terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Isaac Asimov (O Demônio de Dois Centimetros)



Conheci George em uma convenção literária, faz muito tempo. O que me chamou mais a atenção foi a expressão de honestidade e inocência que havia naquele rosto redondo, de meia-idade. Era o tipo de pessoa – pensei – que a gente deixa tomando conta da carteira quando vai dar um mergulho.

Ele me reconheceu pelas fotografias que saem na quarta capa dos meus livros. Cumprimentou-me jovialmente, dizendo que adorava meus contos e romances, o que, naturalmente, me convenceu de que se tratava de uma pessoa inteligente e de bom gosto.

Apertamos as mãos cordialmente e ele disse:

- Meu nome é George Bimnut.

- Bimnut – repeti, para gravá-lo melhor. – É um nome diferente.

- É dinamarquês – explicou -, e muito aristocrático. Descendo de Cnut, mais conhecido como Canuto, um rei dinamarquês que conquistou a Inglaterra no início do século XI. Um dos meus ancestrais era filho dele, nascido do lado errado das cobertas, é claro.

- É claro – murmurei, embora não entendesse bem o que havia de evidente em tal afirmação.

- Ele recebeu o nome de Cnut em homenagem ao pai – prosseguiu George. – Quando foi apresentado ao rei, o monarca perguntou:

“”Homessa, este é o meu herdeiro?”

“Não, majestade”, disse o cortesão que segurava no coIo o pequeno Cnut. “Ele é um filho ilegítimo. A mãe é aquela lavadeira que Vossa Majestade…”

“”Ah! Ainda bem!”, exclamou o rei. Daquele dia em diante, meu ancestral passou a ser conhecido como Bemcnut. Apenas por este nome. Herdei-o por sucessão direta, mas com o tempo o sobrenome mudou para Bimnut.

Nesse momento, seus olhos azuis olharam para mim com uma espécie de ingenuidade hipnótica que me impediu de duvidar de suas palavras.

- Quer almoçar comigo? – disse para ele, fazendo um gesto na direção de um restaurante muito enfeitado, que obviamente cobrava preços extorsivos.

- Não acha que ele parece muito vulgar? – observou George. – Talvez a lanchonete do outro lado da rua seja…

- Como meu convidado – acrescentei.

George lambeu os lábios e disse:

- Agora que estou olhando para o restaurante de um ângulo melhor, ele parece ter uma atmosfera aconchegante.

- Está bem, vamos até lá.

Enquanto comíamos, George comentou:

- Meu antepassado Bimnut teve um filho de nome Sweyn. Um típico nome dinamarquês.

- Eu sei – disse eu. – O nome do pai do rei Cnut era Sweyn Forkbeard. Nos tempos modernos, o nome geralmente é escrito Sven.

George franziu a testa e protestou:

- Não há necessidade, meu velho amigo, de ficar se exibindo para mim. Aceito o fato de que você tem os rudimentos de uma educação.

- Desculpe – respondi, sentindo-me envergonhado.

Ele fez um gesto complacente, pediu outro copo de vinho e disse:

- Sweyn Bimnut era fascinado por mulheres jovens, uma característica que todos os Bimnuts herdaram, e fazia muito Sucesso com elas, também… o que parece ser um traço de família. Contam que as mulheres o viam passar e comentavam: “Oh, como ele é lindo!”. Ele também era um arquimago. – Fez uma pausa e depois perguntou, muito sério: – Sabe o que é um arquimago?

- Não – menti, sem querer ofendê-lo de novo com meus conhecimentos. – Explique para mim.

- Um arquimago é um grande mago – disse George, com o que me pareceu ser um suspiro de alívio. – Sweyn havia estudado as artes ocultas. Naquela época, isso ainda era possível. As pessoas não eram céticas como hoje em dia. A intenção dele era descobrir maneiras de persuadir as jovens a se comportarem daquela forma dócil e gentil que só faz enaltecer a feminilidade e a deixarem de lado qualquer atitude in-transigente e pouco cooperativa.

- Ah.

- Para isso, precisava de demônios. Descobriu que podia conjurá-los queimando certos arbustos e pronunciando palavras místicas.

- E deu certo, Sr. Bimnut?

- Chame-me de George, por favor. Claro que deu certo. Havia um bando de demônios trabalhando para ele, porque, como costumava observar, em tom queixoso, as mulheres de sua época eram céticas e indelicadas; recusavam-se a acreditar que fosse neto de um rei e faziam observações desairosas a respeito da sua genitora. Depois que um dos demônios entrava em ação, porém, tudo se tornava diferente; elas passavam a compreender que um filho natural é uma coisa muito natural.

- Tem certeza de que o seu antepassado realmente conseguia conjurar demônios, George?

- Tenho, sim. No verão passado encontrei o livro dele de receitas para chamar demônios. Estava em um velho castelo inglês que hoje não passa de uma ruína mas já pertenceu à minha família. Havia uma lista com os nomes dos arbustos, a maneira de queimá-los, as palavras a serem lidas, tudo. Estava escrito em inglês antigo (anglo-saxão, você sabe), mas estou estudando filologia e…

Não pude esconder um certo ceticismo.

- Você deve estar brincando – observei.

George olhou para mim, ofendido.

- Por que pensa assim? Por acaso estou rindo? Era um livro autêntico. Testei as receitas pessoalmente.

E conseguiu um demônio.

- Isso mesmo – declarou, apontando para o bolso de cima do paletó.

- Está ai dentro?

George apalpou o bolso e preparava-se para fazer que sim com a cabeça quando seus dedos sentiram (ou deixaram de sentir) alguma coisa. Olhou para dentro do bolso.

- Ele sumiu – declarou, aborrecido. – Desmaterializou-se. Mas a culpa não é dele. Veio me visitar ontem à noite porque estava curioso para saber como era uma convenção, você entende. Dei-lhe um pouco de uísque com um conta-gotas e ele gostou. Talvez tenha gostado até demais, porque começou a puxar briga com uma cacatua que estava em uma gaiola, perto do bar, chamando-a de nomes horrorosos. Felizmente, adormeceu antes que o pássaro ofendido resolvesse tomar uma atitude. Esta manhã, não estava com uma cara muito boa. Deve ter ido para casa, curtir a ressaca.

Eu me sentia um pouco ofendido. Será que ele esperava que eu acreditasse naquilo?

- Está me dizendo que havia um demônio no bolso do seu paletó?

- Seu poder de dedução é impressionante – disse George.

- Qual é a altura dele?

- Dois centímetros.

- Mas isso é menos que uma polegada!

- Absolutamente certo. Uma polegada tem 2,54 centímetros.

- Quero dizer: que tipo de demônio tem dois centímetros de altura?

- Um demônio pequeno, é claro. Mas, como diz o velho ditado, é melhor um demônio pequeno do que nenhum demônio.

- Depende do tipo de demônio.

- Oh, Azazel {é o nome dele) é um demônio bonzinho. Desconfio que é desprezado pelos colegas, porque se mostra extremamente ansioso para me impressionar com seus poderes. Entretanto, recusa-se a usá-los para me tornar rico, o que não seria nada de mais, considerando que sou seu único amigo terrestre. Não, ele insiste em que seus poderes devem ser usados apenas para fazer o bem a outras pessoas.

- Ora, vamos, George. Esta certamente não é a filosofia do inferno.

George levou o dedo aos lábios.

- Não diga coisas como essa, amigo velho. Azazel fica ria muito ofendido. Ele garante que sua terra é simpática, decente e altamente civilizada, e fala com enorme respeito do governante dele, a quem se refere simplesmente como o Todo-poderoso.

- Ele faz mesmo coisas boas?

- Sempre que pode. Veja o caso da minha afilhada, Juniper Pen…

- Juniper Pen?

- Isso mesmo. Posso ver pela expressão de curiosidade no seu rosto que você está doido para conhecer a história, e , terei muito prazer em contá-la.

Juniper Pen [disse George] estava no segundo ano da faculdade quando a história que vou lhe contar começou. Era uma mocinha doce e inocente, fascinada pelos jogadores do time de basquete, todos rapazes altos e simpáticos.

Entre eles, o que mais lhe atraía a atenção era Leander Thomson, alto, esguio, com mãos grandes, capazes de segurar com facilidade uma bola de basquete ou qualquer coisa com a forma e o tamanho de uma bola de basquete, o que por alguma razão me faz pensar em Juniper. Ele era sem dúvida o objeto dos gritos dela quando se sentava na arquibancada para assistir aos jogos.

Juniper conversava comigo a respeito dos seus sonhos, porque, como todas as jovens, mesmo as que não são minhas afilhadas, sentia que eu era uma pessoa merecedora de toda confiança. Minha postura digna, mas solícita, convidava a confidências.

- Oh, tio George – costumava dizer -, certamente não é errado sonhar com um futuro para nós dois. Posso ver Lean como o maior jogador de basquete do mundo, como o mais cobiçado de todos os profissionais, como o dono do maior contrato da história do esporte. Não sou muito ambiciosa. Tudo que quero da vida é uma pequena mansão coberta de hera, um pequeno jardim na frente, estendendo-se até onde a vista puder alcançar, uma modesta criadagem, dividida em pelotões, todas as minhas roupas arrumadas em ordem alfabética para cada dia da semana e para cada mês do ano, e… Fui forçado a interrompê-la.

- Meu anjo, existe uma pequena falha no seu plano – disse para ela. – Leander não é um dos melhores jogadores do time. Acho pouco provável que seja contratado por um salário nababesco.

- Isso não é justo! – protestou minha afilhada, fazendo beicinho. – Por que ele não é um dos melhores jogadores?

- Porque é assim que o universo funciona. Por que não se apaixona pelo melhor jogador do time? Ou, melhor ainda, por um jovem corretor de ações de Wall Street que tenha acesso a informações confidenciais?

- Já pensei nisso, tio George, mas gosto mesmo é de Leander. Existem ocasiões em que penso nele e digo para mim mesma: será que o dinheiro é tão importante assim?

- Que é isso, meu anjo! – exclamei, chocado. As meninas de hoje dizem cada bobagem…

- Mas por que não posso ser rica, também! É pedir muito?

Pensando bem, seria mesmo? Afinal, eu era amigo de um demônio. Um demônio pequeno, é verdade, mas com um grande coração. Certamente estaria interessado em colaborar para a consolidação de um amor verdadeiro, em levar a felicidade a duas almas cujos corações bateriam em uníssono enquanto pensavam em beijos mútuos e fundos mútuos.

Quando o chamei, usando a palavra mágica apropriada, Azazel ouviu a história com muita atenção. (Não, não posso lhe contar qual é a palavra. Você não tem nenhum senso de ética?) Como estava dizendo, ele me ouviu com atenção, mas não com a simpatia que eu estava esperando. Admito que o trouxe para a nossa realidade no momento em que tomava alguma coisa parecida com um banho turco, pois estava enrolado em uma pequena toalha e tremia dos pés à cabeça. Sua voz parecia mais fina e esganiçada do que nunca. (Na verdade, não penso que seja realmente sua voz. Acho que ele se comunica comigo por telepatia, mas a voz que imaginei ouvir era fina e esganiçada.)

- Que é basquete? – perguntou. – Algum tipo de esporte? Como se joga?

Tentei explicar, mas, para um demônio, Azazel às vezes consegue ser incrivelmente obtuso. Ficou olhando para mim como se eu não estivesse explicando cada detalhe do jogo com clareza transparente.

