando, até quanto de uma trova ou poesia é plágio?

R= Acho que foi respondido no item anterior. Nesse caso agora, que deu polêmica, uma trova, premiada em 1992, foi:

Ontem rompemos os laços
e a saudade, por magia,
me faz ouvir os teus passos
por toda a casa vazia!...

E a outra, premiada, em 2006 (autores diferentes) foi:

Ontem rompemos os laços...
Numa utópica magia,
a saudade pôs teus passos
por toda a casa vazia...

Pedro Du Bois (Funções)

Nascer
crescer e se transformar
longe dos olhos

desaparecer como quem
se oferece ao esquecimento

lembrar exige repetir
o esforço de manter
os olhos sobre o instante

repetir o momento decomposto
em funções momentâneas.
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Fonte:
Colaboração do Autor

Estação Cultura em Canoas/RS (Projetos)


Projetos sob a Coordenação de Neida Rocha

1) 2ª TERÇA-FEIRA do mês:

SARAU

Com a apresentação do Gilson Goulart e com a presença de um convidado.
Sempre com uma temática diferente.

Inicio: dia 14/4.

A convidada será Maria dos Santos Rigo - Presidente da Casa do Poeta de Canoas.

2) Última SEGUNDA-FEIRA do mês:

CINETERAPIA.

Filme e depois um debate sobre as mensagens do filme, com a mediação de um Psiquiatra.

Fonte:
Colaboração de Neida Rocha.

Francisco Sinke Pimpão (Lançamento do Livro “O dia em que a Muiraquitã virou gente”)


O livro conta a história de João Batista Souza Lino Sotto Maior, filho de imigrantes portugueses estabelecidos no Brasil em fins do século XIX, tradicional família ligada ao ramo da tecelagem. Inteligente, bem educado e culto, João decide ser médico a tomar a frente dos negócios da família. A princípio contrariado, seu pai vê com orgulho o sucesso e o reconhecimento do filho, no Brasil e no exterior, como um grande cirurgião. Uma tragédia pessoal vai mudar de maneira drástica o destino desse homem apaixonado pela vida e pela profissão. Abandonando tudo que construíra e deixando de lado tudo aquilo em que acreditava, João vai se embrenhar e buscar refúgio nos confins da Amazônia, muito distante daquilo que comumente chamamos civilização. É nesse cenário, povoado por lendas e histórias que o povo da região ribeirinha acredita que João vai viver sua maior aventura. Da resistência ao passado, que o transformara num homem rude e cético, ao reencontro com a vida e com o amor, João verá, mais uma vez , seu destino ser mudado pela presença de uma mulher; menina-moça inocente e pura, que irá confrontá-lo com suas dores, pecados e mazelas.

A Editora
A Pró-Infanti Editora, de Curitiba, possui uma linha editorial voltada às questões mais polêmicas do nosso tempo. Com textos instigantes e com autores arrojados, a editora está tratando questões que até então pareciam já esgotadas, por terem sempre o mesmo foco e serem discutidas na mesma perspectiva, de uma forma inovadora e impar. A Editora pretende contribuir para o desenvolvimento do pensamento contemporâneo brasileiro motivando a mudança de foco. Nesta esteira, um dos autores que mais nos chama atenção é justamente este que agora lança seu livro por nosso selo: Francisco Sinke Pimpão.

O Autor
Francisco Sinke Pimpão
Francisco José Sinke Pimpão, nascido em Curitiba no ano de 1953, é Bacharel em Administração e sócio de uma empresa de consultoria. Nos últimos anos tem-se dedicado ao estudo e aplicabilidade da Gestão de Processos nas Organizações, fruto de 27 anos de atuação no mercado. Com pós-graduação em Marketing e tendo concluído diversos cursos no Brasil e exterior, escreveu diversos artigos publicados em livros e revistas especializadas. Atualmente é redator e coordenado de web sites.

Contatos
Francisco Sinke Pimpão
pimpaofjs@uol.com.br

Amir J. Pidluznyj
Assessor de Comunicação
sacproinfanti@bol.com.br
www.proinfantieditora.com.br

PRÓ-INFANTI EDITORA
Rua Francisco de Paula Guimarães, 234 CEP 80 540 - 040
Bairro - Ahú Curitiba - Paraná
Tel. (41) 30770606
www.proinfantieditora.com.br

Fonte:
Colaboração de Valter Martins de Toledo

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Dia Internacional do Livro Infantil - 2 de Abril



A literatura infantil surgiu no século XVII, no intuito de educar as crianças moralmente.

Em homenagem ao escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, foi criado o dia internacional do livro infantil, que é comemorado na data de seu nascimento; em virtude das inúmeras histórias criadas por ele.

Dentre as mais conhecidas mundialmente estão “O Patinho Feio”, “O Soldadinho de Chumbo”, “A Pequena Sereia” e “As Roupas Novas do Imperador”.

A data é conhecida e comemorada mundialmente, em mais de sessenta países, como forma de incentivar e despertar nas crianças o gosto pela leitura.

Tanto os clássicos da literatura infantil quanto os livros somente ilustrados, proporcionaram o desenvolvimento do imaginário das crianças, bem como o aspecto cognitivo, desenvolvendo seu aprendizado em várias áreas da vida.

As histórias reportam valores morais e éticos, que levam o sujeito a repensar suas atitudes do cotidiano, numa reflexão que pode modificar sua ação, tornando-a melhor enquanto pessoa.

Segundo Umberto Eco – escritor, filósofo e linguista italiano – a literatura infantil traz sentido aos fatos que acontecem na vida, envolvendo as crianças. Dessa forma, "qualquer passeio pelos mundos ficcionais tem a mesma função de um brinquedo infantil.

As crianças brincam com a boneca, cavalinho de madeira ou pipa a fim de se familiarizar com as leis físicas do universo e com os atos que realizarão um dia".

Todos os anos a Internacional Board on Books for Young People, oferece o troféu “Hans Christian”, como sendo o prêmio Nobel desse gênero, algumas escritoras brasileiras já foram homenageadas, como Lygia Bojunga, no ano de 1982, e Ana Maria Machado, em 2000.

Fontes:
Jussara de Barros. Revista Brasil Escola. Disponível em http://www.brasilescola.com/datacomemorativas/dia-internacional-do-livro-infantil.htm
Imagem = http://substante.blogspot.com/

Hans Christian Andersen (1805 – 1875)



Hans Christian Andersen (Odense, 2 de Abril de 1805 — Copenhague, 4 de Agosto de 1875) foi um poeta e escritor dinamarquês de histórias infantis. O pai era sapateiro, o que levou Andersen a ter dificuldades para se educar, mas os seus ensaios poéticos e o conto "Criança Moribunda" garantiram-lhe um lugar no Instituto de Copenhague. Escreveu peças de teatro, canções patrióticas, contos, histórias, e, principalmente, contos de fadas, pelos quais é mundialmente conhecido.

Sua maior obra foram os contos de fadas (Eventyr og Historier, ou Histórias e Aventuras) que publicou de 1835 à 1872), onde o humor nórdico se alia a uma bonomia sorridente, e onde usa simultaneamente a base constituída por contos populares e uma ironia dirigida aos contemporâneos.

Vida, história e literatura

Hans Christian Andersen nasceu no seio de uma família dinamarquesa muito pobre. O seu pai era um sapateiro de vinte e dois anos, instruído mas de saúde fraca, e de uma lavadeira vários anos mais velha. Toda a família vivia e dormia num único quarto. O pai adorava o seu filho a quem fomentou a imaginação e a criatividade, deixando-o aprender a ler, contando-lhe histórias e, mesmo, fabricando-lhe um teatrinho de marionetas. Hans apresentava no seu teatro peças clássicas, tendo chegado a memorizar muitas peças de Shakespeare, que encenava com seus brinquedos.

A infância pobre deu a Andersen a chance de conhecer os contrastes de sua sociedade, o que influenciou bastante as histórias infantis e adultas que viria a escrever.

Em 1816, seu pai morreu e ele, com apenas onze anos de idade, foi obrigado a abandonar a escola.

Andersen nasceu e viveu numa época em que a Dinamarca regressava ao nacionalismo ancorado em valores ancestrais. De certa forma graças à sua infância pobre, Andersen teve a chance de conhecer os contrastes da sua sociedade, o que influenciou bastante as histórias infantis e adultas que viria a escrever quando mais velho.

Aos catorze anos, em 1819, Andersen saiu de casa e foi para Copenhague, uma grande cidade e capital da Dinamarca, com o objetivo de se tornar um cantor de ópera. Em Copenhague as suas atitudes diferentes, depressa o isolaram como um lunático. Apesar da sua voz lhe ter falhado, foi admitido no Teatro Real pelo seu diretor, Jonas Collin, de quem se tinha aproximado e que seria seu amigo para o resto da vida. Andersen trabalhou no teatro como ator e bailarino, para além de escrever algumas peças.

O rei Frederico IV interessou-se por tão estranho rapaz e enviou-o para a escola de Slagelse. Apesar da sua aversão aos estudos, Andersen permaneceu em Slagelse e Elsinor até 1827, embora tenha confessado mais tarde que estes foram os anos mais escuros e amargos da sua vida. Durante esse período, Collin financiou os seus estudos.

Em 1828, foi admitido na Universidade de Copenhague. Em 1829, quando os seus amigos já consideravam que nada de bom resultaria da sua excentricidade, obteve considerável sucesso com Um passeio desde o canal de Holmen até à ponta leste da ilha de Amager, e acabou por alcançar reconhecimento internacional em 1835, quando lançou o romance O Improvisador, na sequência de viagens que o tinham levado a Roma, depois de passar por vários países da Europa.

Contudo, apesar de ter escrito diversos romances adultos, livros de poesia e relatos de viagens, foram os contos de fadas que tornaram Hans Christian Andersen famoso. Especialmente pelo fato de que, até então, eram muito raros livros voltados especificamente para crianças.

Ele foi, segundo estudiosos, a "primeira voz autenticamente romântica a contar histórias para as crianças" e buscava sempre passar padrões de comportamento que deveriam ser adotados pela nova sociedade que se organizava, inclusive apontando os confrontos entre "poderosos" e "desprotegidos", "fortes" e "fracos", "exploradores" e "explorados". Ele também pretendia demonstrar a idéia de que todos os homens deveriam ter direitos iguais.

