quarta-feira, 26 de agosto de 2009

I Bienal do Livro de Curitiba (Lançamento de livros)


Imagens de Inocência
Autora: Maivillis Amaro
Dia: 28 de agosto de 2009
Horário: 16:00 horas

Tudo é Poesia
Autor: Paulo Gomes
Dia: 29. de agosto de 2009
Horário: das 14:00 às 16:00hs

Sonhos Pluviais
Autor :Ralf Gunter Rotstein, o Poeta da Chuva

Dia 29 de agosto de 2009
Horário: das 14:00 às 16:00hs

Antologia Blablablogue e Jornal Memai
Autores: Marília Kubota e Outros
Dia: 29 de agosto às 19:00hs

Todos os lançamentos ocorrerão na Expo Unimed Curitiba - Espaço de lançamentos
Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300
Campo Comprido - Curitiba - PR - CEP 81280-330
Tel.: (41) 3340-4300 Fax: (41) 3340-4343

Fonte:
Andrea Motta

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Reforma Ortográfica 2

Fonte:
Blog do Orlandeli

Camila Giangrossi Meleke (A Poetisa e sua Poesia)



LEMBRANÇAS

Infância,
Doce, serena…
Lembranças saudosas…
Criança manhosa,
Infância…
Brincadeiras…
Casinha, bola, boneca…
Peão, corrida, peteca…
Realidade imitada, inventada…
Sou mamãe, sou professora, empregada…
Realidade imitada…
Tenho isso ou aquilo, vou onde precisar…
Deixo minha imaginação voar…
Sou poeta, escritora, dona do meu destino…
Faço e aconteço…
Imagino,
Deixo a infância me levar…
Brincadeiras…
Realidade imitada…
Pouco a pouco…
A infância se acaba…
O real se concretiza,
E as lembranças tão saudosas…
Fazem-se pelas mãos da poetisa!
–––––––––––––––

AMORES, AMIGOS, AMANTES…

Amores, amigos, amantes…
Pensamentos enlouquentes, distantes…
Amores,
Proibidos, secretos, platônicos, surreais …
Amigos,
Sinceros, sucintos, leais…
Amantes
Dementes, insanos, carnais…
–––––––––––––––––––––

RECOMEÇO

Chuva,
Escorrendo suave sobre a vidraça…
Olhos fixos no horizonte,
Chuva espessa, caindo sem cessar…
Olhos miúdos, serenos, cansados,
Noite em claro,
Olhos fixos, concentrados…
A espera de um sinal,
Qualquer resquício…
Qualquer esboço,
De um mísero ponto…
No horizonte a brilhar…
Uma esperança!
Por entre as nuvens,
O esboço toma forma, a luz…
Após tamanha relutância,
Desponta, desfila, reacende a esperança…
De mais um dia esplendoroso recomeçar…
Pouco a pouco, vencendo a timidez…
Lá está ele…
No quarto a adentrar, brilhando como nunca…
Expectativas renovadas,
Não há mágoa, não há nada,
E os olhos ralos d’água, já extinguiram o chorar…
Pois o tempo é agora,
E a chuva que outrora…
Deixava-me em agonia…
Já não podes mais molhar…
–––––––––––––-

O IDEAL NÃO MORRE

Sou mais um em meio à multidão…
Sou um grão no meio da porção…
Sou um solitário no descampado…
Estou desacordado…
O lírio miúdo, defronte ao vendaval…
Sou o passista, logo a diante o carnaval.
Sou isso ou aquilo,
O que sei, já não importa…
O que importa já não sei…
A vida está lá fora, que outrora desdenhei,
Ontem, hoje…
Amanhã…
Já não importa…
Estou desacordado,
Agora, sofro calado.
São lembranças, restos, ruídos…
Passado,
A odisséia chegou ao fim…
A idéia se propaga…
Findo é a pequenez…
O ideal não morre, é infinito…
Contudo, estou desacordado…
Já não há sofrimento, lamento ou tormento…
O ideal é infinito…
É imortal.
–––––––––––––––––-
Fonte:
http://camilacg.wordpress.com/
Montagem da imagem = José Feldman

Camila Giangrossi Meleke (Alfabetizar… Quando e Como?)



Introdução

Neste texto irei discorrer um pouco a respeito da alfabetização, das expectativas dos pais, quanto a essa tão sublime fase, as dificuldades enfrentadas pelas crianças e seus mestres, enfim… A palavra alfabetizar vem de “alfabeto”, que por sua vez é o conjunto das letras de uma língua, colocadas em “certa ordem”. A palavra “alfabeto” é formada com as duas primeiras letras do alfabeto grego ↔ “alfa” e “beta”.

Al•fa•be•ti•zar ↔ v.t.d. Ensinar a ler e a escrever. Partindo desta premissa, será que existe idade ideal para que uma criança seja alfabetizada? Perguntas deste tipo permeiam “a cabeça” de muitos pais, que cheios de expectativas, não veem a hora de tal acontecimento, para poderem se “gabar”, ou melhor, “babar” sobre seu filho querido. Há muita angústia e ansiedade por parte dos pais, que por sua vez acabam depositando toda essa expectativa, muitas vezes, em crianças que ainda não estão preparadas para iniciar sua alfabetização. Sabe-se que não há idade certa para tal ato, o que existe é o momento certo.

Esse caminho começa, desde pequeno, antes mesmo dos seis anos, as atividades de “pré alfabetização” são de extrema importância para que esse processo ocorra da melhor forma possível, com tranquilidade. O que são atividades de pré alfabetização? É quando a criança tem oportunidades de interagir com o mundo letrado, isso já proporciona, para nós adultos e para as próprias crianças, identificar quando “chegou a hora”, ou seja, ela (criança) procura, faz perguntas, além de se mostrar ávida por conhecer, descobrir, vivenciar e experimentar…

As crianças necessitam de muito estímulo, afetividade e integração, não esquecendo o conteúdo. É também, nesta fase, que as brincadeiras dos pequenos se tornam mais intensa, onde transpassam a realidade vista, para o mundo de fantasias e da imaginação, desenvolvendo assim aspectos emocionais, cognitivos e sociais, outra coisa importante a ser analisada é o espaço físico em que essa criança passa a maior parte do tempo, é essencial que a criança, entre dois e três anos, tenha espaço suficiente para desenvolver o lúdico.

Cada criança é única, assim como umas aprendem a andar cedo ou a falar cedo, a alfabetização não é diferente, existem crianças que aos quatro anos já podem ser alfabetizadas, outras com cinco ou seis anos, contudo, há também aquelas que são estão prontas aos oito anos, e isso de forma alguma quer dizer que uma ou outra criança é mais ou menos inteligente, ela só não está madura ainda.

O importante é respeitar o desenvolvimento e o ritmo de cada um, seja qual for sua idade, é claro, que depois de certa idade (9 anos ou mais) os pais e professores devem ficar atentos quanto a aprendizagem da criança, pois existem casos em que há uma certa dificuldade nas aprendizagens ou até mesmo problemas emocionais, que fazem com que esta criança não atinja o objetivo esperado, nesses casos, é necessária ajuda profissional, seja do pedagogo, do psicopedagogo ou até mesmo do psicólogo.

Por onde começar a alfabetização?

Hoje, o mais comum é alfabetizar letrando, o que significa orientar a criança para que ela aprenda a ler e escrever na perspectiva da convivência com práticas reais de leitura e de escrita, porém isso implica “abandonar” o uso das cartilhas (onde o aluno aprende a ser copista e não um leitor ou ledor) e adotar o manuseio de revistas, livros, jornais, enfim, pelo material que irá auxiliar a criança neste processo.

Contudo, é preciso fazer um diagnóstico, ou seja, uma sondagem para saber o nível de conhecimento de palavras e verificar o que a criança já pensa a respeito da escrita.

Valorizando a Prioridade…

Logo no primeiro ano, do ensino fundamental, a prioridade é alfabetizar todas as crianças ou pelo menos grande parte delas. O ato de escrever se torna uma consequência daquilo que a criança já conhece na leitura.

As brincadeiras, o canto, as histórias e os desenhos já fazem parte do cotidiano dos pequenos, no inicio da fase escolar, a leitura e a escrita também, mas é importante ressaltar que, o trabalho é realizado em conjunto educando/educador, ou seja, o aluno deve realizar as tarefas por iniciativa própria, porém o professor deve dar as oportunidades e subsídios para que isso aconteça, o que não se deve pensar é que a criança vai aprender tudo sozinha e por iniciativa da mesma.

Sabe-se que as crianças que convivem num ambiente rico em materiais de leitura, apresentam maior interesse em saber o que está escrito, sendo assim, a criança motivada aprende mais e mais rápido.

A alfabetização e o construtivismo

Segundo Emilia Ferreiro (psicóloga e pesquisadora argentina), o ato de ensinar desloca-se para o ato de aprender por meio da construção de um conhecimento que é realizado pelo educando, que por sua vez passa a ser visto como o sujeito que constrói tal conhecimento a partir daquilo que vivencia, ou seja, é preciso trabalhar com a criança o contexto da própria criança, com textos e histórias que façam sentido para as mesmas.

Vale lembrar que o construtivismo não é um método de ensino, mas sim um processo de aprendizagem que coloca o sujeito dessa aprendizagem como alguém que conhece e que o conhecimento se dá através da ação deste sujeito, não esquecendo que o ambiente exerce papel significativo neste processo.

E para finalizar, outra questão bastante discutida é “em quanto tempo se alfabetiza?”. Partindo do pressuposto de que já foram eliminados todos os “entulhos” do período preparatório, se for clara e objetiva a decifração da escrita, basta apenas uma hora de atividades específicas por dia, em dois ou três meses, e os alunos estarão alfabetizados, é claro que não serão todos, pois sabemos que dependerá do momento de cada um.

“… A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa.” (Emilia Ferreiro)

Fontes:
http://camilacg.wordpress.com/2009/05/23/alfabetizar/
Imagem =
http://nteitaperuna.blogspot.com

Alcântara Machado (O Filósofo Platão)



(Senhor Platão Soares)

Fechou a porta da rua. Deu dois passos. E se lembrou de que havia fechado com uma volta só. Voltou. Deu outra volta. Então se lembrou de que havia esquecido a carta de apresentação para o diretor do Serviço Sanitário de São Paulo. Deu uma volta na chave. Nada. É verdade: deu mais uma.