Afinal, propôs:

- Será que eu não podia ver um jogo de basquete?

- Claro que pode. Por coincidência, vai haver uma partida hoje à noite. Leander me deu uma entrada. Você pode ir no meu bolso.

- Ótimo – disse Azazel. – Pode me chamar quando for sair para o jogo. Agora, preciso terminar meu zymjig (certamente estava se referindo ao banho turco) – concluiu, antes de desaparecer.

Devo admitir que fico irritado quando alguém coloca seus interesses mesquinhos acima das questões transcendentais em que estou envolvido… o que me faz lembrar, amigo velho, que O garçom parece estar tentando atrair a sua atenção. Acho que quer lhe entregar a conta. Pegue-a, por favor, e deixe-me continuar a história.

Naquela noite, fui ao jogo de basquete levando Azazel no bolso. Para poder ver a partida, ele teve de colocar a cabeça para fora, o que teria causado uma verdadeira comoção se alguém estivesse prestando atenção em nós. Sua pele é vermelha e ele tem dois pequenos chifres na cabeça. Ainda bem que só a cabeça estava de fora, porque sua grossa cauda, de mais de um centímetro de comprimento, é simplesmente repugnante.

Eu mesmo não entendo muito de basquete, de modo que deixei por conta de Azazel entender o que estava acontecendo na quadra. Sua inteligência, embora demoníaca em vez de humana, é bastante desenvolvida.

Depois do jogo, ele me disse:

- Pelo que pude deduzir do comportamento dos indivíduos corpulentos, desajeitados e totalmente desinteressantes que se movimentavam na arena, o objetivo do jogo é fazer aquela bola esquisita passar por dentro de um aro.

- Isso mesmo – concordei. – Isso se chama fazer uma cesta.

- Então seu protegido se tornaria um ás deste jogo estúpido se conseguisse fazer a bola passar por dentro do aro todas as vezes que tentasse?

- Exatamente.

Azazel balançou a cauda pensativamente.

- Isso não deve ser difícil. Preciso apenas ajustar os reflexos do rapaz para que ele possa avaliar corretamente o ângulo, a força do arremesso…

Ficou em silêncio por um momento e depois acrescentou:

- Acontece que eu aproveitei o jogo para registrar o seu complexo de coordenadas pessoais… Sim, pode ser feito… Na verdade, já está feito. Daqui em diante, seu amigo Leander não terá a menor dificuldade para fazer a bola passar por dentro do aro.

Eu estava um pouco nervoso enquanto esperava o jogo seguinte. Não disse nada para minha afilhada Juniper, porque nunca havia recorrido aos poderes demoníacos de Azazel e não estava inteiramente certo de que fosse capaz de fazer tudo que afirmava. Além do mais, queria surpreendê-la. (No final das contas, fiquei tão surpreso quanto ela.)

Afinal, chegou o dia do jogo, e que jogo! A nossa faculdade, a Escola de Engenharia de Buraco Quente, em cujo time de basquete Leander desempenhava um papel tão apagado, estaria enfrentando os brutamontes da Universidade e Reformatório Al Capone, no que prometia ser um combate épico.

Mas ninguém esperava que fosse tão épico. O quinteto da Capone assumiu a dianteira na contagem, enquanto eu observava Leander atentamente. Ele parecia não saber direito o que fazer e a princípio suas mãos deixavam escapar a bola toda vez que tentava fazer uma jogada. Era como se seus reflexos tivessem sido tão alterados que não se sentia mais em condições de controlar os próprios músculos.

De repente, porém, foi como se tivesse se acostumado com o novo corpo. Agarrou a bola e ela pareceu escorregar-lhe das mãos… mas de que forma! Descreveu uma curva no ar e entrou na cesta sem tocar o aro.

A torcida começou a comemorar, enquanto Leander olhava para a cesta, como se não estivesse entendendo nada.

A cena se repetiu uma segunda vez… e uma terceira… e uma quarta. No momento em que Leander tocava na bola, ela saltava no ar. Depois, descrevia uma curva elegante e entrava na cesta. Tudo acontecia tão depressa que não dava tempo nem para Leander fazer pontaria. Interpretando isso como uma demonstração de perícia, a torcida ficou ainda mais histérica.

Logo em seguida, porém, o inevitável aconteceu, e o jogo se transformou em um caos total. Os aplausos deram lugar às vaias; os alunos mal-encarados que torciam pelo reformatório Al Capone começaram a xingar a torcida adversária e várias brigas irromperam na arquibancada.

O que eu tinha me esquecido de explicar a Azazel, achando que era evidente, e que Azazel não percebera, era que as duas cestas de uma quadra de basquete não eram idênticas, que uma delas era a do time local e a outra dos visitantes, e que cada time tinha de acertar a bola em uma cesta diferente. A bola de basquete, como a lamentável ignorância de um objeto inanimado, se dirigia para a cesta que estivesse mais próxima do local onde Leander a segurara. O resultado era que muitas vezes Leander fazia cestas contra seu próprio time.

Ele continuou a insistir nessa prática suicida a despeito da& advertências que o técnico de Buraco Quente, Fritz Schmitt, mais conhecido como Alemão, proferia através da espuma que lhe cobria os lábios. Schmitt cerrou os dentes em sinal de tristeza por ter de tirar Leander da partida e começou a chorar quando tiraram seus dedos da garganta de Leander para que o jogador pudesse ser removido da quadra.

Meu amigo Leander nunca mais foi o mesmo. Eu havia imaginado, naturalmente, que ele procuraria refúgio na bebida, tomando-se um bêbado filosófico e respeitável. Isso seria compreensível. Entretanto, ele se degradou mais ainda. Dedicou-se aos estudos.

Diante dos olhos desdenhosos, e às vezes até pesarosos, dos colegas de faculdade, passou a freqüentar as salas de aula, enfiou a cara nos livros e mergulhou nas profundezas sombrias da erudição.

Mesmo assim, Juniper não o deixou. “Ele precisa de mim”, disse-me ela, com os olhos úmidos. Em um gesto de supremo sacrifício, casou-se com Leander logo que se formaram. Continuou com ele mesmo quando desceu até o fundo do poço, adquirindo um ignominioso doutorado em física.

Hoje em dia, ele e Juniper vivem em um pequeno apartamento de subúrbio. Ele ensina física e faz pesquisas na área de cosmogonia. Ganha menos de 60.000 dólares por ano, e aqueles que o conheceram quando era um sujeito respeitável cochicham às suas costas, em tom escandalizado, que está cotado para receber o prêmio Nobel.

Juniper nunca se queixa, mas permanece fiel ao seu ídolo caído. Jamais demonstrou sua decepção, nem por pensamentos nem por atos, mas não pode enganar seu velho padrinho. Sei muito bem que, de vez em quando, pensa com tristeza na mansão coberta de hera que jamais poderá ter e no jardim a perder de vista que permanecerá para sempre fo-ra do seu alcance.

- Esta é a história – disse George, enquanto recolhia o troco que o garçom havia trazido e copiava o valor da conta (para descontar do seu imposto de renda, suponho). – Se eu fosse você – acrescentou -, deixaria uma gorjeta generosa.

Obedeci automaticamente, enquanto George sorria e se afastava. Não me incomodei por ele haver ficado com o troco. Ocorreu-me que George lucrara apenas uma refeição, enquanto eu tinha uma história que podia contar como se fosse minha e me poderia render várias vezes o preço de uma refeição.

Na verdade, decidi continuar a jantar com ele de vez em quando.

Fonte:
ASIMOV, Isaac. Azazel. RJ: Record, 1988.

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XIII



I. A demanda do Santo Graal

1. — Generalidades

Para a Idade Média, o Graal é a taça de que se serviu Jesus durante a Ceia. Nela, José de Arimatéia colheu o sangue do Senhor ferido pelo centurião romano Longin. Os genoveses expuseram em 1101, depois da tomada de Cesaméia, um prato de vidro, venerado pelo nome de “Sacro-Catino”. Prato ou vaso, objeto radiante em ouro ou em cristal, o graal tanto pode ser essa esmeralda celeste ou o livro sagrado tal como o evangelho perdido de São João.

Esses objetos mágicos evocam os dos contos de Mil e uma noites mas no embaralhamento desses temas, a descrição da cena do cortejo continua primordial. Estudaremos antes de tudo a evolução do ciclo.

2.- Os temas

a) Chrétien de Troyes, Parsifal — Chrétien de Troyes, natural de Champanha, teve que compor Perceval ou le conte du Graal a pedido de Filipe da Alsácia, conde da Flandres, noivo da protetora do poeta: Marie de Champanha.

Não sabemos onde Chrétien tirou os seus dados; o texto teria sido escrito entre 1180-1183; Wilmotte diz que foi antes do 14 de maio de 1181. Eis o assunto:

Parsifal é criado por sua mãe num domínio solitário Depois de uma aprendizagem bastante rudimentar, recebe a ordem de cavaleiro e liberta Branca Flor então sitiada. É recebido no castelo mistérioso, pelo rei-pecador paralisado por uma lançada na coxa. Espectador ingênuo assiste ao desenrolar de uma estranha cerimônia: o anfitrião entrega-lhe uma espada. Um mordomo leva-lhe uma lança toda branca cuja ponta está embebida de sangue; mais longe, uma jovem carrega o graal (cálice) de ouro muito puro, guarnecido de pedras preciosas e que difunde uma claridade sobrenatural; depois outra jovem carrega um prato de prata. Parsifal estupefacto cala-se; no dia seguinte, afasta-se do castelo deserto. Uma jovem ter-lhe-ia revelado que devia perguntar sobre a significação da cena; com suas palavras libertadoras teria curado o rei enfermo e o encantamento da região adormecida e estéril teria cessado; Parsifal recusa então dormir duas noites seguidas debaixo do mesmo teto. Durante cinco anos realiza as mais perigosas aventuras; esses episódios fabulosos dependem do fantástico e são de uma iniciação ritual cujo verdadeiro sentido nos escapa. Um eremita — seu tio — aconselha-lhe então a caridade, a humanidade e lhe transmite uma oração secreta que lhe permitirá, talvez, encontrar o graal.

Assim termina o romance de Chrétien, de dez mil e sessenta e um versos octossilábicos. Entre os prosseguidores a parte “pseudo-Wauchier” se estende até o verso 21.916 (edição Potvin) e se ocupa de Gauvain. Wauchier de Denain — ou um autor anônimo — trata das propriedades da espada entregue a Parsifal (verso 34.934) e faz da lança uma relíquia divina. Manessier, em 1225, a pedido de Jeanne de Flandre, termina essa obra: Parsifal torna-se o guardião do Graal (versos 34.934 a 45.379). Muitos outros poetas participam com a sua contribuição pessoal, tais como Gerbert de Montreuil que compôs dezessete mil versos insuficientes para que Parsifal pudesse recolher a sucessão do rei-pecador. Ferdinand Lot analisou essas obras (Romania, I. VII, 1931).

