sábado, 27 de fevereiro de 2010

Ronald Augusto em Xeque



Miscelânea de entrevistas realizadas pelo Jornalista Douglas Resende do diário O Tempo, de Belo Horizonte e entrevista para a Revista Algaravaria

Porque poeta?

Lá pelos meus 12 ou 13 anos, minha mãe me escolheu como o ouvinte primeiro de seus poemas. Aquilo para mim foi uma tortura. Ela lia entusiasmada os seus versos. Meu jeito quieto e reflexivo ou minha condição de filho mais velho, talvez tenham lhe sugerido a idéia de que eu seria o leitor adequado. Fiquei sem palavras. Era tudo muito chato. Uns três anos depois, escrevi meus primeiros versos. Que lição tiro disso? Nenhuma.

Qual sua trajetória literária até o primeiro livro? E do primeiro para o último?

Duas perguntas que suscitam respostas intermináveis. Mas, não vou dar essa alegria ao divino internauta. Escrevi muito e li, durante algum tempo, só Manuel Bandeira. Depois dos poemas motivados pelas paixões da adolescência, resolvi sondar a real qualidade do que eu vinha escrevendo. Entrei em concursos literários. Em 1979, um poema meu mereceu menção de "destaque" num certame que envolvia várias etapas ao longo de um ano. Fiquei feliz porque o júri era composto, aos meus olhos, pelos melhores poetas da época: Mário Quintana, Heitor Saldanha e Carlos Nejar. Ao final do concurso uma antologia foi publicada e lá estava o meu poema. Minha estréia em livro. Meu primeiro livro não foi o primeiro, é que antes dele (1980, 1981), "pirado" com a poesia marginal, editei livrinhos em xerox bem vagabundos e participei de intervenções-bomba de autores independentes na Feira do Livro. O leão de chácara da Feira aparecia para expulsar a patota. Numa dessas, o Heitor Saldanha foi visitar os poetas marginais para prestar sua solidariedade, e folheando os precários livretos, abriu o meu e elogiou com entusiasmo as imagens e metáforas que encontrara. Isto para mim serviu como o empurrão definitivo: pronto, eu era um poeta, meio hippie, mas poeta. Mas, Homem ao Rubro, de 1983, é que foi, de fato, o meu livro inaugural. Eu tinha 22 anos. De lá até agora, é como diz Borges, a cada novo livro, acho que tento reescrevê-lo.

Quais livros fizeram parte de sua formação? Há uma obra com a qual tenha descoberto a poesia de um modo mais contundente?

A obra capital para a minha formação é a de Manuel Bandeira. Sua poesia é tanto mallarmeana, quanto antropofágica, isto é, Bandeira consegue dosar anti-poesia e poesia pura em seu percurso textual; suas traduções, que vão desde o barroco da poeta mexicana Sor Juana Ines de la Cruz (séc. 17), passando pelo poeta e ativista negro Langston Hughes (1902-1967) e chegando até os "poemas à maneira de...", que gosto de interpretar como exemplos de traduções heterodoxas, onde o velho Manu (como o chamava Mário de Andrade) inventa, por exemplo, um poema afivelando a máscara de E. E. cummings. Também adoro sua prosa voltada às questões da poesia, isto é, sua metalinguagem. Itinerário de Pasárgada é um livro incomparável. Outros livros: A Commedia de Dante, Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, Museu de Tudo de João Cabral de Melo Neto, etc. Nada de especial.

Teve algum incentivador?

Que eu saiba, não. Sempre associei a imagem do chato à do incentivador. Hoje em dia há a figura do motivador, pior ainda. O incentivador esconde um moralista. Prefiro os opostos e complementares: o admirador e o crítico.

Recebeu ou recebe conselhos importantes de escritores? Como foi e é o diálogo com outros escritores?

Escritor que dá conselhos não merece crédito. O diálogo com os outros escritores não difere muito daquilo que acontece com qualquer pessoa que vive em sociedade, é preciso que haja afinidades eletivas. A expressão parece pernóstica, mas é isso. E é comum acontecer que o seu melhor amigo seja um torcedor obtuso do time adversário. E tem aquele para quem a gente dá "bom dia" não se sabe porquê, o sujeito não fede nem cheira. Vá de retro.

Tentou vários gêneros literários? Ainda os pratica em segredo?

Quando fiz curso de interpretação teatral (fiz e, por enquanto, não nego), escrevi textos dramáticos. Passou. Na mesma época, década de 80, também escrevi alguns contos. Passou também.

Com que se inspira para escrever? O que é matéria para a poesia? Com quantas metáforas se faz um poema? Quando escreve, qual o efeito estético visado?

Geralmente aquilo que me "inspira" é alguma solução de linguagem que hesita, como diz Valéry, entre som e sentido, uma paronomásia, para usar um conceito de Roman Jakobson. Qualquer coisa pode se tornar matéria para um poema. Do contrário, eu estaria jogando as minhas fichas no anacronismo da "poesia pura". Um poema se faz com metáforas boas. Dependendo da situação, nenhuma metáfora é a melhor saída. Aliás, na minha opinião, a metáfora representa o kitsch da função poética. Qualquer resposta criativa no trato com a linguagem que ponha em cheque a sua naturalização (da metáfora) e os medianeiros da metaforização indecorosa, seráválida. Eu viso um poema que suscite muitas e contraditórias leituras.

Tem obsessão em reescrever o mesmo texto? Ou a emenda é pior do que o soneto? E mais: guarda tudo o que escreve? Ou elimina sumariamente?

Homem ao Rubro foi um livro escrito a partir desta perspectiva, da reescritura em abismo. Hoje em dia, sou mais atraído pelos poemas "errados e estropiados", como diz o poeta Mauro Faccioni, da Ilha do Desterro. Não guardo, não. Também não tenho livros engavetados. Minha produção é mirrada. Atualmente, considero que tenho dois livros in progress, só. Livro pronto, na gaveta, nenhum.

Para escrever, precisa conhecer muitas cidades e ler todos os livros?

Algumas cidades e alguns livros. Passei minha infância no Rio de Janeiro, mais exatamente em Niterói. Depois, durante a crise dos meus 30 anos, morei em Salvador/BA. Ambas são cidades fundamentais para mim. Mas, éclaro que tudo depende da leitura, do nosso ponto de vista de forasteiro. E as cidades estão na base das mitologias da modernidade. Baudelaire, T. S. Eliot, Oswald de Andrade, etc., todos os grandes poetas do cânone ocidental leram o livro das cidades.

Há idéias ou imagens que lhe perseguem no fio dos anos e das obras?

Não, acho que não. Talvez porque me assuste um pouco a questão da repetição ou da auto-imitação, estou sempre tentando experimentar lances novos. Não chega a ser uma idéia, mas a minha divisa é: experimentação.

Como define a sua poesia? Como caracterizaria suas ambições estéticas principais?

Isso é trabalho para os críticos interessados. Mas, para não deixar o divino internauta sem resposta, indico o texto do poeta Cândido Rolim a respeito da minha poesia, que apareceu recentemente em www.cronópios.com.br . Este mesmo texto foi re-trabalhado e ampliado e será publicado oportunamente por Edimilson de Almeida Pereira (MG), que organiza um livro de ensaios onde diversos autores escrevem sobre questões poéticas.

Qual a relação entre seu trabalho e sua escrita?

Nenhuma.

Qual a relação entre sua poesia e as artes plásticas?

Quanto a esta questão, ainda sou poundiano, "a poesia está mais perto da música e das artes plásticas ou visuais do que da literatura", cito de memória. Hoje em dia poderíamos ampliar o parentesco incluindo o cinema. Muita gente se opõe a esta proposição de Pound. Com efeito, ela causa algum desconforto, principalmente para quem vê na literatura este arco generoso a abrigar todas as manifestações verbais marcadas por uma desenvoltura de imaginação. Mas, para Ezra Pound, literatura não é senão a forma refinada desta instituição pernóstica conhecida como sistema literário. Acho que esta proximidade, intuída por ele, entre a poesia e tudo o que não fosse "lixeratura", só confirma a sua devoção a esta arte que é, toda, apenas "cernes e medulas". E há um esforço violento por detrás deste apenasque, agora sim, a literatura é incapaz de experimentar.

Qual a relação entre sua poesia e a música?

Pode parecer estranho, já que também sou músico, mas acho que não há nenhuma relação notável. Gosto muito de música, de fazer e de ouvir. Assim como gosto de cinema. A música na minha poesia representa um estímulo como qualquer outro. Quando faço um poema, deixo o músico no banco de reservas.

Em que geração literária você se concebe? Ela tem um projeto definido?

Minha formação se deu durante a década de 80 e meus primeiros livros também foram publicados neste momento. Os teóricos de estética acomodam este trecho histórico dentro do período pós-moderno. Um traço desta geração parece ser o de uma construção poética que se espoja num pastiche tanto do passado como de um futuro algo cínico.

Como vê a pontuação na (sua) poesia?

Não vejo, porque não a utilizo. Exceto quando busco algum efeito icônico, por exemplo: um parêntese aberto sugerindo um "crescente", uma "vírgulágrima", etc.

Como percebe suas principais qualidades como escritor? Há algum defeito de que não abra mão?

Não sei se é uma qualidade, mas só começo a escrever quando acho que esbarrei em alguma coisa que escapa à convenção. Um defeito de que não abro mão: os parênteses.

Muitos poetas hoje apresentam uma versatilidade acadêmica. Eles falam várias línguas, traduzem, fazem ensaios, críticas, resenhas, estudam várias disciplinas. O poeta precisa ser um erudito? Poesia só se faz com muito estudo?

Os poetas contemporâneos não se envergonham de um certo virtuosismo técnico a que se submetem ludicamente. Transitam com leveza pelo círculo vicioso da competência. Sua erudição é um banquete após uma expedição de conquista. O refinamento é tudo. Numa espécie de réplica soft ao politicamente correto, re-instauram o poeticamente correto.

O que mais lhe agrada em um poema, dado o variegado múltiplo da poesia atual?

A beleza do difícil que ele possa conter. E a coragem da anti-poesia, que pode ser uma tradução para a beleza já referida.

A poesia tem prestígio no âmbito da nossa cultura?

Não, acho inclusive que a condição marginal da poesia, relativamente ao prestígio gozado por outras formas de linguagem no âmbito do embate cultural e malgrado o risco de desaparição que tal marginalidade pressupõe , é interessante porque obriga o poeta a assumir uma postura de maior autonomia crítica. E jáque nada se espera dele, talvez desde aí possa surgir alguma coisa.

Qual a função social da poesia?

Propor formas estéticas ao indecidível e ao equívoco que marcam o privado e o individual, de modo que eles disponham de forças para a deglutição meditativa/corrosiva dos signos do espaço público.

A poesia se esgotou como gênero literário? Se não, que caminhos podem evitar um futuro esgotamento?

Se eu soubesse como identificar os sinais de um tal esgotamento a rondar a arte da poesia, eu não os revelaria. Injetaria o contraveneno só na minha poesia. Você pensa que é mole ser um novo Homero?

Há obras meramente comerciais de poesia? O que pensa delas?

Alguém já disse que a expressão "poesia formalista" é uma redundância, pois poesia é forma, mesmo. Então, "poesia comercial" para mim, é uma contradição entre termos. Tem poesia ruim, isto é uma coisa. Mas, se é comercial, não é poesia. Portanto, a indignação de Augusto de Campos dizendo, num seu poema, que não se vende, tem algo de moralismo teatral. Faltou aprender a lição de Pessoa/Ricardo Reis: "Cala e finge./ Mas finge sem fingimento".

Quanto tempo dedica à leitura de crítica literária? Concorda com a idéia de que, nos jornais e revistas, ela está mais digestivo-introdutória do que analítico-crítica?

O tempo que dedico à leitura de textos críticos é mesmo que dedico à leitura de poesia, isto é, o tempo que dura o prazer textual. Meu desejo de linguagem dita as regras. O jornalismo literário tende cada vez mais a tornar-se um mero relações-públicas do mercado editorial.

Políticas literárias: faz qualquer negócio para sua obra ser editada? é justa a percentagem que fica para o editor e para as livrarias? É justo que o escritor seja a causa produtora de um sistema literário que não o beneficia corretamente? O que se pode fazer?

Não. Não. Não. Aproximar a poesia da música e das artes não-verbais. Afastá-la da literatura do sistema literário.

Quais são os vícios e as virtudes da poesia brasileira moderna e contemporânea?

