domingo, 2 de maio de 2010

Folclore Indigena (Origem do Fogo)



LENDA KAINGANG

No inicio do mundo, a única fonte de calor era o sol. Os homens não podiam defender-se do frio e os alimentos eram comidos crus. Só Minarã, um estranho índio, conhecia os segredos do fogo e os guardava só para si. A cabana de Minarã, onde o fogo era guardado sempre aceso, era vigiada por sua filha Iaravi. Para descobrir o segredo do fogo, o guerreiro Fiietó transformou-se numa gralha branca e voou até a cabana de Minarã.

Iaravi estava no rio banhando-se. A gralha caiu na água e deixou a correnteza levá-la para perto da jovem. Iaravi pegou a gralha, levou-a para dentro da cabana e colocou ao lado do fogo para que secasse. Quando as penas secaram, a gralha roubou um carvão em brasa e fugiu.

Minarã perseguiu Fiietó mas não o encontrou pois ele se escondera numa caverna. Quando saiu do esconderijo, ainda como gralha, Fiietó voou até um pinheiro e, com a brasa, incendiou um ramo de sapé. Depois, voou na direção de sua aldeia, levando o ramo no bico. Como o ramo era pesado e o vento soprava aumentando sua chama, era difícil transportá-lo. Fieetó, então, decidiu arrastá-lo pelo mato e acabou provocando um grande incêndio. A floresta ardeu em chamas durante muitos dias.

Vendo o incêndio, índios de todas as tribos foram buscar brasas e tições e levaram para suas casas que, desde então, passaram a ter suas próprias fogueiras sempre acesas.

LENDA TAULIPANG

Palenosamó era uma velha feiticeira que não gostava dos outros índios, por isso, vivia sozinha no fundo da floresta, numa clareira, longe da tribo. Naquele tempo, os homens ainda não conheciam o fogo. Os seus beijus eram secos ao sol e tinham um gosto meio ruim. Palenosamó também só podia comer as coisas cruas.

Certo dia, ela saiu de casa para apanhar alguns ramos. Juntou a lenha e arrumou-a como para uma fogueira, cuspiu em cima e a madeira pegou fogo. "Ah! Disse ela, esfregando as mãos. Agora vou ter comida quente." Preparou um moquém (grelha de varas), fez beijus, caxiri e regalou-se. Estava contente da vida.

Numa tarde, quando o sol tostava a terra e todos repousavam debaixo das cabanas, uma jovem índia entrou na floresta. Foi andando até dar com a casa da feiticeira. Subiu numa árvore e ficou a olhar. Tudo estava silencioso. O vento tinha parado. Nenhuma folha se mexia. Daí a pouco, apareceu a velha no terreiro. Pegou um pouco de lenha, juntou-a e fez fogo outra vez. A moça ficou muito espantada. Desceu da árvore, afastou-se devagar para não ser percebida, e, quando já estava a uma boa distância, deitou a correr o mais que podia. Chegou na taba quase sem fôlego. Contou aos companheiros o que vira; como a velha índia fizera fogo.

Ao receber a notícia, os homens ficaram satisfeitíssimos. "Vamos para lá! Precisamos de fogo também." Foram. A moça, na frente, ia-lhes mostrando o caminho. Finalmente, chegaram.

Falaram a Palenosamó: "Sabemos que tens fogo. Dá-nos!" A feiticeira ria-se, negando-se a atendê-los. "Se não nos dás o fogo, nós te obrigaremos!" Gritaram os índios. Agarrando-a, prenderam-na consigo, voltando a tribo. No meio da taba, amarram-na num poste. Juntaram, em torno dela, bastante lenha. Em seguida, apertaram o ventre da velha feiticeira, até que não agüentou mais e cuspiu sobre a madeira. O fogo apareceu, vivo e forte. Queimou a terra, em baixo, transformando-a numa pedra - "wato".

Essa pedra, quando é batida em outra igual, solta faíscas. Desse modo, os índios aprenderam a fazer fogueiras e não tiveram mais de comer os alimentos crus.

LENDA XAVANTE

A onça originalmente tinha o fogo. Um dia o neto e o cunhado foram procurar filhote de arara. O neto subiu numa escada e jogou uma pedra no cunhado. O cunhado ficou bravo e deixou o neto lá em cima, no penhasco. A onça chegou e fez o garoto descer e levou ele para sua toca. Na toca a onça assou carne de queixada para o neto e o neto viu o fogo pela primeira vez. Depois, o neto foi embora da toca da onça levando um pouco de carvão, como prova do fogo. Na comunidade, contou que a onça era a dona do fogo. A comunidade toda combinou de roubar o fogo da onça.

Assim, vários Xavantes se transformaram em animais para poder roubar o fogo. A primeira que roubou da onça foi a anta, que passou para o cervo, que passou para o veado campeiro, que passou para o veado mateiro que passou para a seriema, que passou para a capivara. A capivara deu um pulo na água, mas antes, um passarinho passou e pegou o fogo levando este para a aldeia. Tendo fogo e mais caça para comer, começou a se desenvolver o povo Xavante nascendo mais crianças e ficando mais fortes.