Obra enigmática com Chrétien, o tema — assume uma significação mística e religiosa. O graal — que não era o Graal — não era nem uma relíquia santa, nem um tacho de abundância; nenhum capelão assiste ao desfile da lança que sangra. O tema goza rapidamente de um êxito prodigioso e inspira outros poetas.

b) Wolfram d’Eschenbach et Guiot — Wolfram d’Eschenbach compõe Parzival entre 1200 e 1210. Diz ele: “Mestre Chrétien de Troyes contou essa história, alterando-a e Kyot que nos transmitiu o conto verdadeiro irrita-se e com razão. O Provençal...” Discutiu-se muito sobre a existência desse poeta Guiot ou Kyot. Para Schreiber e San Marte trata-se de Guiot de Provins, o acre satírico da Bíblia. Wilmotte pensa no autor de um Miracle de la Vierge (Milagre da Virgem) entre 1150-1180. Será que Guiot precede Chrétien? A questão permanece sem solução. Com Wolfran o cerimonial do desfile se complica, lembrando-nos a coreografia de um ballet. O Graal é então uma pedra santificante dada por Deus a Adão (era a esmeralda frontal de Lúcifer). Seth, terceiro filho de Adão, obteve licença para entrar no Paraíso a fim de retomar a pedra. Lá ficou quarenta anos — número da expiação — e esse cálice será entregue por Pôncio Pilatos a José de Arimatéia que nele recolheu o Sangue Divino; depois de quarenta anos de prisão e depois de Vespasiano haver destruído Jerusalém, José, acompanhado por sua irmã Enigéia e de seu cunhado Bron, se estabeleceu na Grã-Bretanha, no país de Hofelise onde constrói o castelo Aventureux; a cidade de Corbenic se estendeu em volta. Pela linhagem de seu sobrinho Josafá, será concebido Galaad.

A ordem misteriosa dos Templeisen é encarregada de guardar essa pedra; Parsifal sucederá a seu tio Anfortas. Le nouveau Titurel — poema de seis mil duzentas e sete estrofes — atribuído a Albreht de Scharpfenberc (por volta de 1280), adapta para o alemão a história de Merlin conforme Robert de Boron. A base mística do conto se desenvolve; Montsalvage, lugar santo, seria Montségur na França ou Montserrat na Espanha.

c) Robert de Boron — O Saint-Graal ou Joseph d’Arimathie é uma narrativa curta, de três mil quinhentos e catorze versos e baseada em narrativas apócrifas. — A lenda de José alcançou grande celebridade em Lorraine. Depois do verso 2.357 o autor dá livre curso à sua fantasia. Esse romance que recebeu a influência das abadias de Fécamp e de Glastonbury e por meio delas, de Gautier Map, foi composto entre 1212-1214 (F. Lot, Romania, 1931; Hoepffner, Lumière du Graal, 1951). Eugene Hucher (1875), Suchier (1892) procuraram a origem de Robert de Boron; de anglo-normando passou-se a considerá-lo atualmente franco-condado.

O grande mérito de Boron é haver transformado a lenda fazendo do Graal um símbolo da divina graça a qual aspira a alma humana. A tendência é ascética e corresponde ao ideal monástico cisterciense.

Parsifal em prosa também é atribuído a esse poeta e é conhecido por Didot-Parsifal.

d) Gautier Map. A demanda do Santo Graal — La queste del Saint-Graal, atribuída d Gautier Map, teria sido composta entre 1225-1230. Os estudos de Pauphilet (Étude sur la queste, Champion, 1921) de Etienne Gilson (Romania, L. I. 1925; Vrin, 1932) iam provar a influência cisterciense, a doutrina mística de São Bernardo e estabelecer uma relação com Robert de Boron. Parsifal é substituído pelo cavaleiro casto Galaad, messias arturiano. O Graal torna-se o símbolo de Deus. Neste “evangelho aventuroso” (Pauphilet), a exploração terrestre termina com a descoberta de uma revelação planetária. Obra espiritual, é a história de uma alma à procura de Deus. Esse conhecimento, com suas divulgações habilmente graduadas, conduz à humildade, à contemplação e à compreensão. A suprema beatitude, o êxtase levam Galaad para o céu. A Demanda que se ergue veementemente contra o assassínio, as festas cavaleirescas e os torneios, transformou o cortejo tradicional num ofício religioso; o Santo Graal se desloca pela força invisível de Deus e a missa celebrada em Corbenye é dita por Josephes, o primeiro bispo.

Gauvin é a imagem do mau cavaleiro. É assim que o Lancelot en prose (Lancelote em prosa) imporá duras provas a este cavaleiro falho de fé; o mesmo se dá com Bohort.

Lancelote, considerado como o melhor dos cavaleiros, não pode tampouco triunfar. Suas aventuras galantes, seu amor sacrílego pela rainha tornam-no indigno dessa conquista bem sucedida pelo seu filho Galaad, descendente de José de Arimatéia por sua mãe. Esse puro entre os puros termina essa busca do infinito.

Aí está a busca da perfeição terrestre onde os desejos humanos são satisfeitos:

e) Perlesvaus — Perlesvaux, atribuído a Manessier (1225-1230) conta a aventura de Parsifal conforme o poema de Chrétien. Sob a influência dos monges de Cluny — esta obra — de menos valor do que a Queste — interpreta pela primeira vez a mística do sangue divino: o sangue da lança escorre dentro do Santo Graal. Enfim o silêncio do neófito é explicado aqui pelo seu êxtase no momento da passagem dos objetos sagrados.

3. — Sucessão literária

O ciclo bretão é novamente trazido à moda no século XVIII pelo conde de Tressan. O entusiasmo romântico dele se apodera; Wagner o difunde com suas preocupações metafísicas. Paulin Paris decifra os textos; Gast on Paris os confronta. Oscar Summer estabelece uma notável compilação: La vulgate Lancelot (Washington, 1909); Douglas Bruce estabelece a bibliografia (The evolution of Arthurian Romance, Baltimore, 1923), completada pelos cuidados da Sociedade internacional arturiana que reside em Paris. As grandes universidades americanas publicam interessantes trabalhos.

Georges Burectud (Lumière du Graal, 1951) estabelece um paralelo entre D. Quixote e o tema do cavaleiro santo, mas sua comparação entre o Graal e a Divina Garrafa do Pantagruel de Rabelais me parece mais engenhosa. O segredo supremo do “Vin de Verité” (Vinho da verdade) assemelha-se ao sangue universal; a Santa Fonte que corre conforme a curva de uma espiral logarítmica (movimento da vida que se enrosca), fornece o vinho desejado e mergulha o conviva num delírio báquico próximo ao arrebatamento.

Georges Bureaud descobre ainda esse tema em Milosz nos seus poemas dogmáticos e metafísicos do Sangue universal (Ars Magna, Arcanes); e na obra de Péladan, Léon Bloy, Péguy o no Château d’Argol de Julien Gracq.

4. — Origem

A origem da lenda tem muitas controvérsias. A Matéria da Bretanha é para uns insular (Gaston Paris, Histoire Littéraire de la France, t. XXX). Os celtistas alemães refutam a transmissão dos temas arturianos por via anglo-normanda e Zimmer se pronuncia a favor de uma origem armórica e não galesa. Esse sistema é prosseguido por Foerster e Brugger, contestado por. F. Lot (Romania, XXIV, XXVIII) e por Loth (Kritischer Jahrest bericht, I, 271). Vendryes encontra nesses temas uma sobrevivência da literatura céltica (Cahiers do Sud); Max Gilbert e principalmente Jean Marx (La légende arthurienne), mostram que a contribuição da Bretanha armórica foi muito pobre mas que a literatura galesa introduziu temas admiráveis. Jean Marx escreveu: “Essa lenda arturiana de origem pagã e profana ia, de início, sob influências certamente inglesas (Glastonbury), e em seguida francesas (Clairvaux) tomar uma tonalidade cada vez mais cristã.”

Blochet (Les sources orientales de la Divine Comédie (1901) (As fontes orientais da Divina Comédia), mostrava a civilização preponderante da Irlanda que conhecia Bizâncio por intermédio das repúblicas italianas.

Todavia, outros pontos permanecem litigiosos: as relações entre as obras, a data em que foram feitas, o autor. Apesar do minucioso estudo dos dezesseis manuscritos conservados sobre o Graal, essas questões parecem insolúveis.

5. — Interpretações

Apesar de Jean Blondel haver escrito: “Li conte de Brétaigne sont si vain et plaisant”, parece que esses mitos exprimem verdades veladas assimiláveis pelo iniciado. Sentimos, na obra literária, surdirem outras interpretações.

a) Interpretações astrológicas e naturistas — Wolfram preocupava-se com a astrologia. Ora, o nome de Artur seria oriundo de Arthos, isto é, “ours” (Ursa) no simbolismo astrológico da constelação polar. Esse palácio astrológico torna-se o centro do mundo e Guénon (Le roi du monde, 1927), imagina os doze signos zodíacos que gravitam em torno do sol como os doze cavaleiros que rodeiam Artur. Saint-Yves evoca a zona zodíaca; nela Lotus Péralté encontra os princípios druídicos de Crom-Lek. Loomis, diante das esculturas da catedral de Modena, evoca também a teoria solar.

Miss Jessy L. Weston (Cambridge, 1920) insiste sobre o aspecto ritualista e liga ao vegetal uma interpretação pelos órgãos genitais. Observou que os ferimentos atingem as partes viris do rei.

b) interpretações tiradas de fontes orientais — Georges Dottin aponta na literatura irlandesa, motivos tirados da literatura grega e na sucessão das provas aproxima-se das narrativas hindus. Hannah Closs (Lumière du Graal) pensa na lenda de Bagavata Purana. Baseando-se no edifício circular e irradiante que é o Templo do Graal, pensamos na arquitetura dos templários idêntica à das igrejas armênias e à dos templos iranianos.

Otto Rahn localiza o castelo Aventureux em Montségur — outros em Glastonbury — e Hannah Closs, pela descoberta de cerâmicas que aí se fez, pensa no maniqueísmo. Guénon, (Le roi du monde) estabelece relação entre o Sangue Divino — beberagem da imortalidade — e o Soma dos hindus ou o Haoma dos persas; depois compara a esmeralda caída da fronte de Lúcifer — que tornou-se a taça — a Urna, pérola frontal e terceiro olho de Civa.

Chrétien menciona o gavião, representação oculta da consciência; ora, o gavião simboliza o grande Horo egípcio.

Finalmente, como na fábula antiga, os animais exprimem as paixões dos homens, e a cada animal liga-se um simbolismo.

c) Interpretação religiosa — Essa obra mística tornou-se finalmente a glorificação do sacramento eucarístico. Os evangelhos apócrifos vindos de Bizâncio — e principalmente o Apocalipse, apontam esse tema (observemos os algarismos rituais 3, 7, 12 e a cor branca). O homem se liberta da fatalidade antiga e prostra-se diante do mistério da redenção. Chrétien considera os acontecimentos históricos (transporte da galheta com o Santo-Sangue a Bruges por Thierry d’Alsace; descoberta da Santa-Lança em Antioquia.); a carne se submete à alma e a alma, ao espírito. O herói da Queste — primeiro livro filosófico — seria a representação mística do Cristo. Mas Jean Marx (La légende arthurierine) mostra que a igreja não adotou a aventura do Graal que continua sendo obra de um sacristão inspirado pela doutrina espiritual de São Bernardo. Se a Igreja se houvesse apoderado dessa lenda, os textos teriam sido conservados nos mosteiros; mas guardados nas bibliotecas dos nobres, perderam-se em parte. A Igreja, lembrando-se dessa origem pagã, não lhe deu muito lugar na representação artística. Otto Rahn (Croisade contre le Graal (Cruzada contra o Graal), Stock conclui que foi contra o Graal que se mobilizou a cruz por ocasião da cruzada albigense.

