sábado, 27 de junho de 2009

Lafcádio Hearn “Koizumi Yakumo” (27 Junho 1850 – 26 Setembro 1904)



Patrick Lafcádio Hearn (27 de junho de 1850 - 26 de setembro de 1904), também conhecido como Koizumi Yakumo, nome que adotou após adquirir cidadania japonesa, foi um jornalista e escritor conhecido por seus livros a respeito do Japão. Ele é especialmente conhecido pelos japoneses devido às suas coleções de contos de fadas, um dos quais foi transformado em filme por Masaki Kobayashi (Kwaidan (1965)). Viveu muito tempo no Japão e conquistou, com sua obra, grande renome internacional.
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Hearn nasceu na Grécia, na ilha de Leocádio, uma das ilhas jônicas (Em grego a ilha se chama Lefkas - de onde se origina seu nome). Filho do major cirurgião Charles Hearn, nascido em King's County na Irlanda e de Rosa Antonia Kassimati nascida em Leocádio. Seu pai estava servindo na ilha durante a ocupação inglesa das ilhas jônicas. Aos seis anos de idade Lafcádio Hearn mudou-se para a Irlanda. O gosto pelas artes e pela Boemia estava no sangue de Hearn. O irmão de seu pai, Richard, foi um membro renomado do grupo de artistas Barbizon, embora não tenha feito fama como pintor devido à sua falta de energia.

O jovem Hearn teve uma educação casual, mas estudou por um curto período (1865) no Ushaw Roman Catholic College em Durham. A fé religiosa na qual ele foi criado, foi logo perdida e, aos 19, ele foi enviado para viver nos Estados Unidos da América, se instalando na cidade de Cincinnati, Ohio. Lá ele desenvolveu uma amizade que durou toda a sua vida com o impressor inglês Henry Watkin. Com a ajuda de Watkin, iniciou uma carreira no baixo escalão do jornalismo. Devido ao seu talento como escritor, subiu rapidamente e se tornou repórter no Cincinnati Daily Enquirer, onde permaneceu de 1872 a 1875. Com liberdade criativa em um dos maiores jornais em circulação na cidade, ele desenvolveu uma reputação pelos sensíveis, sombrios e fascinantes relatos sobre os desfavorecidos de Cincinnati. Ele continuou a se ocupar do jornalismo, leituras e observações da sociedade local, enquanto suas idiosincrasias românticas e por vezes mórbidas se desenvolviam.

Ainda em Cincinnati, casou-se com Mattie, uma mulher negra, o que na época era uma prática ilegal. Quando o escândalo foi descoberto e tornado público, ele foi demitido do Enquirer e foi trabalhar no jornal rival, o Cincinnati Commercial, mas a poluição da cidade irritava seus olhos sensíveis e ele se mudou para New Orleans, Luisiana em 1877

De 1877 a 1888 permaneceu em New Orleans escrevendo para o Times Democrat. Seus escritos nessa cidade se concentravam na história creole da cidade, sua culinária peculiar, a marginalidade e o Vodu. Seus artigos para publicações como a Harper's Weekly e Scribner's Magazine ajudaram a moldar a imagem de New Orleans como um colorido reduto da decadência e do hedonismo. Seu livro mais conhecido sobre a Luisiana é Gombo Zhebes (1885).

O Times Democrat enviou Hearn para as Índias Ocidentais como correspondente em 1889. Ele passou dois anos nas ilhas e lá produziu Two Years in the French West Indies (Dois Anos nas Índias Ocidentais Francesas) e Youma, The Story of a West-Indian Slave (Youma, a História de um Escravo das Índias Ocidentais), ambos em 1890.

Em 1891 foi ao Japão comissionado como correspondente em um jornal, mas o contrato foi logo rompido. Foi no Japão, no entanto, que encontrou seu lar definitivo e sua maior fonte de inspiração.

Durante a década de 1890, ele se tornou professor de literatura inglesa na Universidade Imperial de Tóquio e logo se viu totalmente enfeitiçado pelo Japão. Casou-se com uma japonesa, filha de um samurai, se naturalizou japonês sob o nome de Koizumi Yakumo e adotou o budismo. Sua saúde tornou-se frágil nos últimos anos de sua vida, forçando-o a parar de dar aulas na Universidade. Morreu em 26 de setembro de 1904 vítima de um ataque cardíaco.