- Nhana! Nhana! Nhana!

Nhana apareceu sem meias no alto da escada.

- Estou vendo tudo.

- Ora vá amolar o boi! Que é que você quer?

- Na gaveta do criado-mudo tem uma carta. Dentro de um envelope da Câmara dos Deputados. Você me traga por favor. Não. Eu mesmo vou buscar. Prefiro.

- Como queira.

E foi buscar. Saiu do quarto e parou na sala de jantar.

- Ainda tem geléia ai, Nhana?

- No armário debaixo de uma folha de papel.

- Obrigado.

Escolheu cuidadosamente o cálice. Limpou a colherinha no lenço. Nhana ia passando com o ferro de passar. Mas não se conteve.

- Platão, Platão, você não vai falar com o homem, Platão?

- Calma. Muita calma. Glorinha entregou o ordenado?

Nhana sacudiu a cabeça:

- Sim senhor!

Fingiu que não compreendeu. Raspado o fundo do cálice lavou meticulosamente as mãos. E enxugou sem pressa. Dedo por dedo. Abriu a porta. Fechou. Vinha vindo um bonde a duzentos metros. Esperou. Agora o ônibus. Esperou. Agora um automóvel do lado contrário. Esperou. Olhou bem de um lado. Olhou bem de outro. Certificou-se das condições atmosféricas de nariz para o ar. Marcialmente atravessou a rua.

O poste cintado esperava os bondes com gente em volta. Platão quando ia chegando escorregou numa casca de laranja. Todos olharam. Platão equilibrou-se que nem japonês. Encarou os presentes vitoriosamente. Na lata, seus cretinos. Esfregou a sola do sapato na calçada e foi esperar em outro poste. Chegou de cabeça baixa.

- Boa tarde, Platão.

- O mesmo, Argemiro, como vai você?

- Aqui neste solão esperando o maldito 19 que não chega!

Platão cavou um arzinho risonho. Acendeu um cigarro. Disse sem olhar:

- Eu espero o ônibus da Light.

- Milionário é assim.

Primeiro deu um puxão nos punhos postiços. Depois respondeu:

- Nem tanto...

O 19 passou abarrotado. Argemiro não falava. Platão sim de vez em quando:

- Esse é um dos motivos por que eu prefiro o ônibus da Light apesar do preço. Tem sempre lugar. Depois é um Patek.

Mas era só para moer.

Argemiro deu adeusinho e aboletou-se à larga num 19 vazio. Então Platão soltou um suspiro e pegou o 13 que vinha atrás.

Ficou no estribo. Agarrado no balaustre. Imaginando desastres medonhos. Por exemplo: cabeçada num poste. Escapando do primeiro no segundo. Impossível evitar. Era fatal. Uma sacudidela do bonde e pronto. Miolos à mostra. E será que a Nhana casaria de novo?

- O senhor dá licença?

- Toda.

Não tinha visto o lugar. Pois a mulher viu. Que danada. Toda a gente passava na frente dele. Triste sina. Tomava cocaína. Ora que bobagem.

- Ô Seu Platãozinho!

A voz do Argemiro. Enfiou o rosto dentro do bonde.

- Ô seu pândego!

O cavalheiro do balaústre foi amável:

- Parece que é com o senhor.

- Olá, Argemiro, como vai você?

- Te gozando, Platãozinho querido!

Resolveu a situação descendo.

- Não tem nada de extraordinário3 Argemiro. Não precisava lazer tanto escândalo. Homessa! Então eu sou obrigado a andar de ônibus só? E ainda por cima da Light? E não tendo dinheiro trocado no bolso? Homessa agora! Homessa agora!

- Até outra vez, seu bocó!

Profunda humilhação com o sol assando as costas.

Mas não é que tinha de descer ali mesmo? Praça da República, Rua do Ipiranga, Serviço Sanitário. Esta agora é de primeiríssima ordem. Argemiro sem querer fez um favor. Um grande? Um grandérrimo.

Para a satisfação consigo mesmo ser completa só faltava abrir o guarda-sol. Você não quer abrir. desgraçado? Você abre, desgraçado, amaldiçoado, excomungado. Abre nada. Nunca viu, seu italianinho de borra? Guarda-sol, guarda-sol, não me provoque que é pior. Desgraçado, amaldiçoado, excomungado. Platão heroicamente fez mais três tentativas. Qual o quê. Foi andando. Batia duro com a ponteira na calçada de quadrados. De vingança. Se duvidarem muito as costas já estão fumegando. Depois asfalto foi feito ES-PE-CI-AL-MEN-TE para aumentar o calor da gente. Platão parou. Concentrou toda a sua habilidade na ponta dos dedos. É agora. Não e não. Vamos ver se vai com jeito. Guarda-solzinho de meu coração, abra, sim meu bem? Com delicadeza se faz tudo. Você não quer mesmo abrir, meu amorzinho? Está bem. Está bem. Paciência. Fica para outra vez. Você volta pro cabide. Cabide é o braço. Que cousa mais engraçada.

Rua do Ipiranga. Êta zona perigosa. Platão não tirava os olhos das venezianas. Só mulatas. Êta zona estragada.

- Entra, cheiroso!

- Sai, fedida!

Que resposta mais na hora, Nossa Senhora. É longe como o diabo esse tal de Serviço Sanitário. Pensando bem.

- Boa tarde, Seu Platão, como vai o senhor? Ó Dona Eurídice, como vai passando a senho... ora que se fomente!

Olhou para trás. Não ouviu. Que ouvisse. Parou diante da placa dourada. Sem saber se entrava ou não. Não será melhor não? Tanta escada para subir, meu Deus.

O tição fardado chegou na porta contando dinheiro.

- O doutor diretor já terá chegado?

- Parece que ainda não chegou, não senhor.

Aí resolveu subir.

- O doutor diretor ainda não chegou?

O cabeça-chata custou para responder.

- Chegou, sim senhor. Quer falar com ele?

- Ah, chegou?

O cabeça-chata papou uma pastilha de hortelã-pimenta e falou:

- Agora é que eu estou reparando... o Seu Platão Soares... Sim senhor, Seu Platão. Desta vez o senhor teve sorte mesmo: encontrou o homem. Vá se sentando que o bicho hoje atende.

Platão deu uma espiada na sala.

- Xi! Tem uns dez antes de mim.

- Paciência, não é?

Platão se abanava com o chapéu-coco. Triste. Triste. Triste.

- Que é que você está chupando?

- Eu? Eunãoestouchupandonadanãosenhor!

Platão deu um balanço na cabeça.

- Sabe de uma cousa? Aai!.. . Eu volto amanhã...

- O senhor dá licença de um aparte, Seu Platão? Eu se fosse o senhor não deixava para amanhã não. O senhor já veio aqui umas dez vezes?

- Não tem importância. Eu volto amanhã.

- Admiro o senhor, Seu Platão. O senhor é um FI-LÓ-SO-FO, Seu Platão, um grande FI-LÓ-SO-FO!

- Até amanhã.

- Se Deus quiser.

Desceu a escada devagarzinho. Tirando a sorte. Pé direito: volto. Pé esquerdo: não volto. Foi descendo. Volto, não volto, volto, não volto, vol.... to, não vol... to, vol... to! Parou. Virou-se. Mediu a escada. Virou-se. Olhou a rua. É verdade: e o degrau da soleira da porta? Mais um não-volto. Mais um. Porém para chegar até ele justamente um passo: volto. Ai está. Azar. O que se chama azar. Platão retesou os músculos armando o pulo. Deu. De costas na calçada. A mocinha que ia chegando com a velhinha suspendeu o chapéu. A velhinha suspendeu o guarda-sol. O chofer do outro lado da rua suspendeu o olhar. Platão Soares finalmente suspendeu o corpo. Ficou tudo suspenso. Até que Platão muito digno pegou o chapéu. Agradeceu. Ia pegando o guarda-sol. A velhinha quis fechá-lo primeiro.

- Não, minha senhora! Prefiro assim mesmo aberto, por favor. Muito agradecido. Muito agradecido.

De guarda-sol em punho deu uns tapinhas nas calças. Depois atravessou a rua. Parou diante do chofer. Cousa mais interessante ver mudar um pneumático.

E não demorou muito.

- Eu se fosse o senhor levantava um pouquinho mais o macaco, não acredita?

Fonte:
MACHADO, Alcântara. Laranja-da-China. IMESP, 1982.

Folclore Esquimó (O Caminho das Estrelas)



Há muitos séculos, na região do gelo, aconteceu um combate entre o urso negro, que se chamava Wakini, e o urso cinza, que se chamava Wakinu. Ninguém nunca soube exatamente como começou a disputa. Os antigos diziam que os dois grandes amigos ursos se enfrentaram por causa de um pequeno pote de mel. Wakini levara muito tempo colhendo o mel e Wakinu quis arrancá-lo à força do amigo.

Uma furiosa luta teve início, e o vencedor foi Wakinu, o ladrão de mel.

O líder da tribo ficou inconformado com essa vitória. Pensou que seria uma grande injustiça um ladrão se dar bem no final. Por isso, expulsou o urso cinza da comunidade. Mas Wakinu não tinha mau coração: era só um urso muito guloso. Chorou tanto e parecia tão arrependido que toda a tribo sentiu muita pena dele.

Wakinu partiu e caminhou durante vários dias. Mal enxergava, seus olhos estavam turvados de tantas lágrimas. As noites e os dias passavam sem que ele se alimentasse ou parasse para descansar. Até que, de repente, avistou um longo caminho todo prateado. Era uma estrada magnífica que brilhava contra o céu azul-escuro. O urso, pela primeira vez em muitos dias, conseguiu ver nitidamente. O caminho se estendia até as estrelas.

Wakinu experimentou uma profunda alegria e começou a correr por aquele solo prateado, e aos poucos foi se sentindo cada vez mais leve.

Era quase como se ele, um grande urso cinza, fosse só um passarinho.

Nesse mesmo instante, Wakini, seu ex-amigo, sentiu uma vontade imensa de olhar para as estrelas no firmamento. E o viu.