Lotus Péralté (L’ésotérisme de Parsifal (O esoterismo de Parsifal, Perrin, 1914), diz que o princípio druídico é visível na Queste. Todavia, ignora-se quase tudo sobre as grandes comunidades visitadas por São Patrício no século IV, ficando o país de Gales ao abrigo das influências estrangeiras. O prolongamento do druidismo foi encontrado no século XII na igreja culdeana e seu ensinamento é básico na instituição da igreja de Roma.

d) Interpretação esotérica

1) Generalidades — Valores esotéricos e iniciáticos podem se sobrepor ao sentido exterior. René Guenon (Esotérisme du Graal (Esoterismo do Graal) observa que esse simbolismo é disfarçado e que as dúvidas, as contradições aparentes têm talvez por objetivo desviar a atenção dos profanos. Teriam sido os autores iniciados? Não saberíamos responder; mas a organização iniciática presente — druídica e depois cristã — não quis que a lenda se tornasse um ritual de iniciação ou de vulgarização. A perda do Graal parece ser o obscurecimento do centro espiritual secundário e a iniciação deve fazer com que seja encontrado.

Victor-Emile Michelet: Les secrets de la chevalerie (Os segredos da cavalaria, Bosse, 1928), busca o simbolismo na forma da Távola redonda com os druidas, quadrada com José de Arimatéia, o arcano subsiste para a da Ceia que Leonardo da Vinci representou sob a forma de um retângulo oblongo. Percebe-se um significado nesses símbolos e pensa-se em Gauvain que leva o pentáculo do Tarot. A cor preta na indumentária de certos cavaleiros isenta-os de uma influência malsã; é o pentáculo mágico.

A Igreja esotérica revela dessa forma um dos aspectos da sua face interior, o esoterismo. Esses caracteres encontram-se em Dante e no Romance da rosa.

2) 0 centro supremo — Para Guénon (Le roi du monde (O rei do mundo, 1927), Graal quer dizer ao mesmo tempo vaso (grasale) e livro (gradale ou graduale); Monsalvat — o monte da Salvação — ilha sagrada ou montanha polar, terra da imortalidade que se identifica com o Paraíso Terrestre. A lança torna-se o eixo do mundo e o sangue que dela provém é o orvalho que se emana da Árvore da Vida. Artur é raptado em Avallon, ilha hiperbórea, sede da realeza e da dinastia dos padres Jean; esse Paraíso Terrestre é ainda, simbolicamente, designado pela Índia.

Julius Evola diz que o país do Graal não é a Inglaterra mas sim o centro nórdico primordial, Thulé. Evola pensa também na ordem dos Templários, cujos últimos representantes, os Rosa-Cruz, conservam o mito da citadela solar.

Guénon imagina a representação do centro do mundo no princípio central de Omphalos e que é também o centro de uma roda. Sua representação material continua a ser a pedra sagrada — o menir — para os celtas — morada da Divindade. A Irlanda fornece grande número de dados relativos a Omphalos. Guénon, observa, enfim, a equivalência simbólica existente entre o crescente, o navio e a taça; eis porque o Graal é designado pelo nome de Santo Vaso.

3) 0 poder oculto do sangue — Chrétien teria pretendido traduzir exotericamente uma lenda esotérica na qual o sangue continua a ser um poder oculto excelente pela sua figuração misteriosa. Base de todo o princípio vital é o arcano da profecia, da evocação, dos batismos em certos mistérios. Marca a descendência hereditária e pelo seu princípio racial a desigualdade no casamento, o adultério, são punidos com a morte. Essa pureza de sangue é a virtude do indivíduo, do clã, da nação, da raça.

Para Chrétien, o sangue sublinha a alvura do cisne moribundo, esse cisne, símbolo da pureza, que está no limiar da primeira iniciação. O sangue está ainda presente no ferimento do rei pecador: leva em si todos os desejos violentos da carne. O problema do sangue, licor solar, força impulsiva, vontade cósmica foi mencionado por Théophile Briant (Le Goéland, dez. 1953). Mas talvez seja também a sede da alma. A presença do arcano nas cerimônias religiosas é a base dessa demanda do Graal que continua válida para todos nós.
4) 0 rito da iniciação — Elie Lebasquais (Études traditionnelles, 1939), é de opinião que A demanda do Santo Graal, Fausto, Rolando, são rituais de iniciação da mesma categoria que O Pequeno Polegar. O herói, para chegar ao estado superior, busca um personagem, um tesouro ou um objeto mágico. No simbolismo de Hiram, três mestres procuram os restos do Grande Arquiteto. Esses ritos proviriam “de tradições antigas, de formas tradicionais desaparecidas, conservadas pela memória coletiva mais ou menos subconsciente do povo” (Guenon). Essa iniciação visaria aqui a conquista de estados sobre-humanos.

5) A alquimia e a cavalaria — Na linguagem secreta a pedra filosofal representa a salvação; o ouro nada mais é do que o hieróglifo da espiritualidade e das forças psíquicas de Deus. A demanda é então uma busca semelhante à dos alquimistas que eram filósofos herméticos; citemos Alberto, o Grande, Roger Bacon, São Tomás de Aquino, Nicolas Flamel.

O arcano é a base da ordem da cavalaria — que deu origem ao companheirismo operário — e à arte heráldica. “O brasão é a chave da história da França”, diz Gérard de Nerval. Nessa cavalaria histórica, os Templários foram os guardiães do Baphomet; os cavaleiros errantes eram atacados pelos dragões, símbolos do guarda da entrada, ou pelo leão animal solar, alegoria da paixão interior. O alquimismo é a conseqüência final dessa cavalaria mágica e essa viagem de aventuras de uma epopéia religiosa e científica é a mesma que a da Demanda do Santo Graal.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Vânia M. S. Ennes (Chuva de Trovas)

Clique sobre a imagem para ampliar--------------
Mais trovas de Vânia podem ser obtidas em seu e-book Chuva de Trovas, no Portal CEN , http://www.caestamosnos.org

Fonte:
ENNES, Vânia Maria de Souza. Chuva de Trovas. Portal CEN, 2008.

Tatiane Leite da Silva (Fábula)

A Lebre e a Tartaruga (Ilustração de Emerson Fialho)
O leão e o camundongo, a lebre e a tartaruga, a raposa e a cegonha, a cigarra e a formiga são algumas das duplas que protagonizam fábulas muito conhecidas. Há também o homem que matou a galinha dos ovos de ouro, fábula de La Fontaine da qual se extrai a lição: "Quem tudo quer tudo perde."

Fábula é uma narrativa alegórica em prosa ou verso, cujos personagens são geralmente animais, que conclui com uma lição moral. Sua peculiaridade reside fundamentalmente na apresentação direta das virtudes e defeitos do caráter humano, ilustrados pelo comportamento antropomórfico dos animais. O espírito é realista e irônico e a temática é variada: a vitória da bondade sobre a astúcia e da inteligência sobre a força, a derrota dos presunçosos, sabichões e orgulhosos etc. A fábula comporta duas partes: a narrativa e a moralidade. A primeira trabalha as imagens, que constituem a forma sensível, o corpo dinâmico e figurativo da ação. A outra opera com conceitos ou noções gerais, que pretendem ser a verdade "falando" aos homens.

Cabe salientar que o elemento dominante, para o gosto moderno, costuma ser a narrativa. A moralidade ou significação alegórica, ainda que anime o todo, jaz de preferência nas entrelinhas, de maneira velada. Os antigos tinham ponto de vista diferente. Para eles, a parte filosófica era essencial. Para atingirem de modo mais direto o alvo moral, sacrificavam a ação, a vivacidade das imagens e o drama. Assim, a evolução da fábula pode ser cifrada na inversão do papel desses dois elementos: quanto mais se avança na história, mais se vê decrescer o tom sentencioso, em proveito da ação. A presença da moral, no entanto, nunca desapareceu de todo da fábula. Explicitada no começo ou no fim, ou implícita no corpo da narrativa, é a moralidade que diferencia a fábula das formas narrativas próximas, como o mito, a lenda e o canto popular. Situada por alguns entre o poema e o provérbio, a fábula estaria a meio caminho na viagem do concreto para o abstrato.

A afinidade com o provérbio encontra-se no nível mediano - lugares-comuns proverbiais - a que geralmente se reduz a lição extraída da narrativa. Sob esse aspecto, a fábula também se distingue da parábola, que procura maior elevação no plano ético, além de lidar com situações humanas mais reais.

Fábula oriental e Esopo.

Na evolução do gênero, o primeiro dos três períodos da fábula, aquele em que a moralidade constitui a parte fundamental, é o das fábulas orientais, que passaram da Índia para a China, o Tibet, a Pérsia, e terminaram na Grécia com Esopo. No Oriente, a fábula foi usada desde cedo como veículo de doutrinação budista. O Pantchatantra, escrito em sânscrito, chegou ao Ocidente por meio de uma tradução árabe do século VIII, conhecida pelo título de Fábulas de Bidpay, depois retraduzida do árabe para várias línguas.

Esopo, fabulista grego de existência duvidosa a quem se atribuem as fábulas reunidas por Demétrio de Falero no século IV a.C., teria sido uma espécie de orador popular que conta histórias para convencer os ouvintes a agir de acordo com o bom-senso e na defesa de seus próprios interesses. De acordo com Aristóteles, a fábula esópica é uma das formas da arte de persuadir e não poesia.

Fedro e a fábula medieval.

O segundo período da fábula se inicia com as inovações formais de Fedro. Ao fabulista latino é atribuído o mérito de ter fixado a forma literária do gênero, o que garante para ele um lugar na poesia. Escritas em versos, as histórias de Fedro são sátiras amargas, bem ao sabor do gosto latino, contra costumes e pessoas de seu tempo. Mas tanto Fedro quanto Bábrio (século III da era cristã) partiram dos modelos de Esopo, que reinventaram poeticamente.

A Idade Média cultivou com insistência a tradição esópica. Entre as muitas versões da época, divulgadas sob o nome de Ysopets (Esopetes), a mais famosa ficou sendo a de Marie de France, do século XII. Os fabliaux (fabuletas) medievais, embora não sejam propriamente fábulas, guardam com elas algumas analogias. Por meio dos personagens animais, os poetas fazem críticas e pretendem instruir divertindo.

La Fontaine e seus seguidores.

O terceiro período inclui todos os fabulistas modernos, dos quais Jean de La Fontaine é considerado o mestre. Suas Fables choisies (Fábulas escolhidas), em 12 volumes, apareceram entre 1668 e 1694. A grande contribuição original do fabulista francês foi ter feito da fábula um pequeno teatro: "uma comédia em cem atos" e "uma pintura em que cada um de nós pode encontrar seu retrato", segundo suas próprias palavras.

No século XVIII, La Fontaine encontrou muitos seguidores, como Jean Pierre de Florian, na França, e Tomás de Iriarte, na Espanha. Em Portugal, Bocage escreveu fábulas originais, além de traduzir La Fontaine em versos. Na Inglaterra, a fábula tomou fisionomia de sátira política. Nas Fables, de John Gay, a formiga representa o Lord do Tesouro. The Fable of the Bees (A fábula das abelhas), de Bernard Mandeville, é uma extensa alegoria política, enquanto as coleções Fables for the Female Sex (1744; Fábulas para o sexo feminino) e Fables for Youth (1777; Fábulas para os jovens) descem ao nível da sátira panfletária.