Entre 1835 e 1842, Andersen lançou seis volumes de Contos, livros com histórias infantis traduzidos para diversos idiomas. Ele continuou escrevendo seus contos infantis até 1872, chegando à marca de 156 histórias. No começo, escrevia contos baseados na tradição popular, especialmente no que ele ouvia durante a infância, mas depois desenvolveu histórias no mundo das fadas ou que traziam elementos da natureza.

Em suas histórias Andersen buscava sempre passar padrões de comportamento que deveriam ser adotados pela sociedade, mostrando inclusive os confrontos entre poderosos e desprotegidos, fortes e fracos. Ele buscava demonstrar que todos os homens deveriam ter direitos iguais.


No final de 1872, Andersen ficou gravemente ferido ao cair da sua própria cama, e permaneceu com a saúde abalada até 4 de agosto de 1875, quando faleceu, em Copenhague, onde foi enterrado.

Entre os títulos mais divulgados da obra de Andersen encontram-se: "O patinho feio", "O soldadinho de chumbo", "A roupa nova do Imperador", "A pequena sereia" e "A Menina dos Fósforos". São textos que fazem parte do imaginário da maioria das crianças do mundo desde sua publicação até a atualidade, tendo sido adaptados para o cinema, o teatro, a televisão, o desenho animado, etc.

Importância atual

Graças à sua contribuição para a literatura infanto-juvenil, a data de seu nascimento, 2 de abril, é hoje o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil. Além disso, o mais importante prêmio internacional do gênero, o Prêmio Hans Christian Andersen, tem seu nome.

Anualmente, a International Board on Books for Young People (IBBY) oferece a Medalha Hans Christian Andersen para os maiores nomes da literatura infanto-juvenil. A primeira representante brasileira a ganhá-la foi Lygia Bojunga, em 1982.

Foi feito um filme no qual foi romanceada a história de Hans, mesclando trechos de seus contos com sua vida, cujo título no Brasil foi A vida num conto de fadas (no original em inglês, Hans Christian Andersen: My Life as a Fairy Tale).

Fontes:
http://pt.wikipedia.org
http://educacao.uol.com.br/

Hans Christian Andersen (A Roupa Nova do Imperador)



Há muitos e muitos anos havia um Imperador tão apaixonado pelas roupas novas, que gastava com elas todo o seu tesouro. Pouco se incomodava com seus soldados, com o teatro, com o lazer, com o povo, com a saúde de seus súditos, contanto que pudesse desfilar seus trajes, um diferente para cada hora do dia.

Sua vaidade era tão famosa que ao invés, das pessoas procurá-lo em seu gabinete despachando com seus ministros, iam direto procurá-lo para seu quarto de vestir, pois sabiam: “ O Imperador está se vestindo”.

Em seu país, a vida era muito alegre; todos os dias chegavam multidões de forasteiros para conhecer as maravilhas da natureza, e, entre eles, certa ocasião chegou dois vigaristas. Fingiram-se de tecelões, dizendo-se capazes de tecer os tecidos mais maravilhosos do mundo.

E não somente as cores e os desenhos eram magníficos, como também os trajes que se faziam com aqueles tecidos, os quais possuíam a qualidade especial de serem invisíveis para qualquer pessoa comum ou pessoas tolas e presunçosas que não tivessem as qualidades necessárias para desempenhar suas funções.

- Devem ser trajes magníficos - pensou o Imperador. - E se eu vestisse um deles, poderia descobrir todos aqueles que em meu reino carecessem das qualidades necessárias para desempenhar seus cargos. E também poderei distinguir os tolos dos inteligentes. Sim, estou decidido a mandar tecer uma roupa para mim, a qual me servirá para tais descobertas.

Entregou a um dos tecelões uma grande quantia como adiantamento, a fim de que os dois pudessem começar imediatamente com o trabalho.

Os dois vigaristas prepararam os teares e fingiram entregar-se ao trabalho de tecer, mas o certo é que no mesmo não havia nenhum fio nas lançadeiras. Antes de começar pediram o material mais requintado: a melhor e mais fina seda e fios de ouro da maior pureza e guardaram tudo em seus alforjes e depois começaram fingir que estavam trabalhando na roupa do Imperador.

- Gostaria de saber como vai o trabalho dos tecelões - pensou um dia o bondoso Imperador. Mas para não sentir-se bobo diante das pessoas do reino, porque não conseguir ver o tal tecido invisível resolveu enviar o seu fiel Primeiro Ministro para inspecionar o trabalho dos tecelões.

Porém, este lá chegando nada conseguiu enxergar porque não havia nada para ver.

- Deus me proteja! - pensou o ancião, abrindo os braços e os olhos. - Mas se eu não vejo nada! No entanto, evitou dizê-lo para não passar por tolo.

Os dois vigaristas pediram-lhe que fizesse o favor de aproximar-se um pouco mais e rogaram-lhe que desse a sua opinião a respeito do desenho e do colorido do tecido. Mostraram o tear vazio e o pobre ministro, por mais que se esforçasse para ver, não conseguia enxergar coisa alguma, porque não havia nada para ver.

- Deus meu! - pensava. - Será, possível que eu seja tão tolo assim? Nunca me pareceu e é preciso que ninguém o saiba. Talvez eu não esteja capacitado a desempenhar a função que ocupo.

0 melhor será fingir que estou vendo o tecido.

-Não quer dar a sua opinião, senhor? - perguntou um dos falsos tecelões.
E’ muito lindo! Faz um efeito encantador - exclamou o velho ministro, fitando através de seus óculos. - 0 que mais me agrada são o desenho e as maravilhosas cores que o compõem.

Asseguro-lhes que direi ao Imperador o quanto gosto de seu trabalho, muito bem aplicado e... Lindíssimo.

- Ficamos muito honrados em ouvir tais palavras de vossos lábios, senhor ministro - replicaram os tecelões.

A seguir os dois vigaristas pediram mais dinheiro, mais seda e mais fio de ouro, para que pudessem prosseguir com o trabalho. Porém, assim que receberam o solicitado, guardaram-no como antes. Nem um só fio foi colocado no tear, embora eles fingissem continuar trabalhando apressadamente.

O tempo passou, o Imperador ficou impaciente para vestir a roupa nova que estava demorando muito a ficar pronta, e então, resolveu enviar outro ministro para ver o progresso do trabalho dos falsos tecelões.

Porém, aconteceu a mesma coisa, isto é, o ministro enviado mirou e remirou o tear vazio, sem ver tecido algum.

- Não acha que é uma fazenda maravilhosa? - perguntaram os vigaristas mostrando e explicando um desenho imaginário e um colorido não menos fantástico, que ninguém conseguia ver.

O enviado do Imperador agiu tal qual o primeiro, não quis passar por bobo e fingiu ver o lindo e maravilhoso trabalho dos tecelões.

Mas o tecido não ficava pronto, demorava bastante e o Imperador achou que devia ir conferir o trabalho pessoalmente, enquanto ainda estivesse no tear.

E assim, acompanhado por um escolhido grupo de cortesãos, entre os quais, o ministro que havia fingido ver o tecido foi fazer uma visita aos falsos tecelões, que com o maior cuidado trabalhavam no tear vazio, em meio à maior seriedade.

- E’ magnífico! - exclamaram todos. - Que cores maravilhosas! E apontavam para o tear vazio, pois não tinham dúvidas de que as outras pessoas viam o tecido.

- Mas o que é isto? - pensou o Imperador. - Não estou vendo nada! Isso é terrível! Serei um tolo? Não terei capacidade para ser Imperador? Certamente não poderia acontecer-me nada pior.
- E’ realmente uma beleza! - exclamou logo depois. - 0 tecido merece a minha melhor aprovação.
Manifestou a sua aprovação por meio de alguns gestos, enquanto olhava para o tear vazio. Todos os outros cortesãos olhavam por sua vez. Mas não viam nada. Porém, como nenhum queria dar parte de tolo ou de incapaz, fizeram coro com as palavras de Sua Majestade.

- E’ uma beleza! - exclamaram em coro.

E aconselharam o Imperador que mandasse fazer uma roupa com aquele tecido maravilhoso, a fim de estreá-la numa grande procissão que devia realizar-se daí a alguns dias.
Os elogios corriam de boca em boca e todos estavam entusiasmados. E o Imperador condecorou os dois vigaristas com a ordem dos cavaleiros, cuja insígnia poderia usar e concedeu-lhes o título de “Cavaleiros Tecelões”.

Finalmente no dia da grande festa, os tecelões fingiram tirar a fazenda do tear, cortaram-na com tesouras enormes e costuraram-na com agulhas sem linha de espécie alguma. Finalmente disseram:

- Já está pronto o traje de Sua Majestade.

E o Imperador tirou a roupa que vestia e vestiu a roupa nova com a ajuda dos tecelões...

- ótimo. Já estou pronto - disse o Imperador. - Acham que esta roupa me assenta bem?

- Que bem assenta este traje em Sua Majestade. Como está elegante. Que desenho e que colorido! É uma roupa magnífica!

E novamente mirou-se no espelho, a fim de fingir que se admirava vestido com a roupa nova. Ninguém via a roupa, mas também não se atreviam a dizer que não viam coisa alguma.

Ao desfilar por entre seus súditos, diante de toda multidão que acompanhava a procissão, ouvia os comentários seguidos:

- Como está bem vestido o Imperador! Que cauda magnífica! A roupa assenta nele como uma luva!

Porém, um garoto que grita em voz alta em meio do povo:

- Ih! Olha lá, o Imperador ta pelado! Olha o bumbum dele! Ta peladinho, peladinho. -exclamou então um menino.

- Ouçam! Ouçam o que diz esta criança inocente! -observou seu pai aos que o rodeavam.

Imediatamente todo mundo resolveu se pronunciar.

- 0 Imperador está sem roupa! - começou a gritar o povo.

0 Imperador fez um trejeito, pois sabia que era verdade, mas pensou:

- A procissão tem de continuar. E assim, continuou mais impassível que nunca e os seus súditos continuaram segurando a sua cauda invisível...

Fonte:
http://virtualbooks.com.br

Hans Christian Andersen (O Rouxinol e o Imperador)



A inspiração para o conto "O rouxinol do imperador" surgiu de um fato real. Conta-se que um homem muito importante na Suécia estava muito doente e pediu como ultima vontade que a cantora Jenny Lind fosse cantar para ele. Ela era uma cantora sueca muito famosa na época e era conhecida como "O rouxinol". Dizem que era tão belo o seu canto que o homem depois de ouví-la melhorou muito, recuperando-se.