- Vejam! - disse à sua tribo. - É Wakinu! Está correndo no meio das estrelas!

E toda a tribo se reuniu para assistir aquela cena extraordinária.

Wakinu corria, corria, saltava as estrelas, dançava no céu. E alguém comentou:

- Wakinu alcançou o Porto das Almas, o campo das caças eternas!

Depois dessa noite, Wakinu nunca mais voltou. Mas até hoje se conta que, durante sua corrida, Wakinu balançou a grossa pelagem, que ficou cheia de luz, e dela respingaram as lindas estrelas que hoje formam a Via Láctea. Há os que não acreditam nisso, porém, e preferem pensar que Wakinu ainda está vivo, no campo das caças eternas, lugar para onde vão todos os guerreiros no final da vida: o caminho de Wakinu, o ursa cinza, o grande ladrão de mel.

Fonte:
http://www.esnips.com

Tânia Jamardo Faillace (A Porca)

Era uma vez um meninozinho, que tinha muito medo. Era só soprar um vento forte, desses de levantar poeira no fundo do quintal e bater com os postigos da janela; era só haver uma nuvem escura, uma única, que tampasse o sol; era só esbarrar com a pipa d'água e ouvir o rico e pesado sacolejar da água dentro, para que o menino se encolhesse bem no centro de seu ventre, orelhas retesas, olhos muito abertos ou obstinadamente fechados. Depois, o menino levantava, limpava o pó do fundilho das calças e ia para o quintal.

Conhecia as galinhas, os porcos, mas nenhum lhe pertencia. Achava mesmo engraçado quando via os irmãos abraçarem um leitãozinho, a irmã mais nova tentando, por força, enfiar uma de suas saias no bicho. Bicho é bicho, sabia ele. Bicho tem vida sua, diferente da de gente. Os irmãos não sabiam. Fingiam que eram bonecas, criancinhas pequenas e, nos dias de matança, todos já eram petiscos, brinquedo esquecido.

O menino preferia olhá-los de longe. Tremia, quando a velha porca gorda fuçava por entre as tábuas do chiqueiro; corria, se ela estava solta, com sua gorda barriga pendente, seu gordo cachaço lanhado.

A mãe também era gorda. Rachando lenha, carregando água, enorme e pesada bolota de carne. Tinha um rosto comprido, sulcado de rugas, boca sempre aberta, gritando com alguém. A porca não gritava, só roncava, mesmo quando o pai passava e lhe dava um pontapé. Um dia botou sangue — disseram que ia abortar. Ele teve medo de ver. Escondeu-se em casa, na cama, sob a colcha de fustão.

E de repente, foi o grande choque. Cama sacudiu. Lastro despencou, e ele caiu, sufocado pelos travesseiros. Era o pai. A mãe lhe batia com um resto de vassoura... pela loucura... quatorze leitões... quatorze... e todos perdidos... o pai grunhia e protegia a cabeça. Ao redor, tudo era escuro.

Sabia agora o que era um nenê de bicho. Havia sangue. Sempre havia sangue.

Era um dia escuro. E em dias escuros, o menino tinha medo. O escuro era espesso, profundo, pegajoso, e sombras mais escuras eram manchas coaguladas.

Havia um fio de luz, cinza-claro, sobre a pipa d'água. O menino se atreveu a ir bem junto dela. Puxou um banquinho e foi olhar. Como lhe doía a barriga, só de espichar, só de ver... a boca preta da pipa, a água grossa, molhada... E o menino caiu dentro da pipa... Não de verdade, de mentira... E encontrou uma porção de leitõezinhos lá no fundo, mas estavam pretos e encarquilhados.

E ao pular de volta sobre seu banquinho, ao sentir toda a pipa sacudindo, o menino teve a idéia. Balançou forte, cada vez mais forte, a pipa veio pelo chão, despedaçando uma aranha, molhando a lenha, assustando a galinha choca que dormia debaixo do fogão. O pé do menino ficou preso, uma unha esmagada. Mas ele não chorou, fugiu. E fugiu para a rua... Porém o terreiro estava iluminado com uma luz muito pálida, a areia lisa, fina, as bananeiras imóveis e densas... Sentou-se no chão, sobre uma pedra pontuda, um pé em cima do outro, as mãos cruzadas no joelho.

De noite, eram os corpos dos irmãos que se apertavam contra o dele. Mesmo de olhos fechados, sabia quem estava junto de si. A irmã tinha o costume de dar-lhe beliscões, e um dos irmãos sempre esperava que ele se distraísse para puxar-lhe aquilo. Depois ria, dizendo: "Por mais que se puxe, é uma coisinha de nada", e mostrava o seu, orgulhoso.

Às vezes, o menino ia dormir no chão. Esperava que os grandes passassem para trás da cortina, ameaçava os irmãos e ia deitar na cozinha ou contra o cabide. Era pequeno, mas também sabia fazer coisas malvadas.

Escutava o pai e a mãe. Suas vozes eram grossas, por vezes estridentes, e palavras feias estremeciam o ar, penduravam-se nas teias de aranha, nos arremates das mata-juntas. O lastro estalava, e havia risadas, de gengivas descobertas, de profundos ocos de garganta.

Ir embora, era o que o menino desejava. Ir para um lugar onde a água fosse grande e livre, um mar infinito, como ouvira contar certa vez. Não haveria aves, nem porcos nem cachorros, apenas peixes, dourados e lisos...

O menino habituou-se a correr. Corria ao ouvir as xingações da mãe, corria ao ouvir os tamancos do pai, corria ao ouvir as risadas dos irmãos. Corria ainda quando ouviu a voz da porca velha.

Gritava. Não grunhidos, não roncos, mas gritos. O menino sentiu sua barriguinha encolher, aquilo se levantar em franco protesto.

Na esquina da casa, lá estava o grupo: o pai, o empregado, a mãe, um vizinho, e qualquer coisa que rebolava feito doida na areia. As crianças se conservavam longe, as mãos nos ouvidos, as caras estúpidas. A mãe se afobava, a saia descosida arrastando no chão, dando ordens, xingando, gritando mais alto que a porca. O pai se remexia, o chapéu sobre a nuca, o nariz pingando de suor.

E foi a mãe que arrancou a faca das mãos do vizinho num gesto brusco. E como gritava a porca... o menino só lhe via o rabinho e as patas trêmulas.

E num instante, tudo ficou imóvel. Os homens forcejando, a mulher adquirindo impulso, gorda, redonda, enorme, sua saia de grandes flores desbotadas roçando o ventre da porca, os irmãos sumindo ao longe, a barriguinha do menino se retesando.

E foi água que jorrou da porca. Água de fonte, vermelha, impetuosa, que fugiu de dentro do corpo, que saltou ao sol, que cabriolou, que explodiu na cara de todos... que sujou de sangue (agora era sangue) o braço da mãe, o rosto da mãe, o peito da mãe... que se esparramou no chapéu velho do pai, que respingou em seus bigodes... que cegou o vizinho, sufocou o empregado... foi aspirado por bocas, nariz, escorreu por pescoços e ombros. Agora era o pai quem batia na mãe, descompunha-a... "a camisa... a roupa do empregado, do vizinho... velha porcalhona..."

O menino se agachou atrás da bananeira, com muita dor em sua barriguinha. E nunca mais beijou a mãe.
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Sobre a autora
Tânia Jamardo Faillace, 63, é gaúcha. Jornalista e escritora, entre suas obras registradas na Biblioteca Nacional está o livro "Beco da Velha", que é composto de 19 volumes (7.748 páginas), escrito durante 10 anos. A obra continua inédita. Publicou, além de Fuga e Adão e Eva, os livros de contos O 35º Ano de Inês, Vinde a mim os Pequeninos e Tradição, Família e Outras Estórias e o romance autobiográfico Mário/Vera. Também participou de mais de 20 antologias no Brasil e no exterior.

Fontes:
- STEEN, Edla Van (org.). O Conto da Mulher Brasileira. SP: Vertente Editora, 1978.

Aparício Fernandes (1934 – 1996)


Aparício, no dizer de João Flavo, "é o maior antologista do mundo pelo volume e expressão das obras que tem organizado". Minha emoção, no entanto, não se restringe à grandeza literária de sua obra, que teremos a oportunidade de apreciar levemente, mas à sua pessoa digna e honrada que poderia no mundo literário ter vencido de forma mais fácil não fosse sua determinação de nunca construir seu êxito sobre o prejuízo de outrem.

Em trova manifesta seu pensamento a respeito:

Se alguém tiver que sofrer
para que eu tenha ouro e glória,
direi com muito prazer:
- Declino dessa vitória.

Nascido na cidade de Acari no Rio Grande do Norte a 16 de dezembro de 1934, às 14 horas, era filho de José Fernandes Oliveira, comerciante próspero e prefeito da cidade de Macau, e de Verônica Fernandes de Oliveira, cuja lembrança lhe ficou imprecisa. pois sua mãe veio a falecer quando ele contava apenas 6 anos de idade.

Minha mãe, quando partiste,
Deus, com imensa piedade,
fez do meu coração triste
um altar para a saudade!

Sobre seu pai, diria em trova:

Meu pobre pai, alquebrado,
- gigante da minha aurora! –
queira Deus dar-te, em dobrado,
tudo o que me deste outrora.

A percepção metafísica sobre a vida e a morte era constante em sua vida:

Vida e morte Deus retrata
em dois poemas de escol:
a Vida, nas alvoradas,
a Morte, no por-do-sol!

Estudou inicialmente com D. Ana dos Prazeres Avelino e conta ele que todo dia levava, pelo menos, meia dúzia de bolos nas palmas das mãos por não fazer corretamente as contas ou não ter decorado as lições. Depois, passou ao Grupo Escolar Duque de Caxias e, mais tarde, interno em vários colégios do nordeste até ingressar no Seminário, onde teve a alegria de conhecer o padre Eugênio Sales que se tornaria, mais tarde, o arcebispo do Rio de Janeiro. Mas, Aparício não tinha vocação sacerdotal e foi expulso do Seminário.

Apreciador do belo sexo, diria em trovas:

Obra prima da Criação,
a mulher - dilema eterno -
é um traço de união
entre o paraíso e o inferno.