Só um: o verso livre. Embora seja um exagero insistir em dizer que o "ciclo histórico do verso está encerrado", parece ficar cada vez mais claro que o verso livre modernista que, diga-se de passagem, a maioria pratica ainda imperitamente, sem fazer vacilar suas contradições e possibilidades constitutivas experimenta um momento de estagnação. Nem mesmo as vanguardas, que inventaram a "música sem-versista": o poema como uma constelação suspensa na página; nem mesmo elas conseguiram mudar o quadro. Talvez isso se deva, em parte, a precoce canonização do versolibrismo. Aliás, sua defesa, em alguns casos, foi tão dogmática quanto a dos que o repudiavam. O verso livre ainda tem alguma coisa a ver com o verso metrificado que pretendeu substituir.

"Escrever sobre escrever é o futuro do escrever"? (Haroldo de Campos)

Escrever sobre escrever sempre fez parte do nosso repertório, desde Homero, passando pelos griots africanos, pelos cantores provençais, pelos simbolistas, etc., e chegando até aqui. A metalinguagem está no passado da tradição e no presente que põe em cheque ou em movimento este passado. Escrever sobre escrever é um dos quesitos do escrever. Se isso tem futuro? É cedo para saber.

Alguma epígrafe que o acompanha sempre? Algum epitáfio lhe contém?

Invejo o poeta peruano Mirko Lauer que colocou como epígrafe ao seu livro Os poetas en la republica del poder, esta maravilha de José Lezama Lima : "...el encapotado odio de siempre de los poetas tejedores de la gran resistencia en contra de los asquerosos y progéricos, porcinos y tarados protectores de las letras". Como epitáfio, um poema-verso do Ricardio Silvestrin: "quero ser cromado".

Como você se vê frente ao recebimento de originais? Comenta tudo o que recebe?

Hoje em dia considero um trabalho. Quando me pedem para ler, eu cobro pela leitura e escrevo um comentário crítico. É claro que leio, "na faixa", os originais dos poetas de minha predileção e geração. Neste caso, não estou na posição de orientador, volto a minha condição de fruidor. Ultimamente ando lendo, entre outros, os originais do Ademir Demarchi e do Paulo de Toledo, estou adorando. Ambos grandes poetas que conheci de uns anos para cá. Outro poeta de quem espero e recebo sempre poemas perturbadores, é o Cândido Rolim, autor do livro Pedra Habitada.

Que livro prepara? Qual seu eixo principal?

Os editores da Ameopoema, Alexandre Brito e Ricardo Silvestrin, querem lançar um livro reunindo todos os meus livros anteriores ao Confissões Aplicadas, editado pela mesma editora em 2004. Acho uma bela idéia, jáque estes livros remotos tiveram edições bastante reduzidas. O Homem ao Rubro, por exemplo, foi o de maior tiragem, teve 300 exemplares.

Além de poeta que tem seus versos publicados no papel, você é músico e letrista. Uma coisa influencia a outra? Ou são produções separadas?

Tenho uma vida dupla. Mas a vivo sem grandes traumas. Não misturo as duas formas de arte. Entretanto, não obstante a conjunção entre poesia e música seja uma realidade estética possível, decidi não enveredar por esse caminho. Para mim, o poema tem uma música toda peculiar que pode eventualmente prescindir de sua presença digamos assim audível no mundo; o poema pode ser fruído no silêncio do pensamento do leitor. Não se trata de recusar sua performance oral, isto é, a enunciação à viva voz do verbal para além da sua visualidade na página impressa. Já a canção é "palavra voando" (como escreve James Joyce), um lance de linguagem cujas regras se ligam à respiração vital do corpo. Em resumo: minha poesia está nos livros e minha música (compósito inextrincável de letra e melodia) nos CDs que lancei individualmente ou com a minha banda Os poETs.

Você acaba de participar do "ECO: Performances poéticas", na cidade de Juiz de Fora. Como você vê a performance como meio de expressão da poesia? Você escreve poemas para serem lidos em voz alta ou em algum tipo específico de performance?

Escrevo poemas para serem fruídos, não importa a maneira encontrada pelo leitor-executante-intérprete para alcançar esse ponto de re-invenção. Sempre gostei de simplesmente ler o poema, sem quase nada de intensidade teatral que, não raro, resulta em retórica altissonante típica de um gosto retrô, que ratifica a imagem da poesia como essa coisa caipira, esse vociferar maneirista do coração. A performance é um meio de expressão possível da palavra poética. Cada poema, potencialmente, inaugura e exaure uma chance de linguagem. Assim, cada performance deve se lançar desde a específica solução estética constitutiva do poema.

Quais são suas principais referências na poesia? Numa resenha do seu Confissões Aplicadas (Ameopoema), Ricardo Aleixo fala de um "mixer" que inclui a poesia concreta, que inclusive tem a ver com a idéia contemporânea da "materialidade" do poema.

Manuel Bandeira é o maior, a vida inteira. Para mim, dentro da tradição brasileira, o poema "Organismo", de Décio Pignatari, é o mais importante do século XX: a conquista para a poesia de uma visualidade cuja precisão opera sobre a imprecisão do icônico transformado em simbólico, ou do verbal em trânsito para o não-verbal. Uma poesia (a visual) que nunca resta no lugar onde há pouco a deixamos.

Qual o último livro de poesia que você leu? E qual o último que você releu?

Estou finalizando a leitura de A Lógica do Erro, de Affonso Ávila (é verdade, não faço média com a tradição poética mineira, não!). Sou um admirador do Affonso, o sábio da poesia do escárnio. O poeta sabe dar ao erro, ao defectivo da linguagem, o assentamento de um quatro que se contenta de seu pé quebrado, porque foi arduamente conquistado, cito um pequeno trecho: "o infenso à inferência do lobby/ de palavras astutas artísticas...". Estou relendo os contos de Kafka enfeixados no livro Um Médico Rural (tradução de Modesto Carone). Mais do que com a lógica do sonho, o autor de O Processo lida com a lógica do pesadelo. Kafka reinventa o humor numa perspectiva exasperante.

Além das questões formais, é possível falar de um universo representado por seus poemas? Quero dizer, se o lírico seria a manifestação de um "eu interior", que eu é esse nos seus poemas? E no caso de No Assoalho Duro (Éblis), seu último livro? Ronaldo Machado menciona suas leituras de Nietzsche como fator relevante em seus poemas...

Mas além das questões formais não há mais nada. Poesia é forma, mesmo. Forma: estrutura significante de controle do acaso, plasticidade do pensamento-arte. Gostaria de lembrar uma máxima mallarmeana, diz assim: quem fala no poema não é o poeta, mas a linguagem, ela mesma. A poesia contida nesse livro é a que me foi possível conquistar durante os três anos em que vivi em Salvador, Bahia. Em Nietzsche, vontade de poder se resolve criticamente em vontade de engano. A alegria do engano e a poesia como essa viagem empreendida pelo leitor ao (seu) desconhecido.

Qual a história de No Assoalho Duro? São poemas escritos entre 1988 e 2006, o que é um longo intervalo de tempo. Trata-se de uma reunião de poemas aleatórios ou existia uma consciência de um livro sendo gerado ou nada disso?

É um livro-resto, livro-refugo. Um álbum de formulações de linguagem expurgadas, colocadas de lado, deslocadas, postas à prova da margem, do derrisório. Quando comecei a organizar o livro, resolvi partir do seguinte ponto: configurar um livro não-virtuoso, isto é, que não ratificasse essa "costumização" que o poeticamente correto impõe ao discurso de muitos dos meus pares.

Você trabalha também na veiculação de poemas, como editor (além de exercer a crítica literária). É uma coisa cada vez mais comum essa pulverização dos mercados, conteúdos veiculados pela internet, selos independentes de pequenas turmas de escritores, em locais específicos, talvez atingindo públicos também mais localizados, ao contrário da lógica globalizante da indústria de massa. Como você percebe e vive isso?

Sinto-me confortável, por enquanto, dentro da figura do poeta-crítico, ou seja, acho importante pensar sobre os limites, as singularidades e as imposturas do gênero, tentando escrever, inclusive, poemas que inventem outros problemas. O poema não tem que resolver nada. De resto, um bom poema não admite solução. A veiculação a que você se refere é mais ao trabalho da editora Éblis que conduzo em parceria com Ronaldo Machado. Mantemos diálogo com muitos poetas e realizações estéticas. Vivemos um nutrimento mútuo. Hoje, o atrito vertiginoso entre diversas ações relacionadas à poesia é uma experiência valiosa. Relações transversais abertas no espaço-tempo virtual.

A internet se tornou um lugar de encontros, disseminação, uma espécie de mercado independente e paralelo. Você possui o blog Poesia-pau. Como você atua na internet, no blog e de outras formas? Você acha que o potencial da internet está sendo bem usado no caso da crítica e difusão da poesia? Do lado da crítica, às vezes não é tão fácil encontrar fontes e escritos consistentes...

A internet permanece em movimento, para o bem e para o mal. Ainda está por ser feita uma análise mais abrangente acerca de suas simulações, desdobramentos e invenção de uma nova ordem sócio-cultural que esse meio, quem sabe, estaria apto a nos oferecer. O que é interessante de observar na dinâmica sígnica da rede mundial é que é possível fazer conviver de forma mais rente o pensamento refinado com a intervenção cultural prática. Há uma agilidade saudável na tensão entre esses dois pólos tradicionalmente cindidos. Do lado de cá do não-internético também há muito texto crítico de segunda categoria. É apenas uma questão de intensidades.

Fontes:
http://www.artistasgauchos.com.br/
http://algaravaria.blogspot.com/

Sarah Goulart (A Relação do Artista com a Mídia e a Arte da Boa Comunicação)


No último final de semana (9/maio/2009) participei do evento Papo de Artista, promovido pelo Portal Artistas Gaúchos, na Farol, em Porto Alegre, com o tema “A relação do artista com a mídia”. A grande quantidade de artistas presentes, para uma tarde de sábado, comprovou que este tema chama a atenção da classe artística. Ficou clara a dificuldade sentida por eles em conseguir um mínimo espaço junto aos veículos de comunicação para divulgarem seus projetos, seus trabalhos, sua arte. São artistas visuais, músicos, escritores, poetas, entre outros, que batalham e acreditam na sua arte e desejam vê-la reconhecida. Querem que sua mensagem chegue aos seus públicos e precisam da mídia para isso.

A questão é essa, uma boa comunicação com a imprensa também pode ser considerada uma arte. Não uma arte do artista e sim do assessor de imprensa cultural. Um jornalista formado, preparado para ajudar o artista a disseminar o conteúdo de seu trabalho. Todo o artista deveria ter o direito de exercer com plenitude e tranqüilidade o seu talento, assim como todo o artista tem o direito de ter seu talento divulgado com profissionalismo.

Junto com a jornalista Luciana Thomé, também assessora de imprensa cultural, conversamos sobre isso, abrindo espaço para que os artistas presentes expusessem suas dúvidas. Como produzir um bom release? Qual o melhor horário para fazer uma ligação para a imprensa? O que rende uma nota exclusiva em alguma coluna? Como agendar uma entrevista? Quanto tempo antes do lançamento a pauta deve ser encaminhada? O que é um press kit?

A relação do assessor com os jornalistas (seus colegas de profissão) facilita esse trabalho e garante melhores resultados. O profissionalismo evita erros comuns que podem ser cometidos quando a divulgação do trabalho do artista fica a cargo de alguém não especializado no assunto (em geral um parente ou um amigo).

Sabemos que nem sempre o artista tem orçamento disponível para poder custear uma assessoria de imprensa. Não há uma tabela de valores para isso. Tudo dependerá das demandas de trabalho. O Um lançamento de livro, por exemplo, é muito mais em conta do que um lançamento de filme, que geralmente tem financiamento. Essa é outra questão importante e deve ser abordada. Muitas vezes o artista esquece de acrescentar ao seu projeto o orçamento para divulgação. Chegada a hora do lançamento, precisa tirar do próprio bolso, ou fazê-lo de forma precária.

Uma artista presente afirmou durante o bate-papo ter gasto mais na impressão de panfletos, do que investiria em um profissional de assessoria de comunicação. É preciso medir o custo benefício. Um bom relatório de imprensa, com análises qualitativas e quantitativas da clipagem publicada, pode ser muito útil, para obter apoios e patrocínios - afinal quando apóia ou financia um projeto, a empresa e/ou entidade quer dar visibilidade a sua marca.