A partir dessa história Andersen escreveu este conto. Andersen conheceu Jenny Lind e se apaixonou por ela, mas não foi correspondido. Trata-se de um belo e comovente conto que fala sobre a beleza da arte e da música e também da amizade e do sentimento.

O ROUXINOL E O IMPERADOR

Sabem com certeza que na China o imperador é chinês e que todas as outras pessoas são chinesas também. Esta história aconteceu há muitos anos, mas é precisamente por isso que devem ouvi-la agora, antes que seja esquecida.

O palácio do imperador era o melhor do Mundo, todo ele construído da mais rara porcelana — não tinha preço, mas era tão frágil e delicado que era preciso tomar todo o cuidado quando se andava lá dentro. O jardim do palácio estava coberto de flores maravilhosas, nunca vistas em outro lado; as mais bonitas de todas tinham sininhos de prata, que tocavam para se saber sempre que passava alguém.

Sim, tudo no jardim do imperador tinha sido muito bem planeado, e ele estendia-se até tão longe que nem o jardineiro fazia a menor ideia onde acabava. Se se fosse sempre andando chegava-se a uma bela floresta com árvores muito altas e lagos muito fundos. A floresta ia até ao mar, que era azul e também muito fundo; grandes navios podiam navegar mesmo por baixo dos ramos das árvores. Nesses ramos vivia um rouxinol que cantava tão bem que até o pobre pescador, com todas as suas dificuldades, parava de deitar as redes todas as noites para o ouvir.

— Ah, que maravilha! — dizia ele.

Mas depois tinha de continuar a trabalhar e esquecia-se da ave. Contudo, na noite seguinte, assim que o rouxinol tornava a cantar, o pescador erguia os olhos das redes e dizia mais uma vez:

— Ah, que maravilha!

Vinham viajantes de todos os países do Mundo para admirar a cidade, o palácio e os jardins do imperador. Mas, assim que ouviam o rouxinol, todos diziam:

— Isto é o melhor de tudo!

E, quando voltavam aos seus países, continuavam a falar da ave. Sábios escreveram livros sobre a cidade e o palácio, mas o rouxinol era elogiado mais do que todas as outras maravilhas, e poetas escreveram emocionantes poemas sobre a ave da floresta perto do mar.

Estes livros eram lidos em todo o mundo, e, um dia, alguns deles chegaram às mãos do imperador. Lá ficou ele, sentado na sua cadeira dourada, a ler sem parar; de vez em quando acenava com a cabeça. Estava contente com as esplêndidas descrições do seu reino. Então, chegou à frase: "Mas, apesar de todas estas maravilhas, nada se compara ao rouxinol."

— Que é isto?! — exclamou o imperador. — O rouxinol? Nunca ouvi falar dele. Imaginem! As coisas que aprendemos nos livros!

Então mandou chamar o camareiro.

— Vi aqui neste livro que temos uma ave admirável chamada rouxinol — disse o imperador. — Parece que é a melhor coisa do meu vasto império. Por que é que ninguém me falou dele?

— Bem — respondeu o camareiro —, nunca ouvi ninguém falar nessa criatura. De certeza que nunca foi apresentada na corte.

— Quero que venha aqui esta noite cantar para mim — disse o imperador. — É uma vergonha que toda a gente saiba o que possuo e eu não!

— Nunca ouvi falar nele — repetiu o camareiro —, mas vou procurá-lo e hei-de encontrá-lo!

Sim, mas onde? O camareiro subiu e desceu todas as escadas, andou por todos os salões e corredores, mas, de todas as pessoas que encontrou, nenhuma tinha ouvido falar do rouxinol. Voltou apressado à presença do imperador e disse-lhe que aquilo devia ser uma história inventada pelos escritores.

— Vossa Majestade Imperial não deve acreditar em tudo o que aparece escrito. As coisas que os autores inventam! É mesmo magia negra!

— Mas o livro onde eu soube da ave — afirmou o imperador — foi-me enviado pelo poderoso imperador do Japão, portanto não pode ser mentira! Quero ouvir o rouxinol! Quero ouvi-lo esta noite.

— Tsing-pe! — respondeu o camareiro.

E lá foi ele outra vez escada abaixo e escada acima, por todos os salões e corredores; metade da corte andava a correr atrás dele. Por fim, encontraram uma pobre rapariguinha na cozinha.

— O rouxinol? — perguntou ela. — Meu Deus! Claro que sei! Que bem que ele canta! A maior parte das noites deixam-me levar para casa alguns restos de comida para a minha mãe, que está doente. Vivemos perto do lago, do outro lado da floresta. E quando volto para o palácio, cansada, sento-me um bocadinho e fico a ouvi-lo cantar.

— Rapariguinha! — exclamou o camareiro —, ofereço-te um lugar permanente na cozinha e dou-te licença para veres o imperador a jantar se nos levares até ao rouxinol. A sua presença é exigida esta noite na corte.

Então, partiram em direcção à floresta onde o rouxinol costumava cantar; mais de metade da corte foi com eles. Enquanto iam andando, uma vaca mugiu.

— Oh! — exclamou um pajem. — Já estou a ouvi-lo! Para um animalzinho tão pequeno faz um barulho extraordinário. Mas, sabem, tenho a certeza de já o ter ouvido.

— Não, não, aquilo é uma vaca mugindo! — exclamou a mocinha. — Ainda temos de andar muito.

As rãs começaram a coaxar num charco.

— Maravilhoso! — exclamou o capelão do imperador. — Já estou a ouvir a canção! Parecem mesmo sininhos de igreja!

— Não, não, isso são rãs — disse a mocinha da cozinha. — Mas devemos estar quase a ouvi-lo.

Então, o rouxinol começou a cantar.

— Lá está ele! — disse a mocinha. — Ouçam! Olhem! Está ali! — e apontou para um passarinho cinzento por entre os ramos.

— Será possível? — exclamou o camareiro. — Nunca pensei que fosse assim. Parece tão vulgar! Tão simples! Talvez tenha perdido a cor quando viu todas estas visitas importantes.

— Rouxinolzinho! — chamou a mocinha. — O nosso gracioso imperador gostaria muito que cantasses para ele.

— Com o maior prazer — disse o rouxinol, continuando a cantar tão bem que era um encanto ouvi-lo.

— Parecem mesmo sinos de vidro — disse o camareiro. — Não percebo como é que nunca o tínhamos ouvido. Vai ser um êxito na corte!

— Querem que torne a cantar para o imperador? — perguntou o rouxinol, que pensava que uma das visitas era o imperador.

— Excelentíssimo rouxinol — disse o camareiro —, tenho a honra e o prazer de o convidar para um concerto no palácio esta noite, onde encantará Sua Majestade Imperial com as suas lindas cantigas.

— Soam melhor na floresta — afirmou o rouxinol.

Apesar disso, foi com eles de boa vontade quando ouviu dizer que era desejo do imperador.

Entretanto, que limpezas iam pelo palácio! As paredes e o soalho de porcelana brilhavam, lustrosos, à luz de milhares de luzes douradas. Mesmo no meio do grande salão, junto do trono do imperador, estava um poleiro dourado para o rouxinol. Toda a corte estava presente, e a pequena criadinha da cozinha teve autorização para ficar atrás da porta, porque já tinha o título oficial de Verdadeira Criada de Cozinha. Todos os olhos estavam postos no passarinho cinzento quando o imperador lhe fez sinal que começasse.

Então, o rouxinol cantou tão bem que o imperador ficou com os olhos cheios de lágrimas, que lhe escorreram pelas faces; e o rouxinol continuou a cantar ainda melhor, de modo que cada nota foi direitinha ao coração do imperador. Este ficou muito satisfeito; o rouxinol, declarou ele, iria receber o seu sapato dourado para usar ao pescoço. Mas este agradeceu e recusou, porque já se sentia recompensado.

— Vi lágrimas nos olhos do imperador. Pode lá haver alguma dádiva maior do que essa? As lágrimas de um imperador têm um poder estranho. Já fui suficientemente recompensado.

E cantou mais uma canção com a sua voz maviosa.

— Muito espirituoso, muito divertido; a criatura é namoradeira — diziam as damas da corte, enchendo as bocas de água para fazerem um ruído de gargarejo.

Por que é que não haviam de ser também rouxinóis? Até os lacaios e as criadas de quarto acenavam, com ar de aprovação, o que significa muito, porque estes são sempre os mais difíceis de contentar. Não havia dúvida: o rouxinol era um êxito.

Ficaria na corte e teria uma gaiola só para si, com autorização para ir apanhar ar duas vezes durante o dia e uma vez à noite. Seria acompanhado, em cada excursão, por doze criados, cada um a segurar firmemente uma fita de seda atada a uma patinha da ave. Não, essas saídas não eram muito divertidas.

Um dia, chegou um grande embrulho para o imperador. Trazia uma palavra escrita por fora: ROUXINOL.

— Olha! Outro livro sobre a nossa famosa ave! — exclamou o imperador.

Mas não era um livro; era um pequeno brinquedo mecânico dentro de una caixa, um rouxinol de corda. Tinha o feitio de um verdadeiro, mas estava coberto de diamantes, rubis e safiras. Quando se lhe dava corda, cantava uma das canções que o verdadeiro passarinho costumava cantar, e a sua cauda andava para baixo e para cima, brilhando em prata e ouro. A volta do pescoço trazia uma fita, onde estava escrito: "O rouxinol do imperador do Japão nada vale comparado com o rouxinol do imperador da China."

— Que maravilha! — disseram todos.

E o mensageiro que tinha trazido o presente recebeu o título de Principal Portador Imperial de Rouxinóis.

— Agora têm de cantar juntos. Que dueto que vai ser!

Então os dois passarinhos tiveram de cantar juntos, mas não foi um êxito. O problema era que o verdadeiro rouxinol cantava à sua maneira e a canção do outro saía de uma máquina.

— Isto não é vergonha nenhuma — afirmou o Mestre da Música Imperial. — Está perfeitamente afinado: na realidade, ele até podia ser um dos meus alunos.

Então, o pássaro de corda foi posto a cantar sozinho. Agradou quase tanto à corte como o verdadeiro, e evidentemente que era muito mais bonito à vista, todo brilhante, como uma pulseira ou um alfinete de peito. Cantou a mesma canção trinta e três vezes sem se cansar. Os cortesãos não se importariam de a ouvir mais umas vezes, mas o imperador achou que era a vez do verdadeiro.