LENDA KUIKÚRU

Os índios kuikúru não tinham fogo. Kanassa, um herói demiurgo, resolveu procurar. Levava na mão fechada um vaga-lume. Cansado da caminhada, resolveu dormir. Abriu a mão, tirou o vaga-lume e pôs no chão. Como estava com frio, se acocorou para se aquentar à luz do vaga-lume. Quando Kanassa e a saracura chegaram ao outro lado da lagoa, ele desenhou no barro uma arraia, mas com o escuro não viu o próprio desenho e foi ferrado. Kanassa pediu, então, o fogo à saracura, para poder enxergar. Esta lhe disse que só o ugúvu-cuengo (urubu-rei) é que tinha fogo. "Como é esse ugúvu-cuengo?" "É um tipo de uruágui (urubu comum), muito grande, com duas cabeças e difícil de ser encontrado. Fica em lugar bem alto e só desce para comer." "Como é que a gente faz para segurar ele?" "O único jeito é matar um veado grande, esconder-se embaixo da unha dele até ele apodrecer. E, quando o urubu-rei chegar, segurar a perna dele e só soltar quando ele der o fogo."

Kanassa desenhou um veado morto, escondeu-se na unha da carniça, e ficou esperando o dono do fogo se aproximar. Quando este começou a comer a carne podre, agarrou-o pelo pé. O urubu-rei só ficou um pouquinho zangado, chamou um passarinho preto e mandou buscar o fogo lá do céu. O passarinho trouxe uma brasa, assoprou e acendeu o fogo. Kanassa, na mesma hora soltou o urubu-rei. Quando o fogo já estava aceso e quente, vieram os sapos, sopraram água nele e fugiram para a água. Mas o fogo não chegou a apagar e, o urubu-rei, então, disse: "Kanassa, quando o fogo apagar, quebra uma flecha em pedaços, racha no meio, amarra bem uma sobre a outra e firma bem no chão. Feito isso, procura uma varinha de urucum e com ela, apoiando uma das pontas nos pedaços da flecha, tira com força até o fogo surgir. E, procura um cipó da beira da água, abre e deixa secar. É muito bom para ajudar a acender fogo." Para levar o fogo para o outro lado do rio, Kanassa chamou as cobras. Só uma, muito ligeira, conseguiu chegar até o outro lado: a itóto. Kanassa também atravessou a água e lá no outro lado deu bebida, mingau e beiju para itóto - a cobra que conduziu o fogo.

LENDA PARINTINTINS

Os parintintins, que também se chamavam kagwahiva, nunca tinham visto fogo. Para obter comida quente, armavam um moquém (grelha de varas) com caça e deixavam-no ao sol. Pediram então ao semideus Bahira, que lhes desse um pedaço do sol. Prometendo atendê-los, Bahira entrou na floresta e fez um "onimbó-é", um ardil para enganar os outros. Deitou-se, fingindo-se morto. Vendo-o, a mosca varejeira voou em sua direção; cheirou-o e partiu a toda pressa em busca do urubu-rei, exatamente como o *tuixauá desejava. Esse pássaro era, naquele tempo, o dono do fogo. Veio depressa, pensando em regalar o estômago com o índio. Pegou-o e pôs fogo embaixo. Tão contente estava que Bahira aproveitou-se do seu descuido para roubar o fogo e fugir.

Percebendo o que acontecera, o urubu-rei reuniu sua gente e saiu em perseguição ao índio. Este, ouvindo o barulho dos perseguidores, ocultou-se num tronco oco, os urubus entraram atrás dele. Bahira escapou pelo outro lado e tornou a esconder-se, agora numa moita de taquara. Respirou fundo... Tinha conseguido. Chegando à beira de um rio, chamou a cobra e pôs-lhe fogo nas costas, para que ela o levasse a sua gente, que estava na outra margem. Inteiramente queimada, a cobra morreu. Chamou o camarão e, tomando o fogo, fez a mesma coisa. O camarão, ficou muito vermelho e também morreu. Colocou ainda o fogo nas costas do caranguejo e o infeliz teve a sorte dos seus companheiros. Bahira já estava começando a ficar preocupado. Tentou uma vez mais com a saracura, e a pobre ave ficou como os outros. Quando Bahira já não sabia o que fazer, apareceu o sapo cururu, que tem o costume de engolir brasas, julgando que são vagalumes. Engoliu o fogo e carregou-o até onde estavam os parintintins. Em seguida, o "Tuixauá-Bahira" quis pular para junto dos seus amigos. Achando o rio muito largo, gritou-lhe e ele imediatamente ficou estreito. Saltou-o e foi-se com os índios da sua tribo. Como recompensa ao sapo cururu por ter levado o fogo, Bahira nomeou-o pajé dos parintintins.

Fonte:
http://www.lendorelendogabi.com/

Pedro Du Bois (Antologia Poética)


TODOS

Senhora de todas as horas,
refrão e canto; silêncio e hora
decorrida; na apresentação
mesquinha se diga revelada.

Em todos os balcões de bares,
senhora, em todos os caixas
de supermercados e nas filas
de ônibus, induza o espírito
ao retorno: como alimentar
corpos naturalmente expostos?

Senhora de todos os gostos, na hora
que é nossa em pertencer ao estado,
observe à sua volta e se revolte.

PODERES

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.

MÁCULA

Desprovido de mácula mancho o passo
com sangue: acetinado preço
do inocente declarado; o pecado
urdido em mortes se rebela
contra o antagonismo da verdade;
o sangue jorra minha vida esvaída
ao sentido de me dizer libertado;
maculo histórias em interpretações
despropositadas, reinvento atos
de coragem em paródias
prosódias

sarcasmo
desprovido em mácula.

O sangue cessa o alvor
do corpo despropositado.

FABULAR

No final resta a história mal contada
e a moral recusada:
amadureço as uvas
as colho
e as uso como instrumento
cortante da verdade

(recolho a raposa à cela
irrecuperável da palavra:
a fera cala
e ordena
em silêncio
a continuação
do ato)

avisto formigas carregando folhas
em pedaços. Piso a desnecessidade
do inverno.