Dotada de amor profundo,
meiga e doce em seu mister,
- que graça teria o mundo,
sem a graça da mulher?

Em 1945, estudando no Colégio Salesiano de Recife se impressionou com a cultura do padre Belchior Maria D'Atayde - com quem se encontraria 30 anos mais tarde, admirando-o como escritor. Em 1973, Aparício incluía 100 trovas de Atayde em seu livro "Nossas Trovas". De colégio em colégio passou aos Maristas época de lindas recordações. Em 1952 decidiu vir para o Rio, viajando de navio. Ele nos dirá numa trova de fina inspiração:

Parti do Norte chorando!
Que coisa triste, meu Deus!
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!

De sua terra se recordaria:

Das culminâncias da serra
ao mais profundo grotão,
trago viva a minha terra,
dentro do meu coração!

É o cantor da saudade:

Meu coração sente frio!
- A saudade o transformou
no leito triste e vazio
de um rio que já secou...

Saudade é isto que existe
nos olhos desse velhinho,
quando, embevecido, assiste
aos folguedos do netinho.

Diria de seu estro:

Meu canto é humilde e meu estro,
numa oração triunfal,
rende graças ao Maestro
da harmonia universal!

Sendo essencialmente lírico e filosófico, sabia também ser um fino humorista:

Eu formulo esta sentença
como um libelo à tolice:
antes cego de nascença
do que cego de burrice!

Nome dos mais esquisitos,
que, aliás, não foi bem posto;
há na Rua dos Aflitos
uma calma que faz gosto...

Canta Aparício o amor:

Amor - mistério profundo
que não se pode explicar.
Mesmo, assim, pobre do mundo
se ninguém soubesse amar...

Amor de poeta a todas as mulheres, mas que se eternizou na sua Adelina Maria. Seu soneto "À Minha Esposa" nos diz do seu amor:

À MINHA ESPOSA

Bendita sejas tu que, dentre as criaturas,
em minha alma puseste eternamente o selo
deste amor imortal que encerra mil ternuras,
alimentadas todas pelo teu desvelo.

Bendita sejas tu! As minhas amarguras
foram somente sombras de algum pesadelo;
nuvens de um céu sem cor, nuvens tristes e escuras
não prevalecerão ante o sol do leu zelo.

Bendita sejas tu! ó companheira amada,
porque tu me trouxeste a límpida alvorada
de uma felicidade que jamais senti.

Bendita sejas tu! Por este amor imenso
é que hoje eu vivo e sinto e clamo e sonho e penso:
creio na Vida e em Deus. E mais: eu creio em Ti!

Considerando Adelina sua alma gêmea, em seu canto "Para que mais?'' esboça idéias reencarnacionistas:

PARA QUE MAIS?

A Adelina - minha alma gêmea

Que importa. meu amor, se já não temos
os palácios de outrora, os ouropéis,
nem a bajulação que - bem sabemos -
de tão rasteira, beija os nossos pés!...

Mil vezes viemos e retornaremos
a este mundo de hábitos cruéis,
até que finalmente pratiquemos
os Mandamentos dados a Moisés!

É lei de Deus a reencarnação,
pois só através dela é que a razão
pode explicar destinos desiguais.

De tudo o que passou, nada lamento,
pois foi-me concedido o doce alento
de estares junto a mim. Para que mais?

De sua família nos diz:

"Maria Verônica e André - dois filhos queridos, dois pedaços do meu coração. Juntamente com Adelina formam a família maravilhosa que é o meu refúgio, minha alegria, minha recompensa e meu tesouro ".

Conheceu Luiz Otávio e diz no "Esboço de Autobiografia" de sua Obra Completa publicada em 1983:

A amizade de Luiz Otávio foi preciosa para mim e me trouxe muita coisa boa: desvendou-me os segredos da Trova, entrosou-me com os meios trovadorescos e, direta ou indiretamente, proporcionou-me viagens e passeios, sempre relacionados com a Trova, que ambos cultivávamos. De minha parte, procurei retribuir, favorecendo-o com uma ampla publicidade nas colunas de jornais e programas de rádio que passei a redigir, bem como nos livros que a seguir publiquei.

Continuando, afirma:

Symaco da Costa é outro trovador de quem guardo grandes e boas recordações. Responsável pela primeira publicação de trova de minha autoria, um belo dia fui aos Diários Associados (na Av. Venezuela), onde ele trabalhava, para agradecer-lhe e conhecê-lo pessoalmente. Symaco era funcionário antigo e graduado da empresa jornalística de Assis Chateaubriand. Tínhamos os mesmos pontos de vista no que se refere à publicidade e creio mesmo que, durante algum tempo, Symaco e eu fomos os maiores divulgadores de trovas no Brasil.

Outro amigo de Aparício foi e é Eno Teodoro Wanke. Quando da publicação do seu livro "Sonho Azul" mereceu de Eno a poesia:

AO "SONHO AZUL " DO APARÍCIO

Eno Teodoro Wanke

Agradeço-te de inicio
o livro que a Augusta trouxe
com gosto de amora doce,
meu caro amigo Aparício.

Teu livro, amigo Fernandes,
é coisa que vem de cima.
- Não abusando da rima,
é coisa que vem dos Andes!

A inspiração que ilumina
teus versos sem artifício
é poesia genuína
de um mestre no seu oficio!

Muito grato pela oferta.
Teus versos leio e decoro.
Fie na amizade certa
do teu "chapa " Eno Teodoro.

Sua obra é extensa e preciosa. Além dos Anuários que todos conhecemos e muitos participamos temos em trova: "Sonho Azul", "Trovas do Meu Coração", "Trovadores do Brasil" I°. 2° e 3° volumes, "A Trova no Brasil" e "Nossas Trovas".

Câmara Cascudo se referindo a Trovadores do Brasil: "Esse trabalho, Aparício Fernandes. missão de esforço e obstinação realizadora, positiva o milagre da mais completa concentração floral".

Walter Waeny se referindo a Aparício nos diz: "é o grande poeta que, com prejuízo de sua própria criatividade literária tem trabalhado pela obra de todos com o mesmo amor e a mesma dedicação com que cada autor é capaz de trabalhar, apenas, por si próprio".

Nosso homenageado se despediu da vida material a 9 de janeiro deste ano (nota: ano de 1996). Foi cantar em outra dimensão. Por certo, estará feliz e quem sabe? participando conosco deste momento porque somos imortais, não apenas no sentido Acadêmico.

Em Exortação estabelece a sua filosofia espiritual:

EXORTAÇÃO

Liberto da matéria pela morte,
o espírito procura a perfeição.
O corpo fica entregue à própria sorte
e volta ao pó - que é a sua condição.

Por que chorar quem morre? seja forte,
que a morte, meu amor, é ilusão.
Você crê em Jesus? Pois se conforte,
que é momentânea esta separação.

Um dia, pode crer, na eterna glória,
enfim desvendaremos toda a história
da nossa milenar evolução.

O amor nos unirá eternamente,
viveremos em Deus e Ele na gente,
na apoteose da ressurreição!

Aliás, seu pensamento sobre a morte fica claro em Esfinge, soneto dedicado a Luiz Otávio:

ESFINGE

A Luiz Otávio - in memoriam.

Eis o ponto final chamado Morte!
mas quem pode afirmar com segurança
que Deus não nos reserva uma outra sorte
depois desta existência que nos cansa?

Quem sabe se mais bela, pura e forte,
teremos uma vida de bonança,
que enfim nos esclareça e nos conforte
sobre tanta cruel desesperança?

A Morte, certamente, é uma esfinge
que finge ser cruel, apenas finge,
porque, se é Lei de Deus, é boa e terna.

Bendita seja a Morte, esta impostora,
que a todos, inflexível e redentora,
conduz à luz sem fim da vida eterna!

Fonte:
Palestra de Terezinha Radetic
http://apariciofernandes.tripod.com/palestra.htm

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Reforma Ortográfica 1

Fonte:
Blog do Orlandeli

Silvia Araujo Motta (A Poetisa e a Poesia)


ENVELHECI SEM NOTAR (POEMA 1582)

Vejo nas folhas que caem
que o inverno vai chegar,
Nas estrelas que se apagam,
meu tempo de descansar.
Relógio?Desnecessário.
Valorizo minha hora,
no segundo extraordinário,
vivo pensando no “agora”.
Meio século de vida
e os sete cumpro a somar...
na música, amor, poesia,
Trago a missão bem cumprida
com metas, planos de um dia...
Nos sonhos e fantasias,
um trabalho útil, honroso
de incontáveis alegrias,
fez-me o mundo prazeroso.
Valores transcendentais
aos minutos cultivados
a buscar cada vez mais
espíritos elevados...
Ficarei “sex”? Pois sim!
Com perfeita lucidez?
SEXagenária? Ah! Sim...
Daqui a pouco é minha vez!
SEXOxigenada nos cabelos...
Mais adolescente, talvez...
A história de cada saudade
dos momentos e pessoas...
Olhos miúdos!!!!!Verdade!
Muito para recordar!
Tantos fatos! Coisas boas!
Na infância e maturidade!
Meus quinze ou vinte anos!
Milagres! Maturidade!
Recebi e dei nos carinhos,
amor, atenção, compreensão!
Trabalhei com inteligência,
para gostar do que fazia!
Filhos amados!...Meus amores!
Até netos... quem diria!
Lutei pra ter paciência!
Enfrentei tantos problemas!
Alguns conseguir vencer
pela Fé que me carrega.
Meu espelho interior
Diz-me até...que já cresci!
Da gravidez... na balança,
faço o parto da alegria...
Agradeço todo dia
a Deus, pelo meu talento,
pelo amor, pela alegria
e pelo conhecimento.
O sol nasce acima das nuvens
e a lua inteira brilha no lago
porque alta vive, a cada dia!
Envelheci e não vi...por isso,
começaria tudo outra vez.
––––––––––––––––––––-
CLAVE DE FÁ E CLAVE DE SOL – PARTITURA DO AMOR
Poema modernista

Chove lágrimas
Clave de FÁ


Família
Fala
Falecimento

Morte na Cruz
Cruzada
Cruzeiro
Vida renascida

SOL
Sinal
Conduz
Luz

Partida
Traz dor,
Eternidade,
Partitura de Amor.