No fim do século XIX o Japão era ainda desconhecido e exótico para o mundo ocidental. Com a introdução da estética japonesa, particularmente na Exposição Universal de 1900, em Paris, o Ocidente adquiriu um apetite insaciável pelo Japão e Hearn se tornou mundialmente conhecido pela profundidade, originalidade e sinceridade dos seus contos. Em seus últimos anos, alguns críticos, como George Orwell, acusaram Hearn de transferir seu nacionalismo e fazer o Japão parecer mais exótico, mas, como o homem que ofereceu ao Ocidente alguns de seus primeiros lampejos do Japão pré-industrial e do Período Meiji, seu trabalho ainda é valioso até hoje.

Livros sobre temas japoneses
Glimpses of Unfamiliar Japan (1894)
Out of the East: Reveries and Studies in New Japan (1895)
Kokoro: Hints and Echoes of Japanese Inner Life (1896)
Gleanings in Buddha-Fields: Studies of Hand and Soul in the Far East (1897)
Exotics and Retrospectives (1898)
Japanese Fairy Tales - Contos de fadas japoneses (1898) e seqüências
In Ghostly Japan (1899)
Shadowings (1900)
A Japanese Miscellany (1901)
Kottō: Being Japanese Curios, with Sundry Cobwebs (1902)
Kwaidan: Stories and Studies of Strange Things (1903)
Japan: An Attempt at Interpretation (1904; publicado logo após sua morte)
The Romance of the Milky Way and other studies and stories (1905; publicado postumamente)

Fonte:
Wikipedia

Carlos Reverbel (21 Julho 1912 – 27 Junho 1997)



Carlos de Macedo Reverbel (Quaraí, 21 de julho de 1912 — Porto Alegre, 27 de junho de 1997) foi um jornalista, cronista e historiador brasileiro.

Reverbel nasceu em 1912, em Quaraí. Criou-se numa vida de fazendeiro, em família de largas posses e bastante ilustrada, coincidência que era relativamente comum até certo tempo atrás. Veio a Porto Alegre, para estudar, em 1927, e seguiu estudando no antigo Anchieta até 1933, quando abandonou os estudos formais sem formar-se e sem habilitar-se, portanto, para qualquer curso superior, para desgosto de sua família. Resolveu ingressar no jornalismo, vocação rara em sua geração e classe; para começo de carreira, preferiu trabalhar num jornal de cidade acanhada, a Florianópolis de 1934. Depois disso retornou ao Rio Grande do Sul, onde fez carreira de sucesso no Correio do Povo. Militou na Livraria do Globo, como secretário burocrata e como jornalista, nas duas revistas da época, a popular Revista do Globo e a super-intelectualizada Província de São Pedro.

Na altura de 45, intensificou a convivência (que jamais terminaria) com a obra de Simões Lopes Neto. Primeiro, numa extensa reportagem com a viúva, que ainda vivia; depois com a redescoberta dos textos que viriam a compor o livro Casos de Romualdo; tempos adiante, com a biografia que agora se reproduz. Em suas memórias, fez questão de apor título alusivo ao escritor pelotense: aquela “arca de Blau”, que é o tesouro das memórias de Reverbel, evocava o personagem-narrador dos Contos gauchescos. Em 47, vendeu quase tudo que tinha para viver por dois anos em Paris, já casado. Na volta, viria a ser um dos mais importantes, senão o mais importante, dos jornalistas culturais de século 20 no estado, ao protagonizar uma seção de literatura e cultura no Correio, a partir de 1954. Não apenas editou, escreveu, resenhou e fez reportagens ali; também inventou pautas, propôs textos para escritores daqui e de fora, promoveu enquetes, fez andar a fila da vida cultural letrada.

Viveu até 1997. Sua presença faz uma falta enorme: para além da figura gentil e acolhedora que era, tratava-se de um daqueles sujeitos que tinha, já de moço, a perspectiva da história e o gosto das reminiscências, motivo por que soube desde cedo aproveitar idéias que os jornalistas nem sempre percebem como importantes. Exemplo: em 1948, se lançou a Santana do Livramento entrevistar uma senhora de 93 anos que tinha conhecido, adolescente, naquela cidade, ninguém menos que José Hernández, o autor do Martin Fierro, clássico escrito em parte ali mesmo, na fronteira brasileiro-uruguaia.

Seu faro histórico o fazia igualmente detectar valores no presente. É o caso de uma extensa reportagem que faz, no calor da hora de 48, sobre os jovens gravuristas de Bagé, terra que, segundo o bem humorado mas nunca nihilista Reverbel (o nihilismo é uma das flores fáceis do jornalismo cultural, garantindo sucesso junto aos impressionáveis e aos tolos de todos os tempos mas improdutivo a longo prazo — o prazo mental com que Reverbel e os bons trabalham), seria uma das mais improváveis para a eclosão de movimento artístico de tipo moderno.