DUPLICAR

Na duplicação defino a imagem
reapresentada: o corpo carcaça invólucro
depositado aos pés da terra:
segue na permanência
da lembrança
até que a luz
seja apagada.

Sou jovem
e velho: adulto
e criança: ator
e personagem.

Imagem centuplicada do corpo
na perda da identidade.

DIZER

Se disserem para se diferenciar
ao tocar as flores, recomende
ao aviso,
cautela:

flores se fazem
descompromissadas
e ao toque
despetalam
vidas inacabadas

o talo permanece
com os pés dentro d’água.

CLASSIFICAR

Avento farinhas de mesmos sacos,
desfaço o bolo ainda quente, minhas mãos
crispam a forma na fornalha
da ignorância: não aprendo a lição
da humanidade no esforço de me lançar
ao centro da controvérsia; sou o resumo
do jornal de domingo em cadernos
imensuráveis; talvez me anuncie
em econômicos classificados: terça-feira
estou ofertado ao nada. Compareçam.

PAIXÃO

Apaixonei-me pela luz e a persegui
em beira mares, tive com a areia
atritos indesejáveis: a luz
e os pés molhados; perdi
a batalha, meu refúgio é o escuro
vão da escada, onde guardo
tralhas desconsideradas: rabisco
a poeira com palavras versejadas:
poderia anotar os dias.

FLOR

A flor
colhida
no frescor
da manhã

amanhece
em vaso d’água
afogada
sem razão
e dor

a flor oferecida
fenece
em desencontro.

RESTRIÇÕES

Restrito: peça invadida
em móveis: cadeiras
dispostas
em volta
da mesa
posta: a disposição
da fome, o engulho
da comida requentada
no esbulho; cortinas
encerradas na artificialidade
das luzes decompõem
a imagem; o armário
alto de copos e pratos;

o vidro quebrado no canto
inferior direito: a restrição.

AMOR

Ao amor, como ao pássaro, ao caminhar
junto às águas, ao prender os cabelos
da mulher com gestos de amizade,
cabe sensações de arrebatamento

estar em algum lugar e encontrar
o sentido de estar presente: não a necessidade
que se utiliza de artimanhas
para nos manter vivos, não a lealdade
que nos conduz à unicidade dos caminhos

não a felicidade que é predisposta
ao encurvamento: o arrebatamento
de não haver sentido quando a vida
se resume em estarmos juntos.

Fonte:
Colaboração do Autor

Walter Praxedes (A Tentação do Plágio)


Para expiação do pecado capital do mundo do conhecimento que é o plágio, um primeiro passo pode ser a simples confissão. Nos livramos da culpa do plágio citando a fonte de uma informação ou argumento.

Quando um autor perde a capacidade de resistir ao mal o plágio se consuma. O ato de plagiar é então considerado um crime hediondo. Em seu julgamento o réu será acusado de premeditação, falta de escrúpulos, desonestidade, falta de ética profissional. Aos poucos os argumentos condenatórios resvalarão para o campo da moral. No comportamento anterior do réu serão buscados indícios de vileza, vulgaridade e lascívia. Com tão pungente peça acusatória o veredicto final só poderá ser a condenação ao ostracismo intelectual.

É claro que a defesa poderá sempre alegar que o crime foi passional, argumentando que o acusado não resistiu a um impulso irracional de apropriação indevida da criação alheia e agiu por amor, não por inveja ou cobiça.

Se um texto é uma espécie de filho que colocamos no mundo, a moral nos ensina que o melhor é que não seja fruto de um incesto. O plágio é um incesto que realizamos com um irmão ou irmã de ofício, que nos seduziu através do seu texto. A atração por plagiar é como um desejo incestuoso do qual nos afastamos se resignando à imperfeição do nosso próprio texto.

Quer seja o plágio considerado como um vulgar crime motivado pela falta de ética, ou como um ato passional, e até mesmo um incesto, no mundo das letras não conseguimos evitar um sentimento misto de repulsa e compaixão pelo criminoso plagiário, considerado mais uma pobre vítima de uma tentação demoníaca.

Ao autor considerado pelos pares como sério, consistente e inovador pode ser relevada uma falta até grave em sua vida privada. Dificilmente, porém, lhe será concedido o perdão por um plágio comprovado e às vezes apenas presumido.

Podemos, então, concluir que uma interdição tão severa como a que paira sobre o ato de plagiar só pode mesmo ser explicada pela existência de um desejo de transgressão que tenha a mesma intensidade.

Fonte:
Revista Espaço Academico. ANO IX maio de 2010. Disponível em
http://espacoacademico.wordpress.com/2010/05/01/a-tentacao-do-plagio/

sábado, 1 de maio de 2010

Trova 141 - Durval Mendonça (RJ)

Alex André Sorel (Antologia Poética)


ENFIM UM POEMA DE AMOR

Gostaria de estender os meus sonhos sob seus pés,
E oferecer o céu embrulhado com cores de fim de tarde,
Gostaria eu, de te dar a verdade do universo
em doses pequenas de deslumbramento,
Gostaria de te dar tudo que tenho de humanidade, filosofia e amor,
Mas sou um pobre de espírito,
E só lhe posso dar meus sonhos, e estendê-los grato a seus pés.
Só peço que caminhe suave e leve, pois pisas sobre tudo que sou.

RASTROS COLORIDOS

A borboleta bateu violentamente no vidro do carro,
Deixou uma marca amarela e vermelha,
Não vi a borboleta,
Não sei se está morta,
Deixou para mim dois segundos de pena e um vidro pintado com sua marca,
Pobre borboleta!!! Bonita e passageira,
logo esquecida ,
deixou rastros coloridos.
A rua onde o menino foi morto segue seu ritmo normal como se nada houvesse acontecido.
A tarde lavei o vidro do carro.