Vida-Chave
Clave de SOL.
––––––––––––––––––
QUEM É O POETA?
Homenagem modernista

Quem é o POETA? Timoneiro
do barco da PAZ a navegar...
Aquele que dá a vida primeiro
ao texto que irá fascinar ao leitor.

Quem é o POETA? Sinaleiro
do Senhor Deus do Universo...
Aquele que toca o Sino primeiro
para inspirar seu novo verso.

Quem é o POETA? Conquistador
que se lembra do dia de São Valentim;
que é capaz de por o amor numa flor...
de despertar sonhos em lençóis de cetim.

Quem é o POETA? Escritor de mensagens
Virtuais que alegram os destinatários;
que presta honrosas homenagens
com pensamentos extraordinários!
–––––––––––––––-

A RUA CURITIBA CHOROU COM A CHUVA
Poema de versos brancos

Fui testemunha dos sofrimentos...
da Rua Curitiba de Belo Horizonte,
logo que os pensamentos
passaram pela verdadeira fonte
de informação de dois Diretores.

A notícia desapontada,
na Secretaria,foi confirmada
pelos funcionários atuais,
sobre as mudanças parciais,
na localização do CCLB.

As nuvens fizeram uma reunião,
convocaram fortes nimbos
e exigiram chuva imediata!
Eu vi a enxurrada que não
permitia nenhuma “estiada.”

Ninguém conseguia atravessar
na rua, vendaval de paixões!
Tempo de sinalizações?
Até a sombrinha revoltada
quis sua barbatana virar.

No colo, uma criança chorava,
enquanto sua mãe comentava:
-Que pena! Aquilo era uma beleza!
Nos Salões lotados, eu dançava
nos Bailes da Colônia Portuguesa!

Namorei e até casei com meu par!
Se pudesse, o meu relógio voltar...
Vou comentar com meu marido!
Fomos felizes naquele tempo vivido!
Hoje, começaria tudo outra vez!

A natureza e a chuva fazem ver
que a enxurrada leva tudo:
cartões, papéis importantes,
retratos raros, no espaço mudo,
o lixo e o pó dos pés indiferentes.

Só não leva as tantas emoções
que chovem em tantos corações!
Triste lembrança encena e encerra,
nas lágrimas caídas da chuva
que a pura realidade descerra.
=============
BALLET DA LUA E DAS NUVENS
Agradecimentos à Darcy

Não precisei reservar o ingresso
para o espetáculo da natureza!
Aproveitei meu regresso à Savassi
e fui lanchar na varanda, à mesa,
com Darcy, pronta para aplaudir
e brindar comigo, com certeza.

A lua cheia brilhante apareceu
fez a apresentação principal do ballet,
no universo infinito que ofereceu
o palco para as nuvens bailarinas...
De repente, a nuvem escura escondeu
o brilho total da lua em surdina...

Refletimos sobre a triste vida vazia
sem a luz da verdadeira amizade;
na velhice que nos chega a cada dia
e que nos traz a eterna saudade;
na infância e na nossa adolescência
tão longe de nossa realidade...
-
Neste show natural...Quanta sabedoria!
Com as nuvens dançantes passageiras
passam nossas tristezas e alegrias...
Se hoje estamos, com saúde e inteiras,
amanhã, quem sabe, em outros dias,
com dores, rumo às luzes sementeiras.
----

Sílvia Araújo Motta (1951)


Sílvia de Lourdes Araújo Motta, nasceu em janeiro de 1951 em Belo Horizontes, Minas Gerais.

Cursou Letras: Português/Inglês. Pedagogista em Administração, Inspeção e Supervisão Escolar. Professora de Língua e Literatura Portuguesa/Inglesa, Filosofia, Psicologia e Sociologia.

Curso de Direito/FAMIG/2008.

Acadêmica, Escritora, Poeta-Sonetista-Trovadora, Parceira-Assessora da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais,

Presidenta do Clube Brasileiro da Língua Portuguesa, oficial para oito países lusófonos;

Árcade da Arcádia de Minas Gerais,

Cônsul Z-NO dos Poetas del Mundo BH/MG/Brasil, em 128 países.

Membro da International Writers and Artists Association /Ohio/USA.

Membro do Elos Clube filiado ao Elos Internacional da Comunidade Lusíada;

Membro da União Brasileira de Trovadores/BH.

Vice-Presidenta da Academia Mineira de Trovas.

Membro de diversas Academias de Ciências, Letras e Artes: ALB/MG, AVPB,AVBL, AVSPE, ACCLCL, APOLO, e outras.

Autora de três dezenas de livros, com poesia em português, inglês, espanhol e italiano; participações em inúmeras Antologias e Revistas nacionais e internacionais.

Premiações diversas em prosa e poesia.

Comprova quatro décadas de ações coordenadoras voluntárias,

Palestrante e Líder-Grupal convidada, participante de vários movimentos socio-político-religiosos-ligados aos Adolescentes e Adultos, Doentes Terminais, Pastoral do Idoso, Grupos de Terceira Idade, Movimento Internacional Alcoólicos Anônimos/ Al-Anon/ Grupos Familiares/Programa de Doze Passos para Familiares e Amigos de Alcoólicos Adultos e dos Jovens do Alateen; Pastoral da Saúde.

Musicóloga, já coordenou e cantou em diversos Corais Musicais. Membro efetivo do Coral CANTATA Diamantina/2008 com 120 participantes acompanhada pela Orquestra Sinfônica da PMMMG. É soprano no Coral Luís de Camões.

Faz parte do Espaço e Vida do COPMMG.

Em 30 de maio de 2009, homenageada pela Academia de Letras do Brasil ( Instituição de cultura e formação superior de caráter internacional) com a outorga do título "DOUTORA EM FILOSOFIA UNIVERSAL - PH.I. (PHILÓSOFO IMORTAL) outorgada pelo Presidente Ph.D. Prof. Dr. Mário Carabajal, e Diplomação e Medalha do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais pela Governadora InBrasCi em Minas Gerais: Andréia Donadon Leal.
Sites:
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/silviaraujomotta http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_america.asp?ID=1481 http://clubedalinguaport.blogspot.com/ http://clubedalinguaport.ning.com/

Fontes:
http://www.webartigos.com/
http://recantodasletras.uol.com.br/

Cecy Barbosa Campos (Cristais Poéticos)

ÁLBUM

Desfolhando o velho álbum de retratos,
que jazia abandonado em alguma prateleira,
relembrei pessoas, que estavam esquecidas,
e não reconheci imagens que eram minhas.
O tom amarelado esmaecia
sorrisos jovens que ficaram tristes:
tirava o viço de vidas tão distantes
e que, um dia, foram parte de minha vida.
Entre as velhas amizades retratadas,
revi amigos dos quais eu lembro os nomes
e outros, dos quais, nada mais resta,
porque ficaram perdidos pelo tempo.
Ao contemplar aquelas fotos desbotadas,
vou rejuntando, aos poucos, os pedaços
de uma história que nem sei se já vivi.

(poesia classificada com menção honrosa no Concurso Nacional Amizade em Prosa &Verso)
––––––––––––––––
CENA COTIDIANA

O cidadão de bem foge aterrorizado –
tenta escapar de seus perseguidores
que não sabe quem são.
Sente-se acuado por sombras indistintas
que espalham a morte
sem alvo definido e sem motivo algum.
A mãe, levando o filho à escola,
tem a rotina diária interrompida
e, escondendo-se atrás de uma barraca,
tenta proteger com seu corpo magro
a criança que chora, apavorada.
Por outro lado surgem mais atiradores,
misturam-se bandidos e policiais
não identificáveis como seres humanos
e irreconhecíveis como animais.
O fogo cruzado vai se intensificando
e a bala perdida atinge mais alguém
no dia a dia de terror, na cidade grande.
Esse crime é mais um que não será computado
nas listas estatísticas, de tão banalizado.
A bala perdida que hoje mata
um cidadão de bem,
torna-se apenas
uma repetitiva notícia de jornal.
================
Cecy Barbosa Campos é natural de Juiz de Fora, MG. Graduada em Direito e em Letras – Inglês, pela UFJF, especialista em Teoria da Literatura – UFRJ e Mestre em Letras, Teoria da Literatura – UFJF. Professora aposentada da UFJF, atualmente leciona nos cursos de graduação e pós-graduação do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, disciplinas Língua Inglesa, Literatura Norte Americana e Literatura Inglesa. Publicações: artigos em revistas especializadas e anais de Congressos e os livros The iceman cometh: a carnavalização na tragédia e O reverso do mito e outros ensaios.

Fontes:
http://poetasencena.blogspot.com/
– ALBUQUERQUE, Aníbal (org.). Amizade em prosa & verso. Vargina, MG: Edições Alba, 2007.

Cecy Barbosa Campos (O'Neill e a Carnavalização da Tragédia)



Artigo de Ricardo Alfaya para o site Oficina do Pensamento

CECY BARBOSA CAMPOS é a autora do excelente "The iceman cometh: A Carnavalização na Tragédia", originalmente, dissertação de Mestrado em Letras, Teoria da Literatura, apresentada à Universidade Federal de Juiz de Fora, em 1996, e transformada em livro pela Editar, Juiz de Fora-MG, 2000, 84p., com prefácio de William V. Redmond, orientador da tese, e capa de Luiz André Ramalho Gama.

O livro analisa a peça "The iceman cometh", de Eugene O'Neill (1888-1953), a partir do método proposto pelo teórico russo Bakhtin, desenvolvido na segunda década do século XX, o qual identificou, a partir da obra de Dostoievski, a presença de um conjunto de elementos que denotam a presença da carnavalização no romance. Assim, a professora Cecy Barbosa Campos transporta para a tragédia de O'Neill as teorias aplicadas por Bakhtin ao romance.

Para atingir seu objetivo, a autora divide o estudo em quatro partes: primeiro ela nos fala da vida e obra de Eugene O'Neill. Em seguida expõe a teoria de Bakhtin, realçando a importância da contribuição de sua crítica para os campos da lingüística e da literatura. Na terceira parte, resenha a peça "The iceman cometh", ilustrandoa com comentários relativos à tese proposta. Por fim, aprofunda esses comentários, confrontando os universos de Bakhtin e O'Neill.