Na crônica propriamente dita, é um dos bambas da língua portuguesa, sem favor algum. Com estilo agradável na linha de Rubem Braga (ou, no campo da memória, de Pedro Nava), brincando com o tema e consigo mesmo, manejando a alta cultura letrada e com a vivência profunda da cidade — especialmente a cidade de Porto Alegre, que ele retratou em detalhes e minúcias a que os amantes do tema devemos agradecer penhorados —, ele soube comentar o miúdo recente, como a estranha mania do “chispa”, nos anos 70 do Parcão, tanto quanto o graúdo das questões profundas, em particular as mudanças na paisagem da cidade, tudo sempre tomado de um ângulo capaz de mostrar o ridículo que se esconde na solenidade.

Maragato de família, antigetulista nos anos 30, espantado com o sucesso do Tradicionalismo mas capaz de elogiar a importância das pesquisas de Paixão Cortes; apreciador de intelectuais lusófilos como Gilberto Freyre ou Moysés Vellinho, amigo de Erico Verissimo e admirador de Darcy Azambuja; incorformado com o barulho em Porto Alegre e envolvido sempre com a divulgação das leituras antigas da terra, que ele cultivava com requintes de colecionador de livros e o paladar refinado dos grandes leitores — Reverbel é daquelas figuras que engrandeciam o interlocutor, ao vivo, e fazem o bem do leitor, por escrito.

Foi escolhido como o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre de 1993.

Obra literária

Barco de papel (crônicas), 1978;
Saudações aftosas (crônicas), 1980;
Um capitão da Guarda Nacional (biografia de Simões Lopes Neto), 1981;
Diário de Cecília de Assis Brasil, 1984;
Pedras Altas – A vida no campo segundo Assis Brasil, 1984;
Maragatos e Pica-paus, 1985;
O gaúcho, 1986;
Arca de Blau (memórias), 1993.

Fontes:
Luís Augusto Fischer. In Cafezinho na Net
Wikipedia

Lya Luft (15 Setembro 1938)

"Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. (...) É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. (...) Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem."

Lya Luft nasceu no dia 15 de setembro de 1938, em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul.

Por se tratar de cidade de colonização alemã, as crianças, em quase sua totalidade, falavam alemão, e os livros utilizados nas escolas vinham da Alemanha. Com onze anos, Lya decorava poemas de Goethe e Schiller.

Posteriormente, estudou em Porto Alegre (RS), onde se formou em pedagogia e letras anglo-germânicas.

Iniciou sua vida literária nos anos 60, como tradutora de literaturas em alemão e inglês. Lya Luft já traduziu para o português mais de cem livros. Entre outros, destacam-se traduções de Virginia Wolf, Reiner Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho Strauss e Thomas Mann. Ela diz que traduzir é sua verdadeira profissão. E que faz tradução para ganhar dinheiro. Mas também porque gosta. Um trabalho que exige respeito. Seu desejo é aproximar o escritor estrangeiro do leitor brasileiro. Confessa que não pode ser inteiramente fiel, porque pode-se correr o risco de ninguém entender nada. Mas não faz um carnaval em cima do texto alheio, não inventa, não cria frases que não existem.

Conheceu Celso Pedro Luft, seu primeiro marido, quando tinha 21 anos. Ele tinha quarenta. Era irmão marista. Foi numa prova de vestibular. Achou-se ridícula quando pensou: esse é o homem da minha vida! O irmão marista tirou a batina para casar com ela em 1963.

Nessa paixão, começou a escrever poesia. Os primeiros poemas foram reunidos no livro "Canções de Limiar" (1964).

Tiveram três filhos: Suzana, em 1965; André, em 1966; e Eduardo, em 1969.

Em 1972 lança mais um livro de poemas, "Flauta Doce".

Em 1976, escreveu alguns contos e mandou para Pedro Paulo Sena Madureira, que era editor da Nova Fronteira. Pedro Paulo respondeu dizendo que os contos eram todos “publicáveis”. Pedro Paulo, no entanto, aconselhou Lya a escrever um romance, dizendo que ela era romancista. Dois anos depois ela escreveu "As Parceiras".

Em 1978 lança seu primeiro livro de contos, "Matéria do Cotidiano".

A ficção entrou em sua vida dois anos depois de um acidente automobilístico quase fatal em 1979. Como teve uma visão mais próxima da morte, diz a autora que começou a fazer tudo que evitava.