COISAS QUE TEM NOMES

Luzia na cidade enquanto luzia o dia,
Luzia à cidade enquanto luzia dormia,
Luzia à noite,
A noite luzia para luzia,
Luzia mulher,
Luzia a cruz,
Luzia o verbo,
Luzia a luz,
Luzia também os sonhos de luzia,
Enquanto dormia,
Luzia luzia na noite fria.

ÓTICA SEMIÓTICA

Idéia estranha na mente,
Lóbulo esquerdo vagaroso,
Cérebro viscoso,
Cabeça grande e oca,
Cama barulhenta e suja,
Quarto quente,
Casa minúscula,
Rua esburacada,
Vila nova,
Cidade velha,
Estado bruto,
País da esperança,
Continente da pobreza,
Planeta azul cinzento,
Sistema solar moribundo,
Via láctea leitosa,
Universo crescente,
Deus no trono,
Além deus impensado,
Ventre do desconhecido,
Idéia estranha no ventre...
E tudo acaba onde começou...
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Sobre o Autor

Seu nome verdadeiro é Alex Mendes. Usa o sobrenome "SOREL " em homenagem ao livro "O vermelho e o negro" de Stendhal , cujo personagem principal tem esse sobrenome . Trabalha em Piracicaba como gerente de lojas mas sempre viveu em Votorantim e hoje mora em Sorocaba. Formou-se pela Escola Técnica Rubens de Faria e estudou Administração e Jornalismo na Uniso (embora não tenha concluído nenhum dos dois cursos). Gosta de ler e de escrever. Gosta muito de literatura e seus textos seguem um estilo livre. Já morou na Irlanda, o que lhe deu ampla bagagem de experiências nos mais diferentes setores. Solteiro, noivo, pretende se casar em breve com Carla.

Fonte:
Sorocult.

Durval Mendonça (Trovas que eu Dou à Vida !) Parte Final


Pensa na areia da praia
que o vento eleva e, em seguida,
deixa, de novo, que caia
no mesmo chão da subida.

Não tendo tua ternura,
mesmo assim, na solidão,
bendigo a luz que mistura
as nossas sombras no chão.

Desce a noite de mansinho,
vai a lua andando ao léu,
e eu, no céu do teu carinho,
nem sei se existe outro céu.

Rosa rubra, que extasia
pelo aroma e pela cor,
como pode, sendo fria,
transmitir tanto calor ?

Pede a esposa, de manhã,
quando sai o esposo cedo:
- Traze um novelo de lã
e eu vou contar-te um segredo.

Em desforra merecida,
porque me dá muitas sovas,
atiro pedras na vida
e minhas pedras são trovas.

No tempo do pelourinho,
da senzala e da tortura,
um artista, o Aleijadinho,
dava à pedra alma e ternura.

Um canário, engaiolado,
parece dizer, trinando:
- Abre isto aqui, desalmado,
eu não canto, estou chorando...

Quanta alegria me veio
em meu divagar tristonho,
ao vislumbrar o teu seio
por entre as rendas do sonho.

Entrei nas lojas da vida,
quis comprar felicidade;
fui lesado na medida,
no preço e na qualidade.

Descrente, em meu infortúnio,
quando a esperança ainda insiste,
eu faço do plenilúnio
a fantasia de um triste...

Gosto de ouvir as cigarras
pelas tardes estivais,
como se fossem guitarras
acompanhando meus ais.

Quanto parvo não se cansa
de inventar as próprias glórias
e procura um Sancho Pança
para aplaudir-lhe as vitórias.

Por temor à solidão,
em sua humildade impura,
a poça dágua no chão
guarda estrelas com ternura.

Se o mar, em fúria bravia,
se arremessa contra a praia,
o vento corre e assovia,
cobrindo o bruto de vaia.

Se acaso o amor se embaraça
na armadilha do ciúme,
vê presença de fumaça
em fogo de vagalume.

Quem seus segredos revela,
sem pensar, a qualquer um,
é porteira sem tramela,
não tem segredo nenhum

Lembra o céu, que a noite enleia
com silêncios inquietantes,
praia estranha, escura e cheia
de conchinhas cintilantes.

Mercadora de ternuras,
vendes, dourando o sorriso,
em teu balcão de amarguras,
fatias dá paraíso.

Apitos... último trem
cortando a minha cidade.
E esta lágrima que vem,
antecipando a saudade,.

Ternura! Quanta em meu peito,
sinto agora deslumbrado,
quando meu f ilho, homem f eito,
beija meu rosto cansado.

A justiça com brandura
nosso bom senso bendiz;
também pode haver ternura
na mão firme de um juiz .

Uma lágrima em teu rosto
traz- me, de pronto, o desejo
de amenizar teu desgosto,
enxugando-a no meu beijo.

Chego ao fim, devagarinho,
-e, uma a uma, as pedras somo;
foram muitas no caminho...
e as transpus sem saber como.

Papai Noel - o segredo
mais risonho da Esperança;
o mais bonito brinquedo
no sonho azul da criança.

Minha vida, trajetória
de uma lágrima perdida,
foi apenas uma estória
tentando imitar a vida.

Eu vi a Felicidade,
toquei-a até com meus dedos...
Vi, sim, mamãe, é verdade,
numa loja de brinquedos!...

Surge o sol, compondo o jogo
das manhãs iluminadas...
Imenso rubi de fogo
no engaste das alvoradas,

Estas lágrimas que choro,
e você faz que não vê.
são tudo o que mais deploro,
porque as choro por você.