Para melhores resultados, o ideal é o assessor acompanhar o projeto desde o princípio. Ele poderá auxiliar o artista desde as definições de datas, o que é fundamental em alguns casos, através de um planejamento estratégico de comunicação, até a elaboração do relatório final. O assessor redigirá e aprovará com o artista os releases, notas exclusivas e sugestões de pauta, de acordo com a linguagem necessária, unificando o discurso. Ele sabe como devem ser encaminhadas as imagens para ilustrar a pauta – digo e repito, uma boa foto vende uma nota. Ele tem um mailing completo, com praticamente todos os contatos dos jornalistas que escrevem sobre arte e cultura em jornal, revista, rádio, TV, sites e blogs. Mas principalmente, ele tem essa relação, tão almejada pelos artistas e que fará com que seu projeto se dissemine.
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Sarah Goulart

Jornalista, atuante na área de assessoria de imprensa cultural.
Entre os trabalhos já realizados, destacam-se a divulgação local e nacional de importantes projetos culturais de Porto Alegre, como lançamentos de filmes, espetáculos teatrais, livros, exposições e festivais.
Na área de cinema é responsável pela CineEsquemaNovo – Festival de Cinema de Porto Alegre, desde sua primeira edição.
Fez os lançamentos dos filmes “Cão Sem Dono”, de Beto Brant e Renato Ciasca (em Porto Alegre); “3 Efes”, de Carlos Gerbase (nacional); “Nome Próprio”, de Murilo Salles (na última edição do Festival de Gramado e seu lançamento no RS e SC); “Ainda Orangotangos”, de Gustavo Spolidoro (filmagens e lançamento).
Atualmente atende o núcleo de cultura do Instituto Cultural Brasileiro Norte-Americano. Em abril fez assessoria de imprensa para a segunda edição da FestiPoa Literária.
É a responsável pela implantação da área de Assessoria de Imprensa na Maria Cultura, empresa gaúcha que trabalha com comunicação cultural.


Fonte:
Artistas Gaúchos

Celso Sisto (Circo Mágico)



Hoje tem marmelada? Hoje tem goiabada?!

Provavelmente os mais antigos conhecem o verso: hoje tem marmelada? Tem sim senhor! Hoje tem goiabada? Tem sim senhor! E o palhaço o que é? É ladrão de mulher! Com esse bordão se anunciava a chegada do circo! E atrás, vinha o desfile das atrações. E algumas atrações dos grandes circos atravessaram o tempo, como os palhaços Piolin e Carequinha ou o mágico Houdini. E assim como a acrobacia circense extrapolou os domínios da China, o circo ainda vive, nos quatro cantos do mundo!

E circo sempre desperta a imaginação. Pode ser o circo de antigamente ou os novos circos, com bichos ou sem bichos, de variedades ou temáticos (como costumam ser os circos modernos!), daqui ou de longe, brasileiro ou estrangeiro. Não importa! A imaginação se arma para a festa, para a surpresa e para o riso, tudo na base da emoção. E de repente todo mundo parece ter a mesma idade, mesmo que tenham variados tamanhos e diferentes anos de vida.

Mas se circo atiça a imaginação, também provoca poesia.

No livro “Circo mágico” vamos encontrar 20 poemas sobre os personagens clássicos de um circo; desde o bilheteiro ao apresentador; do tratador ao adestrador de animais; do equilibrista ao domador; do palhaço ao malabarista. O livro é quase uma fotografia da família circense, dessas charmosamente amareladas feitas por um lambe-lambe. Digo “fotografia” porque os poemas “focalizam” justamente o elenco que compõem um circo. Mas são mais do que mero registro de luz e sombra, mais que papel e líquidos reveladores e fixadores! São poemas revestidos pela química do tempo e do olhar perscrutador do poeta.

Mas não é assim tão simples. Falar de cada tipo desses na forma de poema é a proposta do livro. E não é poema desses rimadinhos pra ficar bonitinho. Não! São poemas bem construídos com versos grandes ou pequenos, com estrofes (“divisórias”) maiores ou menores; com palavras conhecidas ou desconhecidas. O que importa é que os poemas não são simples jogos de palavras (a poesia infantil, por vezes, esquece o jogo dos sentidos para ficar apenas no vazio dos jogos de palavras!). Eles apontam para a brincadeira sim, para a delícia das palavras sonoras, para o ritmo da fala (poema sempre é melhor quando lido em voz alta!), mas também para umas idéias engraçadas e brincalhonas, como no poema “a mulher borracha”:

a mulher-borracha
é que tem jogo de cintura

parece de látex
retorce pra lá, retorce pra cá
vira do avesso
se estica toda
que nem cobra, lombriga, minhoca
até encostar o umbigo nas costas
então se desenrosca

depois
coça a cabeça com o pé
as pernas põe atrás da orelha
e sai caminhando com as duas mãos
sobre os dedos
na maior

mas o namorado largou dela
diz que era muito enrolada.

O poeta vai jogando com o sentido duplo das coisas, em vários poemas, como faz acima, com o verso “diz que era muito enrolada” ou, como faz no verso “para o homem-bala/ a vida é um tiro no escuro”, do poema “o homem-bala”. E com isso, instaura o riso. Ou faz cessar o riso e instaura a reflexão, como no poema “o palhaço”:

o palhaço
tem cinco filhos
riso, sorriso, risada e gargalhada.

o mais velho
fica em casa
veste preto
gosta de rock pesado
vara noite e madrugada

se chama lágrima

Como num circo de verdade, os poemas do livro conseguem despertar no leitor uma gama de emoções muito grandes, que vão do riso ao suspense, da melancolia ao medo, por exemplo. E num circo de sentimentos, a emoção, por vezes, é um corte, como neste poema:

a mulher do atirador de facas
confia no marido de olhos fechados

errar é humano
mas ela nem desconfia

Se no circo é o “número, a cena” quem traz a marca do sentimento (por exemplo, um número de palhaço traz sempre a marca do riso, a platéia sabe que vai rir com aquele número), no livro, o personagem descrito no poema além de trazer uma marca prévia, conhecida, é acrescido por um discurso que reforça ou desconstrói tudo isso, de uma forma inusitada. O sentimento impresso no tipo que ele representa é reforçado pelo discurso, é somado ao discurso, mas com um toque a mais (do contrário seria a repetição do que já se sabe ou se conhece!). Vejamos, por exemplo, o poema “o mágico”, em que o sentimento de surpresa emerge de várias formas, seja pelas mágicas executadas pelo mágico, seja pela falha do mágico em suas próprias mágicas, como se o poema construísse e desconstruísse o “natural” dos personagens, dos tipos que cria, indo além de uma mera descrição:

o mágico
gosta de enganar os olhos da gente

fazer sumir e aparecer coisas
é com ele mesmo
nessa hora ninguém pisca
todo mundo quer ver se decifra
e num passe de mágica
o que se escafedeu se desescafede
e reaparece

quer ver o menino rir
a mocinha sorrir, o velhinho feliz
nem que seja por um instante só.

mas a sua maior mágica
é fazer gente grande virar gente pequena

quando não funciona, ele pensa:
ó, que pena

Ainda poderíamos pensar que em “circo mágico”, os poemas mostram o lado espetacular e o lado humano de cada tipo desses. Como se fosse um espelho. Ou como se fosse o “de dentro e o de fora”:

a mulher que engole fogo
é cuca fresca
não se queima com nada

era fogo quando criança
quase incendiava a casa
mas de noite
nada de xixi na cama

não gosta de pilotar fogão
prefere uma churrasqueira
uma fogueira, um fogo de chão

certas piadinhas ela não aceita
quando se irrita solta fogo pelas ventas

sabe que não é bonita
mas também não é nenhum dragão


Há, contudo, no livro, umas frases sob medida, construídas para ficarem rodando na cabeça do leitor, como esta do poema “o apresentador”:

(...)
tem que entrar no picadeiro de peito aberto
pra fazer o céu chegar mais perto Ou uns toques-revelação contidos em alguns poemas, como este do “tratador de animais”:

o tratador de animais
é um cara intratável
prefere viver com os bichos
... são mais verdadeiros
(...)

Mas, no final das contas não é isso o que a poesia quer? Ficar morando nos olhos, na memória, no coração do leitor? O mais legal é isso, esse jogo de dubiedades, de ritmos, de graças, de sentimentos, que fazem dos poemas desse livro, um festival de brincadeiras sonoras e imaginárias, em que a palavra corporifica o seu significado real, ampliado, renovado, atualizado pelo simbólico. Precisa mais?

Em última instância, o livro fica a nos lembrar que para sentir e se espantar com o que os olhos vêem e com o que os outros fazem de espetacular, não há idade. O circo das palavras de Alexandre e Eduardo liberta bichos, feras, homens e meninos. Fazendo tudo e todos conviverem magicamente no mesmo tempo e lugar:

o circo
tem cheiro de pipoca
e algodão doce

é o paraíso
hoje, ontem, amanhã
vira sempre

é um lugar exato no espaço
fora do tempo
dentro do coração

onde o velho e a criança
dão as mãos.

Essa idéia, de paraíso, de lugar idílico, de território que abole fronteiras perpassa o livro em muitos momentos, e certamente ecoará depois que o leitor fechar o livro, principalmente porque a solenidade do significado de tudo isso está magnetizada e aromatizada pelo riso, pela leveza, pelo inesperado.

As ilustrações parecem feitas em tela e deixam o leitor ver os risquinhos do tecido, essa textura que é tão própria dos quadros. E as cores são abundantes. E o colorido é uma alegria só. Desenhos com cara de antigos pôsteres de propagandas.

Alexandre Brito estréia em livro solo para criança, e estréia muito bem. Traz consigo a experiência da banda “os poETs”, da qual faz parte. Eduardo Vieira Cunha entrou com as ilustrações amplas e enxutas. Na medida. A dupla faz samba, quero dizer, poesia pura, em vários sentidos!

Fonte:
Artistas Gaúchos

Celso Sisto (1961)


CELSO SISTO nasceu no Rio de Janeiro em 16/06/1961 e vive atualmente em Cidreira (RS).

É escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, especialista em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutorando em Teoria da Literatura, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Estreou na literatura em 1994, com o livro Ver-de-ver-meu-pai (Nova Fronteira) e tem hoje 36 livros publicados para crianças e jovens, tendo, inclusive, recebido alguns prêmios pela qualidade de sua obra (FNLIJ, Altamente Recomendável, Catálogo da Feira de Bolonha, Cantinho da Leitura, PNBE, etc).

É responsável pela formação de inúmeros contadores e grupos de contadores de histórias espalhados pelo país.

Tem viajado pelo Brasil e outros países, fazendo palestras e ministrando oficinas de produção de texto, narração oral e literatura.

Atualmente assina as colunas de crítica literária, Lugar na prateleira (revista Rainha dos Apóstolos), Com a boca cheia de livros (portal Cultura Infância) e no site Artistas Gaúchos.

Fontes:
http://www.celsosisto.com/
http://www.camaradolivro.com.br/

Oficinas Literárias Gratuitas no Centro Cultural Auxílio ao Tema (Porto Alegre)


Nos dias 16,17 e 18 de março o Centro Cultural Zona Sul promoverá

Oficinas Literárias Gratuitas, com vagas limitadas.

Os interessados devem fazer sua inscrição antecipada doando um livro de literatura infantil que será doado para uma Instituição.

Dia 16/03 - Escritora Valesca de Assis: Escrita Criativa
das 16h às 18h e das 18h30min às 20h30min.

Dia 17/03 - Escritora Laís Chaffe: Minicontos e Poesia
das 16h às 18h e das 18h30 às 20h30min

Dia 18/03 - Escritor Rubem Penz - Oficina de Crônicas
das 16h às 18h e das 18h30min às 20h30min.

Inscreva-se!
Entre em contato pelos telefones: 51 3268.1200 ou 51 9964.4412

Oficinas de Rubem Penz

Estão abertas as inscrições para as oficinas ministradas por Rubem Penz.

Oficina de Crônicas Módulo II
Ministradas às quartas-feiras às 14h30
Início: 31 de março

Oficina de Crônicas Módulo I
Ministradas às segundas-feiras às 19h30min
Início: 29 de março

Oficinas de Valesca de Assis

Estão abertas as inscrições para as oficinas ministradas por Valesca de Assis.

Escrita Criativa Avançada
Ministrada às terças-feiras, das 9h às 11h30min.
Início: 23 de março

Escrita Criativa Módulo III
Ministrada às segundas-feiras, das 14h30min às 17h
Início: 15 de março

Escrita Criativa Módulo I
Ministrada às terças-feiras, das 14h30 às 17h
Início: 23 de março

Oficina de Crônicas Do Escritor Fabrício Carpinejar

A oficina de crônica do escritor Fabrício Carpinejar propõe-se a investigar os desafios de compreender, produzir e avaliar a natureza da crônica. Através de debates, jogos e produção textual, o escritor discute os seguintes tópicos: jornalismo literário ou literatura de jornal; leveza e surpresa; diferenças entre crônica e conto; o humor no gênero brasileiro, de Sérgio Porto a Luis Fernando Veríssimo.