Não é muito fácil transmitir, em uma resenha, a riqueza e o significado que existem nesse livro. Entretanto, o assunto, além de interessante, esclarece muito sobre a literatura que hoje fazemos. Assim, tentaremos aqui deixar uma idéia a respeito da obra.

Conforme ressalta William Redmond, Eugene O'Neill é para muitos o maior dramaturgo dos Estados Unidos. Cecy Barbosa indica seu papel como fundador do moderno teatro americano, a partir da estréia de "Beyond the Horizon", na Broadway, em fevereiro de 1920. A despeito do forte teor crítico ao sistema norteamericano e da ousadia de seus textos e montagens, suas peças foram em geral bem recebidas e ele obteve reconhecimento. Já em 1920, após "Beyond the Horizon", recebe o prêmio Pulitzer, "passa então a ter suas peças freqüentemente encenadas". Em 1925, obtém medalha de ouro do National Institute of Arts and Letters; em 1926, um título honorário da Yale University. "Strange Interlude", peça encenada em 1926-27 "alcança um sucesso inédito no teatro americano. Proporciona a seu autor o terceiro prêmio Pulitzer e, publicada, torna-se um bestseller. Transformada em filme, traz ótimos resultados financeiros (...)". Coroando, recebe o Nobel de Literatura, em 1936.

Todavia, apesar da brilhante carreira, no âmbito pessoal a vida de O'Neill foi marcada, desde a infância, por inúmeros episódios tão dramáticos quanto bizarros, alguns até mesmo de sentido tragicômico. Os problemas familiares levaram-no, ainda na juventude, a enveredar pelo caminho do álcool e das drogas. Não eram experiências comuns. Ele ia fundo, desafiava limites, desrespeitava etiquetas, alimentava um comportamento anti-social, agia de forma agressiva e até mesmo despudorada. Adotava comportamentos bizarros: "Ao beber, se excedia a tal ponto que, em absoluto estado de letargia, chegava a passar noites em cima de túmulos de personagens históricos (...)". Tais extravagâncias terminaram por fazê-lo ser expulso da Princenton University. Gostava de ler, lia muito. Apreciava também tabernas, bares sórdidos, casas de prostituição, locais onde se reunia a gente do submundo. Lançava-se em aventuras como suas viagens marítimas a Honduras, à procura de ouro. Também, à Argentina e à Inglaterra. Aos 20 anos casa-se com uma moça "de família", vive um período romântico, mas não suporta esse tipo de vida, que termina por abandonar. Aos 24 anos, com a saúde completamente comprometida, é internado num sanatório para tuberculosos. A partir daí, começa a reação de O'Neill, decidindo-se pela vida de dramaturgo. Passará a sofrer até o fim com a doença de Parkinson, e sem conseguir livrar-se inteiramente dos problemas decorrentes do alcoolismo.

Por outro lado, de sua vida conturbada O'Neill extrairá o material humano necessário à construção de seus personagens, nos quais uma atenção especial é voltada para aqueles que o pragmatismo simplista da sociedade norte-americana costuma rotular de "perdedores". Uma observação significativa de Cecy Barbosa a respeito do dramaturgo encontra-se na pg. 19, na abertura de sua narrativa da biografia de O'Neill, na qual comenta que ele levara "uma vida que pode ser considerada o protótipo da existência carnavalizada". O sentido da afirmativa torna-se mais compreensível quando, em outra parte, a autora enfatiza que a vida em si tende a uma estrutura carnavalizada.

De fato, se analisarmos a vida em si, notaremos que ela tende à polifonia, à exuberância, à multiplicidade, à interação entre o sagrado e o profano, o trágico e o cômico, o belo e o grotesco. Essa pulsão espontânea, a sociedade e o Estado procuram redirecionar, em nome da "ordem". Ao discurso polifônico, essencialmente democrático, posto que nele ocorre tanto um nivelamento das vozes quanto uma horizontalidade de relações, o Estado interpõe a hierarquização vertical em diversos níveis, inclusive, no da divisão da sociedade em classes. Assim, o carnaval, desde suas mais remotas origens, funciona como ritual liberativo da pulsão reprimida. Por um limitado período de tempo, permite-se um certo grau de desordem. Concluída a catarse, tudo volta à norma, tudo retorna ao "normal".

Contudo, para aquele que não se enquadra, não se adapta, o que abrange não apenas os totalmente excluídos das benesses do sistema, mas também os desiludidos, os naufragados, e até mesmo os que procuram viver intensamente, desafiando limites e convenções, como no caso de O'Neill, para esses não existe uma volta ao "normal". De certo modo, vivem fora das normas, num permanente estado de embriaguez carnavalesca, sempre oscilando entre o trágico e o cômico. Dessa natureza são as peças de O'Neill, em particular a mais detalhadamente analisada por Cecy Barbosa: "The iceman cometh".

No que se refere à estrutura narrativa, a polifonia é uma das características mais marcantes do romance moderno, conforme detectado por Mikhail Mikhailovitch Bakhtin, na década de 20, a partir da obra de Dostoievski. Nele, em lugar do discurso dominante e unidirecional de um único narrador, a palavra é entregue aos vários personagens, que vão conduzindo a obra como se fossem seus autores. Os personagens expõem seus pontos de vista, não raro contraditórios, exatamente no mesmo grau de importância. Há, portanto, a mencionada horizontalidade das relações, de forma semelhante ao que ocorre no reinado momesco. Cecy Barbosa demonstra o quanto tal ingrediente se apresenta na obra de O'Neill, em particular, na peça em destaque.

Além da pluralidade de vozes, outros aspectos podem ser identificados: quebra de protocolo, extravagância, situações bizarras, vestuário e cenário exóticos, interposição de música, cantos e danças, tiradas cômicas, variedade de estilos, reunião de pessoas de diferentes origens sociais e etnias, contraposição entre a fala erudita e a popular. Por fim, a presença de um outro fator essencial da estrutura carnavalesca: a paródia, em particular aquela que une o sagrado ao profano.

Seria interessante indagar a razão da presença da carnavalização no romance e no teatro modernos. Cremos que, em parte, o fenômeno corresponde à necessidade de uma redação crítica que em geral preside a obra dos melhores autores. Uma necessidade de expor "o outro lado", de contrapor-se à política autoritária do discurso oficial que, desde há muito, se quer globalizante e "unidimensional", para citar uma expressão de Herbert Marcuse. Sem dúvida, o fenômeno reflete também a maior flexibilização nas idéias, o permitir da expressão do Outro, a vontade e a predisposição para o diálogo, apesar de tudo, muito maior em nosso tempo. Conforme Cecy observa sobre Bakhtin, cujas teorias levaram-no "a uma concepção dialógica do mundo que lhe possibilitou aceitar a dualidade do ser humano, no qual não existem nem bem nem mal absolutos" (Cecy, p. 73). Por outro lado, sinaliza também no sentido do desmoronamento dos valores tradicionais, da crescente incerteza quanto ao futuro, da relativização do conceito de verdade. Afinal, nos tempos modernos, quem tem a última palavra?

Fonte:

Cecy Barbosa Campos (A Natureza na poesia de Emily Dickinson)


Pouco conhecida em seus 56 anos de vida, passados quase totalmente em Amherst, Massachusetts, Emily Dickinson só se revelou ao mundo como poeta após a sua morte.

Foram encontrados na escrivaninha de seu quarto, de onde raramente saía, cerca de 1775 poemas amarrados com barbante em pacotinhos. Escritos à mão, muitos deles parecendo rascunho à espera de forma posterior, e todos eles sem título, o que faz com que, usualmente, sejam citados pelo primeiro verso ou por números.

Em 1890, postumamente, é publicado o primeiro volume de uma série de três, com seus poemas e em 1894 são publicadas suas cartas. Desde então, Emily Dickinson torna-se uma das maiores figuras da literatura norte-americana.

Sua vida misteriosa tem desafiado os biógrafos que se perdem na falta de provas para inúmeras suposições. Sabe-se que, após infância e adolescência normais, participante das atividades próprias à idade, retraiu-se por volta de 1860, afastando-se por completo das atividades sociais.

Vestida de branco e sendo vista apenas no jardim, cuidando das flores, já a esta época desencadeava-se a efervescência literária que a levaria a obra tão extensa.

Entre os muitos temas abordados em sua poesia, estão a Vida, a Morte, o Amor, a Imortalidade e a Natureza.

A Natureza foi fonte de inspiração quase constante na poesia de Emily Dickinson e, mesmo quando não aparece tratada em profundidade sendo o tema principal, é mencionada brevemente, como complemento do cenário ou como imagem representativa da morte, nas muitas alusões que faz ao inverno, à neve e ao frio, ou simbolizando mudanças de caráter através do ciclo das estações do ano.

Embora existam afinidades da poesia Dickinsoniana referente à Natureza com conceitos emitidos por autores transcendentalistas, principalmente Emerson e Thoreau, Emily Dickinson não pode ser enquadrada em nenhum movimento ou escola, pelas características absolutamente pessoais de sua obra.

Se, às vezes, era irreverente com a religião e até mesmo com Deus, a quem chegou a chamar de “Ladrão – Banqueiro – Pai”, em um de seus poemas, mantinha em relação à Natureza uma atitude sempre reverente, como se ela representasse a manifestação divina mais intensamente que igrejas e credos.

O sol, a neve e até os relâmpagos, a fascinavam. Em um de seus primeiros poemas, “An Altered look about the Hills”, catalogava as belezas da primavera e o esplendor da paisagem novamente iluminada. As “criaturas da natureza” também eram alvo de sua atenção, não importando quão insignificantes parecessem ser. Assim, a abelha, a borboleta, o passarinho, o rato, são por ela lembrados. A serpente aparece de maneira dramatizada em “A Narrow Fellow in the Grass” e apesar da graça e da observação aguçada com que é feita a descrição, infere-se que ali existe uma ameaça psicológica.