Tenho lágrimas rolando
em dolorosas reprises...
Reticências terminando
alguns momentos felizes..

Emocionado e feliz,
ao vê-Ia altiva e formosa,
tenho pena da raiz
que não pode ver a rosa.

0 mundo lança-te apodos
e te aponta com desdém,
porque teu beijo é de todos
e tu não és de ninguém.

Receio a felicidade,
não quero ter as estrelas,
sofreria de ansiedade
pelo temor de perde-las.

Quantas lágrimas vertidas,
por motivos sem motivos,
transformaram tantas vidas
em vidas de mortos-vivos.

Eu penso, quando tu passas,
alegre, de manhãzinha,
Nossa Senhora das Graças
deve ser sua madrinha.

Teus olhos cheios de enganos,
de promessas, de meiguice,
são mensageiros profanos
na paz de minha velhice.

Eu fiquei penalizado,
ao ver-te passar, depois,
sem viço, de olhar cansado,
com saudade de nós dois.

Eis o fim, penoso... amargo...
que eu tanto e tanto temia.
Indiferença... letargo...
nosso amor em agonia.

Andando por entre escombros
dos meus sonhos - os mais belos -
vou levando sobre os ombros
as pedras dos meus castelos.

Vendo a praia enluarada,
eu paro e penso contrito:
Uma concha nacarada
guardando a luz do Infinito!

Vou por aí à procura
- quem sabe alguém a perdeu?
de um pouquinho de ternura
que a vida nunca me deu...

Minhas penas são apenas
simples calvários sem cruz;
penas leves como penas,
se as comparo às de Jesus.

... e sigo a vida cantando
cantigas da minha vida,
cantigas que vou cantando
para encanto desta vida...
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Fontes:
– UBT Juiz de Fora
– Imagem = http://mensagensemppszelia.blogspot.com/

Carlos Leite Ribeiro (O Avô Guido - Parte I) Novela em 4 partes



Apreciação de Tito Olívio

Carlos Leite Ribeiro é um escritor multifacetado, que se dedica à criação literária em diversos géneros, movendo-se com facilidade entre a investigação histórica e a comédia.

A obra presente, “O Avô”, é uma gostosa comédia de teor revisteiro, que vive de gagues e trocadilhos, que se vão sucedendo de uma forma tão natural, que mais parece o desenvolvimento de uma narração de factos reais. O humor é uma arte difícil, sobretudo se não utiliza no jogo peças de sucesso garantido, mas susceptíveis de ofender alguém, como a política, as instituições sociais e administrativas, a moral vigente e a religião maioritária.

O autor escolheu para este trabalho a modalidade de teatro, que já demonstrou dominar com naturalidade, e os quadros apresentados atingem o humor característico da revista à portuguesa, sobre que assentarem peças teatrais, detentoras de sucesso nos palcos de outras décadas passadas. “O Avô” é uma peça com diversas personagens, criteriosamente definidas e intervenientes entre si na comédia.
(Tito Olívio, poeta e escritor )

Francisco Margarido Ribeiro, que todos tratavam por “Guido”, depois de ter terminado a instrução primária, abandonou a sua aldeia perto da cidade de Bragança, e foi para casa de um tio que tinha uma padaria em Lisboa. Foi aí que aprendeu a arte de fazer pão.

Alguns anos depois, por sugestão de outro tio, também industrial de panificadora e que estava imigrado já há anos no Brasil, Guido partiu para terras do outro lado do Atlântico.

E um dia, embarcou no navio Lima que, depois de passar pelo Funchal e por São Vicente (Cabo Verde), chegou por fim a Salvador, onde um primo o esperava. No dia seguinte, os primos embarcaram em outro navio que os transportou até à cidade do Recife.

Nos primeiros tempos na capital do Estado de Pernambuco, trabalhou como moço de fabricação de pão; mais tarde o tio nomeou-o como distribuidor e vendedor de pão em bairros do Recife.

Numa casa de pessoas abastadas desta cidade, conheceu um dia uma jovem senhora, viúva de nome Maria Mello, com um filho de tenra idade, proprietária de uma indústria de rapadura na cidade de Triunfo.

Engraçaram um com o outro e um dia, Guido aceitou o convite de Maria Mello e ambos foram morar para Triunfo. As coisas corriam bem entre eles e o negócio de fabrico de rapadura prosperava. O problema foi a família da Maria, que nunca lhe perdoou ela ter-se juntado com um português e para mais padeiro.

Como a situação não era nada agradável, ambos foram viver para a cidade de Garanhuns, conhecida também como a “cidade das flores” onde se estabeleceram com o negócio da rapadura e da panificação.

Pouco tempo depois de se estabelecerem nesta cidade, casaram-se na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, também conhecida por Igreja de Cuscuz. Foi uma festa familiar, pois só os familiares do noivo estiveram presentes.

Foi nesta festa que entre primos e tios, combinaram em estenderem os seus negócios pelas cidades do Recife, Triunfo e Garanhuns. Começaram por adquirirem postos de abastecimento de combustível e, mais tarde, supermercados nestas três cidades.

Por essa altura, nasceu um filho de ambos.

Com a idade a avançar e os filhos criado, o casal Maria e Guido visitaram várias vezes Portugal passando férias perto de Bragança, distrito de Trás-os-Montes, onde compraram um velho e grande casarão que aos poucos o foram recuperando. Com a morte de Maria Mello e depois de seus filhos, Guido regressou a Portugal em companhia de seus dois netos, um filho de seu filho natural e outro de seu enteado.
Fonte: Rogério Haruo Sakai
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NOVELA: O AVÔ GUIDO

Aventuras! Bem-vindas sejam, sempre que trouxerem à vida algum encanto, alguma novidade, qualquer coisa que saia da vulgaridade quotidiana!