Quando: Dias 16, 23 e 30 de março, 06, 13, 20 e 27 de abril, 04, 11 e 18 de maio, terças-feiras, das 9h30 às 11h30

Vagas: 14

Oficina Literária Sintrajufe-RS

Em 1998, com coordenação da escritora Vera Karam, iniciou-se no SINTRAJUFE-RS a Oficina de Criação Literária. Atualmente coordenada pelo escritor Caio Riter, a oficina visa - através de exercícios de desinibição para a escrita, da produção e análise de textos narrativos - qualificar a leitura e a escrita dos participantes.

Anualmente, durante evento na Feira do Livro de Porto Alegre, é lançada uma coletânea com textos dos participantes. Em 2007, foi "A Semente e o Verbo".

As inscrições são feitas semestralmente, durante os meses de março e de julho. Os encontros ocorrem às quartas-feiras, das 19h30min às 22h30min, na sede do SINTRAJUFE-RS, rua Marcílio Dias, 660 - Menino Deus - Porto Alegre-RS - fone: 32351977.

Endereço Marcílio Dias, 660 – Porto Alegre
Telefone(s) 51-3235-1977 E-mail caioriter@uol.com.br

Palavra Mágica - Projetos Literários

O projeto ESCRITOR MIRIM surgiu da observação da ilustradora Alessandra Rosa Cruz às oficinas de literatura infantil ministradas pela escritora Christina Dias. As oficinas terminam com uma produção textual, da qual se origina uma história coletiva, sempre muito divertida e criada em meio a muita brincadeira e alegria. Por que não transformá-las em livro? Surge assim a OFICINA DE PRODUÇÃO TEXTUAL do PROJETO ESCRITOR MIRIM. O objetivo central do projeto é estimular a imaginação e oferecer caminhos para a construção de um texto de autoria do grupo. No final do projeto, a escola promove uma sessão de autógrafos que poderá ser realizada na FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE ou na própria escola, onde cada criança recebe seu livro personalizado e com a mais alta qualidade de impressão.

Ao ver o seu nome escrito na capa de um livro e seu texto veiculado em forma impressa e sendo valorizado pelos demais, a criança desperta o interesse por outros textos e livros, constituindo assim o ciclo da formação de leitores. Desta forma o projeto alcança sua maior meta: a promoção de sujeitos que veem na literatura um ambiente de contemplação e também de criação.

Acesse o site do PALAVRA MÁGICA e veja os livros do projeto publicados.

Porto Alegre Telefone(s) 51-3246-6245 Celular 51-8463-1460
E-mail palavramagica@brturbo.com.br Site www.palavramagica.art.br/

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Centro Cultural Auxílio ao Tema

No momento em que a nossa Zona Sul se abre para um novo ciclo desenvolvimentista gerando as mais variadas expectativas é imprescindível que a cultura se faça mais presente.

É no que está empenhado o Centro Cultural-Pedagógico Auxílio ao Tema em sua proposta de trazer, para os moradores da Zona Sul, um projeto amplo valorizando a cultura, através de cursos, oficinas, palestras, lançamento de livros, contato direto com intelectuais e autores.

Ao lado das atividades pedagógicas, as atividades culturais, voltadas para os mais diversos grupos sociais e faixas etárias, ocuparão, a partir de agora, posição de relevância.

Um grupo de intelectuais se abre novas possibilidades de conhecimentos e tende a aproximar, de todos os interessados, os benefícios da cultura.
Endereço R. Pe. João Batista Reus, 911
Cidade Porto Alegre
Telefone(s) 51-3268-1200
E-mail centrocultural.edu@terra.com.br
Site www.auxilioaotema.com.br

Fonte:
Artistas Gauchos

II Seminário de Direito Militar



10 A 12 DE MARÇO DE 2010

CURITIBA-PR

PROGRAMA:

10 DE MARÇO DE 2010 - QUARTA-FEIRA.

13h20min às 14h20min - Credenciamento dos participantes.

14h20min - Solenidade de Abertura.

14h30min - Palestra de Abertura
Tema: “A Justiça Militar da União – sua composição, competência e perspectivas”.
Palestrante: Dr. Carlos Alberto Marques Soares - Ministro Presidente do STM.

15h30min – Palestra
Tema: “Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA II – Estrutura e Missão”.
Palestrante: Coronel Aviador Leonidas de Araújo Medeiros Junior – Comandante Interino do CINDACTA II.

15h50min às 16h10min - Intervalo para o Café.

16h10min – Palestra
Tema: “Inquérito Policial Militar – princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório – presença de advogado constituído pelo indiciado”.
Palestrante: Dr. Marcelo Weitzel Rabello de Souza - Subprocurador-Geral da Justiça Militar, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público Militar – ANMPM.

16h50min – Debates.

17h10min – Palestra
Tema: “A Atuação da Defensoria Pública da União no âmbito da Justiça Militar da União”.
Palestrante: Dra. Olinda Vicente Moreira – Defensora-Pública-Chefe no Paraná – Substituta.

17h50min – Debates.

11 DE MARÇO DE 2010 - QUINTA-FEIRA.

8h30min – Palestra
Tema: “Crimes Cibernéticos em Organização Militar”.
Palestrante: Dr. Demétrius de Oliveira – Delegado Titular do Núcleo de Combate aos Ciber Crimes (NUCIBER) da Polícia Civil do Paraná.

9h10min – Debates.

9h30min – Palestra
Tema: “As demandas das Forças Armadas no Judiciário”.
Palestrante: Dr. Fábio Prieto de Souza – Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

10h10min – Debates.

10h30min às 10h50min - Intervalo para o Café.

10h50min – Palestra
Tema: “Acidente em Serviço – considerações acerca do Decreto nr 57.272, de 16 de novembro de 1965”.
Palestrante: Tenente Washington Luis da Conceição Carvalho – Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Aeronáutica - COJAER.

11h30min – Debates.

11h50min - Intervalo para o Almoço (livre).

14h00min - Palestra
Tema: “Aspectos Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar Militar”.
Palestrante: Dr. Gustavo Swain Kfouri – Advogado e Professor Universitário.

14h40min - Debates

15h00min - Palestra
Tema: “Responsabilidade Civil dos Agentes da Administração no Âmbito Militar”.
Palestrante: Dr. Flori Antonio Tasca – Advogado e Professor Universitário.

15h40min – Debates.

16h00min às 16h20min – Intervalo para o Café.

16h20min – Palestra
Tema: “Regime Disciplinar dos Servidores Públicos da União - Sindicância e Procedimento Administrativo Disciplinar – Princípios Constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório – Presença de advogado constituído pelo sindicado”.
Palestrante: Dr. José Marcos Manente – Coordenador do Núcleo de Assessoramento Jurídico da AGU no Paraná.

17h50min – Debates.

12 DE MARÇO DE 2010 - SEXTA-FEIRA.

8h30min – Palestra
Tema: "Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e as Forças Armadas".
Palestrante: Dr. Gabriel Pimenta Alves, Coordenador-Geral de Atividades Jurídicas Descentralizadas, Substituto – Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa – CONJUR/MD.

9h10min – Debates.

9h30min – Palestra
Tema: "O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz".
Palestrante: Sr. Secretário Breno Hermann - Ministério das Relações Exteriores (MRE).

10h10min – Debates.

10h30min às 10h50min - Intervalo para o Café.

10h50min – Palestra de Encerramento
Tema: “Atuação Especial das Forças Armadas: Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Faixas de Fronteiras e Áreas Indígenas”.
Palestrante: General-de-Exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho – indicado para Ministro do Superior Tribunal Militar.

11h50min - Solenidade de Encerramento.

INSCRIÇÕES GRATUITAS:
Através de e-mail contendo Nome, Posto/Graduação, Cargo/Função, Organização Militar/Órgão Público, Entidade de Ensino (se for o caso), número de telefone e endereço de e-mail para
seminariodireitomilitar@gmail .com até 08/03/2010 – vagas limitadas.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Trova 118 - Maria Helena Calazans M. Duarte (São Paulo/SP)

Johnny Welch (A Marionete)


(tradução de José Feldman)

Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou um boneco de pano
e me desse um sopro de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas, definitivamente, pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem,
sim pelo que significam
Dormiria pouco, sonharia mais,
entendo que por cada minuto
que cerramos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os demais se detém,
despertaria quando os demais dormem.
Escutaria quando os demais falam
e como desfrutaria de um bom sorvete de chocolate.

Se Deus me desse um sopro de vida
vestiria simples, me atiraria de bruços ao
deixando descoberto
não somente meu corpo mas minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração
escreveria meu ódio sobre o gelo
e esperaria que saísse o sol.

Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,
e uma canção de Serrat seria a serenata
que lhes ofereceria à lua.

Regaria con lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um sopro de vida…

Não deixaria passar um só dia
Sem dizer às pessoas que quero, que as quero.
Convenceria a cada mulher
um homem de que são meus favoritos
e viveria enamorado do amor.

Aos homens lhes provaria quão equivocados estão,
ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem
sem saber que envelhecem
quando deixam de enamorar-se.
Para uma criança, lhe daria asas
e deixaria que ele sozinho aprendesse a voar.

Aos velhos lhes ensinaria que a morte
não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, homens.
Aprendi que todo mundo quer viver
em cima da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade
está na forma de subir o declive.

Tenho aprendido que quando um recém nascido
aperta com seu punho
pela primeira vez, o dedo de seu pai
o terá agarrado para sempre.

Tenho aprendido que um homem
só tem direito de olhar o outro para baixo,
quando tem que ajuda-lo a levantar-se.
São tantas coisas as que teria podido
aprender de vocês,
mas realmente não vai ajudar muito,
porque quando me guardam dentro desta maleta,
infelizmente estarei morrendo.
------------------

Este poema foi escrito por Johnny Welch, um ventríloquo que trabalha no México, com o seu boneco de nome Mofles.

Fontes:
http://www.desdelalma.net/
Imagem = http://crisrubi.blogspot.com/

Carlos Leite Ribeiro (Revista Recanto da Prosa e do Verso – Ano III - Fevereiro de 2010 )


Nita Ferreira
SONETO A FEVEREIRO

O ano caminhando e é já Fevereiro
Do céu cinzento gotas cristalinas
E um vento agreste, frio e desordeiro
Varre a calma das horas peregrinas

Mascarado de alegre feiticeiro
No Carnaval dos anos a passar
Filho que mata a mãe ao soalheiro
Assim na meninice ouvi contar

Mas deve ser mentira ou balela
Pois que debaixo da minha janela
Vi passar o santinho Valentim

Trazia sorrisos, flores e abraços
Tudo numa caixa embrulhada em laços
E um bilhetinho de amor p'ra mim
G G G G G G G G
Ana Maria Nascimento
EROSÃO

Cingida por imensa solitude,
Busco, afinal, ouvir a tua voz
para extinguir esta tristeza algoz
que limitou a minha plenitude.

Mas, sem sucesso, vejo a finitude
surgindo em seu propósito veloz
acompanhada da tristeza atroz
presente em toda a sua latitude.

Àquele espaço ainda chega o pânico
entrelaçado num grande vazio
dando evasão ao ímpeto vulcânico.

A despertar, em torno, um arrepio,
transformando o aspecto do amor romântico,
numa tela de sonho em desvario.
G G G G G G G G
António Barroso (Tiago)
QUADRO SEM NOME

Era a imagem da degradação,
À porta do grande supermercado,
Apático, dobrado,
Com dois cães atados a um varão
Que suportavam a chuva, encolhidos,
Com olhitos meigos de sacrifício.
Ele amealhava, tostão a tostão,
As dádivas dos passantes mais sentidos,
Para, mais tarde, lá p'ro fim do dia,
Ir, de seringa em punho, matar o vício
Debaixo da ponte da ribeira.
Olhei o quadro e sem ironia,
Não senti pena de qualquer maneira,
Apenas me afastei, angustiado,
Calando fundo os sentimentos meus
Por ver os cães, com ar tão devoto,
Olharem aquele tipo escanzelado,
Porco, barbudo, sujo e todo roto,
Como um Deus!
G G G G G G G G
Cibele Carvalho
SOLIDÃO

Que invade o meu quarto, minha cama,
quando minha alma, por ti, chama.
Que domina meu corpo e pensamento
quando, longe de ti, experimento
o gosto do vazio que ficou
no espaço aberto que você deixou.
Com a solidão converso a cada dia
- ela me faz companhia
em meus momentos de dor
e também me acaricia
nas minhas noites de amor.
Reconheço os passos dela
na ausência dos teus passos
e ela é quem se apresenta
quando busco os teus abraços.
Bem diferente de ti,
ela não sai do meu lado
e, em sua boca, deposito
o meu beijo apaixonado.
(RJ, 22/02/10 )
G G G G G G G G
Dalton Luiz Gandin
NAS FOLHAS DA VIDA

Do ponto,
partida ou morte.
Marco sul,
risco pro norte.
Desenho,
assim, seu nome.
G G G G G G G G
Eugénio de Sá
DESISTÊNCIA

Enquanto outros combatem esforçados
eu trêmulo me atenho, impreciso
afivelado ao rosto patético sorriso
num jeito que me traz desfigurado

Simulação de um homem de verdade
sou parco de vontade, de ambição
Mais me não move o gesto e a razão
que o gosto de qualquer frivolidade

Sei desta vida pouco mais levar
que o atavismo de uma alma breve
Já conformada à negação de amar

Que almo inda me pode tornar leve
a terra que me vai acobertar;
outra expressão que tudo isto releve?