Mas onde estava o rouxinol? Tinha voado pela janela, para a sua floresta verdejante, sem ninguém dar por isso.

— Tch, tch, tch! — fez o imperador, aborrecido. — Que significa isto?

E os cortesãos resmungavam e franziam as testas.

— Mas temos aqui o melhor! — disseram.

E o rouxinol de corda teve de cantar outra vez.

Era a trigésima quarta vez que o ouviam, mas ainda não sabiam bem a canção. Era difícil de aprender. E o Mestre da Música Imperial teceu à ave os mais altos elogios: era superior ao rouxinol vivo, não apenas na aparência exterior, mas também no que tinha lá dentro.

— Sabem, senhores e senhoras e, acima de todos, Vossa Majestade Imperial, com o verdadeiro rouxinol nunca se sabe o que vai acontecer, mas com a ave de corda tem-se a certeza; é tudo fácil: podemos abri-la e ver como pensa, como cada nota segue a outra com precisão!

— Era isso mesmo o que eu estava a pensar — ouviu-se aqui e ali.

E, na segunda-feira seguinte, o Mestre da Música Imperial foi autorizado a mostrar publicamente o pássaro ao povo. Também ele devia ouvi-lo cantar, tinha declarado o imperador. E assim foi. E ficaram todos tão entusiasmados como se estivessem tontos de beberem muito chá, um antigo costume chinês. Disseram todos:

— Ah!

E levantaram os indicadores e acenaram com as cabeças.

Mas o pobre pescador, que tinha ouvido o verdadeiro rouxinol, afirmou:

— Lá bonito é... e até parece o rouxinol... Mas parece que falta qualquer coisa, não sei bem...

O verdadeiro rouxinol foi banido do reino do imperador.

O pássaro artificial recebeu um lugar especial numa almofada de seda junto da cama do imperador; empilhados à volta estavam todos os presentes que lhe tinham dado, todo o ouro e jóias. Foi distinguido com o título de Principal Trovador Imperial da Mesa-de-Cabeceira, Primeira Classe à Esquerda, porque até os imperadores têm o coração do lado esquerdo. O Mestre da Música Imperial escreveu um solene trabalho em vinte e cinco volumes sobre o pássaro mecânico. Era muito extenso e erudito, cheio das mais difíceis palavras chinesas. Mas toda a gente fingiu que o tinha lido e compreendido. Ninguém queria passar por estúpido!

Tudo isto continuou durante um ano, até que o imperador, a corte e o resto do povo chinês sabiam de cor cada notazinha da canção do passarinho de corda; mas, por isso mesmo, cada vez gostavam mais dela. Podiam cantá-la em coro — e faziam-no.

Os rapazitos da rua andavam por todo o lado a cantar: rrr, trrr, piu, piu, piu, e o imperador também cantava — um som maravilhoso, não havia dúvida.

Mas, uma noite, precisamente quando o pássaro de corda estava a cantar e o imperador, deitado na cama, o ouvia, qualquer coisa fez "crac!" dentro do pássaro. Brrrr! O mecanismo continuou a rodar, e a música parou. O imperador saltou da cama e mandou chamar o seu médico. Mas de que servia o médico? Então foram buscar o relojoeiro, e este, depois de muitas resmungadelas e mexidelas no pássaro, conseguiu arranjá-lo mais ou menos. Mas preveniu toda a gente de que tinha de ser usado muito poucas vezes; as peças estavam quase gastas por completo e não era possível substituí-las sem estragar o som.

Que golpe horrível! Não se atreviam a pôr o pássaro a cantar mais do que uma vez por ano, e mesmo isso já era um risco. Contudo, nessas ocasiões anuais, o Mestre da Música Imperial fazia sempre um discurso cheio de palavras difíceis, dizendo que o pássaro estava tão bom como sempre — e, claro, uma vez que ele dizia que sim, era porque ele estava tão bom como sempre...

Passaram cinco anos, e uma grande tristeza abateu-se sobre o país. O povo era muito amigo do imperador, mas ele estava gravemente doente e não se esperava que sobrevivesse. Já tinha sido escolhido novo imperador, e a multidão esperava nas ruas que o camareiro lhe desse notícias. Como estava o imperador? O camareiro abanava a cabeça.

Frio e pálido, o imperador jazia no seu leito real. Na verdade, a corte achava que já tinha morrido e foi a correr saudar o seu sucessor. Os criados de quarto foram a correr coscuvilhar uns com os outros e as criadas juntaram-se todas para beberem café,. Tinham sido estendidos panos pretos em todos os salões e corredores para amortecer o som dos passos, de maneira que o palácio parecia muito, muito sossegado.

Mas o imperador ainda não tinha morrido. Pálido e imóvel, jazia na sua magnífica cama com longos cortinados de veludo e pesados cordões dourados. Através de uma janela aberta lá no alto, a Lua brilhava sobre o imperador e o pássaro artificial.

O pobre imperador mal podia respirar; sentia como se tivesse qualquer coisa a pesar-lhe sobre o coração. Abriu os olhos e viu a Morte sentada sobre ele. A Morte tinha a coroa de ouro do imperador na cabeça, numa das mãos segurava a espada imperial de ouro e na outra a esplêndida bandeira imperial. E, por entre os cortinados de veludo, espreitavam estranhos rostos: alguns horríveis e outros belos e bondosos. Eram as boas e as más acções do imperador, que olhavam para ele, enquanto a Morte se sentava sobre o seu coração.

— Lembras-te?... Lembras-te?... — diziam os rostos baixinho, um a seguir ao outro.

E contaram e lembraram tantas coisas que a testa do imperador acabou por ficar coberta de suor.

— Nunca soube... nunca percebi... — gritou ele. — Música, música! Toquem o grande tambor da China! Salvem-me destas vozes!

Mas as vozes não se calavam. Continuavam sempre, enquanto a Morte acenava com a cabeça, como um mandarim, a tudo o que diziam.

— Música! Dêem-me música! — pedia o imperador. — Belo passarinho dourado, canta, peço-te que cantes! Dei-te ouro e coisas preciosas; pendurei o meu sapato dourado ao teu pescoço com as minhas próprias mãos. Canta, peço-te, canta!

Mas o pássaro estava silencioso; não havia ninguém para lhe dar corda, e sem corda não tinha voz. E a Morte continuava a olhar fixamente para o imperador com as grandes órbitas vazias. Tudo estava calado, terrivelmente calado.

Então de repente, perto da janela, soou a mais bela canção. Era o verdadeiro rouxinol, que se tinha empoleirado num ramo lá fora. Sabendo do mal do imperador, o passarinho tinha voltado para o confortar e trazer-lhe esperança.

À medida que cantava, as firmas fantasmagóricas foram desaparecendo, até se desvanecerem. O sangue começou a correr mais depressa pelo corpo do imperador. A própria Morte ficou presa à canção.

— Canta mais, canta mais, pequeno rouxinol! — pediu a Morte.

— Canto, se me deres a grande espada de ouro... sim, e a bandeira imperial... e a coroa do imperador...

E a Morte devolveu cada um dos tesouros em troca de uma canção e o rouxinol continuou a cantar. Cantou sobre o calmo adro da igreja onde cresciam as rosas brancas, onde as flores do sabugueiro cheiravam tão bem, onde a erva fresca está sempre verde por causa das lágrimas dos que ali choram os seus mortos. Então, a Morte encheu-se de saudades do seu jardim e saiu pela janela, flutuando como um nevoeiro gelado.

— Obrigado, obrigado! — disse o imperador. — Passarinho celestial, sei quem és! Eu bani-te do meu reino e, no entanto, só tu vieste ajudar-me, e afastaste os horríveis fantasmas da minha cama e libertaste o meu coração da Morte. Como hei-de recompensar-te?

— Já me recompensaste — respondeu o rouxinol. — Quando cantei para ti da primeira vez caíram-te lágrimas dos olhos e essa dádiva não posso esquecer. Essas são as jóias que não se compram nem se vendem. Mas agora tens de dormir para ficares bom e forte. Olha, vou cantar para ti.

E cantou e o imperador caiu num sono calmo e reparador.

O Sol brilhava sobre ele através da janela quando acordou, restaurado, desaparecidas a fraqueza e a doença. Nenhum dos criados tinha lá entrado ainda, porque todos pensavam que ele estava morto.

— Tens de ficar sempre comigo — disse o imperador. — Mas só cantas quando quiseres. E, quanto ao pássaro de corda, vou parti-lo em mil bocados.

— Não faças isso — respondeu o rouxinol. — Fez o que pôde por ti. Guarda-o. Eu não posso morar num palácio, mas deixa-me ir e vir à minha vontade, e à noite empoleiro-me neste ramo, junto da tua janela, e canto para ti. Hei-de trazer-te felicidade, mas também pensamentos sérios. Hei-de cantar sobre as pessoas felizes do teu reino, mas também sobre os que se sentem tristes. Cantarei sobre o bem e o mal, que têm estado sempre à nossa volta, mas que têm sempre escondido de ti. Os passarinhos voam em todas as direcções, até ao pescador, à casinha do trabalhador, até junto de tantos que estão longe de ti e da tua corte magnífica. Amo o teu coração mais do que a tua coroa, apesar de a coroa ter algo de mágico. Sim, hei-de voltar, mas tens de me prometer uma coisa.

— O que quiseres! — exclamou o imperador.

Tinha-se levantado e vestido as suas roupas imperiais e segurava a espada dourada junto do coração.

— A única coisa que te peço é isto: não digas a ninguém que tens um amigo passarinho que te conta tudo. É melhor guardar segredo.

E, com estas palavras, o rouxinol voou para longe. Os criados vieram ver o amo morto, mas ficaram ali espantados!

— Bom dia! — disse o imperador.

Fonte:
http://www.beatrix.pro.br/

Caco Xavier (Quadrinho Quadrado 1)

Fonte:
http://www.releituras.com

Janaína Lauxen (Um drink para a posteridade)


Estava tomando minha oitava cerveja, mas já estava bêbado desde a segunda. Beber com o estômago vazio faz mal, e eu sei, mas não tenho fome. Tenho sede, e de cerveja. Ainda mais depois que Ana me trocou por um sujeito que usa sapatos marrom-claros e gel no topete. Perdi completamente o apetite e o controle.

Larissa falava sem parar sobre como sua mãe era má, e seu namorado era um grosso, e seu emprego era uma porcaria, e sobre como era incompreendida, sofrida e maltratada.

Foi quando um estrondo lá fora emudeceu todo o bar — inclusive o Iggy Pop, que cantarolava na JukeBox.