Correspondendo ao seu desejo, surgiu naquele instante, com a chegada do imprevisto, a trocista resposta do Destino...

Margarida, ouviu confusamente, o ruído de uma chave na fechadura. E, no espelho em que se mirava, viu, cheia de surpresa, abrir-se a porta de entrada e dar passagem a três desconhecidos: um velho, um rapaz e uma criança.

Com a boca aberta e um bocado de creme na ponta do nariz, Margarida, voltou-se muda de surpresa.

As três figuras avançavam para ela, e a criança, um rapazito, apartou-se dos outros, correndo a pendurar-se ao pescoço.

- Sandro: – Mamã querida … mamãzinha!

O espanto impediu-a de lutar contra os seus intempestivos beijos. Quis falar, mas a sua garganta não emitiu qualquer som. Atrás da criança, avançava o velho, murmurando ternamente:

- Avô Guido: - A minha neta, a minha netinha!

E, por último, a terceira personagem adiantou-se, e, atraindo-a para si, apresentou-a:

- Fernando: - Avôzinho, aqui tem a minha mulherzinha!

Margarida, fechou os olhos. Estava certa de que sonhava. Dentro de um segundo, acordaria, encontrar-se-ia na cama, ou, talvez no autocarro. Apertou os dentes, procurando despertar. Abriu outra vez os olhos. Continuava em casa da sua amiga Isabel. Não sonhava. Na sua frente, estavam ainda o velho, o homem e a criança, que lhe sorriam ternamente.

Avô Guido: - Filhinha, não dá um beijo ao avô?... Desejava tanto conhecer-te. O Fernando falou-me muito de ti. Aproxima-te minha querida. Os meus pobres olhos quase já não vêem, mas, adivinho que és muito linda...

Era o velho mais enrugado que a jovem vira na sua vida. Não tinha um único dente, e, muito pouco cabelo. Parecia que o menor sopro de vento, poderia deitá-lo por terra. Sentia-se petrificada, e mal deu pelo beijo que o velho lhe depôs na sua fronte.

Fernando: - Passaram-te as dores de cabeça, querida?... O avô lamentou que a tua indisposição te impedisse de nos acompanhar…

O pesadelo continua. Estariam loucos os três?...deviam de estar, com certeza! A começar pela feíssima criança que lhe chamava mamã, e a acabar no jovem que lhe chamava sua "mulherzinha". O jovem contaria uns trinta anos e era muito alto e também distinto. O cabelo castanho e muito claro, contrastava com a sua pele morena. Os olhos escuros e expressivos, pousavam nela com angustiosa insistência. Assustada, passou a mão pela fronte, retirando-a cheia de creme. A convicção de que devia ter uma aparência pouco atraente, aumentou o seu mal-estar. Com um gesto brusco, afastou o braço do jovem e retrocedeu uns passos.

- Margarida: - Faça o favor de não me tocar, ou, pedirei socorro!

- Fernando: - Que dizes, querida?

- Margarida: - Olhe que não sou sua mulher, e, nem sequer o conheço!

Seguiu-se um minuto de silêncio, interrompido por uma risada do garoto, e pela voz aflautada do velhote, que se deixara cair numa cadeira...

- Avô Guido: - Que diz a pequena, Fernando?... Dói-lhe ainda a cabeça?

- Fernando: - Já está melhorzinha. Sente-se encantada por te ver, Avôzinho. Olha lá, estás confortavelmente instalado nessa cadeira?

- Avô Guido - Eu, estou muito bem assim, filho.

O denominado Fernando, voltou-se depois para o pequeno, que mexia no televisor, produzindo toda a sorte de ruídos incómodos.

- Fernando: - Está quieto, Sandrito!

- Sandro: - Está bem,"papá"…

Em seguida, encarou Margarida, dizendo-lhe em voz baixa:

- Fernando: - Queira explicar-me a sua absurda atitude, menina. Isto não é o que ficou combinado...

- Margarida: - O que ficou combinado?... Mas eu não sei o que ficou combinado...