Bogotá, Colombia
26.FEV.2010
G G G G G G G G
Fernando Morais

PORTO

Aqui o silvo do comboio velho
ali o prédio acocorado à tarde

ouvem-se passos no lume do poente
é a mulher de xaile que vem de balde

ouvem-se vozes junto ao rio cinza
que o nevoeiro deixa tremeluzir a luz

mais outros passos esgueiram-se no leve
rodopiar das folhas … soma e segue …

o surdo mundo, pouco a pouco fala
nos rumores do voo de andorinhas

são as minhas mãos frias que apetece
meter nas tuas para matar o tempo

mas o tempo não passa como acontece ao dia
somos nós que passamos pelo tempo

e o Porto ajeita-se e estica as pernas
enquanto o sotaque, lindo, permanece.
G G G G G G G G
Flor de Esperança (Maria Beatriz Silva)
JURO

Nunca brinquei no carnaval
Nem nos sentimentos da poesia
Tenho várias formas de expressar alegria

Do carnaval sempre tive outro conceito
Mas... Para encontrar você lindo amor
Na folia vou entrar, pois esse é o único jeito.

No meu bloco imaginário sempre criei nosso cenário
Princesa, feiticeira, cigana... Para você já desfilei
Dança do ventre, tango, salsa, lambada, valsa já dancei.

Mas hoje eu juro que vou entrar nessa folia
Batuque, frevo, samba, suor e poesia...
Sou seu par, sua magia!

Lindo amor por você eu juro
Que vou dançar até o sol raiar
Olha nos meus olhos com desejos de bailar

Pega-me com sede... Com força...
E jura que não vai mais soltar
E que nesse carnaval você veio para ficar

Permita-me uma dança sensual
Estou pronta... Me vesti de Deusa do Amor
Deixa-me ser seu vendaval

No amor fazemos um temporal
Venha com calor,
meu pássaro verde do amor
Sentir esse sabor!

Olha-me dentro do meu olhar
Agarra na minha cintura e jura
Que comigo vai dançar com ternura
Com desejo, com loucura...

Quero um banho do seu amor
Navegar no seu cheiro, no seu sabor
E no embalo dessa dança
Leva-me por onde você for

Sussurra juras de amor no meu ouvido
Beija minha boca com um beijo atrevido
Hortelã é o sabor

Lindo amor jura, por favor,
Que essa dança
vai selar para sempre o nosso amor

Laje do Muriaé - RJ Em 13/02/2010
G G G G G G G G
José Feldman
UM DIA...

Um dia você pega as suas coisas, faz as malas, se despede de quem ama e sai porta afora, para um mundo novo, buscando a liberdade e a felicidade tão sonhada.

Um dia você aluga um apartamento ou uma casa, aprende que tem que cozinhar para si próprio, se quiser comer. Que tem que limpar sua casa, se quiser um lugar organizado, aprende que independência da casa dos pais não implica em fazer o que bem entende. A sociedade tem regras, e você começa a sentir isto na pele, e deve segui-las.

Um dia você vê que só o seu dinheiro poupado durante tantos anos a fio, já não é o bastante, então tem que procurar um emprego, para poder se sustentar. Sempre achava que a liberdade era uma coisa linda e maravilhosa, e você não precisaria se preocupar com nada. Agora vê, que ela engloba responsabilidades, deveres e direitos.

Um dia você se sente deprimido, pois a vida independente não é um mar de rosas, e se arrepende de ter saído da casa de sua família, e pensa em voltar. Mas, também pensa em tudo o que aconteceu para sair, e fica dividido entre o que fazer.

Um dia você descobre que apesar de estar sendo exatamente igual a seus pais, o seu lar é o seu castelo, e você se sente feliz consigo próprio, e assim como seus pais eram os reis na casa deles, você é o rei na sua.

Um dia você descobre que ser rei de seu castelo envolve deveres, direitos e responsabilidades, e que mesmo assim não é fácil, é uma batalha constante para manter seu pedacinho de chão.

Um dia você descobre que está envelhecendo, que está ficando mais chato, mais turrão, a memória está falhando, se sente mais cansado, se sente meio frustrado, pois seus sonhos eram apenas sonhos, e as lágrimas correm tão facilmente em momentos inesperados.
Um dia você percebe que nos momentos que deveria falar, se calou e em outros, quando deveria ficar calado, falou.

Um dia você descobre que muitas coisas que fez não tinham razão de ser, e que se pudesse voltar atrás, mudaria tudo, entretanto, existem tantas outras que mesmo com algum final desastroso, deixaria como está.

Um dia você descobre que os seus verdadeiros irmãos são aqueles que um dia passaram por sua vida e deram um encontrão em você e seguiram adiante. Outros, que estiveram sempre presentes, mesmo que ausentes.

Um dia você descobre que nunca esteve sozinho, que sua família esteve sempre ligada a você em todos os momentos de sua vida, e você sempre, na verdade, seguiu os passos dela, sem nem mesmo perceber.

Um dia você percebe que aquilo pelo qual você sempre lutou só vai ser reconhecido por você mesmo, pelos que acompanharam sua caminhada e aqueles que realmente te amaram, e sempre estiveram a seu lado torcendo por você e incentivando quando você cambaleava.

Um dia você percebe que os verdadeiros inimigos de sua evolução não estão nas ruas, mas dentro da casa que você abandonou, dizendo-se irmãos, primos, sobrinhos, etc. Percebe que você é infeliz, pois ainda está ligado ao que pensam de si.

Um dia você percebe que é hora de se desvincular disso tudo e seguir os seus próprios passos, caminhar com seus pés, fazer sua própria vida e ser aquilo que você quer ser, não aquilo que os outros querem que você seja.

Um dia você percebe que a felicidade está dentro de você, e você tinha este tempo todo a chave para abrir esta porta e liberta-la.

Um dia você vai ter coragem suficiente para deixar suas coisas de lado, abandonar as malas do passado, carregar dentro de seu coração aqueles a quem ama e quem realmente estiveram a seu lado e sair porta afora, para um mundo novo, livre e feliz...

Um dia você vai perceber que finalmente realizou seu sonho e finalmente é feliz.

(Ubiratã, Paraná, 22/05/08)

G G G G G G G G

Hermoclydes S. Franco

"GUERREIRA"

Pelos sonhos de mulher,
guardados no coração,
sonhados a vida inteira...
Pela visão da existência,
pelo calor da emoção,
tu foste, sempre, a primeira...

Nos dons da emotividade,
das intenções mais sutís,
tu és frondosa roseira
que dás perfume e dás flor,
espinhos tornas ternura,
do orvalho fazes goteira...

Pela graça do sorriso,
pelo calor dos abraços
e pelo ser companheira...
Pelo brilho dos olhares
- uma lágrima a esconder -
quanta vez te vi faceira...

Pelo enfrentar dissabores
sem blasfêmias, sempre altiva,
alma quase feiticeira,
que, na fé inquebrantável,
tua força espiritual
forjou-te a Grande Guerreira!...
G G G G G G G G
Humberto Rodrigues Neto
A ÚLTIMA NAMORADA

Já vem descendo sobre mim o outono
desta existência de gentis primores,
quando fui presa e ao mesmo tempo dono
de inesquecíveis e sutis amores!

Quantas premi de encontro aos lábios loucos
num fervilhar de anseios e arrepios,
paixões que agora vão tornando, aos poucos,
meus dias de sol cinzentos e vazios!

Mas neste inverno de uma vida finda,
que me aproxima da eternal morada,
no anonimato eu sei que me ama ainda
a minha derradeira namorada!

O amor que me dedica é uma benesse,
pois nunca teve algo em comum comigo;
dela só espero o mimo de uma prece
e o ramo de uma rosa em meu jazigo!
G G G G G G G G
Regina Bertoccelli
VENTOS E TEMPESTADES

Não temo os ventos fortes,
nem as tempestades violentas
que chegam varrendo tudo,
escancarando minhas janelas,
roubando meu sossego...

Não me importa que raios e trovões
gritem em meus ouvidos,
emudeçam minha voz,
tumultuem meus pensamentos...

Sei que isso é passageiro,
que a bonança virá e me trará de volta
o sol e a revoada de pássaros
farão festa em minha janela...

Mas temo os ventos e as tempestades
de teu coração que atingem o meu
num ímpeto de raiva e fúria descomunal

Chegam de repente, escurecem o meu dia
e me aprisionam no calabouço sórdido
de tua mente perversa e insana

Ah, quanta insensatez há em ti...
Do amor nunca saberás enquanto
viver em teu ser tanta estupidez...
G G G G G G G G
Tchello d'Barros
“M” E “H” NO 609

São Paulo é uma cidade grande, muito grande. M e H conheceram-se numa dessas situações inesperadas, que talvez por comodidade convencionamos chamar de acaso. M, há tempos que estava acostumada com a rotina do metrô, meia hora para ir e outra longa meia hora para voltar. Para suportar melhor esse limbo de tempo inútil, lia revistas de fotonovelas, que adquiria numa loja de livros usados, próxima à estação da Praça da Sé. A monotonia desse trajeto só era quebrada lá de vez em quando, com alguma paquera, pelo fuzuê com algum trombadinha ou algum ator fazendo sua performance e passando o chapéu.

Aquela manhã de sábado com garoa não prometia muito. Vagão cheio, M incomodou-se um pouco por ter que ficar em pé, e cavalheirismo, como se sabe, não anda muito na moda. Incomodou-se um pouco mais quando, no frenesi das pessoas que apressadamente entravam e saíam do vagão, um sujeito passou por trás dela, encostando-se, inevitavelmente. Este momento deve ter durado apenas um segundo, mas foi o suficiente para ela sentir um hálito de hortelã, e ele percebeu a fragrância de alfazema nos cabelos dela. Quando ele se afastou, ela olhou de soslaio, para identificar o atrevido, ao tempo que H, também discretamente, observava sua silhueta bem desenhada pelo reflexo da janela. Ato seguinte, um assento que ficou vago permitiu que a vida voltasse ao normal no escapismo de mais algumas páginas da fotonovela.

Desceu na estação de sempre e depois de mais uma manhã rotineira, ao meio-dia em ponto estava livre, seu fim-de-semana começou com o fim da garoa. Logo ela estava zanzando pelas barracas da feirinha da Liberdade, onde adquiriu umas bonequinhas de origami. O almoço se resumiu à alguns camarões no palito, assim, almoçava caminhando, observando os artesanatos e antigüidades espalhados pelas banquinhas. Naquele vai-e-vem de tanta gente, julgou ter visto o sujeito do metrô, próximo à uns quadros de paisagens japonesas que um pintor apresentava no chão de uma pracinha. Tímida do tipo ousada, aproximou-se para ter certeza, mas não viu mais o vulto, certamente era outra pessoa.

Lembrou-se que precisava renovar o estoque de suas revistas antigas de fotonovelas, e lá foi ela em direção ao sebo. Ao chegar foi diretamente à sala das tais revistas, onde levou um susto, pois ninguém menos que H estava ali, escolhendo alguns exemplares de bolsi-livros de faroeste, sua única distração literária. M imaginou inicialmente que H estivesse lhe seguindo, mas logo concluiu que isso não poderia ser, pois quando ela chegou ele já se encontrava no local. Depois pensou em coincidência, em destino, essas coisas que não entendemos muito bem, e logo já estava fantasiando que fosse algum investigador contratado, um tipo de detetive. Saiu de tais devaneios quando percebeu que ele já não estava mais naquela sala, então tratou de escolher alguns exemplares de revistas para sua coleção. O segundo susto foi na hora de pagar, pois ambos chegaram juntos ao balcão, o que fez com que o balconista perguntasse o típico 'quem está na vez?', o que inicialmente causou um certo constrangimento para ambos, mas foi a ocasião para uma breve troca de olhares e o esboço de um sorriso. O fato de H ter permitido que M pagasse primeiro, foi a senha para continuarem conversando e o manuseio do pagamento permitiu que ambos vissem que nenhum dos dois estava usando aliança.