A proximidade do outono e a beleza natural do fim de verão impressionam Emily Dickinson, que registra com sensibilidade os sons e visões da paisagem, passando depois de observadora a participante da cena na qual se insere e descreve em “The Morns are meeker than they were”. Em “These are the days when Birds come back” o mesmo tema é abordado – o período de transição entre o verão e o outono, quando dias quentes e ensolarados retornam interrompendo o outono e dando lugar ao chamado “Indian Summer”, o verão indiano, fenômeno climático tipicamente americano. Os pássaros se enganam com estes dias tardios de verão que surgem no meio do outono e também se engana a poeta induzida ao erro pela mistificação da natureza que a envolve em “azul e ouro”.

Este poema sugere, alegoricamente, a caminhada inexorável do tempo, com o verão representando a juventude, o outono a meia idade que vai levar ao inverno representativo da morte. Apesar da conotação negativa que nos é trazida pelas idéias de fraudes e mistificações há o aspecto positivo que nos é transmitido pelo ciclo das estações, trazendo o renascimento após a morte, ou seja, o fato do inverno ser seguido pela primavera.

As duas estrofes finais do poema assemelham-se a uma prece em que os termos principais são “sacramento”, “última Comunhão”, “emblemas sagrados”, “pão abençoado” e “vinho imortal”. Parece residir aí uma súplica para inclusão num ciclo contínuo de vida e morte.

Emily Dickinson faz uso freqüente de metáforas em suas poesias da natureza. A madrugada e o anoitecer também são descritos metaforicamente em “I’ll tell you how the Sun Rose”, com vívido contraste entre a exuberância do dia que nasce e a atmosfera intimista que chega com o pôr do sol. O poema “I taste a Liquor Never Brewed” descreve a exaltação da poeta ante o azul do céu, o brilho do verão e a suavidade do orvalho, que agem como bebida embriagadora.

Através destes poucos exemplos verificamos que a Natureza, em seus diversos aspectos, sempre alertou os sentidos e a sensibilidade de Emily Dickinson. Por isso ela foi capaz de tornar permanente a fugacidade de um momento como o nascer do sol e de fixar emoções inspiradas pelo canto dos pássaros ou pelo terror advindo de relâmpagos e de tempestades.

Para melhor ilustrar o que foi dito, apresentamos aqui dois dos poemas citados com as traduções feitas pela autora deste trabalho.
130
These are the days when Birds come back–
A very few – a Bird or two –
To take a backward look.

These are the days when skies resume
The old – old sophistries of June –
A blue and gold mistake

Oh Fraud that cannot cheat the Bee –
Almost thy plausibility
Induces my belief.

Till ranks of seeds their witness bear –
And softly thro’ the altered air
Hurries a timid leaf.

Oh Sacrament of summer days,
Oh Last Communion in the Hoze –
Permit a child to join

Thy sacred emblems to partake
Thy consecrated bread to take
And thine immortal wine!

130
Estes sãos os dias em que os pássaros [voltam –
Muito poucos – apenas um ou dois –
Para dar uma olhada para trás.

Estes são os dias em que os céus [retornam
Aos velhos – velhos sofismas de Junho–
Em mistificação azul e ouro

Ó fraude que não consegue enganar a [Abelha –
A sua plausibilidade
Quase me faz acreditar

Até que as sementes aparecem
Sopradas, suavemente, pelo vento
E escapa uma folha tímida

Oh, Sacramento dos dias de verão,
Oh, Última Comunhão na névoa
Permite que mais um filho se junte

Para compartilhar de emblemas [sagrados
Comendo de seu pão abençoado
E bebendo de seu vinho imortal
–––––––––
214
I taste a liquor never brewed –
From Tankards scooped in Pearl –
Not all the Vats upon the Rhine
Yield such san Alcohol?

Inebriate of Air – am I –
And Debauchee of Dew –
Reeling – thro endless summer days –
From inns of Molten Blue –

When “Landlords” turn the drunken Bee
Out of the Foxglove’s door –
When Butterflies – renounce their
“drams” –
I shall but drink the more!

Till Seraphs swing their snowy Hats
And Saints – to windows run –
To see the little Tippler
Learning against the – Sun -

214
Provo uma bebida nunca fermentada
De Canecas esculpidas em Pérolas –
Nenhum dos Barris do Reno
Produz tal Bebida?

Inebriada de Ar – estou –
E Bêbada de Orvalho –
Cambaleando – pelos intermináveis dias de
verão –
De tabernas de Azul Metálico –

Quando os “Proprietários expulsam a [Abelha
bêbada
Para fora das portas do Foxglove
Quando as Borboletas – renunciam a seus
“goles” –
Eu bebo ainda mais!

Até que os Serafins acenem com seus
chapéus brancos
E os Santos – corram às janelas –
Para ver a Bebadazinha
Apoiando-se ao – Sol –
––––––––––––-
Notas:
1. Tradução dos títulos dos poemas:
An Altered look about the Hills – Uma visão diferente das montanhas
A Narrow Fellow in the Grass – Um companheiro esguio na grama
The Morns are meeker than they were – As manhãs são mais tranqüilas agora
These are the days when the Birds come Back – Estes são os dias em que os pássaros voltam
I taste a liquor never brewed – Provo uma bebida nunca fermentada
I’ll tell you how the Sun Rose – Eu lhe direi como o Sol nasce

2. Uma das “excentricidades” de Emily Dickinson é o uso não convencional de letras maiúsculas

Fonte:
Jornal de Poesia

domingo, 23 de agosto de 2009

Branca Tirollo (Espontaneidade)


Espontaneidade
Não escrevo as regras
Deslizo pensamentos
Escorrego palavras
Distorço sentimentos

Embrulho choros
Carrego fardos
Engulo os nós

Espeto agulhas
Piso espinhos
Solto voz
----

Fontes:
Clube Brasileiro da Língua Portuguesa

Branca Tirollo (Desafios e Contradições)


Maurílio era um garoto travesso, que de tão esperto e curioso veio adentrar uma oficina de teatro onde todos estavam em plena concentração.

Naquele momento todos os jovens acordaram para a vida real. Uns até reclamaram, justificando aquele ato, ser de provocação.

Eu estava atenta a todos os acontecimentos e tentei chamar a atenção de todos pedindo pra que aproveitasse aquele momento para fazer uma análise dos seus conceitos.

Até que eles me respeitavam. Não era difícil trabalhar o potencial daqueles meninos.
Uns levavam a sério as oficinas e outros, só apareciam quando faltava o jantar em suas casas.

Eles eram pobres, talvez a oficina só lhes servisse para tomar um lanche e matar a curiosidade de cada um.

Maurílio, o garoto travesso, observou que seus amigos se calaram e num gesto grandioso, fez silêncio e chegou mais perto de onde eu estava.

Com os olhos brilhando perguntou-me:

-Professora. O que a senhora está ensinando? Nunca ouvi falar em concentração e conceitos.

Naquele momento surgia uma estrela sem brilho, escondida por trás das mentes poluídas.

Sem muitas perguntas, convidei-o para participar da oficina. Prometi que lhe explicaria no decorrer do tempo.

E assim, ele passou a freqüentar a oficina, toda primeira quinta feira do mês.

Todos faltavam, mas Maurílio estava sempre presente. Chegava bem mais cedo do que os outros. Aos poucos, ele foi aprendendo, mudando seu comportamento e quando menos esperávamos, ali começa a brilhar aquela pequenina estrela.
Nunca mais ele perguntou o significado da palavra concentração e conceitos.

Tornou-se o melhor da turma. Era tão disciplinado, que nem mesmo o barulho dos motores que passavam na rua, podiam chamar a sua atenção.
Um ano tinha se passado. Uma peça estava sendo lapidada. Os garotos estavam a esconder o sorriso nas orelhas. Pela primeira vez em suas vidas, iam se apresentar num palco, onde haveria uma gigantesca platéia.

Eles comentavam orgulhosos:

-Vamos sair no jornal! Somos artistas, iguais os atores da TV.

Notava-se que o sonho da maioria era o de um dia serem famosos.

Apenas Marquito não pensava assim.

A arte estava em suas veias e sua capacidade de pensar era de extrema grandeza.

Contudo, ele também estava feliz. Ainda me lembro que naquele dia, ele fez uma
observação inteligente:

- Professora. Se os artistas da TV ficam ricos, por que nós não vamos nem mesmo receber uns trocados? A senhora também não ganha nada por seus trabalhos.

- Comigo está tudo bem, eu não venho aqui para ganhar dinheiro. Frequento as oficinas por que gosto. A senhora não tem obrigação de ensinar a gente de graça.

As palavras de Maurílio tocaram a minha alma profundamente. Eu notava naquele garoto, uma das poucas virtudes que se vê entre os adolescentes.

É incrível de como a arte é vista de uma forma pouco evolutiva, na mente de muitos.

Maurílio estava provando para si próprio, a capacidade de chegar ao topo e tornar-se uma verdadeira estrela, reconhecido por seu talento e aplaudido por méritos.

Faltavam apenas três dias para a realização do evento. Estava anoitecendo e eu tinha que voltar a casa onde eu morava. Ainda faltavam algumas coisas a serem organizadas.

Quando abri a porta, ouvi o telefone tocar. Algo estranho fez meu corpo arrepiar.

Naquele momento, pensei ser alguma notícia sobre falecimento, por causa dos arrepios que eu estava sentindo.

Ninguém havia morrido. Era alguém avisando sobre o cancelamento do evento. Um grupo famoso na região acabava de chegar à cidade. A vez dos mendigos estava por um fio.

Da porta da minha casa eu ainda observava os meninos conversando sobre o grande dia.
Levaria a notícia até eles? Eu não tinha coragem. Não naquele momento.

Analisando um pouco mais sobre como eu poderia dar a notícia sem que eles se magoassem, pensei e chamei-os para lanchar. Nem mesmo o pão, eu tinha em minha casa. Maurílio, com toda sua bondade se ofereceu para ir até a padaria.

Levei os meninos para o meu humilde escritório e liguei o computador.
Abri umas imagens, fotos de quando eu era mais jovem, algumas até um tanto extravagantes.

Os meninos foram se distraindo e me pediram para abrir os jogos.

Enquanto eles se divertiam no computador, fui preparar o lanche.

Maurílio não quis jogar. Preferiu me ajudar a cortar os pães.