- Fernando: - Não vai agora faltar à sua palavra?... Comporte-se…

- Margarida: - Mas...
Alguém toca a campainha da porta de entrada…

- Fernando: - Vou abrir. Deve de ser o Augusto, o criado do avô, vou abrir a porta. entra, Augusto. Encontraste tudo o que precisávamos?... Leva estão tudo para a cozinha.
- Avô Guido: - Estou muito cansado, filhos, muito cansados mesmo. Não devia ter vindo, pois, já não estou para estas andanças. As viagens são para gente mais nova. Mas o Augusto tanto insistiu em que eu consultasse esse especialista em Leiria, e tudo para quê?... Para, no fim de contas, me dizer que não tenho remédio senão esperar a morte. Que eu morro de velhice...
- Fernando: - Não sejas pessimista, avô!...
- Avô Guido: - Mas não me importa esta situação, podes acreditar. Sabendo que és feliz, que tens finalmente juízo e que possuis um lar ditoso. Foi isso que me decidiu na verdade a deixar o meu casarão em Trás-os-Montes, e, vir até Leiria. Queria vê-los, e conhecer a Márcia e o meu bisneto... Augusto...mas onde é que está o Augusto?... São horas de tomar o remédio. Estou a ficar muito fraco…
- Fernando: - O Augusto está a preparar o teu café com leite. Depois do jantar, acompanhar-te-ei ao hotel, em São Pedro de Moel. É pena que não possas ficar aqui, mas, a casa é muito pequena…
- Avô Guido: - Não, não. Não quero incomodá-los, demais, agora que estão instalados de novo. Amanhã, voltarei para a minha casa, e, já não sairei mais de lá. Vocês irão ver-me, não é verdade, Márcia, minha filha?
- Fernando: - Márcia, não ouve o avô?...
- Margarida: - Não me chamo Márcia. Esta brincadeira começa a ser muito desagradável, muito desagradável mesmo...
- Fernando: - Claro que sim, claro que iremos, avô. Iremos e até muitas vezes. Mas, agora avô, vais dispensar-nos por cinco minutos, sim?...O Sandrito far-te-á companhia... Mas onde está ele?...há, estás aqui! … Faz companhia ao Avôzinho, mas com muito juízo!
- Sandro: - Sim,"papá"...
- Fernando: - Márcia, chega aqui à cozinha, por favor...quero-lhe dizer que o seu comportamento é revoltante. Até parece que enlouqueceu, ou se esqueceu...
- Margarida: - Os senhores são completamente loucos!... Queira me explicar o que se está a passar, pois, julgo-me vítima de um pesadelo, em que o senhor é a principal personagem!
- Fernando: - Como?... Porventura a senhora não é amiga da dona desta casa?
- Margarida: - Claro que sou. Mas não acho que isso tenha que ver com...
- Fernando: - A Georgina disse-me que chegara a acordo consigo.
- Margarida: - Georgina?! Quem é essa, Georgina?
- Fernando: - É a dona da casa...
- Margarida: - A dona desta casa chama-se Isabel, e foi ela que me emprestou a casa, por esta noite.
- Fernando: - Mas a dona da casa, chama-se Georgina...
- Margarida: - Georgina?... Agora, compreendo. A Georgina, é a amiga da Isabel.
- Fernando: - E a Isabel, quem é?...
- Margarida: - É a amiga da Georgina!
- Fernando: - Calma, calma. Esclareçamos isto. A menina diz que a Isabel é ...
- Margarida: - A Isabel e a Georgina, compartilham desta casa, de que nós estamos a dispor com um certo à vontade, pelo que vejo. Eu sou amiga da Isabel...
- Fernando: - E eu, amigo da Georgina.
- Margarida: - Muito me alegro, mas isso não explica que o senhor me chame sua "mulherzinha", e me considere mãe desse horroroso rapaz que...perdão!...esquecia-me de que é seu filho…
- Fernando: - Não pude encontrar outro melhor. Tem-me feito passar umas horas insuportáveis. Cheguei ao ponto de compreender a resolução de Herodes…
- Margarida: - Ah, o Sandrito não é seu filho?
- Fernando: - Não, não. Graças a Deus que não é!
- Margarida: - Então, não estou a compreender?...
- Margarida: - Contratei-o, tal como contratei a si...
- Margarida: - Perdão, queira repetir o que disse?....
- Fernando: - Disse o quê?...
- Margarida: - Isso do meu contrato. Quero fazê-lo calar, dando-lhe um grande bofetão e exigindo-lhe pedido de desculpas.
- Fernando: - Como?!...
- Margarida: - O senhor é um malcriado, um insolente, que está a ofender-me. Eu não fui contratada para...
- Fernando: -...para representar o papel de digníssima esposa e mãe, o qual, de resto, lhe foi paga com generosidade!
- Margarida: - Decididamente, o senhor está louco! o senhor, pagou a mim, quando e como?
- Fernando: - Acaso, a Georgina se esqueceu de dar-lhe os quinhentos euros?
- Margarida: - Não conheço a Georgina, nem nunca a vi, na minha vida!
-Fernando: - Então, a menina, não é a artista, companheira de Georgina que, devia tirar-me destas dificuldades?
- Margarida: - Não sou atriz, e, nunca soube representar sequer comédias de amadores.
- Fernando: - Mas que demônio é você? Que Diabo?... Explique-se de uma vez!
- Margarida: - Nada lhe explicarei, se me falar nesse tom. Vou sair imediatamente desta casa, para que o senhor represente a sua farsa. Ou lá o que é.
- Fernando: - Perdoe-me. Perdoe as minhas palavras, mas estou desesperado. Compreendo que deve ter-se dado um equívoco. Georgina prometeu-me que, quando eu chegasse aqui, esta noite, me esperaria uma sua amiga, que representaria o papel de minha esposa. A própria Georgina o teria interpretado, se não fosse a sua partida para essa maldita tournée. Entretanto, entregou-me a chave da casa e...compreende a minha surpresa ante a sua atitude.
- Margarida: - Mas que caso tão intrincado…
- Fernando: - Volto a pedir-lhe que me desculpe, menina, e agora, será tão amável que me queira explicar…
- Margarida: - Vou explicar-lhe com todo o prazer. Sou uma amiga da Isabel cheguei há poucas horas a Leiria. Embora natural desta cidade, vivo desde muito nova em Lisboa. Mas, voltando à questão, a Isabel permitiu-me que passasse a noite em sua casa. Nada mais lhe poderei dizer.