As recentes aquisições permitiram que a conversa se prolongasse num café próximo dali. Esgotado o assunto das preferências literárias, trataram de puxar outros temas corriqueiros, amenidades bem triviais, apenas umas desculpas para poderem continuar se olhando, um adentrando o semblante do outro, tentando desvendar camadas de personalidades e nuances dessa atração inusitada. Esse mesmo ardente encontro de olhares, sequer permitiu que falassem sobre relacionamentos, fossem anteriores ou atuais, profissões ou endereços, esses itens que definem tanta gente. Eram apenas dois intensos olhares cruzados, que em seguida receberam a cumplicidade de duas mãos que se tocavam de leve, no início, e assim não demorou para que um certo par de lábios ávidos também se encontrassem. A vida naquele momento era apenas um sabor de hortelã e um suave aroma de alfazema, naquela esquina da megalópole.

Não se conheciam, não queriam se conhecer, mas desejavam se entregar. Talvez essa substância abstrata que chamamos de natureza humana, explique o fato de que dentro de poucas horas, já no número 609 de um hotel da rua Ipiranga, o par estivesse resfolegando num faiscante entrelaçamento com fusão de corpo e alma. O caos e o céu ao mesmo tempo. Depois, quando os corações foram desacelerando, o suor foi secando e os instintos permitiram que alguma lucidez se instalasse no recinto, começaram a conversar e, conversaram demoradamente, outro prazer que descobriram assim, sem querer. Concluíram que esse enigma, que as pessoas chamam de amor, pode acontecer assim, de repente, numa nublada tarde de sábado, no labirinto da gigantesca cidade. Ao saírem do hotel, ninguém sabia nome, idade, telefone, e-mail ou o que quer que fosse sobre o outro, esses ítens que identificam muita gente, o que não impediu de combinarem se encontrar no saguão do mesmo hotel, no mesmo horário, uma semana depois.

E passados sete dias, na tarde paulistana, desta vez ensolarada, lá estavam M e H novamente, tentando ser discretos na recepção do hotel, mas mal disfarçando a gana de avançar um sobre o outro, o que aconteceu de fato, logo que fecharam a porta do mesmo quarto 609. Pura selvageria. Frisson e êxtase. Volúpia e lascívia. Concupiscência e atração. Luxúria e lúbricas intimidades. Umidade e fricção. Ou o que muitos preferem resumir como tesão. Apagado o primeiro de muitos incêndios, M percebeu então que H havia trazido champanhe com morangos, e H pode enfim também notar os detalhes da lingerie provocante que M escolheu para o novo encontro. Algumas labaredas mais tarde, fruíram daquele prazer de conversar, de poder falar das sensações, dos sentimentos e das percepções desses momentos incandescentes. E falavam da saudade, e dos desejos, e dos medos, e das vontades, e das fantasias, e de todo um outro labirinto, o das afetividades que se entrelaçavam nas relações e no relacionamento. Antes de se despedir, H notou entre os pertences de M uma pequena réplica de espada japonesa, dessas para abrir envelopes, sinal de que ela devia ter passado novamente pela feirinha oriental. Já M, percebeu que H havia adquirido mais alguns livrinhos com histórias de bang-bang. Mas ninguém quis comentar nada, nada de observações, nada de perguntas. Manter algum mistério era muito mais excitante.

E assim se despediram, e assim se reencontraram, e assim foram repetindo seus encontros semanais, pontuados pela entrega total em suas experiências, preservadas por segredos mútuos, quase como se suas vidas particulares nem existissem, como se a vida real acontecesse apenas naquele idílico quarto 609. E mais não precisava. E como é próprio dessas raras uniões onde o casal se completa, se complementa e se funde, chegaram à um nível de cumplicidade e simbiose onde era possível sentir plenamente o estado emocional do outro, apenas pelo olhar, pela voz, pelo toque. Não raro, depois do descanso, abriam os olhos ao mesmo tempo, sonhavam um com o outro, e muitas vezes um ía dizer uma coisa e o outro completava. Ao final de um ano a sintonia era tanta que de vez em quando já se conseguia até mesmo ler o pensamento.

Foi mais ou menos por essa época que M começou a pensar na possibilidade de investigá-lo, de tentar saber mais sobre esse homem misterioso, que lhe fazia tão feliz. Talvez desvendar o cotidiano desse íntimo desconhecido, saber o que ele fazia durante a semana, onde morava, se era casado, no que trabalhava, essas coisas. Mas refletiu bem e escolheu deixar de lado a curiosidade, preferiu não quebrar a magia que os unia, não queria desconfianças, não queria que ele fizesse o mesmo, que descobrisse tudo sobre ela. E assim continuaram, já que toda a felicidade do mundo cabia naquele singelo quarto. Ali era o endereço do amor, da paixão, do romance e do desejo. O resto, era apenas o mundo. E pequenas mudanças naquele quarto eram quase um acontecimento. O dia em que trocaram as cortinas. Uma pequena gravura que apareceu em uma das paredes. Os desenhos florais na estampa de um lençol. E um dia as paredes receberam uma nova tonalidade, o salmão suave passou para um rosa pálido. Isso foi uma grande novidade.

E o tempo foi passando. As fronhas dos travesseiros foram naturalmente se gastando, perdendo a cor, a textura. As conversas agora tinham diminuído um pouco, entremeadas de breves silêncios, que aos poucos foram se prolongando e muitas vezes a falta de assunto era compensada com a leitura de fotonovelas e os livrinhos de bolso. Num dos encontros sequer fizeram amor, apenas trocaram carícias. Depois, uma viagem impediu o próximo encontro, e uma desculpa aqui e outra ali fizeram rarear os sábados dos amantes. Até que numa dessas tardes de muito calor, as paredes do 609 sequer viram o casal se despir, apenas conversaram, olharam-se demoradamente, choraram, abraçaram-se e então convenceram-se de que poderiam parar de se encontrar. O rio da vida que seguisse seu fluxo. Sem culpa, ou rancor, deram-se ainda um longo e afetuoso último beijo.

Na saída para a rua, nenhuma palavra, apenas dois semblantes que se encontravam quem sabe pela última vez e cada um seguiu para um lado. H dobrou a próxima esquina, refletindo sobre isso que as pessoas chamam de amor. Se isso existe mesmo, dura pouco, uns dois anos, concluiu. De seu destino nada sabemos, apenas que deixou de freqüentar uma certa loja de livros usados daquele lado da cidade. M, que tomou o metrô mais próximo, olhava demoradamente as fotografias da revista, mas nada via, apenas pensava em como era possível conhecer alguém com tal profundidade e sintonia sem sequer saber seu nome. Dela também pouco sabemos, apenas que continua usando xampu com perfume de alfazema e adquiriu o hábito de comprar pastilhas de hortelã.

Dizem que aquele sebo fechou. Dizem também que vai reabrir em outro ponto da cidade, mas não se sabe bem onde, pois como sabemos, São Paulo é uma cidade grande, muito grande.
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Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Trova 117 - Sylvio Ricciardi (Ribeirão Preto/SP)

Aparecido Raimundo de Souza (Estranho num Lugar Esquisito)


Durante meses, Panetôncio freqüentou um consultório psiquiátrico com a reclamação de que havia um imenso jacaré debaixo de sua cama.

— E toda noite ele me mostra uma boca cheia de dentes...

— Não são dentes, são presas. E não se diz “boca”. Jacarés não têm boca, e sim mandíbulas.

— Não importa, doutor, o caso é que não agüento mais.

O médico tentava persuadir o paciente de todas as formas possíveis:

— Panetôncio, você não reside num prédio de apartamentos em plena Barra da Tijuca com segurança, circuito interno de televisão e alarmes por todas os cantos?

— Perfeito, mas o jacaré me amedronta apesar de toda essa tecnologia de ponta.

— Não existe nenhum jacaré.

— Claro que existe, doutor. E a cada dia parece mais furioso.

— Só na sua imaginação.

— Não é imaginação, doutor, é real.

— Sua esposa viu esse suposto jacaré?

— Não.

— Nem seus filhos?...

— É verdade!

— Seu sogro chegou a dormir uma noite no quarto e também nada viu, ou ouviu?

— Meu sogro dorme mais que a cama. É só recostar a cabeça e no minuto seguinte está contando carneirinhos.

— Sua sogra?

— Uma besta quadrada. Não enxerga um palmo adiante do nariz. A única coisa que sabe fazer, e cá entre nós, muito bem, é ver defeitos em mim e maquinar intrigas do arco da velha com minha mulher.

— Seu irmão dormiu lá com a esposa dele, na semana passada, não dormiu?

— Dormiu.

— E não viu nem ouviu absolutamente nada?

— Meu irmão, doutor, só pensa naquilo 24 horas por dia. Não tem uma noite que deixe a mulher descansar em paz. Esteja em casa ou na casa dos outros, o negócio dele é furunfar. Nem os dias sagrados da companheira -, o senhor compreende -, aqueles do famoso “lacinho vermelho”, ele respeita.

— Fazer amor faz um bem danado à saúde, Panetôncio. Alivia o estresse do dia-a-dia. A alma se liberta das tensões e fica mais leve e solta. Concorda?

— Concordo, doutor, concordo plenamente. Mas o senhor precisa entender o seguinte: balançando o esqueleto, ele não vai ver nada, como, aliás, não viu. E o jacaré continua embaixo da minha cama, tranqüilo, sem problemas, me enchendo o raio do saco.

— Insisto, Panetôncio, que não há nenhum jacaré debaixo da sua cama. Volte para seu quarto e procure ficar em paz. Sua esposa, da última vez que falou comigo, reclamou que, por causa desse bendito jacaré, você não só mudou de quarto, como abandonou a cama. Esse negócio está me cheirando a outra coisa...

— Que outra coisa, doutor?

— Amante. Você arranjou uma namoradinha e está engabelando dona Líliam com essa história sem pé nem cabeça.

— Não trairia minha cara metade por nada deste mundo. Ainda que encontrasse a Bruna Lombardi peladinha, dos pés a cabeça.

— Escute o que vou dizer: sua esposa, com essa conversa toda, está abalada. Muito abalada. Sem contar que também está necessitada. Mulher necessitada é perigosa. Começa a subir pelas paredes. Se você não dá conta, não comparece...

— Sei disso tudo doutor. Mas como posso me concentrar?

— Você pode. Você é um homem ou é um rato?

— Depois que o jacaré apareceu comecei a ter dúvidas sobre minha masculinidade. Acho que sou um coelho assustado. E coelho tem medo de jacaré. Li algo a respeito numa revista especializada em animais. O doutor seguia na sua linha de conduta e perseverava com acirrada veemência na ânsia de demover a idéia fixa da cabeça de seu paciente.

— O jacaré -, Panetôncio, ou melhor, esse famigerado jacaré é apenas uma alucinação passageira -, fruto da sua estafa, da sua debilidade. Resumindo, meu amigo, coisa provocada pelo excesso de trabalho e pela fadiga. Você tem se desgastado muito, ultimamente. Sua ocupação, na Bolsa de Valores -, compreendo -, é muito pesada e irritante. Deixa os nervos a flor da pele, a cabeça a mil, os neurônios em frangalhos. Sei que não é fácil passar o dia inteiro com três telefones no ouvido...

— Quatro, doutor, quatro.

— Que seja! Três, quatro ou apenas um, não importa. O que conta, o que faz diferença, é você estar o tempo todo gritando, berrando e gesticulando feito um desmiolado e despirocado das idéias. Preste atenção no conselho que vou lhe dar, e vou fazê-lo como seu amigo, não como médico. Tire uns dias e saia com a família em férias. Coloquei, inclusive, meu sítio, em Pedra de Guaratiba, à sua disposição. Está lembrado?

— Estou, doutor. Mas o jacaré está cada vez mais esfomeado. Se o senhor, que é um especialista, que estudou anos a fio para procurar dar uma solução plausível para o meu caso e, no final das contas, não puder, ou não conseguir me ajudar, quem poderá me levar à cura dessa merda, ou à merda dessa cura?