Eu estava de costas para a porta, e num primeiro momento acreditei que alguém houvesse caído um tombo. Todos os dias os bêbados e os adolescentes bebem e lá pelas tantas caem tombos.

Só que não era um bêbado, nem era um tombo.

Alguma coisa havia despencado de algum apartamento, do prédio onde, no térreo, funcionava o bar. Só não alcançou o chão porque foi freado pelo telhado de lona, que cobria a porta de entrada do estabelecimento.

Ninguém estava sentado lá fora por causa da chuva. E demorou alguns segundos até que alguém resolvesse levantar e ir conferir o que, de fato, estava acontecendo. Mas bastou um se movimentar, após aquele compelido silêncio, para que todos se acotovelassem até a porta, desesperadamente curiosos.

— Que medo, meu! O que deve ser aquilo? — perguntava, aflita, Larissa, enquanto agarrava-se ao meu braço como se eu — logo eu — pudesse lhe proteger de alguma coisa.

— Devem ter jogado alguma coisa pela janela. Um sofá, talvez — respondi, sem prestar muita atenção no que estava falando.

— Porque alguém atiraria um sofá pela janela?

— Nunca se sabe.

Então alguém gritou:

— É uma mulher!

Uma mulher?

Levantamos alvoroçados. Por mais que atirar sofás pela janela não seja exatamente comum, por essa ninguém esperava: uma garota, com cerca de 20 e poucos anos, era retirada do toldo, agora parcialmente destruído.

— Ela está viva?

— Acho que sim, o toldo amorteceu a queda.

Abriram passagem, e o garçom já telefonava para a ambulância quando a infeliz recobrou os sentidos:
— O que...?

Todo mundo parou em pé a sua volta, calados, esperando.

Ela olhou para os lados, e finalmente pareceu entender o que havia acontecido:

— Com certeza eu não morri e isto aqui não é o céu, certo?

— Pode ter certeza que não — respondeu alguém.

— Merda — ela socou o chão sem muita força — Tentar se matar e não conseguir é o auge do fracasso.

Ninguém disse nada porque ninguém sabia o que dizer.

A ambulância estacionou espalhafatosa, e a moça levantou, aparentemente inteira:

— Mandem a ambulância de volta — falou, desagradada — Estou mais viva do que quando saltei.

O garçom explicou a situação para os médicos que, desconfiados, foram embora.

A garota, cujo nome nunca soube, caminhou até o balcão e pediu um conhaque: “Para a posteridade”, disse alto e sarcasticamente, já parecendo embriagada.

Talvez já estivesse.


Aos poucos, as pessoas foram voltando aos seus lugares, e não demorou para a JukeBox voltar a tocar. Voltei a pensar em Ana e Larissa voltou a resmungar. O garçom voltou a servir as mesas, e os bêbados voltaram a encher os copos.

Alguns minutos depois, parecia que nada havia acontecido.

Como se nenhuma garota de vinte e poucos anos tivesse tentado se matar, feliz ou infelizmente sem sucesso.

Como se esta garota não estivesse agora mesmo sentada ali, há poucos metros, furiosa pelo suicídio frustrado e certamente por todas as frustrações da vida de alguém com vinte e poucos anos.

Como se ela não estivesse com o copo de conhaque intocado na sua frente, há tempos observando seu fundo, como se quisesse ali se afogar.

Talvez não estivesse.

Nunca se sabe.
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Sobre a Autora
Janaína Lauxen (1985) é natural de Passo Fundo (RS). Participou de diversas antologias e, em 2009, lança seu primeiro livro, "Uma carta por Benjamin", pela editora Multifoco.


José Pinto (Lançamento do livro SANTINHO – Uma Vida Breve)



Tendo como pano de fundo, por um lado o regime militar, de triste memória, e por outro, os deslumbrantes cenários do Rio de Janeiro e das belíssimas paisagens de Cuba, desenrola-se a saga de SANTINHO Uma Vida Breve.

O ponto central da narrativa é a história de uma criança, nascida numa favela da Cidade Maravilhosa, que adotada por um casal de jornalistas, com eles forma uma família muito feliz. Até que forças ocultas da repressão, por motivos desconhecidos, lhes impõem uma implacável perseguição, culminando com a prisão do jornalista, sua degradação e a conseqüente expulsão do país. A violência, que atinge em cheio também sua família, desarticula suas vidas separando-os e jogando-os em um universo cruel e desconhecido. O jornalista encontra asilo em Cuba, onde por dez anos vive como um pária, cercado por um grupo de latino-americanos, que como ele, amargam a incerteza do destino e sofrem a humilhação do exílio. Sua mulher e o filho, que ficaram no Brasil, vivem o drama de suas próprias histórias! Histórias cheias de percalços, torturas, desesperanças e superação. São anos de intenso sofrimento, mas mesmo assim não lhes faltou coragem para continuar lutando contra a adversidade e cada um, desconhecendo o destino do outro, tenta se libertar daquela dramática sina que lhes foi imposta.

A volta do exílio, dez anos depois, a busca pelo que deixara para trás, e a tentativa de se readaptar e recomeçar uma nova vida é narrada pelo próprio jornalista de forma intensa e emocionante. E o final é surpreendente! Esta é uma história de ficção, mas os acontecimentos são tão reais, que poderiam ter sucedido com qualquer brasileiro que viveu naquela época. Para escrever esta saga foram feitas centenas de entrevistas e levantados fatos e acontecimentos que jamais chegaram ao conhecimento público. O autor pretende compartilhar com o leitor essas descobertas e também sua grande emoção ao compor esta obra.

SANTINHO, Uma Vida Breve, de José Pinto (402 pp., R$ 43,90), está disponível somente pela internet. O leitor deve acessar www.biblioteca24x7.com.br , para adquirir seu exemplar.

O livro está à venda também na Amazon.com: http://www.amazon.com/Santinho-Vida-Breve-José-Pinto/dp/8578930657/
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Sobre o autor

José Pinto, ou Zépinto, profissional vinculado à área de comunicação por mais de trinta anos. Fotógrafo, Diretor de filmes publicitários, Produtor de longas metragens e Roteirista. Começou a carreira no final da década de 50 como Repórter Fotográfico no jornal Diário de Minas, em Belo Horizonte. Foi cinegrafista na extinta TV Itacolomy e na Minas Filmes. Atuou como Repórter Fotográfico free-lancer para jornais do Rio: O Dia, Ultima Hora e outros. Em São Paulo, trabalhou para Ultima Hora e para a Revista Claudia da Editora Abril, e outras. Fez parte da lendária equipe da Revista REALIDADE.

Na década de 70 montou um estúdio fotográfico dedicado à publicidade que logo se transformou numa produtora de filmes publicitários. Em quase três décadas de atividades produziu mais de dois mil comerciais, centenas de filmes institucionais, dezenas de curtas-metragens e alguns longas-metragens, entre eles,

O Rei da Noite, de Hector Babenco;
Nasce Uma Mulher, de Roberto Santos;
Pixote, de Hector Babenco.

Teve dezenas de filmes premiados em todos os festivais nacionais:
Premio Colunistas, Profissionais do Ano da Rede Globo, Festival Rio de Publicidade, Clube de Criação SP; Clube de Criação Rio; Fiap, Festival Latino Americano de Publicidade; Marketing Rural, e muitos outros concorreram e foram premiados nos festivais internacionais: Festival Internacional de Filmes Publicitários de Cannes; Clio; London Festival; Festival de Veneza; New York Festival e outros.

Desde 1995 trabalha como roteirista para o mercado publicitário e editorial. Tem mais de trinta roteiros de curtas e longas metragens escritos. Entre eles:
Amarga Decisão – longa-metragem.
Trágica Paixão - longa-metragem sobre a vida de Peixoto Gomide.
Maria Quitéria – longa-metragem sobre a heroína baiana da Independência.
Vôo Curto - curta-metragem de John Porciúncula-.
Em fase de acabamento curta-metragem de Ana Paula Bergo.
E Agora... – curta-metragem de Antonio Graco.

Tem também inúmeros contos à espera de edição, tais como:
Os Últimos Raios do Sol. Concorrendo a Talentos da Maturidade do Banco Real
Agulhas e Canções; O Canivete Suisso; Tudo por uma bola; O Afastado.

SANTINHO concorreu ao PAC- Programa de Apoio Cultural da Secretaria da Cultura de São Paulo, 2007 Prêmio Edição do Livro Pelo Escritor ficando com Menção Honrosa entre mais de 200 concorrentes.

Fonte
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

Estação Cultura em Canoas/RS


O Estação Cultura é um antigo sonho que se torna realidade e reúne em um só lugar: música, livros, café e cultura.

Tem a proposta e o desafio de proporcionar, também, lazer cultural à cidade de Canoas. Boa música para um happy hour aconchegante, espaço cyber café e ótima literatura.

Eletrônicos portáteis, presentes e papelaria completam o mix, além, é claro, de uma livraria com acervo de qualidade, o que garante sofisticação e bom gosto.

O Estação Cultura não é apenas mais um lugar em Canoas/RS. É o Lugar que você merece há muito tempo!

Projetos sob a coordenação da escritora Neida Rocha.

Se você procura um local para passar bons momentos, ler um bom livro e ou escutar música de qualidade, acompanhado de um delicioso café: Seja bem vindo, será um prazer atendê-lo!

Rua Gonçalves Dias, 88 loja 4 – Canoas/RS

Fontes:
– E-mail de Neida Rocha
http://www.estacaocultura.com.br/

segunda-feira, 30 de março de 2009

Paulo Bentacur (Algumas Poesias)

Alex Matthiensen (Num cantinho da Lagoa
Ibirapuera, SC) [2007] aquarela
A PRIMEIRA NOVELA DE ERICO VERISSIMO

Amaro tem um piano.
Faz amor por aluguel.

Na pensão de Tia Zina,
fita a menina Clarissa
com nostálgica saudade
do amor que não viveu.

Um papagaio gasta o nome,
repetindo-o, sempre, sempre.
Clarissa tem um temperamento,
que a adolescência nem disfarça.

É primavera, os residentes
vêm de tantos lugares, são
tão diferentes que Amaro
perde-se em si mesmo, e
busca-se em camas sem
ilusão, em inocências
que só pode fitar,
à espera que o futuro
faça o presente dar frutos.