Primeiro foram crônicas, com o lançamento de "As Parceiras", em 1980, e "A Asa Esquerda do Anjo", em 1981. Textos amenos. Uma espécie de fingimento de que na vida tudo é bom. A morte é encarada como uma coisa normal. Mas gostaria que todos os seus amigos fossem eternos. Mesmo assim, acha a morte uma coisa mágica.

Em apenas oito anos Lya Luft sofreu duas perdas grandes demais. Dos 25 aos 47 anos foi casada com Celso Pedro Luft. Separou-se dele em 1985 e foi viver com o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino, que morreu três anos depois. Em 1992 voltou a casar-se com o primeiro marido, de quem ficou viúva em 1995.

A escritora é conhecida por sua luta contra os estereótipos sociais. "Essas coisas que obrigam as pessoas a ser atletas. Hoje é quase uma imposição: a ordem é fazer sexo sem parar, o tempo todo. A ordem é não fumar, não beber. É essa loucura o dia inteiro na cabeça. Quem não for resistente acaba enlouquecendo. E a vida fica para trás. Hoje as pessoas estão sofrendo muito. Um sofrimento absolutamente desnecessário. Especialmente as mulheres que fazem plástica logo que vêem uma ruga no rosto. Plásticas de inteira inutilidade".

Lya Luft deixa claro que nada tem contra as cirurgias plásticas, mas contra o rumo disso tudo. A autora diz ser uma constatação precária dizer que ela escreve sobre mulheres. Mulheres não são seus personagens exclusivos. “Escrevo sobre o que me assombra”, observa. E nisso está a infância. O importante é o compromisso com a dignidade. Toda a sua obra poderia ser resumida — como afirma — num livro de indagações.

Em 1982 publica "Reunião de Família", e em 1984 outros dois livros: "O Quarto Fechado" e "Mulher no Palco". "O Quarto Fechado" foi lançado nos E.U.A. sob o título "The Island of the Dead".

Quem é Lya Luft?
Uma mulher gaúcha, brasileira, que faz cada vez mais, aos sessenta e um anos, o que desde os três ou quatro desejava fazer: jogar com as palavras e com personagens, criar, inventar, cismar, tramar, sondar o insondável.

"Tento entender a vida, o mundo e o mistério e para isso escrevo. Não conseguirei jamais entender, mas tentar me dá uma enorme alegria. Além disso, sou uma mulher simples, em busca cada vez mais de mais simplicidade. Amo a vida, os amigos, os filhos, a arte, minha casa, o amanhecer. Sou uma amadora da vida. O que você nunca vai esquecer? Escutar o vento e a chuva nas árvores do imenso jardim que cercava a casa de meu pai, na minha infância".

Puro maravilhamento. O que lhe causa repugnância? Preconceito, hipocrisia. Vale a pena escrever?

"Não escrevo porque “valha a pena”, mas porque me faz feliz, simplesmente".

O que falta à literatura brasileira?

"Nada, não falta nada. Ela é o que é, simplesmente, cheia de graça, desgraça, florescente, múltipla, lutando com a crise econômica que atinge também as editoras, mas, como não se escreve para ficar rico, tudo bem".

E Deus?

"Deus eu imagino como força de vida: luminosa, positiva, imperscrutável".

E o Brasil? Brasil cujo jeito é parecer não ter jeito.

"Não quero jamais ter de morar longe dele. Aqui tudo é possível. E tanto está ainda por fazer".

O que fazer para reverter esse quadro de miséria?

"Que os responsáveis por isso criem vergonha na cara".

Quem não merece respeito algum de ninguém?

"Todos merecem algum respeito, no mínimo compaixão".

Você costuma rezar?

"Não tenho nenhuma religião instituída, mas tenho uma profunda visão “religiosa”, sagrada, da natureza, das pessoas, do outro".

Qual é seu momento ideal para escrever?

"O momento em que meu livro quer ser escrito. Mas normalmente produzo mais de manhã bem cedo. Gosto de ver o dia nascer, aqui na minha mesa de trabalho e do meu computador".
Se confessa uma mulher tímida, embora não pareça.

Em 1987 lança "Exílio"; em 1989 o livro de poemas "O Lado Fatal" e, em 1996, o premiado "O Rio do Meio" (ensaios), considerado a melhor obra de ficção do ano.