O rapaz continuou a freqüentar, ainda por um bom tempo, as seções no consultório, como sempre fazia, todas as quartas-feiras, na parte da tarde. Com isso, o médico estava quase convencendo a criatura de que tudo não passava, realmente, de fantasias e devaneios oriundos de um desgaste físico e mental acima da linha do ponderável, e que, em decorrência disso, se levasse os próximos encontros mais a sério, logo sairia completamente restabelecido.

Entretanto, por três quartas-feiras seguidas, Panetôncio não compareceu ao consultório, nem comunicou à secretária o motivo de sua ausência. Apreensivo e visivelmente preocupado, o psiquiatra ligou para a residência de seu cliente.

— Gostaria de falar com seu Panetôncio — disse o doutor à mulher com a voz chorosa que o atendeu.

— O Pane morreu... Quero dizer, o Panetôncio faleceu... — respondeu a pessoa, em soluços.

— Com quem falo?

— Líliam, a esposa.

— Dona Líliam, sou eu, o médico psiquiatra do seu marido.

— Doutor, desculpe não tê-lo avisado antes. Sabe como são essas coisas. Uma correria: liberar corpo no IML, correr atrás de funerária, avisar todos os parentes e amigos, cuidar do enterro, fretar ônibus, comprar flores, coroas, escolher cemitério, ver jazigo, colocar anuncio em obituário de jornal, marcar com antecedência a missa de sétimo dia, uma loucura!

— Estou pasmo, dona Líliam. Fiquei realmente sem saber o que lhe dizer...

— Pois é. O senhor que é médico ficou assim, assombrado, praticamente sem saída. Imagina como estamos nós que convivíamos diariamente com ele. E todo o resto da família. Completam sete dias, amanhã. A propósito, gostaria que o senhor viesse para a missa. Vai ser na Igreja de Nossa Senhora das Cabeças, na Rua Belizário Pena, ali na Penha.

— Farei o possível. De qualquer forma, minhas sinceras condolências.

— Obrigada, doutor.

— Por favor, esclareça uma dúvida, dona Líliam. Panetôncio morreu... Morreu de quê?

— Foi devorado por um jacaré que estava escondido debaixo da cama dentro do nosso próprio quarto.
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Sobre o Autor
Aparecido Raimundo de Souza, 56 anos, jornalista. Natural de Andirá, Paraná. Free-lancer das revistas "Textos Inteligentes" e "Isto é gente". Publicou: Quem Se Abilita? (prefácio de Paulo Coelho); Com Os Chifres À Flor Da Cabeça (25 cronicas); Tudo o que eu Gostaria de Ter Dito (livro com 365 frases dos mais diversos autores, frases essas publicadas durante três anos numa coluna que manteve na Revista Class, em Vitória, no Espírito Santo); As Mentiras Que As Mulheres Gostam De Ouvir (25 cronicas); A Outra Perna Do Saci, Refúgio para Cornos Avariados (25 cronicas), Mulheres em Estado de Coma; Travessuras de Mindinho e Fura Bolos; Talvez Eu Volte para Casa na Primavera.
Os textos de Aparecido Raimundo de Souza retratam o cotidiano das pessoas. São escritos leves e soltos, alguns cheios de intransigências, outros salpicados de ironia e muita picardia e irreverência. Seu estilo lembra o escritor gaúcho Luiz Fernando Veríssimo, embora tenha criado uma grafia própria e inconfundível.

Fontes:
Colaboração do autor
wikipedia

Airton Monte (O Escritor em Xeque)

entrevista realizada em janeiro de 2007

O Jornal cearense O Povo, em uma conversa franca e bem humorada com Airton Monte, cronista de uma Fortaleza boêmia, solidária e fraterna que propõe o hedonismo e o anarquismo educado como utopia para a humanidade

O mundo é grande e cabe no breve instante da crônica de Airton Monte. Espelho de si mesmo, o cronista contempla sua própria persona e espreita a humanidade pelo prisma de sua aldeia. Traduz para o espírito de Fortaleza as paixões, os desejos e os abismos da alma humana. O fascínio pelo inconsciente lhe levou à psiquiatria, onde o profissional austero toma a frente do poeta galhofeiro, arrebatado e espirituoso que se deita no divã da literatura. Pela cidade (real ou rememorada), Airton circula desvendando o universal nos bares mais simples da Gentilândia e fazendo explodir o particular de cada flagrante em arroubos universais de inspiração poética.

Em uma manhã de conversa franca e bem humorada com quatro repórteres do O POVO, regada a muita cerveja e a uma dezena de cigarros, o cronista se revela. É o torcedor fiel, o teórico da literatura, o marido apaixonado, o amigo saudoso e o cidadão desolado com a cidade que “enselvageceu”. Sem amarras, sem pautas específicas, a conversa segue fluida por mais de duas horas. Do riso generoso aos dramas mais tocantes e deles à piada mais escatológica. Literatura, Praia de Iracema, Clube do Bode, drogas, anarquismo e gentileza. O mundo é grande e cabe no breve trago que acende o fio da inspiração e da memória.

O medo que eu tenho da palavra tempo é o de me tornar obsoleto em relação ao tempo presente”, revela o artista que, cronista, agarrado às amenidades e às urgências do dia-a-dia, soube se inscrever na posteridade pelo talento da palavra. O mundo é grande e cabe na breve (e encantadora) Fortaleza de Airton Monte.

O POVO - Quando a gente ligou pra você para convidá-lo para a entrevista, você ficou feliz mas brincou com a história do tempo, brincou com o agouro ou o mau agouro de dar uma entrevista como essa nessa altura da vida. Você tem medo do tempo?

Airton Monte - Se eu disser que não tenho medo do tempo eu estaria mentindo. O meu medo do tempo não é o medo de morrer, não é o medo de envelhecer. O medo da palavra tempo é o de me tornar obsoleto em relação ao presente. A minha briga toda é essa. Não posso me desligar das raízes do meu passado. Aquilo que eu aprendi está aprendido. Mas tanto na medicina quanto na literatura, meu medo é o de ficar obsoleto. De ficar um velho gagá. Aqueles antigões, parados no tempo, sem diálogo com ninguém, que passam a vida num tempo ilusório, um tempo passado.

OP - E como você tenta superar isso?

Airton Monte - Estudando, lendo. Tanto de um lado quanto de outro, eu tenho de estar antenado. Na medicina, minha vantagem é que não preciso gastar rios de dinheiro para ir aos congressos. Eu ligo o computador e recebo os anais, entro nos sites da Sociedade Médica Brasileira, da Associação de Psiquiatria. Estou o tempo todo atualizado.

OP - Você tem livros que estão sendo utilizados no vestibular. Quando você conversa com esse público do vestibular, esse público mais novo, esse medo da obsolescência aumenta?

Airton Monte - Eu nunca tive dificuldade de me relacionar com esse público mais jovem do que eu. Nem muito mais jovem nem muito mais velho. Eu tenho vários grupos de convivência. Eu tenho a turma da Gentilândia, que é a turma da minha infância, da minha idade. Tenho a turma do papai, que é uma turma mais velha, da idade do papai, de 80 anos, 90. Tem a turma do Clube do Bode. E nesse vestibular, a partir de 2004, 2005, o que me deu mais surpresa foi que de repente aquela garotada chegou e disse: “olha, a gente está te lendo porque a gente está gostando”. E eu conseguia me comunicar com eles no mesmo nível. Brincando, rindo. Não me sinto deslocado entre os jovens. Eu sou como aquele velho jogador, o Romário, que ainda está ali rondando a área, sobrou a bola pedindo para eu chutar, eu chuto.

OP - E fisicamente, você se cuida?

Airton Monte - Decididamente, eu nunca fui exemplo para ninguém. Não vou a médico, não sei a quantas vai meu colesterol, minha glicemia. A única coisa que me incomoda, fisicamente, de vez em quando, é a asma, que o cigarrinho corrige, não tem problema. Eu bebo do mesmo jeito que bebia quando era jovem. Como as mesmas coisas que comia. Eu quero ficar velho. Se puder até ver meus netos crescerem eu queria. Agora, do meu jeito. Não me interessa viver uma vida sem poder sair, sem poder fazer as coisas de que gosto. De clínico geral eu tenho pavor porque você entra lá saudável e sai doente (risos). Tenho muitos amigos médicos, sou da máfia, mas reconheço que não sou exemplo pra ninguém. Se alguém quer viver muito, não siga meu exemplo. Comigo está dando certo. Estou praticamente com 58 anos, com corpo de bailarino espanhol e um fígado de 20 que nunca me deu problema.

OP - A Fortaleza que você começou a descrever em tuas crônicas era uma cidade bem menor, mais pacata. Nossa cidade hoje é um monstrengo que cresce desordenadamente, sem respeito pelo passado e sem respeito pelo próprio fortalezense. Como você se relaciona com essa Fortaleza mais jovem?

Airton Monte - Eu cresci em Fortaleza. Nasci aqui. Tenho 57 anos, nunca saí daqui. Nasci na Rua Dom Jerônimo, de parto normal, filho do primeiro amor, do primeiro “descuido”, como dizia a minha mãe. E fui criado naquele território mágico ali da Gentilândia, do Benfica, do Jardim América. Mas Fortaleza foi mudando de uma maneira que me fez ter que mudar também. E a mudança foi brutal. Hoje eu caminho em alguns lugares - com exceção da Gentilândia, por exemplo, que permanece mais ou menos como era antes -, e perco as referências que tinha. A Praia de Iracema morreu. Eu tive de aprender a conviver com essa Fortaleza. Uma cidade em que vivo com medo, medo por mim, por meus filhos; uma cidade em que não posso me arriscar muito e ir numa esquina, a caminhar pela cidade, coisa que adorava fazer. De dez anos pra cá, passei a viver nessa Fortaleza que ensandeceu, enselvageceu, onde nós perdemos aquilo que era a democracia da gentileza, a democracia do lirismo. Hoje não somos mais próximos, nós somos ilhas. Ilhas de solidão, de desconfiança.

OP - E o que a nossa cidade ainda tem de positivo? O que ainda te inspira na Cidade?

Airton Monte - As coisas boas de Fortaleza. O subúrbio. Alguns subúrbios. O domingo no subúrbio, ainda tem isso. Eu vejo na rua do meu pai, na Dom Jerônimo; vejo na Gentilândia também. Ano Novo e Natal as pessoas entram nas casas umas das outras e uma leva uma torta, outra leva não sei o quê.

OP - Mas você ainda circula?

Airton Monte - Circulo na Gentilândia, nos bairros do Benfica. Na Praia de Iracema jamais. Todos os sábados vou ao Clube do Bode, que é a livraria do Sérgio Braga. E nós bebemos no Florida Bar, que é o braço armado do Clube do Bode (risos). É o Hezbollah do Clube do Bode, tem aquele tira-gosto letal, só come quem está acostumado. Depois de 25 anos de tira-gosto de botequim você fica imunizado contra qualquer vírus. O Clube do Bode é esculhambação, é uma instituição anárquica, lírica, etílica, musical. Lá, o Nonato Luis dá um show num violão velho daquele do Falcão. Lá só quem não pode cantar é o Falcão. Apesar de ser o cantor oficial do grupo. Mas ele é proibido de cantar, por uma questão de higiene pública (risos).

OP - Há assuntos que você considera proibidos nessas rodas? Assuntos que, quando vêm à tona, você se retira?

Airton Monte - A única coisa que eu me retiro é quando começam a falar mal de amigo meu. Porque dos meus amigos só quem pode falar mal sou eu. E em tom de galhofa. Então, nós temos essa certa fidelidade. Quando está todo mundo junto, a gente fala mal mesmo. Mas não há coisas proibidas. Onde ando, há católicos, crentes, ateus, políticos de esquerda, de direita. Eu não sei mais nem se existe isso de esquerda ou de direita. Eu mesmo, esse ser anárquico, sou ateu e está aqui (pegando no escapulário pendurado no pescoço) o escapulário do meu beque central contra os maus olhados que é São Francisco, o “Chiquinho”. Ele é o sujeito que eu mais admiro, que foi revolucionário e mais cristão do que Cristo. Um sujeito que ia dar muito trabalho para a Igreja Católica hoje se fosse vivo.

OP - Que histórias engraçadas ou curiosas você recorda do convívio com essas turmas do Clube do Bode, da Gentilândia, etc?