Na Alemanha, Gotthold Ephraim Lessing reagiu contra o que julgava ser uma excessiva literarização dos imitadores de La Fontaine. Em Fabeln (1759; Fábulas), apresenta importante monografia introdutória em que rejeita como perversões do gênero as elaborações literárias adotadas a partir de Fedro. No entanto, o fabulista mais popular na Alemanha foi seu contemporâneo Christian Gellert, que usou a fábula como veículo de motejo. A glória de melhor fabulista do século XIX pertence ao russo Ivan Krilov, que soube adaptar o gênero a seu gênio de poeta original. O homem rústico é seu herói favorito. Krilov usou da fábula como meio de protesto contra a rigidez das coerções do estado.

Em língua portuguesa, a prática do gênero foi esporádica e não há nomes de grandes fabulistas. Depois de Bocage, Garrett publicou um volume de Fábulas e contos (1853), e, no século XX, surgiram as Fábulas (1955) de Cabral do Nascimento. No Brasil, as melhores realizações inspiraram-se no folclore e na literatura oral. Como exemplos, há as Fábulas de Luís de Vasconcelos, as Fábulas e alegorias de Catulo da Paixão Cearense e as Fábulas brasileiras de Antônio Sales. Cabe mencionar também Monteiro Lobato, José Oiticica e o marquês de Maricá.

Fontes:
http://www.coladaweb.com
Ilustração = http://www.emersonfialho.wordpress.com

Domingos do Nascimento (Meu Lar!)



“Domingos do Nascimento tinha um grande amor pela sua terra natal de que ele cantou belezas em ver­sos simples, mas de muita espontaneidade como: "Meu Lar” - uma canção sem metro, entre o monossílabo e o decassílabo, livres na sua harmonia. Versos em que há muita alma, uma explosão de senti­mentos que se não uniformizam, rebentando o coração do poeta como à trova singela entre dolências enternecedoras de uma viola na “porfia”. De Domingos diremos que era poeta da prosa, como foram Peletan e Michelet.
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MEU LAR!
Eu sou da terra dos lírios bravos
Que pendem a haste por sobre o mar.
Por entre lírios vermelham cravos...
Branco e vermelho... fico a cismar!
Fico a cismar nos lírios e nos cravos
Que pendem a haste por sobre o mar.

Minha casita branca de neve,
Com telhas rubras, era um primor.
Minha casita que encantos teve...
Hoje tapera, sem riso ou flor!
Fico a cismar na graça que já teve...
Com telhas rubras, era um primor!

Olha as moçoilas subindo os montes,
Chapéu de palha, saiote curto!
Belas morenas descendo as fontes,
Bilhas à coifa, pezinho a furto...
Fico a cismar nas moças lá dos montes,
Chapéu de palha, saiote curto.

E a minha dama era alva de neve,
De lábios rubros, botão de flor.
A minha dama que olhos já teve,
Escrava agora de outro senhor!
Fico a cismar nos olhos que já teve,
De lábios rubros, botão de flor.

Eu sou da terra dos brancos lírios,
Dos lindos mares, bravos, chorosos...
No céu escuro crepitam círios,
E os ventos gemem, tristes, saudosos!
Fico a cismar que velam tantos círios
Os lindos mares, bravos, chorosos...

A dor eterna seja contigo,
Coração fiel, mar tormentoso!
Meu companheiro, meu velho amigo!
Quando te sinto soberbo e iroso,
Fico a cismar em ti, que estás comigo.
Coração fiel, mar tormentoso!

Eu sou da terra dos liriais...
...Branca de neve... seios de amora...
— Que lindo rastro nos areais!
A noite foge, resplende a aurora...
Fico a cismar por sobre os areais:
— Branca de neve... seios de amora...

0 mar soluça beijando a praia...
— Não mais te beijo, botão de flor,
A onda ruge, a onda desmaia...
Gemo... Saudades de tanto amor!
Fico a cismar se aquela flor desmaia...
...Não mais te beijo, botão de flor!
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Murici divisa nesta canção influência pastoril portuguesa, embora "temperada por fresca e delicada cor local".
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Domingos do Nascimento (Hino do Paraná)


Música de Bento Mossurunga
.
Estribilho
Entre os astros do Cruzeiro,
És o mais belo a fulgir
Paraná! Serás luzeiro!
Avante! Para o porvir!

I
O teu fulgor de mocidade,
Terra! Tem brilhos de alvorada
Rumores de felicidade!
Canções e flores pela estrada.

II
Outrora apenas panorama
De campos ermos e florestas
Vibra agora a tua fama
Pelos clarins das grandes festas!

III
A glória... A glória... Santuário!
Que o povo aspire e que idolatre-a
E brilharás com brilho vário,
Estrela rútila da Pátria!

IV
Pela vitória do mais forte,
Lutar! Lutar! Chegada é a hora.
Para o Zenith! Eis o teu norte!
Terra! Já vem rompendo a aurora!

Domingos do Nascimento (1863 – 1915)


Domingos Virgílio do Nascimento, filho de Francisco Luís do Nascimento e Antônia Luiza do Nascimento, nasceu em 31 de maio de 1862 no Cerco Grande, em Guaraqueçaba.

Teve suas primeiras letras em Paranaguá, depois matriculado no Instituto Paranaense em Curitiba, na área de Humanidades.

Estudou na Escola Militar de Praia Vermelha – RJ e depois em Porto Alegre RS, onde aprofundou-se nos estudos militares, assentando-se praça em 21 de fevereiro de 1881, casou-se e morou lá até 1894, quando completou os estudos como artilheiro no Rio de Janeiro.

Quando estudante em Porto Alegre, pertenceu ao grupo Republicano, juntamente com Júlio de Castilhos, Barros Cassal, Assis Brasil, Demétrio Ribeiro e outros, pregando as idéias que viriam a ser vencedoras em 1889.

Depois da Proclamação da República, pelos anos de 1890 foi promovido a Segundo-Tenente e veio servir na guarnição de sua terra, alistando-se nas fileiras políticas do partido Republicano Paranaense, sob a chefia de Vicente Machado.

Promovido a Primero-Tenente em 1892, Capitão em 1896 e Major em 1911, quando foi reformado. Certa ocasião foi injustamente punido pelo General da Companhia do Distrito Militar, sendo aprisionado, assim ficando por algum tempo.

Porém em 1893, por ocasião da Revolta Armada em 06 de setembro de 1893, comandou no posto de Tenente-Coronel, o Batalhão Patriótico “23 de Novembro” e com ele combateu as forças inimigas, lançadas contra a Baía de Paranaguá, defendendo a área do Rocio quando a esquerda revoltada do Vice-Almirante Custódio José de Mello tentava desembarcar a tropa.

Na vida política, foi Deputado no Congresso Legislativo do Paraná em 1895, atuando na área de Constituição e Justiça.

Também um dos fundadores da extinta Academia de Letras do Paraná onde ocupava a cadeira Nº 09, mais tarde patrono da cadeira Nº 21 (1938), depois Centro de Letras do Paraná e da atual Academia Paranaense de Letras, onde é patrono da cadeira nº 27.

Considerado um dos três precursores do Simbolismo no Brasil, foi com Euclides Bandeira, um incansável fundador de jornais e revistas literárias que fizeram fulgurar o Paraná no horizonte de literatura do inicio do século, usando os Pseudôminos de “Leo Lino” e “Gastão de Luc”, tendo fundado alguns jornais de notícias periódicas: Folha Nova (1893), A Tarde (1897), A Avenida (1903), A Notícia (1905).

Ainda publicou os livros: Revoadas (de versos) em 1883, no Rio de Janeiro, com a 2ª edição em 1884, Trenos e Arruidos (de versos) em Porto Alegre em 1887, Pelo Dever (1902), Dr. Vicente Machado (com outros autores. S/ data), O Sul (de crítica política), em 1887.

Faleceu em Curitiba, em 30 de agosto de 1915.

Entre os precursores do simbolismo, Andrade Murici concede um lugar a Domingos do Nascimento, asseverando que em Trenos e ArruÍdos (1887) mostrava tendências para o novo estilo. Silveira Neto, citado por Murici, toma a poesia de Domingos do Nascimento como "típica desta linha de transição".

Pré-simbolista ou não, o fato é que Domingos do Nascimento colaborou nas revistas do simbolismo, participando do movimento; mas não publicou livros posteriormente a Trenos e Arruídos, ficando esparsa a sua produção.

Principais obras:

Flora Têxtil do Paraná (1908):

Inicia em Guaraqueçaba, um estudo sobre o aproveitamento das fibras vegetais abundantes na região do litoral, com primeiramente a descrição fisiográfica de Guaraqueçaba, tratando da bananeira desde a raiz até a industrialização da farinha de banana, continua com a Imbauba, Imbira Branca e Vermelha, Corimdiba, Gravatá, Ananazes, Tucum, Piteira, a Sansevieira, Phormium Tenox e Lírio do Brejo, o uso integral para papel ou amido em gomas para doces e mingaus, assim como o uso do perfume das flores.

Homem Forte (1905):

Um manual para ginástica doméstica, abrangendo exercícios calistênicos bem explicitados, com auxílio de gravuras, para natação, esgrima e tiro ao alvo. Detalha desde os primeiros exercícios de movimentação de cabeça ao estudo aprofundado do fuzil Enfield, com fotografias e suas partes, funcionamento, tipo de alvo e tiro.

Hulha Branca do Paraná (1914):

Um álbum tamanho grande (32x25cm) em papel lustro, edição do Centro de Letras do Paraná, com fotos das maiores cachoeiras e cascatas do Paraná, preconizada a utilização na geração de energia elétrica.

Em Caserna (1901):

São contos e crônicas da vida militar. Contista fino, pintando a natureza com minuciosos detalhes, usando um vocabulário específico regionalista, empregando termos do exército do sul. Além da novela “Guerreiro Antigo”, que tem seu livro, apresenta 04 grandes partes: 1ª - “Vivandeiras”: ambientado na Guerra Civil Federalista apresentando 04 contos, demonstrando a abnegação das mulheres que acompanhavam o exército naquele tempo e que se denominavam “Vivandeiras”, cuidavam dos soldados e oficiais, providenciando alimentação e lavagem de roupas. Destes 04 contos: A tenda, Gaúcho, Campineira, Na Jagúncia. 2ª - “Vida Acadêmica”: reporta-se a Academia Militar de Praia Vermelha, mais humorística como a “Bedel”, estudo psicológico daquele auxiliar de ensino que ao ser-lhe pedido uma tábua de logarítmos foi buscar o fundo de um barco. 3ª - “Recrutas”: retoma a temática da guerra civil, iniciando com texto de 1894, que talvez tenha sido publicado em folha diária, pelo seu tom de crônica panfletária. 4ª - “Escola de Heróis”: um anedotário heróico de Osório, Benjamin Constant, Deodoro, Gomes Carneiro e Floriano.

Pela Fronteira (1903):

Um diário de uma viagem em companhia do General Bormam e de Coronel Lino Ramos, quando viajaram por 103 dias, por vales, matas, rios, iniciando em Curitiba pela estrada de ferro, primeiro em direção ao sul. O livro contém anotações sobre os aspectos fisiográficos, humanos e históricos, assim como as vicissitudes da viagem.