Lya Luft afirma que hoje prefere ficar quieta consigo mesma. Já casou demais. Já enviuvou demais. Não se imagina mais vivendo ao lado de ninguém. Mas não quer desprezar os encantamentos que surgem por seu caminho. Lya afirma ter sido um privilégio ter conhecido e vivido com dois homens que muito lhe ensinaram. Sua visão do masculino é muito positiva. Foram três homens, na verdade, que a influenciaram e percorreram sua vida, erguendo seu rosto, seu percurso, abrindo seus rumos: seu pai, Arthur Germano Fett, que considerava um homem culto, amigo e também solitário; seu cúmplice, Celso Pedro Luft, de quem herdou o sobrenome; e Hélio Pellegrino. Três homens inesquecíveis. Que sempre vão permanecer nas palavras, nos pensamentos, nos acenos possíveis.

Não faz tarde de autógrafos, sente-se desconfortável com isso. Não gosta de discutir teorias literárias, especialmente quando se referem à sua obra. Nunca pensou em tradição literária ou, especialmente, em tradição literária gaúcha. Não quer fazer literatura regional. Não quer ser representante de descendentes. Não quer pertencer a grupo nenhum. Quer mesmo é ser livre. Quer ficar quieta no seu canto. No livro "Secreta Mirada", lançado em 1997, ela se deixou com ela mesma e discorreu sobre temas que nunca fala em discussões literárias, em entrevistas, depoimentos.

"Sou dos escritores que não sabem dizer coisas inteligentes sobre seus personagens, suas técnicas ou seus recursos. Naturalmente, tudo que faço hoje é fruto de minha experiência de ontem: na vida, na maneira de me vestir e me portar, no meu trabalho e na minha arte.

Não escrevo muito sobre a morte: na verdade ela é que escreve sobre nós - desde que nascemos vai elaborando o roteiro de nossa vida.

O medo de perder o que se ama faz com que avaliemos melhor muitas coisas.

Assim como a doença nos leva a apreciar o que antes achávamos banal e desimportante, diante de uma dor pessoal compreendemos o valor de afetos e interesses que até então pareciam apenas naturais: nós os merecíamos, só isso. Eram parte de nós.

O amor nos tira o sono, nos tira do sério, tira o tapete debaixo dos nossos pés, faz com que nos defrontemos com medos e fraquezas aparentemente superados, mas também com insuspeitada audácia e generosidade. E como habitualmente tem um fim - que é dor - complica a vida. Por outro lado, é um maravilhoso ladrão da nossa arrogância.

Quem nos quiser amar agora terá de vir com calma, terá de vir com jeito. Somos um território mais difícil de invadir, porque levantamos muros, inseguros de nossas forças disfarçamos a fragilidade com altas torres e ares imponentes.

A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranqüilidade, querer com mais doçura.

Às vezes é preciso recolher-se
".

Em 1999 a escritora lança o livro "O Ponto Cego".

A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada”.

Bibliografia:
- Canções de Limiar, 1964
- Flauta Doce, 1972
- Matéria do Cotidiano, 1978
- As Parceiras, 1980
- A Asa Esquerda do Anjo, 1981
- Reunião de Família, 1982
- O Quarto Fechado, 1984
- Mulher no Palco, 1984
- Exílio, 1987
- O Lado Fatal, 1989
- O Rio do Meio, 1996
- Secreta Mirada, 1997
- O Ponto Cego, 1999
- Histórias do Tempo, 2000
- Mar de dentro, 2000
(Todos os livros foram publicados pelas Edições Siciliano e Mandarim, São Paulo - SP)

- Perdas e ganhos, 2003 - Editora Record

Fonte:
Arnaldo Nogueira Jr. In Projeto Releituras

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Trova XXX

Cintian Moraes (A diferença entre Viver Bem e Viver Melhor)


Hoje dei um descanso a minha mente agitada e aos meus dedos cansados de digitar no teclado do computador, por um momento respirei e passei a me interessar pelo que via nas ruas.

O que vi foram meninos brincando de pés descalços na rua de asfalto, morrendo de rir e exaustos por correrem atrás da bola.

Naquele momento, eu transferi para mim a felicidade que eles sentiam. A felicidade deles me alegrava completamente.

Parei e também ouvi os pássaros que faziam festa na árvore da casa do vizinho da frente. Olhei um carro que passava, passou tão rápido que quase atropelou os meninos que distraídos jogavam bola. Alguns minutos depois, eis que surge um caminhão na esquina que dizia pelo auto falante...

- Hei, você que está aí dentro de casa, venha conhecer o artesanato nordestino, vendemos tapetes artesanais, redes, colchas, esculturas feitas em barro, jogos de cozinha, tudo para a sua casa.