Amaro tem nome de luto.
Clarissa tem nome de sol.
Duas presenças opostas
que se encontram por acaso
como quem, fora de casa,
abana a um conhecido,
sorri, valeu, e é só isso.
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DESPERTAR


Acordo sem um acordo com a manhã
que esguicha suas freadas já tão cedo,
e sem ceder a qualquer convite, ergo
o corpo já cansado antes dos medos
comuns a qualquer homem que caminha
entre as ruas ou mesmo entre a família.

A noite passou lenta e não me deu
sonhos, estremeções nem mesmo o peso
de um pesadelo a dar sentido ou temor
para o dia que se pretende poderoso.
Levanto, escovo os dentes, me submeto
à repetitiva água do chuveiro.

Debaixo do aguaceiro, ora quente,
ora frio, me arrepio: dia seguinte.
Ontem houve o que houve e não repete
nada, ainda mesmo que eu me esforce
na reprodução de um cotidiano.
(Arte a fixar para o amanhã.)

Tão cedo e, entre bocejos,
arquejo no esforço de pensar
que hoje é só o começo, sol penteado
no qual ruge a ordem desses tempos
empurrando-me como se tudo afinal
urgisse, por mais que eu tanto faça.

Não saberei quando parar no exato instante
em que parar. Caindo, o sol trará
a noite e, de novo, o inquieto
povoará o vencido lençol até que a luz
sacuda-o, amarfanhado rosto. O espelho
o denuncia sem que o acuda o banho.
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ASCENSÃO E QUEDA DO DIÁLOGO

Um homem liga a tevê, o rádio, escuta o vozerio da rua.
Esse homem veste roupas que não combinam.
Aperta as mãos, sorri, goza o frio enervante da dúvida
em saber qualquer coisa que o conduza para algo
que se possa chamar de um lugar.
Nem precisa ser um destino.

Um homem que não conhecemos e que, cansado de si,
entende e aceita que não o verem não significa o fim
nem o começo de uma história, e portanto ele pode
continuar desse jeito, tevê, rádio e rua gritando
e ele nem aí, falando também, ao mesmo tempo,
sem que os outros escutem, imitando sua surdez.

Um homem que parece tudo, menos mudo – como tudo.
Que engole ávido a mudez a tomar conta do fluxo
de ruídos que explodem para o silêncio faminto.
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CAFÉ

O marrom pleno,
quase negro.
O cheiro se evola,
o ar a bebê-lo,
enquanto olho
a xícara, a mesa
– eis minha missa
e um companheiro.

Sirvo o líquido,
aspiro o aroma,
e o beberico.
Sou homem rico
com tão pouco.
Preparo outro
e o estendo
até o amigo,
e digo: “toma”.

Nem é preciso.
As mãos seguram
a taça plena
que depois pousa
sobre a mesa.
Corpo aquecido
e o paladar
com um sabor
nunca esquecido.

Além da mente
a acordar
para o real
que ainda dorme
tão inocente.
Lá fora o dia
boceja, lento,
com sua fé.

Nada mais tem
até que alguém
beba um café.
Então, num salto,
põe-se em pé.

E é caminhar.

Fontes:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Pintura = http://www.flickr.com/photos/alex_matthiensen

Paulo Bentacur (A gênese do gênio)

John Faed (Shakespeare e seus contemporâneos) [1851]
O jornal era de circulação modesta, mas o anúncio impressionava: “Transforme-se num Shakespeare em seis meses. Curso de redação literária administrado pelo Professor Paiva.”

Paiva era bem relacionado, solteiro apesar dos circunspectos 57 anos, e além do anúncio pelo qual pagara R$ 490,00 reais para inserção diária na página 3, havia outros que davam autenticidade ao que o professor prometia. “Agradeço ao Professor Paiva por ter resolvido em meio ano o que mais de dez de prática literária constante não conseguiram. Hoje sou disputado por várias editoras.” Quem assinava o agradecimento público era um desconhecido, o que gerava desconfiança quanto à eficácia do método do Professor, mas isso Paiva explicava facilmente. Não ia um homem coberto pela glória expor-se assim; para tanto, utilizara-se de pseudônimo, registrando a gratidão justa e, ao mesmo tempo, preservando-se.

O fato é que em pouco tempo a agenda de Paiva não dispunha mais de datas: 83 alunos freqüentavam sua casa, revezando-se numa carga horária bastante puxada. Todos os dias, das 9 às 18h, Paiva recebia alguma promessa. Seu desafio era transformar essa promessa em realidade, desafio maior ainda se considerarmos que a maciça maioria não era promessa de coisa alguma.

Militares reformados com vida ociosa e fantasias beletristas, que mal sabiam redigir uma carta; senhoras viúvas, ou solteiras mesmo, que sonhavam em ocupar suas paredes com diplomas de menção honrosa; publicitários que dominavam as mumunhas da redação metida a esperta e engraçadinha e que queriam mais, bem mais. Paiva jurava que tinha mais.

Durante uns seis anos a casa de Paiva conviveu um movimento que as casas da vizinhança, mesmo aquelas dadas a festas nada ocasionais, ignoravam. Mas a constância dos alunos não repetia nomes, apenas quantidade. O Major Hipólito freqüentou aquele vetusto recinto uns três meses, e logo pediu baixa. Silvinho Cláudio, redator da Fala Ação, ficou menos tempo ainda, quatro semanas, e desistiu. Ismael dos Santos Bicalho, jornalista aposentado, foi um que entrou e saiu da casa do professor sempre disposto a entrar de novo. Não se convencia da ausência de progresso em seus textos. Culpava a si mesmo, não a Paiva, cujos esforços eram ingentes. Mas um dia Ismael cansou, ou talvez tenha ficado constrangido, nunca se sabe. Dona Élida Paranhos continuava, jamais falhou uma aula nesses seis anos, mas Élida era uma mulher de fibra, constante em tudo que fazia, e sua esperança, nada secreta, era tão vasta como vasta era sua carência, e a nada abandonava, nem sequer à decepção que sentia com as aulas de Paiva há mais de dois anos.

Enquanto mais de 75% dos alunos iam ficando pelo caminho, desistindo, dando o braço a torcer ao comentário de um parente que punha sérias dúvidas sobre o futuro do literato, os 25% que permaneciam, permaneciam porém com o ânimo arrefecido, sem forças sequer para debater o método do aplicado Paiva.

Os anúncios continuavam, e faziam aquele sucesso. Todos na cidade se admiravam que um homem pudesse transformar outro num Shakespeare, logo em quem. Mas depois de seis anos – o mundo é impaciente – os luminares da comunidade passaram a perguntar-se: falando nisso, quando é que vamos ver na prática o que a teoria tão entusiasticamente anuncia?

Nada viam surgir além dos nomes de sempre, os novos nomes de sempre, se se pode dizer assim, gente que estréia com cara de quem vai dependurar a chuteira no segundo livro, e é bom que dependure depressa, se pensa, quando não dependuram somente – mas já – no terceiro.

Enquanto isso, a cidade vizinha, com quatro universidades, três grandes jornais e sete nomes a ostentarem fortuna crítica a pô-los na lista dos cem maiores da literatura contemporânea do país (o que, somando todos, não dá meio Shakespeare), ia, de ano em ano, apresentando uma que outra novidade, a causar susto na pasmaceira geral. A novidade sacudia a rotina, ficava na vitrine algum tempo, até sumia depois, mas ficava o suficiente para dar a impressão aos conterrâneos de Paiva que o seu método não era lá essas coisas.

O próprio Paiva, homem sério, dedicado, cujo único pecado fora aceitar a oferta do departamento de Anúncios e Classificados do jornal em colocar também aquele outro tipo de anúncio, naturalmente forjado (garantir a própria sobrevivência trabalhando é de tal ordem que dispensa alguns escrúpulos), começou a ficar nervoso com a previsível queda de procura por seu curso. A queda se deu. Propaganda boca a boca, sabe-se, tem eficiência como nenhuma outra.

O Major falou com dezenas de ex-companheiros de caserna que aspiravam às letras, ao curso de Paiva, e que desistiram antes de tentar. Silvinho Cláudio até que foi piedoso, dispunha de um forte veículo, mas satisfez-se em dizer num único programa de televisão, um só, que o método de Paiva era ultrapassado, mais psicológico que literário, que era comovente, e risível, a teoria do Professor acerca da gênese do talento mais como bloqueio a ser rompido do que técnica a ser ensinada. Silvinho admitia que a idéia não estava errada, mas o papel do professor deveria ser outro, o de ensinar truques, formas, caminhos específicos, atalhos para a verdade estilística contida nos limites de cada um. O professor, no fundo, era apenas um simpático motivador, só isso. Motivação não era o que faltava àquela gente. Talvez faltasse talento, e ele independe de motivação, é outra coisa, mais obscura, menos relacionada ao caráter, ao contrário do que Paiva pregava.

O Professor, depois do programa, que, aliás, fora assistido unicamente por dois alunos seus – e ele tinha ainda 49 cândidos nomes que não ficaram sabendo do depoimento do publicitário –, decidiu acabar com tudo. Doía-lhe a derrota de ver aquela gente toda sem nenhum futuro. Doía-lhe os que haviam ficado pelo caminho. Doía-lhe, não sendo um Shakespeare, tentar fazer brotar nos outros o Shakespeare que nele não brotaria nunca. Sabia o que não fizera para que não brotasse, e gostaria de tentar, à exaustão, que seus alunos não cometessem os erros que ele cometera. Mas o mundo quer Shakespeares, precisa deles, e urgente. Seis anos é muito tempo.

Paiva tinha acumulado bons recursos durante aquele período. Podia, sem sangrar suas divisas, devolver o dinheiro dos 49 heróicos remanescente. Convocou-os em regime de urgência. Uma fila formou-se na entrada de sua casa.

Devolveu o que haviam pago como antecipação. Disse que nada podia fazer além do que eles mesmos poderiam. Sentia-se cansado, e cansaço é incompatível com criação. Quando se quer descansar é porque o mundo ou foi criado, ou foi destruído. Não pôde continuar falando.

Um vulto destacou-se do grupo que o ouvia falar. Era Élida Paranhos.

Deu um abraço comovido em Paiva.

– Gosto de ti, te acho um homem de bem, e isso vale mais que ser um gênio. Tá cheio de gênio por aí, mas homem de bem, não sei não.

O perfume de Élida era doce, porém suave, não pesava. Seu rosto branco estava levemente dourado pelo calor. Paiva não resistiu.

Beijou-a, esquecido de qualquer vergonha, e talvez já enamorado.