Aprovaram sua poesia, como Hino oficial de Paranaguá (música de João Gomes Raposo) e também de sua composição, o Hino Oficial do Paraná (música de Bento Mussurunga),

Era ele um apaixonado por música, uma bondade infinita, recebendo infinitas vezes necessitados em sua casa e ajudando-os. Antes de sua morte ainda disse: “eu sei que morro mas protesto contra esta morte”, falecendo em 30 de agosto de 1915, em Curitiba – onde há um busto em sua homenagem na Praça Osório (erguido em 12 de outubro de 1922) e também uma rua com seu nome.

Romário Martins em “Almanach do Paraná” em 1899, sobre Domingos Nascimento diz:
Poeta ? Sim. Dos mais altivos, Ho! Dos mais raros, diamante de primeira água; os seus versos fulgiram sempre...”.

Fontes::

– CAROLLO, Cassiana Lacerda. Texto publicado no Dicionário Histórico-Biográfico do Estado do Paraná, Curitiba – PR. Disponível em http://www.turismo.pr.gov.br/
– MUNIZ, José Carlos. Guaraqueçaba um pequeno mundo dentro do mundo. obra do autor. Guaraqueçaba.
– KARAM, Paulo Roberto. Domingos Virgílio do Nascimento: antologia e biografia. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2003.
- http://informativo-nossopixirum.blogspot.com/
http://www.antoniomiranda.com.br/

Carlos Borges Lima



Natural do distrito de Cruzeiro do Norte, município Uraí – PR, radicado em Curitiba desde janeiro de 1978.

Profissional das Letras e Artes

Artes Literárias – Teatro e dramaturgia – Música

Atuação primeiro ciclo de leituras dramáticas do Teatro Guaíra – Peça teatral “A Passagem da Rainha” (Antonio Bivar). – Direção: Antonio Carlos Kraide.

Produção do musical “Barragem” com lançamento da dupla Zezé e Simões – Curitiba – PR.

Assistente de Produção Musical “Rock Horror Show” – Direção: Antonio Carlos Kraide.

Assistente de produção da peça teatral “Corpo a Corpo” – Direção: Antonio Carlos Kraide (autor: Oduvaldo Viana Filho).

Produção do 1º Encontro Centrado na Pessoa do Sul do Brasil – UNAP – Curitiba- PR.

Coordenação Musical “Pessoa” – Morgana Pessoa. Com grupo Olho Mágico – Curitiba – Pr. (Teatro Paiol, TUC, Teatro de Bolso e Guaíra).

Produção e Coordenação do evento musical “Pira Musical Show Quara Som” pela Secretaria Estadual de Cultura e Prefeitura de Piraquara – Pr.

Produção da exposição itinerante “Vestígios Latinos” – Jacob Silveira – Curitiba e Florianópolis.
Produção e Coordenação do jogral em movimento de teatro e dança “Alviverde Arte” com Grupo de Teatro Oficina de Pimenta Bueno – RO

Fundador e diretor da “Casa de Arte de Cacoal” – Rondônia.

Produção diversas exposições em artes plásticas (Sílvio Rocha, I. Catucci, Jacob Silveira, Plínio Verani e Francis Bernard).

Produção junto à obra de literatura “A Des(construção) da Música na Cultura Paranaense” autor: Manoel Neto, 2005 – Curitiba – PR.

Produção diversa dos livros próprios de ordem independente.

Projeto FERA (Festival Rede Estudantil) e Educação Com Ciência – Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

Produção e pesquisa projeto “Fragmentos Xetá” com Sílvio Rocha – Lei Roaunet - (montagem pré-produção) para realização 2008/2009.

Curso de Inspiração e Texto Teatral pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná.

Arte terapia no 1º Ciclo de Corpo na PUC-SP.

Laboratório psicodrama congresso de fisioterapia – terapia ocupacional e ortótica – Universidade de Campinas – SP.

Facilitador humanista em diversos encontros e grupos de corpo no Brasil.

Curso de Inspiração Criativa na Biblioteca Pública do Paraná.

OBRAS:

Título em Prosa e Poesia:

“Aponta”, 1984 – “Andes, em ti, pensamentos”, 1987 – “Portal dos Mistérios”, 1990 – “Inefável Ser”, 1994 – “Alviverde Arte”, 1996 – “Sobressaltados”, 1999 – “Idiossincrática Sorte”, 2000 – “Arquifeiticeiro Rei”, 2002 – “Flor Mestiça”, 2004 – “Cântara Livre”, 2006.

Dramas

Autoria da peça teatral “Zé do Ingá”
Criação do “Musical Pessoa”
Criação do “Musical Alviverde Arte”

Publicações Coletivas

Coletâneas Bife Sujo
O Teatro de Laerte Ortega
A (Des)construção da Música na Cultura Paranaense

Premiações

1º Lugar Festival de Música de Corvilha – Minas Gerais “Pagodeiros da Chuva”. Parceria com Yassir Chediack
Músicas do disco “Barragem”

1º Lugar Festival de Araruana – RJ “Ser poeta”. Parceria com Morgana Pessoa
Diversas inéditas

Fonte:
Secretaria de Estado da Cultura do Paraná

Antonio Carlos Menezes (Teia de Poesias)


POR UM LOUCO AMOR

Posso sonhar, sou poeta!
Posso viver o amor mais perfeito,
mais ousado, sem limite...

És tu, minha flor, a fonte...
a razão de meu contentamento.
E assim ao mundo grito!...

- O meu amor por ti é infinito!

Não fiques assustada,
por conta da minha loucura.
Sou poeta!... Posso sonhar nas alturas!
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AMAR... AMAR... AMAR...

às vezes não me sinto que sou
alguém que vive e que ama...
porque cá estou tão esquecido por ti.

ah não entendo outro jeito de amar,
a não ser o que está
hoje, amanhã e sempre, eternamente!...
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À AMIGA - INSPIRAÇÃO

O que seria de mim
Sem a tua claridade
Sem a tua amizade...

Não haveria beleza
Não haveria jardim...
Nem o toque de clarim.

Eu não faria poesia
E não ficaria no mar
À espera de ti.

O que seria de mim?...
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TEU RISO

O teu riso...
É algo tão divino, o teu riso!
Eu viajo nos pensamentos
de teu riso...

E nem sei para onde irei.
Não me importa. Basta-me
a tua felicidade...

Ver o teu riso... eu quero sempre!

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NOS MEUS SONHOS

É só nos meus sonhos
que tu me trazes a luz e a poesia.
Porque fico querendo o teu sorriso de flor
e a tua mão que me aquece a alma.

É só nos meus sonhos
que muito te desejo e te espero
na plenitude da fantasia.

É só nos meus sonhos
que chego a ti e confesso o meu amor,
e sigo assim sombrio pela noite adentro
sem a tua alegria.

É só no meus sonhos
que amanheço na tua cama,
no teu espaço... e sinto o teu cheiro de maçã.

É só nos meus sonhos!...
É só na minha humilde e silenciosa poesia!
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PERGUNTO-ME

Como é que tu ficas
quando estás a pensar em mim?
Será que desejas que eu esteja
mas próximo de ti?

Ah, minha diva!...
Cá fico a imaginar essas coisas,
Porque em mim é tão forte
o sentimento de amor por ti...

Abre-me as portas,
que já estou chegando,
adentrando nos teus sonhos...
Que hoje sou o sol no teu jardim!
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SEDUÇÃO

poesia… és tu
raio de sol que brilha no amanhecer
de palavras e versos.

flor que se abre
antes da primavera… és bela,
menina dourada de lua e mar.

e pelo caminho me perco
e me atrevo a seguir na claridade
de teus olhos trêfegos.

ainda danças comigo a valsa
da vida que a brisa sopra
nos nossos ouvidos.
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Fontes:
http://blig.ig.com.br/acmpalavrasversos/
http://www.teiadepoesias.com.br/
ORSIOLLI, S.M.G.; FERNANDES, D.C.; SCARPA, M.A.C.; JULIO, S.M. ia. Coletânea Teia dos Amigos. Itu,SP: Ottoni, 2008.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XII


CAPÍTULO IV

O CICLO ARTURIANO

O ciclo arturiano, apresenta-se como um conjunto vasto e fértil que prossegue os Romances corteses. E também denominado Matéria da Bretanha. A figura central continua a ser a de Artur, rei lendário de origem céltica; pretendeu-se ver nesse rei o mantenedor da luta contra os saxônios e que, para salvaguardar sua ilha, deixou-se matar em 542; esse rei liberal teria nascido em Tintagel, na Cornualha.

Artur — ou Artus — triunfa com suas armas maravilhosas, mas também pela amizade do mágico Merlin que é considerado algumas vezes como sendo um personagem real.

A rainha Guenièvre, filha do rei Léodagan, figura ideal da dama da corte, toma emprestado alguns traços a Isolda, outro personagem do ciclo. Guenièvre reina sobre os seus cavaleiros que se reúnem em volta da Távola Redonda; o casal real comanda empresas nobres e temerárias; o “geis” que é ao mesmo tempo um pedido piedoso e uma injunção de defesa, cria um obstáculo que é a base de perigosas aventuras. A fim de levar a bom termo a conquista de objetos-talismã e de taças com virtudes mágicas que embelezarão os tesouros do rei, as fadas ajudam os cavaleiros. Esses combates sobre naturais, esses próprios objetos, vêm de uma tradição pagã muito divulgada.

Quando o poderoso Artur vai penetrar em Roma, a revolta de seu sobrinho Mordret — que talvez seja também filho do adultério e do incesto entre Artur e a esposa do rei Loth — obriga-o a reconquistar seu reinado. Nessa campanha sangrenta, seus leais servidores morrem. Os saxônios aproveitam-se do sucedido para invadir o país e, no último episódio da carnificina, Artur e Mordret se ferem de morte.

É a ruína da cavalaria bretã, mas a sua esperança sobrevive. Artur teria sido levado vivo para o reino das fadas e um dia voltaria para restituir ao seu povo a independência e o poderio.

O ciclo arturiano contém a extraordinária Demanda do Santo Graal que se inicia com um romance de cavalaria e termina como uma narrativa mística.

Essas demandas permitiram a cada narrador de compor uma narrativa de acordo com seu temperamento; os episódios de combate se alternam com cenas sentimentais; atos de bravura sucedem às imagens voluptuosas e ordens breves de estratégia guerreira, às palestras galantes. Os progressos sucessivos afastam pouco a pouco o tema da deixa primitiva e depois os romances em prosa efetuam a fusão entre as lendas arturianas e as narrativas do Graal.

Essa mitologia céltica ter-se-ia formado por ocasião da invasão saxônia (450-510) e ter-se-ia enriquecido posteriormente com a inspiração vinda do continente. A história Britonum, atribuída a Nênio, foi retomada no século XII na História Regum Brittaniac de Geoffroi de Monmouth (1137). Wace menciona a Távola Redonda no seu Roman de Brut. A origem é talvez gaulesa a partir de Kuchwch e 0lwen ou irlandesa como diz Jean Marx baseado no texto dos Mafinogion.

Chrétien de Troyes nos legou esse conjunto extraordinário e sobrenatural. Hábil narrador, aproveitou a tendência do povo pelo fabuloso e criou romances de aventuras e de episódios palpitantes. Ao descrever Lancelote à procura da, rainha (Le chevalier à la charrette), imaginou um herói que tendo merecido o amor de sua amante arrisca-se a adormecer numa vida ociosa. Mas Yvain (ou Le chevalier au lion), voltará ao manejo das armas. Erec, o “cavaleiro do falcão”, depois das censuras de sua dama Enide, encontra novamente sua força.