Impossível não rir, no caminhão que passava, todos os artesanatos estavam pendurado nas portas, até os que estavam dentro do baú do pequeno caminhão dava para ver. As portas estavam abertas, tinham tantas coisas lá dentro que era difícil saber o que exatamente estavam carregando. A cena me impressionou, fiquei observando aquilo que era tão diferente. Senti inveja da criatividade que tiveram. A mercadoria cobria todo o caminhãozinho que ficou lindo, me senti no nordeste. O sotaque arrastado no auto falante me fez rir e senti muita felicidade.

Depois de admirar o caminhão, os meninos olharam para mim, com ar de estranhisse e voltaram a jogar, certamente eles também nunca tinham visto coisa parecida. Alguns vizinhos curiosos também saíram na rua para ver o tal do caminhão. Era bizarro e pitoresco.

Olhei para o lado de cima da rua e vi duas vizinhas conversando, de certo estavam botando a fofoca em dia, esse encontro sempre acontecia no mínimo uma vez por semana.

Em um outro dia...

Precisei ir até a casa de uma amiga em um condomínio fechado em um bairro distante do meu.

Ao chegar, me identifiquei na portaria, o porteiro ficou atrapalhado, não olhou para mim enquanto eu dizia o meu nome, olhou para o carro que estava chegando no portão principal do condomínio. Só depois de abrir o portão é que ele foi olhar para o meu rosto. Então, repeti o meu nome e disse que a minha amiga estava me aguardando.

Ele me fez esperar uns 10 minutos e depois eu entrei.

Eu andava a pé, ainda bem, porque pude ver com todos os detalhes as belíssimas casas do condomínio. Me senti muito bem lá, era confortável, mas não era como na rua de casa. Depois de andar e observar, o isolamento me incomodou, não vi nenhum vizinho, crianças fazendo barulho – para atrapalhar os vizinhos, é claro – vi somente imagens paradas. Se não fossem os ventos, seriam estáticas.

Me senti sozinha, como se fizesse parte de uma bela imagem pregada em um quadro na parede da sala. Havia vida no lugar, belíssimos jardins, moldados pelas mãos humanas, bem diferente do jardim da minha casa, cheia de matos entre as cebolinhas para o tempero da minha mãe, hortelã para meu chá da noite, e de onde colho acerolas e morangos.

Quando cheguei, minha amiga me esperava com a porta semiaberta. Ela me convidou para entrar, o silêncio era predominante na casa, ela estava sozinha com a empregada. Me senti novamente na bela imagem pregada em um quadro na parede da sala e me perguntei:

- Para que tanto isolamento? O barulho faz mal? Os vizinhos do condomínio nem ao menos se cumprimentavam quando se viam, os jovens e a garotada tinham o seu canto reservado nos fundos do condomínio, um campo, uma quadra e uma piscina, onde não vi ninguém.

Sai de lá sem sentir felicidade e fui embora recordando do meu tempo de criança, onde o meu mundo era perfeito e ria todos os dias. Lembro de quando eu me juntava com as meninas da rua de casa para brincar de fazer perfumes com as pétalas de rosa que nasciam no meu jardim. Às vezes pegávamos caramujos e brincávamos de experiências. Quando sentia cheiro de bolo, logo sabia que a minha vizinha mais tarde apareceria no muro de casa chamando a minha mãe para lhe entregar o pedaço de bolo que acabava de sair do forno. Os meus vizinhos nem batiam palma no portão, entravam e chamavam da garagem. Não tinha vergonha nenhuma de comer na casa de algum vizinho e depois voltar de barriga cheia para a casa. Quando minha mãe precisava sair, fazia um trato com alguma vizinha para cuidar de mim e dos meus irmãos e ia tranquila resolver os problemas no centro da cidade. Depois falava: - quando precisar pode deixar os seus meninos aqui que eu cuido também.

Que tempos diferentes que parecem nem fazer parte de uma só vida. Não faz tanto tempo assim, apenas 20 anos e nem consigo imaginar o que será daqui mais 20. As coisas mudam tão depressa que a minha felicidade caminha, se acostuma e se adapta com essa nova vida que às vezes me perco nela.

Não entendo se é porque estou vivenciando isso, mas o que sei, é que a minha geração está passando por sérias mudanças de tecnologias que nos cutucam por todos os lados e sei que essas mudanças ainda serão grandiosas e bastante significativas para pessoas divididas entre viver bem e viver melhor.

Fontes:
Cenário Cultural

Valdeck Almeida de Jesus (Poesias)


A Vida Pulsa

Moro no mesmo lugar
Há mais de dez anos
E todos os dias vejo
Ouço, Sinto, Respiro
Todas as manhã
Os mesmos movimentos.