Aliás, nesse caso, nem Shakespeare resistiria. Nem Shakespeare.

Fontes:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Paulo Bentacur (1957)



Paulo (Roberto Ribeiro) Bentancur nasceu em Santana do Livramento, RS, em 20 de agosto de 1957. É escritor, poeta e crítico, praticando diversos gêneros, do infanto-juvenil à poesia. Foi editor da Imprensa Oficial do RS (2000-2002), quando, junto com o artista gráfico Antonio Henriqson, editou a revista cultural VOX XXI e Coordenador do Livro e Literatura da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre.

Teve contos publicados na Argentina e na Itália.

Ganhou quatro prêmios Açorianos:
– 1995, categoria especial, a Instruções Para Iludir Relógios (um livro sem gênero);
– 1996, infanto-juvenil, a O Menino Escondido (Freud);
– 2004, categoria especial, como organizador de Simões Lopes Neto – Obra Completa;
– 2005, em poesia, para Bodas de Osso.

Ganhou dois prêmios especiais, Maria Bentancur, nascida em 1984, e Laura Marengo Bentancur, em 1999.

Trabalhou durante 20 anos em diversas editoras como revisor, preparador de originais, tradutor do espanhol e editor assistente. Atualmente presta serviços de assessoria editorial para diversas casas publicadoras.

Também ministra oficinas de criação literária e de leitura crítica, além de fazer palestras pelo País todo –acerca de sua obra, autores clássicos, questões relevantes à leitura numa nação que não lê e mistérios da arquitetura da narrativa.

Livros

Infanto-juvenis:
– Agulha ou linha, quem é a rainha? (Ed. Projeto, 1992, em 6ª edição)
– O menino que não gostava de histórias (Ed. Solivros, 1995, esgotado)
– As surpresas do corpo (Difusão Cultural, 1997);
– Quem não lê, não vê (Difusão Cultural, 1997);
– Os homens na caverna – Platão (Ed. Mercado Aberto, 1994; Ed. Artes e Ofícios, 2a ed. 2001);
– É lógico, pô! – Aristóteles (Ed. Mercado Aberto, 1994; Ed. Artes e Ofícios, 2a ed. 2001);
– O menino escondido – Freud (Ed. Mercado Aberto, 1995, Prêmio Açorianos 1996; Ed. Artes e Ofícios, 2a ed. 2001);
– O criador de monstros – Kafka (Ed. Artes e Ofícios, 2001);
– As cores que tremiam – Van Gogh (Ed. Artes e Ofícios, 2001);
– Entre o céu e a terra – Shakespeare (Ed. Artes e Ofícios, 2001);
– A máquina de brincar (Bertrand Brasil, 2005; adotado pelo Governo do Estado de São Paulo através do PNLD);
– As rimas da Rita (Bertrand Brasil, 2005);
– O olhar das palavras (Bertrand Brasil, 2005).

Para adultos:
– Instruções para iludir relógios (contos/crônicas, Ed. Artes & Ofícios, 1994, Prêmio Açorianos 1995);
– A Feira do Livro de Porto Alegre – 40 Anos de História (ensaio, CRL, 1994);
– Os livros impossíveis (contos/crônicas, 00h00.com, Paris, França, 2000);
– Frio (contos, Ed. Sulina, 2001);
– Bodas de osso (poesia, Bertrand Brasil, 2005, Prêmio Açorianos 2005);
– A solidão do Diabo (contos, Bertrand Brasil, 2006).

Co-autoria:
– Rio Grande do Sul - Cenas e paisagens (legendas, com fotos de Eduardo Tavares; Ed. Sulina, 1997).

Obras coletivas:
– Nós, os gaúchos 2 (ensaios, Ed. da UFRGS, 1994);
– Amigos secretos (contos, Ed. Artes e Ofícios, 1994);
– A cidade de perfil (crônicas, Secretaria Municipal de Cultura, 1995);
– A magia das águas (ensaios, Ed. Riocell, 1997);
– Meia encarnada, dura de sangue (contos sobre futebol, Ed. Artes e Ofícios, 2001);
– A linha que nunca termina - Pensando Paulo Leminski (ensaios, Ed. Lamparina, 2005);
– Contos de bolso (minicontos, 43 autores gaúchos, Ed. Casa Verde, 2005);
– Contos de bolsa (minicontos, 47 autores gaúchos, Ed. Casa Verde, 2006);
– Contos de algibeira (minicontos, autores brasileiros e portugueses, Ed. Casa Verde, 2007);
FICÇÃO
- Histórias para o prazer da leitura (antologia dos 50 melhores contos da revista Ficção, Ed. Leitura, 2007).

Organização e anotações críticas:
– Obra completa, de Simões Lopes Neto (Ed. Copesul/Já editores/Sulina, 2003, Prêmio Açorianos 2004);
– Grandes personagens da literatura gaúcha (ensaios e coordenação editorial, Ed. Copesul/Aplauso, 2004).

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Paulo Bentancur em Xeque



Entrevista realizada por Danilo Corci, da Revista Speculum.

Crítico literário, poeta, contista, autor de romances e escritor infanto-juvenil, Bentancur conseguiu um feito hercúleo: transformar seu romance num dos grandes momentos culturais de 2006, ano que trouxe ao Brasil inúmeras bandas, exposições monstras, como a Bienal, e outros lançamentos literários relevantes. Óbvio que comparar suportes criativos diferentes é uma bobagem, mas ao extrair o sumo do que fica, "A Solidão do Diabo" é o ponto alto das novidades. Melhor ainda. Perene, pois mesmo agora, em 2007, sua leitura é mais do que recomendada.

Em 59 histórias, o livro faz uma inteligente incursão à cadência cínica e melancólica que, talvez, o suposto "homem contemporâneo" tem cultivado com tanta vontade. O "se segura malandro" brasileiro é implodido sob uma óptica muito mais afiada sobre o que nós mesmos estamos acostumados a encontrar na literatura brasileira. Menos Macunaíma, mais Constantine (mas esqueça o ícone pop), os anti-heróis brasileiros agora sentem frio e febre. Entretanto, melhor do que falar de um livro que já vem com a "Bíblia II" e com a história do homem que quer ser mágico e milagreiro só para ser muito mais cínico do que qualquer um poderia imaginar, é deixar o próprio autor falar sobre sua obra - ainda que, de fato, nem isso seria necessário já que o livro fala por si próprio.


Fale um pouco sobre sua trajetória literária. Como começou a vida de escritor?

Paulo Bentancur: Começou sem que eu mesmo percebesse. Era menino, 9, 10 anos, e já escrevia todos os dias. Quando fui ver, era tarde demais. Aos 16 já publicava em tudo que era jornal (contos, poemas, crônicas, resenhas). Demorei para lançar o primeiro livro apenas por excesso de zelo (o que nunca é demais). Mas o batismo das letras foi cedo. Ah, e minha formação, até mesmo por suas características de precocidade, foi de autodidata.

Existe algum escritor que exerce uma influência marcante no seu trabalho? Ou algum ícone não-literário

Vários escritores me influenciaram. O segredo é saber conduzir essa influência sem que ela cale a sua própria voz de escritor. Kafka, Cortázar, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Dalton Trevisan Rubem Fonseca, Bernardo Carvalho, Paul Auster. Isso na prosa. Na crítica, Paulo Hecker Filho, David Arrigucci Jr., José Paulo Paes. Na poesia, Manuel Bandeira, Drummond, Miguel Hernández, Federico García Lorca, João Cabral de Melo Neto e, mais recentemente, Paulo Henriques Britto.

Você também escreve para crianças. Qual é a diferença entre escrever um infanto-juvenil e um livro "adulto"? O que é mais complexo?

Para adultos, naturalmente, é mais complexo. Porque nos exige vir à tona, inteiramente. E o público adulto já está irremediavelmente sedado por uma série de vícios literários (entre os quais, a preguiça mental, mortal). O público infanto-juvenil é mais receptivo e dá mais prazer ao escritor, discutindo a obra em aula, em feiras de livro, em eventos ao ar livre.

"A Solidão do Diabo" não é seu primeiro livro, e notei que ele é bem consistente. Isso é resultado da tarimba, da experiência?

Isso é resultado de muuuuuito trabalho. O conto mais antigo foi escrito em 1997. O mais recente, em 2006. Logo, dez anos se passaram até o livro ficar pronto. A tarimba, a experiência, ajudam; porém, quando o escritor as usa para apressar seus resultados, dá com os burros n’água.

Como você separa todos estas multifunções que exerce: crítico, poeta, contista, romancista infanto-juvenil? Há muita interferência de estilos na hora de escrever?

Há todo o tipo de interferência, não só de estilos. De prazos, de estrutura, de público-alvo, de envolvimento do autor com o projeto. O crítico, na medida em que (por enquanto) se resume a resenhas e artigos em jornais, revistas e sites culturais do País, corre mais solto. Porém não custa lembrar que o perigo de cometer uma leviandade ao criticar a obra alheia é enorme. Então, muito cuidado, sr. crítico... O poeta vive quase ao acaso. O poema o assalta: ele, o poeta, é puramente uma vítima - que fica com o produto do assalto. Já o ficcionista, seja conto ou romance, pode ir se planejando melhor. O mesmo acontece (e com menos dificuldade) para o autor infanto-juvenil, ainda que escrever para crianças seja um delicado desafio: o de lidar com o tempo que é delas e não é nosso (o nosso, o da infância, já não serve como referência).

Voltando à "Solidão do Diabo": O Diabo realmente está só?

Sim. O Diabo é o homem, em última instância. E, mesmo pensando na metafórica figura do demônio-mor, em quem ele poderia confiar como um parceiro à altura de sua ambição e necessidades? O Diabo é um pobre-diabo...

Seus contos, mesmo que não sejam necessariamente existencialistas, parecem embebidos num existencialismo desencantado, meio "blasé", meio cínico. Você concorda com esta afirmação?

Concordo. Menos com o "blasé". O desencanto não esconde (filtra) sua amargura. E não pode existir amargura "blasé". Ela se dá ares (daí um certo cinismo), à procura de forças para resistir. Como disse Clarice Lispector, desistir de si mesmo é o único ato imoral. Meus personagens desistem de tudo menos da consciência crítica, esse crime radical, essa ação salvadora e, simultaneamente, condenadora. Meu "pós-existencialismo" repõe o "existir" como ser-tão-somente, e não como uma possibilidade de vida, o que seria um luxo. Já nem a morte assusta. Passamos desse ponto. Aí reside o escândalo.