Não podendo citar todos os trabalhos relativos a esse ciclo (remetemos o leitor à Histoire littéraire de la France, t. XXX e XXXI, de Gaston Paris e aos Romans de la Table Ronde, de Paulin Paris), observaremos que o assunto continua a ser o de um jovem cavaleiro desconhecido que, da corte de Artur, levará a bom termo uma aventura tida como impraticável; graças às suas qualidades, desposa a jovem que se acha envolvida e que lhe dá, como dote, um reinado.

Todas essas lendas comportam elementos míticos, pagãos, druídicos nos quais se envergará uma concepção mística cristã. Histórias humanas mescladas de história sagrada, conjunto que forma a tragédia da fraqueza humana cobiçando os poderes do espírito (o Graal). Este tema se assemelha ao de Fausto; Lancelote ficou sendo o valete de nossas cartas e o uso da torta de reis veio até nós. Estudaremos sucessivamente: A demanda do Santo Graal, Merlin, Tristão e Isolda.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Folclore de Portugal – Distrito de Leiria (S. Jorge e o Dragão)



O culto de S. Jorge foi introduzido em Portugal nos primórdios da nacionalidade, através dos cruzados ingleses que participaram na Reconquista. Entre alguns dos devotos deste Santo, que nasceu de uma ilustre família cristã de Capadócia (actual Turquia), estão D. João I e o Condestável Nuno Alvares Pereira.

Mestre-de-campo do imperador Diocleciano com apenas vinte anos, o valente S. Jorge insurgiu-se contra a injustiça da perseguição dos cristãos. Por esta razão, o imperador romano mandou-o torturar mas este escapou ileso à roda de pontas cortantes que lhe deveria dilacerar o corpo. Mas S. Jorge acabou por morrer decapitado nos finais do século III.

A história mais conhecida de S. Jorge tem a ver com a morte de um dragão terrível que existia em Silene, na Líbia. Os habitantes desta cidade ofereciam-lhe duas ovelhas por dia, para acalmar a sua fúria. Um dia, porém, o dragão tornou-se mais exigente e reclamou um sacrifício humano, cuja escolha aleatória recaiu sobre a filha única do rei da Líbia. Foi então que S. Jorge apareceu e se ofereceu para lutar com o dragão, libertando a cidade daquele terrível jugo. Montando a cavalo com a sua lança, feriu o dragão e, ordenando à princesa que tirasse o seu cinto e com ele amarrasse o pescoço do dragão, trouxe-o preso para a cidade. Aí chegados matou o dragão perante todos os habitantes, depois de exigir em troca a sua conversão ao cristianismo.

Mas os habitantes de S. Jorge, perto de Aljubarrota, reclamam uma outra versão da história do dragão passada na sua terra. Era então S. Jorge um oficial romano que estava aquartelado naquela região e tinha por costume mandar os seus soldados dar de beber aos cavalos na "Fonte dos Vales", no ribeiro da mata. Mas, no momento em que os cavalos bebiam surgia da fonte um dragão que os devorava. Os soldados, com medo de serem também mortos, recusavam-se a voltar à fonte. S. Jorge dirigiu-se à fonte, deu de beber ao seu cavalo e quando o dragão surgiu, matou-o com a sua lança. Por esta razão, foi construída uma capelinha naquele local onde foi colocada a imagem de S. Jorge a cavalo, dominando o temível dragão.

Fonte:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Nilto Manoel (Palavra)



Antes era o verbo!
hoje a verba.
antes eram os desenhos
hoje as palavras.
palavra:
idéias e significados de dicionário.
A palavra
lavra
a folha do papel
e cria céus e infernos
animando o social.
Ah! Palavra falada e cantada
na gama dos conhecimentos.
A palavra-ônibus é a seqüência de idéias
na categoria das coisas;
pa
la
vra,
lavra
os saberes
na cartilha da vida:
A pata nada,
nada, na;
na silabação a versificação
tamborilada do poeta,
no lavor da literatura
à luz da gramática.
do mundo moderno
anda bem quando há homens de palavra:
verbo –palavra ação
palavrão - falta de educação.
palavreado –astúcia
palavra – fonemas com significação
palavra é tudo;
sonho nas primeiras letras
e movimento no correr da vida
Palavra é poder:
tempestade e calmaria
é pesadelo e sonho
é luz que faz a poesia
pintada em estrelas de sonho.
Ah! Palavra falada e cantada
sonho nas primeiras letras
e luz no correr da vida
––––––––––––-
Fonte:
Colaboração do autor

Viviane Lima Vidal (Contos)



Desde sempre o homem vem sido seduzido pelas narrativas, sejam elas de ordem simbólica ou realista, que diretamente ou indiretamente falam da vida, relacionando-as com deuses ou com os próprios homens . Uma possível explicação para esse fascínio estaria no fato de que provavelmente, desde a origem dos tempos o homem vem sentindo a presença de poderes maiores que a sua vontade, e de mistérios que sua mente não consegue explicar ou compreender . Na tentativa de amenizar essa ânsia permanente de saber e de domínio sobre a vida, surgem as narrativas populares, formando uma heterogênea matéria narrativa . Todas essas formas de narrar nasceram entre os povos antigos, foram transformadas, acrescentadas confundidas e assim espalharam-se por toda parte e estão vivas até hoje, seja nos livros, na memória nas rodas de história etc...

Duas dessas narrativas destacam-se, pois conseguiram grandes divulgações e atravessaram séculos, são os Contos de Fadas e os Contos Maravilhosos . É importante diferença-las, pois ambas nasceram de fontes diferentes e tem enfoques distintos .

O Conto de fadas expressa uma atitude humana que refere-se a luta do eu , ou seja, a nível do existencial, onde tudo gira em torno do casamento homem x mulher .

Por sua vez os Contos maravilhosos tratam das realizações no plano material, profissional, de realizações externas, ao nível social .

Vale lembrar que uma não anula a outra, as duas se completam em uma realização integral .

Também chamados de Contos da Carochinha, os Contos de fadas surgiram no Brasil e em Portugal no final do século XIX , e nem sempre tem a real presença de fadas como diz o nome. São desenvolvidos dentro da magia feérica (reis , rainhas, príncipes, bruxas, gigantes anões, animais, objetos mágicos, tempo e espaço fora da realidade conhecida etc.) . Tem como eixo gerador uma problemática existencial, a realização do herói ou da heroína alcançando seus objetivos, essa realização intimamente ligada à união homem mulher .

A estrutura básica de um conto de fadas é uma narrativa curta, dotada de tempo, espaço, clímax, enredo e o número reduzido de personagens.

Na literatura infantil a linguagem deve ser usada como instrumento de criação, revelação e direção. Dizemos linguagem para nos referir-se não só a forma com que ela se apresenta, mas também para a intenção total da obra, seus arranjos e seus objetivos .

No conto Dona Baratinha percebemos que o seu léxico é adequado à literatura infantil, não contendo rebuscamento de termos ou emprego de palavras grosseiras, possuindo clareza e simplicidade de estilo .

A linguagem do conto é repleta de onomatopéias e diálogos, o que desperta o interesse das crianças . Veja algumas falas abaixo :

"–Gato! Como é que fazes de noite ?"

"- Faço miau! miau !"

"-Cachorro ! Como é a tua fala a noite ?"

"-Uau ! Uau !"

Outro aspecto que não deve ser ignorado é que o conto Dona Baratinha não possui gírias, o que o torna ainda mais fácil de ser compreendido e lhe garante ser atual . Como a maioria dos contos sempre se volta para palavras mágicas ou mesmo frases que se repetem ao longo do texto, Dona baratinha não poderia ser diferente, durante toda a história notamos a forte presença da pergunta que a protagonista faz a todo candidato a noivo :

"-Queres casar comigo ?" (o que funcionaria como um "abre-te sésamo", ou "Rapunzel jogue as tranças") .

Outro tipo de linguagem contida na fábula é a das ilustrações, uma linguagem não verbal, mas tão expressivo quanto .

No início da história percebe-se um cenário todo colorido, arborizado e com casinhas, mostrando um local calmo, tranqüilo e pacato, nota-se também que essas ilustrações não são tecnicamente perfeitas, pois são desproporcionais ao tamanho da protagonista, além disso os traços das figuras se assemelham aos desenhos feitos por crianças . Essas características servem como recursos para atrair o pequeno leitor, entrando assim no seu vasto mundo imaginário . Ao longo da fábula nota-se que as cores que antes eram claras, passam a ficar mais fortes e mais escuras, preparando o leitor para algum acontecimento importante, esse acontecimento chama-se clímax, na verdade essas cores que se tornam fortes funcionam como um " Parananam!!!!!!!! " dos filmes e novelas .

Pode-se dividir um conto de fadas em partes :

Enredo: É o conjunto de fatos que se subdivide em :

Introdução : Coincide geralmente com o começo da história onde são apresentados os fatos iniciais e os personagens. Enfim é à parte em que se situa o leitor diante do que irá ler .

Complicação: É a parte do enredo na qual se desenvolve o conflito .

Clímax – Como já foi citado assim é o momento culminante da história . Ele é o ponto de referência para as outras partes do enredo, que existem em função dele.

Desfecho- É a solução dos conflitos, boa ou má, com final feliz ou não .

Tempo- Constitui o pano de fundo para o enredo . A época da história nem sempre coincide com o tempo real em que foi publicada ou escrita . Os contos de um modo geral apresentam uma duração curta em relação aos romances. Algumas narrativas dão dicas da época que estão retratando através de frases do tipo: "Era no tempo dos reis" ou "No tempo em que os bichos falavam".

Espaço- É o lugar onde se passa a ação de uma narrativa .O termo espaço só dá conta do lugar físico onde ocorrem os fatos da história .

Ambiente- É o espaço carregado de características socio econômicas, morais, psicológicas, em que vivem os personagens .

Narrador- É o elemento estruturador da história, pode estar em terceira pessoa, que se divide em onisciente e onipresente . O primeiro sabe tudo da história e o segundo está presente em todos os lugares da narrativa. Outro tipo de narrador é o primeira pessoa, a qual participa diretamente do enredo como personagem .

Vamos analisar melhor essas estruturas situando-as no conto da Dona Baratinha:

Enredo

Exposição – O começo da história da Baratinha, onde ela está em sua casa e é apresentada como a protagonista do conto.

Complicação – Dom Ratão em seu apartamento começa a sentir o cheiro de Toucinho .

Clímax – É quando Dom Ratão cai na panela de Feijoada e se suja todo .

Desfecho – dona Baratinha não pode se casar e volta para a janela a espera de um novo noivo .

Personagens

Personagens: Principais
; Baratinha , João Ratão .

Secundários: Cão , Boi e Gato .

A história da Baratinha apresenta como personagens principais ; a Baratinha e João Ratão , e como figuras secundárias ; o Boi , o Cão e o Gato . As personagens do conto encarnam virtudes ou defeitos , que são exaltados no mais alto grau . Essas qualidades estão sempre em oposição e , esse conflito empresta ao conto um colorido vivo e intenso . As qualidades são físicas e espirituais . As físicas são a grande e a pequena estatura , a força e a fraqueza , o formato e a maneira de agir . As espirituais são a bondade e a maldade , a obediência e a desobediência , a modéstia e o orgulho, coragem e o medo , a curiosidade , a sedução , a sexualidade, a esperteza e a sensibilidade .