Não há mais árvores
Não há mais sombras
Tampouco água corrente.
Só o canto mavioso
Das aves diurnas
Ecoa de alegria
Pelo nascer do dia.

Comemoram a chegada
Do sol que vivifica
No entanto, eu não via
Nem mesmo percebia
Que a vida mágica e frágil
Em se mostrar insistia.

Com o passar do tempo
Do alto da soberbia
Através de um olhar
A vida passando eu via
Sem que nada daquilo
Me fizesse ter alegria…
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Coração de Pedra

Vivi traições e mentiras,
Alegrias e tristezas.
Com você, surge no horizonte
O amor que me tira da torpeza.

Sensação boa, gratificante,
Vivifica o corpo e a alma,
Desperta o humano,
Revive o poeta.

Os versos retornam,
A sensibilidade aflora,
Quando a paixão me devora.

O amor faz rir ao triste,
Dá sorriso a quem chora
E quebra o coração de pedra.
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Cicatrizes

A vida é uma sucessão
Sucessão de cicatrizes
Cicatrizes do amor
Cicatrizes da alegria
Cicatrizes da dor
Cicatrizes da euforia.
Não quero viver
Sem cicatrizes
Alegres os tristes
Quase felizes
Meus dias terão
Várias cicatrizes
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Valdeck Almeida De Jesus (1966)



Funcionário público federal, nasceu a 15 de fevereiro de 1966 em Jequié/BA, onde viveu até aos seis anos de idade, quando foi residir na Fazenda Turmalina (região de Itagibá/BA), onde continuou a estudar em escola pública até os 12 anos de idade. Aluno exemplar retornou a Jequié/Ba para se matricular na 5ª série do primeiro grau, em escola pública. Ingressou nas Faculdades de Enfermagem e de Letras, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia em 1990; na Faculdade de Turismo, na Faculdade São Salvador, não concluindo os cursos. Reside em Salvador, desde fevereiro de 1993. Atualmente faz o curso de Jornalismo na Faculdade Social da Bahia.

Prêmios Literários:

– Menção Honrosa em 1989 no 1° Concurso Nacional de Poesia, promovido pelo Instituto Internacional da Poesia, de Porto Alegre/RS

– Menção Honrosa no Concurso Literário Oswald de Andrade, promovido pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em 1990, na cidade de Jequié/BA

– Classificação no concurso literário Bahia de Todas as Letras, promovido pela Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus/Ba, no ano de 2007, com o conto “Eu e o Word”, com nota 7 (sete)

– Classificação no concurso literário realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal da Bahia, com a crônica “Alice”, no ano de 2007, em Salvador/BA

– Destaque no XII Concurso de Poesias, Contos e Crônicas realizado em 2007 pela ALPAS XXI, em Cruz Alta/RS com o texto “Minha paixão por livros”.

Livros publicados

“Heartache Poems. A Brazilian Gay Man Coming Out from the Closet”, iUniverse, New York, USA, 2004; poesias

“Feitiço Contra o Feiticeiro”, Scortecci, São Paulo, 2005; Livro de poesias.

“Memorial do Inferno. A Saga da Família Almeida no Jardim do Éden”, Scortecci, São Paulo, 2005;

“Memorial do Inferno. A Saga da Família Almeida no Jardim do Éden”, Giz, São Paulo, 2007;

Editor da “1ª Antologia Poética Valdeck Almeida de Jesus”, Casa do Novo Autor, São Paulo, 2006;

“Jamais Esquecerei do Brother Jean Wyllys”, Casa do Novo Autor, São Paulo, 2005;

“Poemas Que Falam”, Casa no Novo Autor, São Paulo, 2007.

“Valdeck é Prosa, Vanise é Poesia”, Câmara Brasileira do Jovem Escritor, Rio de Janeiro, 2007.

Editor da “2ª Antologia Poética Valdeck Almeida de Jesus”, Casa do Novo Autor, São Paulo, 2007;

“30 Anos de Poesia”, Câmara Brasileira do Jovem Escritor, Rio de Janeiro, 2008;

Editor da “3ª Antologia Poética Valdeck Almeida de Jesus”, Giz Editorial, São Paulo, 2008.

“Memories from Brazilian Hell: The Saga of Almeida Family in the Garden of Éden”, iUniverse, Nova York (USA), 2008.

Trabalhos Realizados e Entidades que Pertence

Expositor, como escritor independente, na Bienal do Livro da Bahia, em 2005, 2007 e 2009.