Airton Monte - São várias. Eu andava muito com o Rogaciano (Leite Filho, jornalista) e o Paulo Mamede (jornalista). Tem uma história que é uma sacanagem que não se deve fazer com ninguém. Estávamos os três no Cais Bar. Uma noite, entra um mulherão daqueles de arrasar. Todo mundo dando em cima. A mulher acha de se engraçar do Paulo Mamede, um sujeito altamente periculoso (risos). E a gente só com inveja, aquela inveja mortal. Aí o Paulo Mamede começou bem com a menina, já começou com os beijos, etc. Lá pelas tantas, ele teve uma espécie de incômodo intestinal (risos) e teve de ir ao banheiro. E lá demorou-se. Quando ele demorou a gente inventou a seguinte história, de improviso. O Rogaciano se apresentou, eu disse quem era e a moça disse: “ai, você é psiquiatra?”. Eu disse: “sou’. “Inclusive, ele é primo do Paulo Mamede, esse rapaz aqui”, eu apontando para o Rogaciano. “E eu sou médico do Paulo Mamede”. “Ai, o senhor é médico dele?”. “Sou, sou psiquiatra, mas ele está bem” (risos). “Ele sai aos fins de semana e eu estou aqui acompanhando ele. Minha única preocupação é que ele está tomando um remédio forte e está misturando com bebida como você está vendo. As reações ninguém pode prever. Geralmente, ele fica muito violento” (risos). O Paulo Mamede chega feliz da vida do banheiro e ela já estava meio esquisita. O Paulo Mamede não entendia nada. Eu disse: “rapaz, tu não tem papo pra segurar a mulher”. Nós só fomos confessar isso pra ele, lá pelas quatro da manhã, no Estoril. E ele em vez de ficar com raiva começou foi a rir. E assim tem várias. O Augusto Pontes, tem umas frases que são terríveis. Ele diz assim: “Eu tenho uma boa e uma má notícia pra vocês. Qual vocês querem ouvir primeiro?”. “A notícia boa”. E ele: “O Fausto Nilo vem pra cá”. “E a notícia ruim?”. E o Augusto: “Ele vai cantar” (risos).

OP - O João Cabral de Melo Neto costumava dizer que não acreditava em inspiração, que o ofício de poeta era um ofício que exigia muito trabalho. Você acredita em inspiração?

Airton Monte - Aí tem uma diferença. O texto de ficção eu não tenho nenhum prazo para entregar. Então, é uma coisa que eu vou maturando, posso passar três anos refazendo, cortando. Já a crônica é diária. E é um gênero literário - apesar de alguns babacas dizerem que não é, eu digo que depende do cronista. Uma crônica do Rubem Braga é um texto literário, já um texto do Paulo Coelho não é nada, é uma mágica (risos). É um feitiço. Ele faz até chover e levita (risos). Mas a crônica, eu tenho que entregar o texto. O POVO já me paga pouco, se eu não entregar... (risos). Apesar de toda essa anarquia, eu sou muito profissional nas coisas. Então, eu tenho que chegar e escrever. Em termos de inspiração, os textos que você escreve ou saem de parto natural, quando você escreve um conto em dois minutos, ou saem de parto a fórceps, quando você tem que dar uma forçada. E tem dia que só sai na porrada, só vai na cesariana (risos).

OP - Você sempre escreve seus textos à mão?

Airton Monte - Porque à mão eu escrevo mais rápido. Mesmo se eu tivesse um notebook, eu não levaria um notebook, que custa uma fortuna, para a beira da praia, para o pessoal entupir de farofa... (risos). Se você leva para o bar ou para a praia, vão derramar cerveja em cima. O cabra vai dar palpite, outro quer mexer. Escrever, então, é um ato muito solitário. Não é como o cinema, que é uma arte coletiva.

OP - Algumas vezes, você coloca algumas coisas bem pessoais em suas crônicas. Você chega a se arrepender de alguma maneira das coisas que você expôs ao público?

Airton Monte - Nunca me arrependi. Não dá para me arrepender porque tudo foi consciente. Eu não sou aquele sujeito que escreve com raiva. O texto que me deu mais polêmica foi o Tratado Geral da Maconha, que quase vou em cana porque o Moroni (Bing Torgan) me acusou de incentivo e apologia ao uso e ao tráfico de drogas. Mas se você vai ler, você vai ver que era um tratado geral da maconha mesmo, baseado em toda a literatura que eu tinha sobre drogas, toda a minha experiência pessoal e clínica. Isso foi publicado no tablóide de literatura do jornal O POVO. Nos anos 80. O Moroni era diretor ou era delegado da Polícia Federal. Eu tive que ir depor, dei um depoimento farmacológico e o pobre do escrivão quase fica louco lá (risos). Mas o Moroni deu azar porque uma semana depois eu peguei ele num debate na UFC sobre drogas. Acho que, só de sacanagem, me botaram lá. E o Moroni disse: “meu sonho é viver num país que não precisasse de polícia”. Eu disse: “comunista, o senhor é um comunista radical” (risos). Aí ele ficou maluco. E eu disse: “O senhor é um comunista radical. O senhor é mais comunista que o Karl Marx e o Engels juntos. O senhor é um revolucionário maior que o Che Guevara. O senhor quer a guerrilha”. E ele não entendeu e eu fui explicar. “O senhor quer viver numa sociedade sem crime. Isto é, só há crime porque há a propriedade privada. Então, para não haver mais crime tem que abolir a propriedade privada. O senhor está pregando a abolição da propriedade privada, isso é comunismo do brabo”. Rapaz, esse homem ficou louco, engasgou-se, foi se embora. Acho que ele não me prendeu de novo porque não podia. Então, essa coisa de você escrever com raiva eu aprendi. Quando eu tenho alguma raiva, eu espero uma semana a coisa amornar para me tornar racional porque depois desse tempo todo de jornal a gente começa a ter noção da responsabilidade que a gente tem diante do leitor.

OP - Há um texto seu que foi muito marcante que foi publicado na época em que sua mãe faleceu...

Airton Monte - Não foi só um texto, foram uns três textos. Eu acompanhei a agonia da minha mãe na UTI, me envolvi muito. Minha mãe estava na UTI pela vigésima vez, não era mais gente. E aquilo me dava uma dor imensa. Eu ia lá desligar os aparelhos na marra, não queria saber o que é que ia acontecer. Médico sabe fazer isso. Eu até já tenho meus planos traçados com dois ou três amigos que é para ter uma margem de segurança. Se um de nós cair nessa situação de vegetal, o outro vai lá e dá um jeito. O ser humano tem direito. Já que ele não pode escolher como nascer, ele tem o direito de escolher como morrer. Na hora em que souber que estou com uma pereba dessas grandes, e que não puder mais fazer o que faço e que vou ficar numa cama feito abestado e tal, ou na cadeira de roda naquela base de bota o velho no sol, tira o velho do sol pro velho não mofar... (risos). Ah, a boca do véi tem mosca entrando (risos). É de lascar, bicho. Então, escrevi na emoção. Eu tava no consultório, ela (dona Sônia) me telefonou dizendo “tua mãe morreu”. Atendi todos os pacientes com a mesma calma que podia aparentar e fui para o velório. Fiquei lá até meia noite, pedi para me deixarem em casa, escrevi a crônica numa máquina de escrever, avisei para a empregada que de manhã o motoqueiro vinha pegar. Nem dormi. Enchi a cara de uísque, fui para o funeral e fiquei lá até minha mãe se enterrar. Só não assisti à missa. E voltei para escrever, escrevi umas três vezes. Então, esses textos mais pessoais, escritos, como dizem os advogados de bandido, sob forte emoção, esses saem. Mas mesmo assim eu tenho que ter cuidado.

OP - Você falou que não anda mais em estádio, mas é um torcedor apaixonado do Fortaleza. Como é a tua relação com o futebol hoje?

Airton Monte - Eu sou essencialmente torcedor de três times. Fortaleza, Seleção Brasileira e o Botafogo, que é minha paixão realmente. Eu fui torcedor que nunca fui de brigar, eu sou de chorar, de assistir aos jogos da seleção de camisa amarela, de ter o time do Botafogo na minha parede, de ser fã do Garrincha mais do que do Pelé. Eu amo o futebol, então gosto do futebol bem jogado. Torcia Botafogo, mas vibrava com o time do Santos, com o time do Palmeiras. Eu vibrava com o Fortaleza que tinha Mozarzinho, Croinha. Como é que não ia vibrar? Ou com o Ceará que tinha Gildo, Lucena, Zé Eduardo. Então, o futebol para mim é expressão artística. O futebol continua sendo uma das paixões da minha vida. Não consigo viver sem futebol, eu gosto da bola bem jogada. Eu não quero ver malabarismo, o cara colocar a bola no ombro e sair fazendo que nem o Ronaldo. Eu quero ver é jogar que nem o Zidane, dar um passe de 40 metros, isso é o futebol que estou acostumado a ver.

OP - O Estoril foi um lugar importante para tua geração. Como é para você ter se afastado da Praia de Iracema? Como você entende o fato de Fortaleza ter perdido o Estoril, a Praia de Iracema?

Airton Monte - Praticamente o Estoril caiu na minha cabeça. A gente sabia que mais cedo ou mais tarde ia cair porque toda vida que chovia havia um problema. Eu estava em casa, com uma ressaca lascada, mas a rapaziada ligou dizendo que o Estoril tinha caído. Quando cheguei lá, eu vi o Estoril demolido e aquela mesa fúnebre ao lado, umas cinco ou seis pessoas. E aquilo foi terrível pra gente. Todo mundo ficou revoltado, triste. Ali, eu comecei a perceber que a Praia de Iracema começava a morrer, definitivamente. A Praia de Iracema perdeu a alma dela, deixou de ser um território lírico, poético e engraçado. Na nossa geração, não era de bom tom, diziam os colunistas sociais, ir a Praia de Iracema porque eram onde os maus moços das boas famílias se encontravam com as meninas boas das más famílias. O Estoril era um valhacouto de comunistas, maconheiros e desocupados. Ser poeta naquele tempo era meio complicado. Ninguém queria ser poeta, nem os médicos. Era meio complicado, ser músico, ser poeta, se dizer boêmio. Eu sofri muito na minha carreira, eu e outros colegas. A gente era malhado, “porra o cara é médico e vive no Estoril, bebendo cerveja”. De vez em quando a polícia federal batia lá atrás da maconha. Cansei de ficar em pé na parede, todos nós, sendo revistados, a polícia atrás da maconha, só que a maconha a negada já tinha escondido há muito tempo que ninguém era besta (risos). Outras vezes, eles fechavam a Ponte Metálica. A gente ia para ver o pôr do sol e de repente nos avisavam que tinham uns policiais lá embaixo para cheirar as mãos de quem descia pra ver se tinha maresia. Eu disse: “não tem problema, todo mundo mete a mão no fundo, remexe um pouquinho”. E a negada sentia o nosso fiofó (risos). Nunca mais ficaram lá.

OP - Você falou que já não sabe dizer o que é esquerda ou direita em nossos dias. Ainda há alguma utopia, algum horizonte político que você persegue, que você imagina que a gente possa alcançar?

Airton Monte - Eu fui católico fiel até os 15 anos, depois me tornei ateu, fui comunista, com todos os defeitos que a gente teve. Mas a gente fez uma coisa legal em nossa geração. Hoje, posso me definir como um anarquista utópico. Anarquismo no sentido filosófico da palavra. O homem bem educado ou suficientemente bem educado, conhecendo seus limites, não precisa de leis para dizer o que se pode ou não fazer. Sabendo muito bem onde termina minha liberdade e onde começa a do outro, não precisa de nenhuma lei do silêncio para me dizer que não posso levantar o som alto depois das onze para não incomodar meu vizinho. O importante, o caminho para o Brasil e para o mundo seria primeiro a educação. É formando inteligência que a gente vive. Democracia é você dar oportunidades iguais. Tanto faz ser um filho de carroceiro ou de um milionário. O importante é você dar oportunidades iguais, o mesmo nível de estudo, os mesmos professores. Eu sei que isso nunca vai acontecer. Mas o estudo público já foi bom no tempo do Liceu do Ceará. Educação é fundamental.

OP - A tua geração sempre lutou por muitas dessas bandeiras. Em que você acha que a tua geração errou para que nós chegássemos aos problemas que estamos vivendo hoje?

Airton Monte - Nós erramos pelo simples fato de querer fazer a revolução sem o povo. Nós não vimos que o segredo da revolução não estava no campo, nós não éramos uma ilha. Depois de tanto tempo pensando, eu vejo que nosso caminho tinha de ser diferente. Não era o interior, eram as favelas. E achávamos que o povo era burro. Ou infantilizamos o povo, sendo o pai dele, ou imbecilizamos ou glorificamos. Essa entidade mágica que eu não sei quem é, o povo. Porque eu também sou o povo. O povo também é sem vergonha. É vilão e vítima.

Fonte:
Jornal de Poesia. janeiro de 2007