Que jovenzinho esperto! Não demorou em perguntar:

- Professora. Se a senhora tinha que preparar os figurinos para nós, por que nos chamou aqui? Isso vai atrapalhar. Eu acho que nesse mato tem coelho.

Parecia minha nona falando.

Foi naquele momento que eu comecei explicando:

- Maurílio. Às vezes temos que enfrentar a fera silenciosamente. Em muitos casos, o animal recua, sabia? A fera poderá nos atrasar, mas nem sempre impedirá a nossa passagem. Se tentarmos assustá-la, talvez não haja chance de sobrevivência.

Assim é a humanidade. No mundo da arte, às vezes encontramos pessoas que se acham feras e tentam nos amedrontar. Se revidarmos, podemos destruir um futuro glorioso.

Se ficarmos calados e pensarmos positivamente, a fera recua e nos deixa passar.

Se hoje não podemos realizar os nossos sonhos, que tenhamos outros e outros.

A força do pensamento faz o sonho tornar realidade. Não vamos mais apresentar a nossa peça. Há um grupo importante na cidade que se apresentará em nosso lugar.

Maurílio, com os olhos brilhantes respondeu:

- Nossa professora! Somos importantes. Um grupo profissional vai se apresentar em nosso lugar? Vamos assisti-lo, não vamos?

Grande garoto! Belo desempenho, o pódio era todo dele naquele momento.

Sua grandeza de espírito por certo invejaria a qualquer um.

Senti-me aliviada mediante a um gesto glorioso, mas ainda faltavam os outros. Tínhamos que contar. Eles estavam entretidos com os jogos, quando chegamos servindo os lanches.

Era um bom momento para começar a contar. Maurílio já havia saboreado um bom lanche durante o preparo. Olhou para os amigos e falou:

- Quem comer primeiro, ganha o jogo. Quem perder joga depois. Quem ganhar não joga mais. Quem ri por último ri melhor.

Ele estava preparando os amigos para contar a tragédia. E assim, começou:

- Gente, eu nem sabia o que era concentração e conceito. Estou aqui hoje para falar em nome da professora. Eu aprendi a rever os meus conceitos e espero que cada de vocês também tenham aprendido. Melhor do que se apresentar num palco e ser fotografado por jornalista é estar aqui com vocês. Vocês é a minha família. Se eu perceber que já não posso mais contar com vocês, meu palco estará vazio e o público repleto de fantasmas. Acabamos de receber a notícia de que não vamos mais se apresentar. Porém, surgirão outras oportunidades e quando esta luz brilhar estará mais fortes, bem mais preparados.

As lágrimas rolavam sobre meu rosto. Era uma emoção tão forte, que nem mesmo eu pude notar a fúria daqueles meninos. Foram saindo um a um, e nem mesmo o lanche, alguns puderam terminar de saborear. Eles entenderam que a fera deveria ser enfrentada. Apanharam armas e amarrotaram suas consciências com facas afiadas.

Maurílio, entristecido com a revolta dos amigos, revoltou-se também. Saiu desesperado
tentando acalmar a turma.

No dia seguinte, um zum zum zum correu pelo bairro e se espalhou para toda a cidade.

Fui proibida de ocupar o espaço público onde eu ensaiava com os meninos.

Dois meses tinham se passado. Resolvi me mudar para outra cidade e tentei esquecer aquele triste episódio.

Por dois anos, não tive notícias de Maurílio, nem dos outros meninos.

Um belo dia, as obrigações me chamaram. Voltei a morar na mesma cidade, em outro bairro.

Um ano depois do meu retorno, resolvo procurar pelos garotos, que com certeza já estavam crescidos. Foi ali que eu comecei a morrer. Alguns estavam vivendo nas ruas, outros com a família sem reconhecer a família, e Maurílio estava totalmente irreconhecível. As drogas tinham tomado conta do seu corpo. Tinha se tornado uma estrela fosca, sem brilho algum.

Hoje, sinto não poder abraçar aqueles meninos. Por certo, muitos fugirão dos meus abraços e outros nem mais reconheceriam a professora.

O Estatuto da Criança e do Adolescente não permite que eu tenha contato e ajude os meninos de rua. Para ajudar crianças e adolescentes é preciso de permissão. A secretaria de cultura continua a mesma. O palco fica mais vazio que antes e os fantasmas ocuparam o lugar do público.

Eu estou aqui, tentando. Talvez mais forte agora para enfrentar a fera que um dia eu resolvi me curvar diante do seu poder. Todavia, deixarei os aplausos para minha própria consciência.

Aquela turminha de garotos cresceu. Podemos observar a grande massa de garotos marginalizados, cheirando cola e usando crack para matar a fome e acalmar o desespero.

Talvez utilizem drogas para atravessar a trilha onde a fera está sempre presente.
Se forem atacados e morrerem, não sentirão dor. Se puderem atacá-la, farão sem temor algum. Hoje, a grande massa de garotos que é o terror da sociedade, é o fruto da inconsciência da própria sociedade. Sementes ruins que vem sendo semeadas há muito tempo.

Eu continuo lutando e perseguindo os meus sonhos. Como citou meu amigo escritor e jornalista Donato Ramos: Os sonâmbulos estão sempre atacando.

Isso é meu! Isto me pertence!

Grande Donato Ramos, que enxerga com um olho só, mas um verdadeiro raio-x.

Grande Maurílio! Mesmo vivendo os seus fantasmas, jamais deixará de ser uma estrela. Não nos meus conceitos.

Será que alguém poderia resgatar o Maurílio e me trazer de volta a minha estrela?
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Branca Tirollo ocupa a cadeira vitalicia n. 1 da Academia de Letras do Brasil/Piracicaba/SP.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Blog em Livros



Para facilitar a leitura das postagens do blog, pois muitos tem dificuldades com a conexão da internet, e mesmo, para que possam ser impressos, a partir de setembro serão realizados livros mensais com as postagens do mês correspondente, tal qual colocado no blog, que serão disponibilizados e enviados por e-mail. Caso tenha interesse em receber estes livros, envie seu e-mail para pavilhaliterario@gmail.com solicitando-o.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Trova L

Dario Vellozo (Poesias Avulsas)

Estação de Diligência de Curitiba (do pintor
paranaense Hugo Calgan) - 1881
CRUZ E SOUZA

a Leôncio Correia

Passa o Azul, cantando, uma trirreme de ouro...
Velas pandas... No Azul... Que levita inspirado
Reza o ebúrneo Missal, de um requinte ignorado,
Entre astros monacais e iatagãs de mouro?!...

Rutilam brocatéis de púrpua e de prata...
Fulgem Broquéis, à popa... A trirreme estremece...
Ísis! — quem te acompanha a estranha serenata
E para o Além da Morte entre os eus braços desce?!...

Morte é a eternidade;é um poente de Outono...
Mago! — tu vais dormir o glorioso sono
Entre Borquéis de ônix, e iagatãs de mouro...

Vais dormir!... Vais sonhar!... (Nobre e celeste oblata!)
Segue no Azul, cantando, uma trirreme de ouro...
Rutila brocatéis de púrpura e de prata.

ALÉM

Alfim! Vais repousar, corpo meu tão franzino,
Escudo, roto já, pelos gládios da Sorte;
A decomposição completa o teu destino,
As atrações do Além levam-me além da morte.

Para o Azul, para o Azul!... Vou perlustrar espaços,
Alma, - de sol em sol, - filtro que o corpo encerra...
Melhor fora, talvez, a noite de teus braços,
Meu amor; bem melhor! nos presídios da Terra.

Exílios! De tua alma a minha alma se ausenta,
Soluças! Nosso adeus é agonia lenta,
A Quimera a morrer nos braços de um titã...

Ficas em teu solar, sigo para o Mistério...
Quando seremos - LÁ! - no infinito sidéreo,
Almas nupciais na radiosa manhâ?

FLOR DE CACTO

Vens do Azul, da Quimera, alma de olhos sidéreos,
Que a minha alma de asceta aos paramos eleva
E à minha viuvez de mágoas e mistérios
Abre as aras do Além para o ofício da treva.

E$ eu bendigo, e sigo o teu corpo de Sombra,
Peito de névoa e luz; névoa das louras tranças,
Luz do olhar, desse olhar, deliciosa alfombra,
Calvário e serial de minhas esperanças.

Ilusões são punhais. Cada ilusão que aflora
A penumbra de um sonho, alma de olhos sidéreos,
Leva o espectro da cruz às flâmulas da Aurora
Cruz do Além, cruz feral, de mágoas e mistérios.

A carícia cruel de teu seio fremente
Abre as asas do Além pra o ofício da Treva,
E eu te digo. E a minha alma, ajoelhada, sente
Que a tua alma de morta ao passado nos leva...

SOLAU

A Nestor de Castro

Eu sou o pajem de Dona Morte,
Loura de olhos monacais;
Eu rezo salmos a Dona Morte,
Sou o coral das Catedrais;
Nos meus idílios flavesce a morte,
A morte, — vinho das bacanais.

Volvei os olhos de esperança
A um cavaleiro Rosa-Cruz;
Os vossos olhos de esperança
São liras de ouro, alvas de luz;
São pulvinários de esperança,
Valquíria astral da Rosa-Cruz.

Nos cinerários de meus sonhos
Arderam Silfos e Quimeras;
Em que sepulcro andam meus sonhos,
Ó Peregrina de outras eras?!...
Noiva, — sepulcro de meu sonhos,
Crisoberil das primaveras!

Eu sou o pajem de Dona Morte,
Entre castelos e solares;
Seguindo os passos de Dona Morte,
Subi a torres de sete andares,
Os belvederes de Dona Morte
Andam suspensos de meus olhares.

Andam suspensos de minha boca
Os nove arcanos da Alquimia;
Nos setiais de minha boca
Rezaram monjas noite e dia;
Jamais oscules a minha boca,
Estrela d´alva da Nostalgia!...

Deixa que mortos enterrem mortos,
Loura, de olhos monacais,
A Morte embala meus sonhos mortos
Nas absides das Catedrais.
A Morte é a noiva dos sonhos mortos,
A Morte é círio das bacanais.

Deixa que mortos enterrem mortos,
Loura, de olhos monacais!
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Fonte:
– Poesias extraídas do site do escritor
Antonio Miranda