A personagem Baratinha representa a sexualidade , a fragilidade, a esperteza , e a sensibilidade da mulher :

A sexualidade feminina é representada pelo formato e cheiro da barata que apresentam características da mulher .

A fragilidade feminina é representada pelo fato da barata ser um animal muito pequenino , que vive se escondendo nos buracos com medo de ser capturada.

A esperteza feminina é representada pelos movimentos rápidos da barata , reza a lenda que ela ver os humanos em câmera lenta .

A Baratinha queria se casar , simbolizando com esse ato a busca feminina , porque aos olhos da sociedade de antigamente toda mulher precisava se casar , se não ficaria para titia (solteirona) , o que era o grande medo das mulheres .

O cheiro da barata é a sedução que as mulheres exercem sobre os homens , através dessa sedução , as mulheres se sentem poderosas , espertas e muito mais .

Quanto ao personagem João Ratão , representa a sexualidade masculina , que está visceralmente ligada à união , homem , mulher , deve-se ao fato de os ratos viverem procurando os buracos para se esconder , enfatizando dessa maneira a necessidade básica do homem , o sexo , a procura de sua parceira , representada na história pela barata.

O nome João Ratão representa o poder que o homem exerce sobre a mulher perante a sociedade , referindo-se ao fato de que , quando um homem se casava com uma mulher , esta era obrigada a utilizar o sobrenome do homem . (atualmente por lei não é mais obrigatório) .

O fato de João Ratão ter morrido desastradamente dentro de uma panela quente , refere-se a fragilidade , a curiosidade do homem que está oculta, ele se sente seduzido pelo cheiro da mulher , representada na história pelo cheiro da panela , ou seja através da sedução a mulher pode dominar o homem.

Os personagens secundários da história representam os homens desajeitados , que não conseguem conquistar as mulheres , em vista disso ficam sozinhos .

Tempo

Na fábula o tempo cronológico da história é fictício, pois não pode ser localizado no calendário Cristão .

Espaço

A narrativa se divide em três espaços: casa de Dona baratinha a floresta em que passam os candidatos a noivos e a janela da casa. O começo da história tudo gira em torno de sua casa, ao passarem os candidatos nota-se a divisão entre a janela e a floresta, e por fim a igreja em que todos esperam o noivo guloso.

Ambiente

A casa de Dona Baratinha é um ambiente que caracteriza um personagem de classe econômica baixa, pois é uma casinha bem simples, porém muito arrumada, mostrando o quão caprichada é a protagonista . O outro espaço que é mostrado é a floresta que se assemelha com uma comunidade onde só animais fazem parte . essa floresta é bem cuidada, colorida e toda enfeitada para o acontecimento mais esperado, o casamento.

Narrador

O narrador de a dona Baratinha está em terceira pessoa e é onisciente, pois ele não apenas narra o que se passa com os personagens, mas também o que sentem, em outras palavras ele sabe mais que os personagens.

Todo conto traz a sua mensagem, uma espécie de lição para a vida toda. O que pode ser aproveitado como exemplo no conto da Baratinha é a importância do dinheiro na sociedade em que vivemos . Em algumas versões da história a protagonista precisa pagar pelos serviços do Jabuti com todas as suas economias e mais um cacho de bananas. Essa passagem do texto nos permite fazer uma crítica com a realidade em que vivemos, onde tudo é pago e ainda assim sempre fica faltando alguma coisa .

Outra importante lição tirada da narrativa é que não existe esse alguém tão perfeito conforme imaginamos, de modo que deve-se saber que todos possuem defeitos e que apenas com a convivência é possível conhecer as inúmeras qualidades das pessoas .

Ao encontrar nesses personagens mensagens construtivas, os jovens e as crianças paulatinamente adquirir conceitos positivos para suas vidas . Por isso a importância dos contos, a fim de se formar jovens mais críticos e mais éticos

Mini-conto

É uma narrativa muito curta que pode abordar qualquer tipo de tema. Sua estrutura básica é formada pelos seguintes componentes:
Personagens
Narrador
Espaço
Tempo
Símbolos

A análise desses componentes se dará a seguir:

A narrativa Proustiano nos conta as peripécias de um adolescente que ao espiar uma biblioteca sente-se atraído por ela e despercebidamente a penetra .

Em uma hora morta do dia em que as mulheres estão atarefadas demais para notá-lo, e os homens descansando, o menino que era proibido pelo tio de visitar a biblioteca não resiste a curiosidade e começa a espiá-la e quando se dá conta já está lá dentro . Embora ali só houvesse livros para adultos o menino aleatoriamente escolhe um e começa a ler. A medida que ia lendo era tomado de uma sensação de bem estar avassaladora e inexplicável, foi quando lembrou que quando bem pequeno ele sentia esta mesma sensação, só que quando salvava mariposas de serem seduzidas pelo reflexo da água .

Temos aqui um narrador em terceira pessoa, que não participa da história mas que sabe exatamente o que se passa na cabeça de seu personagem.

Ao analisarmos o mini-conto percebemos que ele possui um reduzido número de personagens, que aparecem sob a forma de pessoas . Temos o protagonista que é intitulado pelo narrador como "menino", já mostrando o seu desprezo para com ele. Temos os personagens secundários que pode-se dizer que são as outras crianças que moravam na casa também o tio, que queria mantê-las longe de sua sedutora biblioteca .

Ao falar da narrativa ,se pode citar que ao início do mini-conto é apresentado o conflito , e que todos os acontecimentos presentes no texto irão girar em torno deste conflito . Este já o é senão a proibição da entrada na tentadora biblioteca, e o doce sabor de nela penetra e se deliciar com o sabor da leitura.

Pode- se fazer uma ponte entre o conto analisado e o livro de Roland Barthes O prazer do texto, pois os dois textos falam do prazer da descoberta pela leitura, cada um do seu jeito e dentro da sua expectativa.

Em relação ao espaço em que se passa a narrativa, nota-se que ele não se divide, tudo começa dentro da biblioteca e lá se desenvolvem todos os outros acontecimentos . Embora nosso protagonista se lembre de alguns fatos que aconteceram há alguns anos, isso não interfere no espaço em que se desenvolve a história .

É possível notar que o tempo em que se passa a narrativa não é muito atual, isso é percebido quando o narrador descreve a concepção do tio em relação ao menino, chamando-o de criança e o proibindo de entrar na biblioteca. Atualmente a idade que o menino estava,14 anos, ele já não seria mais considerado como uma criança, e sim como um adolescente que está na escola e que certamente estaria acostumado com os livros. Por isso a prática de se chamar de criança um menino de 14 anos não é atual . Assim como a maioria dos mini-contos, até mesmo por não disporem de muito espaço, o Proustiano não toca na passagem do tempo, o autor escolhe um período da vida do personagem para comentar e descrever, mesmo que sejam feitas menções a épocas passadas, elas servem apenas para ilustra a narrativa e não para de fato mostrar a passagem do tempo.

É proposto ainda a utilização de alguns símbolos na narrativa. Temos a biblioteca que remete a idéia de sabedoria e conhecimento, encontrados nos livros . temos também a tentativa adotada pelo menino, salvar mariposas, transparecendo assim na esfera simbólica toda a pureza, inocência e fantasticidade de uma criança . Pode se dizer mais, que através do cheiro que é emanado dos livros se faça uma ponte com o livro o Banquete de Platão, onde tem-se no texto a metáfora de liberdade, metaforizada no conto pelo cheiro que é percebido pelo menino.

Temos embutida, na narrativa a questão da verossimilhança, que é a lógica interna do enredo, tornando-o ou não verdadeiro para o leitor . Os fatos contidos em um mini-conto não precisam ser verdadeiros, no sentido de corresponderem exatamente a fatos ocorridos no universo exterior ao texto, mas devem ser verossímeis, isto quer dizer que mesmo sendo inventados, o leitor deve acreditar no que lê . Esta credibilidade advêm da organização lógica dos fatos dos fatos dentro do enredo .

A nível de análise de narrativas são esses os aspecto que devem ser ressaltados, a fim de se compreender e explorar um mini-conto dentro de suas possibilidades.

Fonte:
http://www.colaweb.com.br

Rodrigo Garcia Lopes (Poesias Escolhidas)



SOMOS PESSOAS ESTRANHAS

somos
pessoas
estranhas
nem sabemos
que sonhos
que somos

esses
olhos
poucos

essas
folhas
secas?

esqueçam
fiquem
calados

somos
estranhos
no entanto

esta noite
dormiremos
lado a lado
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PEÔNIAS NEGRAS SERENAS

peônias negras
serenas
quase secas
pombos se aquecem
num resto
de sol

uma planta
luta para
romper a fenda

formigas dragam
uma abelha
ainda viva

o inverno
furta a flor
a cor da fruta

(gestos & acenos
de sombras
não consolam)

a tarde passa
arrasta e deixa
um rastro prata
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SEU CORPO É UMA PRAIA DESERTA

Seu corpo é uma praia deserta
onde uma música desperta
numa onda esperta e a deserda:
espumas a ferem como pétalas.

Desterra, em tradução infinita,
pérolas na orla do olhar, ilha
que ainda está por ser escrita.
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A TEMPESTADE

Canibal, palavra latina,
à maneira de canis, animal
de fidelidade canina.
Nas Bermudas, sublime ironia,
será um vento do cão
e vai se chamar hurracán

E quando o mar de lã
de repente apontar terra à vista
Então será Caliban
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LÁ VEM VOCÊ

Lá vem você
Se passando por vento
Como se ninguém te visse
Lá vem você dublando pensamento
Como praia que sentisse
Pra perto do riso, do risco, do início
Das ondas das dunas do espanto,

Lá onde o calar fala mais alto
E onde o momento comemora
Com um minuto de silêncio.
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TALVEZ SEJA ISSO

De repente você nota, em certa noite de chuva,
que ninguém se importa mais.
Noite em vigília. A ipoméia se abriu
Enquanto você dormia.
A imagem iluminada desgastou
depois que a duração virou mercadoria. O "eu lírico"
não subsiste num mundo de fluxos e superfícies vazias
que o olho mal consegue acompanhar
enquanto a verdadeira face da vida começa a dar as caras.
Evaporaram-se os dados precisos e algo mágicos que a poesia exibia.
Perdemos toda inocência, talvez nossa última chance,
e agora tudo o que você disser
pode ser
Usado contra você. Transformamos o real não num mito fugidio, performance discreta ou fluxo de uma gravura, mas numa incoerência
algo eufórica, cheia de comentários sobre outras
pessoas e paisagens, pois aquilo
que se chamava vida
eram fábulas do momento presente,
o recriar incessante no castelo de areia, onde ondas eram adivinhas, brincando de desaparecer. Não investigações vazias
sobre a temporalidade ou algo assim, muito menos
a idéia da palavra em si mas que pára ali,
cara a cara com sua onipotência, e
de como a sensação agora
é de uma velocidade que de repente não muda muito as coisas.
Pelo menos em essência. Isto não existe. Mas o que é essência,
e por que perdemos
nossos instantes preciosos
e o sonho de qualquer elegância
escrevendo ao vento ou então dispersos
nesses gestos inúteis e sublimes
tentando entender
alguém no outro lado da linha.
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Fonte:
Jornal de Poesia