Logo de saída, em "O Mágico do Azar", você já brinca com o caráter dúbio de um homem. É mais ou menos assim que você enxerga o homem contemporâneo?

Menos. O homem contemporâneo protege-se numa outra espécie de ambigüidade, em que o único papel que exerce é aquele que lhe abre as portas mais facilmente, e não papéis que ele tenha prazer em criar. Ou morbidez em criar. O homem contemporâneo não cria, não arrisca. Nunca a mesquinhez esteve a serviço de um sistema tão tacanho como agora. E a razão, hoje, é cínica por demais. Qualquer risco é chamado de loucura. Daí sermos uma fábrica de doentes mentais; no mínimo, de neuróticos.

Seus contos tem um magnetismo desfragmentador de idéias, comportamento, uma melancolia embutida, mesmo quando busca uma mão mais leve, como no conto do duelo de futebol na cidadezinha. A melancolia é um dos seus assuntos preferidos?

A melancolia é um estado natural de homens submetidos. Submetidos, simplesmente. A tudo. Que lhes resta senão a melancolia, quando os prazeres estão numa espécie de índex moral e a maioria é julgada e sentenciada sem direito a um mínimo de privacidade? O mundo exige que se passeie nu no canteiro central da avenida. E riem da nossa nudez. Então a escondemos com artefatos ridículos que desenham o imaginário de péssimo gosto da época. A melancolia, em suma, é a música calada que faz bater um coração cansado e lento.

Aliás, o futebol está bem presente nas histórias. Você é um torcedor daqueles sofredores ou apenas gosta de um jogo?

Sofredor. Meu time, o Internacional, acabou de sagrar-se campeão mundial interclubes. Acham que assisti ao jogo? Enfartaria se o fizesse. Fiquei paralisado, esperando a hora de terminar o que eu imaginava um massacre do Barcelona. Quando soube do resultado, nem acreditei. Até agora não acredito. Choro mais nas derrotas do que vibro nas vitórias. Mas é temperamento, não dêem bola.

"A Solidão do Diabo" vem com um grande destaque para "A Bíblia II". De onde surgiu a idéia de uma história como essa?

De um livro que sonho escrever, OS LIVROS IMPOSSÍVEIS. Idéia meio borgeana. Livros que nunca existiram: tipo SANCHO PANÇA SEM QUIXOTE, OS ESQUECIDOS (História sobre escritores de segunda categoria dos séculos XVIII, XIX e XX, totalmente esquecidos), e por aí vai...

Ainda sobre "Bíblia II". Seria este seu conto favorito? Apesar de todo o destaque dado na capa, por exemplo, acredito que outros, como "O mesmo ônibus" sejam ainda mais impactantes. Você concorda com isso ou não faz distinção?

Faço, claro. Há contos que prefiro mais a outros. "A Bíblia II" foi uma jogada editorial, para chamar o público. mas me parece um conto honesto, inventivo. Para meu gosto, prefiro "Como um Anjo", "Diante do túmulo de meu pai", "Ruínas", e, sim, o humor surpreendente de "O Mesmo Ônibus".

Moacyr Scliar escreveu o prefácio. De onde vem sua relação com ele? Parceiros literários?

Sempre gostei da literatura do Scliar. Natural que mostrasse a ele meus primeiros escritos. Ele me acompanha há uns 30 anos. Sabe bem das minhas possibilidades e, me parece, escreveu sobre elas.

Febre e frio. Por que da divisão? Como você organizou esta seleção de contos para cada um deles?

A seção "Frio" já estava pronta desde 2001, quando fiz uma ediçãozinha em separado, de circulação apenas regional. Como conseqüência inevitável, me parece, surgiu "Febre", o outro e o mesmo lado da questão, dependendo da ótica do leitor. A febre aí pode ser fria, e o frio, um arrepio na espinha, de quem sente o espírito e a carne queimarem.

Em "O Crítico" estaria você dialogando consigo mesmo?

Não. Foi uma homenagem que fiz a um grande crítico, generoso, corajoso, que metia medo nos carreiristas de sempre. O escritor que o evita é que fica mal aos olhos do leitor, acredito.

Qual sua história favorita de "A Solidão do Diabo", aquela que você mandaria para alguém como amostra de seu trabalho?

"Como um Anjo".

Por quê? Qual o segredo contido ali?

Acho que o livro é tão porrada, tão punk, dark, down, etc., que o anticlímax contido ao longo de "Como um Anjo", a opção por uma vida de omissões, a paz da paz (essa antítese do êxtase, essa escolha pela não-escolha, essa morte em vida sem a sombra insuportável da tragédia), francamente, considero a idéia um achado. O conto TRAI o livro, pega o conjunto no contrapé. E, creio, vai deixar o leitor desnorteado. Daí eu gostar tanto dele. Bem, e o ritmo, cuidadoso, musical - literatura para mim é ritmo, antes de enredo. Ah, e criar um personagem sem trama alguma, pô, isso é que é desafio. Bom, e o "Crusoé". Tem tuuuudo a ver com a atmosfera que o meu espírito respira.

Como você definiria seu estilo literário?

À queima-roupa com uma (ou várias) músicas ao fundo, tocando sem parar. Realismo perturbado de poesia.

Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

Muitas. O mercado quer é exotismo (lá fora compram o Brasil da Amazônia, da Bahia, da MPB; aqui compram o Islã, que está na moda). Literatura de qualidade, ainda mais de autor nacional, vende muito pouco, quase nada. Mal conseguimos driblar o prejuízo. E a resposta está na pergunta que você fez: "um país que está bem longe de ser um apreciador de livros". Eu completaria "de bons livros", já que bobagem, como ficções para se matar o tempo (quando deveríamos ganhá-lo, com coisas reveladoras, transformadoras) são o que mais vende. Os besta-sellers.

Por fim, como você vê a literatura brasileira contemporânea? Quais são os escritores que você indicaria para uma leitura atenta?

Vejo muito bem em produção, não em consumo. Eu indicaria W. J. Solha e seu incrível "História Universal da Angústia", várias histórias de crimes hediondos da humanidade recontadas de forma brilhante; Rubem Mauro Machado e um livro que interessa a todo jovem e adulto, uma história de formação, moral, emocional, amorosa: "A Idade da Paixão"; Vicente Franz Cecim e seu inclassificável "Ó Serdespanto" (assim mesmo, sem espaço), um livro que mistura filosofia, narrativa, lendas, poesia - e que acho que vai além da literatura que conhecemos. Coisa inovadora de fato! Além disso, é bom conferir Bernardo de Carvalho, Chico Buarque (o cara escreve bem mesmo), Daniel Galera ("Mãos de Cavalo"), Paulo Scott ("Senhor da Escuridão"), Luiz Ruffato ("Vista Parcial da Noite"), Flávio Braga ('O Que Eu Contei A Zveiter Sobre Sexo"). Bom, a lista vai ficar grande demais. Porque a literatura brasileira está se mostrando grande.

Fonte:
Revista Speculum. http://www.speculum.art.br/ , em 16/03/2007.

Theófilo de Amarante (Extractos de composição)

Salvador Dali (Cabeça nas Nuvens)
Se o Ego não fosse um computador!
Andaríamos com pilhas de alfarrábios na cabeça
que se enterraria no chão,
pela coacção do peso
e a complexidade das mensagens.

Se o estômago não fosse uma fábrica gástrica.
Teríamos no ventre,
portas e janelas dum enorme armazém de comidas e bebidas.
Estaríamos sujeitos à complexidade da conservação
e ao peso da gestão.

Se os olhos fossem uma máquina fotográfica.
Passariam a maior parte do tempo no quarto escuro,
revelando as imagens que absorve.
Viveríamos relembrando pontos fixos
sem ver a complexidade evolutiva.

Se a audição fosse um centro de gravação.
Teríamos nos ouvidos,
um auditório tão amplexo
que ouviríamos somente o boato da nascente
e o urro da morte.

Se o corpo não fosse o universo.
Seriamos diluídos nos esquemas da anteposição.
O Ego, o estômago, os olhos e a audição.
Vagariam nas trevas desunidos
na procura da união.
------------------
Fonte:
Colaboração do autor.

domingo, 29 de março de 2009

Eno Teodoro Wanke (Poesia)


Não gostava de poesia. Pelo menos dizia não gostar. E dizia que não gostava porque – por fantástico que possa parecer – jamais tinha lido um poema. Na verdade, não tinha o hábito da leitura.

Um dia, porém, deparou com um livro aberto sobre a mesa de jantar da pensão. Outro hóspede o deixara ali, esquecido.

Leu a primeira frase. Achou esquisita, mas agradável. Leu a segunda. Não era má. Leu a terceira – e viu que a última palavra rimava com a palavra de fecho da primeira.

Levou um pequeno susto. Era um poema, o que estava lendo!

Hesitou. Prosseguiria na leitura?

Decidiu continuar para ver no que dava. Leu o quarto verso.

é. Era interessante.

Continuou a ler. Deliciou-se. Passou para o poema seguinte. Não é que era bom?

Foi assim que o cidadão Diogo Albuquerque Mendonça perdeu para sempre o direito de dizer que não gostava de ler poesia.

Fonte:
WANKE, Eno Teodoro. Caminhos: minicontos. 1.ed. RJ: Plaquette, 1992, p.35.
Imagem = CD Rom Digeratti.

Nelson Saldanha D’Oliveira (No Embalar das Trovas)

Luciano de Oliveira (Casal no Balanço)
Se queres um mundo aberto,
Compreensivo num segundo,
É preciso abrir primeiro
O teu coração ao mundo.

Se em troca do teu afeto
Exiges o afeto meu,
Já não tens razão de queixa
O meu coração é teu.

Passei toda minha vida
Buscando a felicidade,
No final só encontrei
Um punhado de saudade.

Primavera estação mágica
Cheia de luz e de amores,
Torna a vida mais alegre
E salpicada de flores.

Na praia ondas rolavam,
Alegremente a cantar,
Parecia até namoro
Das areias com o mar.

Recordo a vida do campo
Com ternura e com saudade,
Pois á só encontrei amigos,
Afeição, muita lealdade.

O amor se assemelha à flor,
Sem regar pode morrer,
Deixando apenas lembranças,
Perfume do bem-querer.
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Fontes:
Antologia dos Acadêmicos: edição comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar. SP: Scortecci, 2001.
Pintura =
http://fazendoarteemfeira.blogspot.com