Expositor no III Corredor Literário da Paulista, de 09 a 14 de outubro de 2007, em São Paulo/SP

Participação no V Fórum Social Mundial, em Porto Alegre/RS, de 26 a 31 de janeiro de 2005;

Participação, como organizador da Mostra de Arte e Cultura, no II Congresso Estadual do Sindjufe-BA, de 01 a 03.06.2007, no Hotel Sol Bahia Atlântico, em Salvador/BA

Tem poemas publicados nos jornais de grande circulação da capital e do interior do estado da Bahia, além de jornais de Brasília/DF; Colaborador, desde 1985, do jornal A PROSA, de Brasília/DF.

Colaborador da revista cultural Art’Poesia, de Salvador, editada por Carlos Alberto Barreto, que publica poemas de autores do mundo inteiro.

Palestra na ONG Vento em Popa, no bairro Jardim Gaivotas, em São Paulo, em 2007, com o tema “Motivação através da leitura”.

Colunista dos sites www.zonamix.com.br, www.radarmix.com e www.portalvilas.com.br, desde março de 2006.

Membro da Federação Canadense de Poetas desde 2004.

Membro da Associação Artes e Letras (França) desde 2005.

Membro da União Brasileira de Escritores – UBE, desde março de 2006.

Colaborador do Café Literário de Camaçari/BA, evento realizado pela coordenação do PROLER – vários anos.

Participação na Feira do Livro Internacional de Paraty (FLIP), 2008.

Lançamento de três livros na Bienal Internacional de São Paulo, 2008.

Membro Correspondente da Academia de Letras de Jequié.

Participante da "Mostra Poética: Cores das Letras no Brasil", realizado como atividade paralela do 4° Encontro Açoriano da Lusofonia,, promovido pela Sociedade dos Poetas Advogados de Santa Catarina - SPA/SC, de 31 de março a 04 de abril de 2009, na Biblioteca da Escola Secundária de Lagoa, Açores, Portugal.

Palestra e oficina de poesias na Biblioteca Comunitária do Calabar, bairro remanescente de quilombo, em Salvador/BA

Membro da Real Academia de Letras, Ordem da Confraria dos Poetas.

Fonte:
http://www.galinhapulando.com/perfil.php

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Trova XXIX

Miguel Falabella (Saudade)


"Em alguma outra vida, devemos ter feito algo de muito grave, para sentirmos tanta saudade..."

Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.

Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.

Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.

Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam se onde.
Você podia ficar o dia sem vê la, ela o dia sem vê lo, mas sabiam se amanhã.

Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna se menor, o outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber. Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada, se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua preferindo Skol, se ela continua preferindo suco, se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados, se ele continua cantando tão bem, se ela continua adorando o Mac Donald's, se ele continua amando, se ela continua a chorar até nas comédias.

Saudade é não saber mesmo!

Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as páginas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler.

Fontes:
Estudio Raposa

Natália Correia (Caravelas da Poesia)


"A DEFESA DO POETA"

Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.

Senhores professores que pusestes
a prêmio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.

Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.

Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de perdão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
Ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.

FIZ UM CONTO PARA ME EMBALAR

Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.

Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.

Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.

AUTO RETRATO

Espáduas brancas palpitantes:
Asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
Para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vozes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
Embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
Presa na teia dos seus ardis.

(1955)

QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS

Dão nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam nos os crânios ermos
com as cabeleiras dos avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós

Dão nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.

ODE À PAZ

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego, dos pastos,
Pela exatidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
–––––––––––––––––––––––––-
(durante o debate da Lei contra o alcoolismo)


Num país de beberrões
Em que reina o velho Baco
Se nos tiram os canjirões
Ficamos feitos num caco.

E querem os deputados
Com um ar de beatério
Que fiquemos desmamados
Quais anjos num baptistério.

Se o verde e o tinto são
As cores da nossa bandeira,
Ai, lá se vai a nação
Se acabar a bebedeira.

De abstemia não se faça
A lex neste plenário
Que o direito à vinhaça
Esse é consuetudinário.

A ALMA

Votada ao fogo obediente ao perigo
feroz do amor ser muito e o tempo pouco,
Chegas ébrio de sonho, ó estranho amigo
E eu não sei se por mim és anjo ou louco

Num beijo infindo queres morrer comigo.
Nesse extremo és sagrado e eu não te toco
Esquivo me. o teu sonho mais instigo.
Fujo te: a tua chama mais provoco.

A incêndio do teu sangue me condenas
E com ciumentas ervas te envenenas
Dizendo às nuvens que só tu me viste.

Bebendo o vinho de amantes mortos queres
Que eu seja a mais prateada das mulheres.
E de ser tão amada eu fico triste.

FALAVAM ME DE AMOR

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Fonte:
Estudio da Raposa