- Fernando: - Terrível! Terrível! E a outra, a amiga da Georgina?
- Margarida: - Quando cheguei, só cá estava a Isabel, preparando-se para seguir para a tournée.
- Fernando: - Será possível que a Georgina se tenha esquecido? é uma cabecinha de vento…
- Margarida: - Ignoro tudo quanto se refere a Georgina, a si, ao seu avô, e ao seu filho, senhor...senhor... Caro senhor, agora faca o favor de sair do quarto, para que eu mude de roupa e me vá embora.
- Fernando: - Você vai-se embora?! E que direi eu ao avô?!
- Margarida: - Como deve de calcular, não me interessam os seus problemas familiares. Tenha a bondade de sair.
- Fernando: - Você diverte-se ao ver um homem desesperado. Que coração o seu!
- Margarida: - Não lhe permito que duvide da bondade do meu coração. Se você pudesse ver a figura que faz, dando voltas e mais voltas, como esses cães que tentam morder a própria cauda!
- Fernando: - É muito impiedosa!
- Margarida: - Perdoe-me, mas quando me assalta a vontade de rir, é superior às minhas forcas. Na escola, isso granjeou-me muitos castigos. Mas adiante, Suponho que não lhe interessarão as minhas anedotas escolares. Leio nos seus olhos, que o senhor não deve de gostar muito de humor.
- Fernando: - Em troca, você deve tê-lo em demasia.
- Margarida: - O humorismo é uma arma defensiva, com que se escudam os que têm excesso de sensibilidade...Bravo!!! Que bonita me saiu esta tirada! Sinto não poder incluí-lo em algum artigo ou crônica…
- Fernando: - Ah, você é escritora?
- Margarida: Não o diga por troça. Pode ser escritora e não ter bigode, nem usar óculos e gravata. Sou jornalista. Ou, antes, fui. Agora sou secretária particular.
- Fernando: - Muito particular?
- Manuela: - Porquê?...
- Fernando: - É que não tem aspecto de secretária.
- Margarida: O que lhe pareço, então?
- Fernando: - Olhe, se quer que lhe diga a verdade, uma menina...e malcriada.
- Margarida: - É muito amável. Começo a achá-lo simpatiquíssimo…
- Fernando: - Está a rir-se de mim, sem ter em conta a minha situação. Ria-se, ria-se à vontade. Tudo isto acontece por eu ser um sentimental!
- Margarida: - Sentimental?! Que enorme surpresa!
- Fernando: - Naturalmente. No fim de contas, que lhe importa que o velho sofra um desgosto ou que morra?
- Margarida: - O velho? Refere-se ao seu avô?
- Fernando: - Não é meu avô.
- Margarida: - Engraçadíssimo!!! O senhor tem um filho que não é seu filho; uma esposa que não é sua esposa; um avô que não é seu avô...E o criado? Por acaso o criado é autêntico, ou será... algum príncipe encantado?!
- Fernando: - Meu avô, não é meu avô, embora quase o seja...
- Margarida: - Que originalidade! Ter um "quase avô"!
- Fernando: - É avô do meu meio-irmão... do Fernando...
- Margarida: - Fernando?!... Também possui um nome...que não é seu nome?...
- Fernando: - O meu nome é Josué. Fernando era meu irmão...
- Margarida: - Era?!...
- Fernando: - Pois era. Morreu há poucos meses, num brutal desastre.
- Margarida: - Cada vez o entendo menos…
- Fernando: -E, contudo, é muito fácil entender. O velho julga que eu sou o Fernando. E eu deixo-o nessa ilusão. Está meio cego, meio surdo, e com a vida segura por um fio. Tem quase noventa e cinco anos. A sua cabeça já não está tão lúcida como dantes. Nem o Augusto, nem eu, nos atrevemos a participar-lhe a morte do neto. Queria-lhe com loucura. Há pouco tempo, esteve à morte, com um ataque cardíaco. Fui a Trás-os-Montes visitá-lo. Ao abrir os olhos, tomou-me pelo Fernando, julgando que ele regressara da América.
- Margarida: - O seu irmão vivia na América?
-Fernando: - Pois...pois...na realidade, não vivia. Sinto que faça má ideia de meu irmão. Era um pouco desorientado, mas... e não, não vivia na América. Mas o avô julgava-o lá. Fui tudo por causa de um caso bastante infeliz, que o avô teve de resolver à força de dinheiro. Disse que ia para a América, a fim de regenerar-se…
- Margarida: - Mas, não foi?...
-Fernando: - Não. Dedicou-se a passear pela Europa, gastando assim a quantia que lhe deu para empreender vida nova. Todavia, por intermédio de um amigo, escrevia "da América"para o avô. Custa-me um pouco contar-lhe isto...
- Margarida: - Você, gostava do seu meio-irmão?
- Fernando: - Eu gostava do meu irmão, embora, só nos víssemos de longe em longe.
- Margarida: - Então, o Fernando nunca mais pediu dinheiro ao avô?
- Fernando: - Ah, pediu, pediu. Para obter mais dinheiro do velhote. Ocorreu-lhe dizer que se casara. Era um bom estratagema. Imagine: as despesas com as casas, os filhos, as doenças destes, etc. Era um verdadeiro achado. Assim, decorreram sete anos, e assim passaria toda a vida, se, entretanto, não tivesse morrido...
- Margarida: - Naturalmente, que isso do casamento, não era verdade?
- Fernando: - Não era não, por felicidade!
- Margarida: - Começo a compreender a situação.
- Fernando: - E assim, como o avô não via nenhum de nós há muitos anos, confundiu-nos. Fisicamente, parecíamos extraordinariamente, apesar de sermos apenas irmãos, por parte da mãe.
- Margarida: - E por isso, o senhor se converteu em Fernando?...
-Fernando: - Só para o avô, está claro. Era muito fácil. Bastava escrever-lhe e visitá-lo a miúdo. Mas surgiu uma complicação, quando melhorou dos seus achaques e recobrou parte da sua lucidez…
- Margarida: - Lembrou-se então da família, não é assim?
- Fernando: - Sim, e dos numerosos filhos do Fernando…
-Margarida: - Então, quantos eram eles?
- Fernando: - Muitos! Por felicidade, o meu irmão tinha-os "matado" um a um, afim de obter o costumado auxílio para os "funerais". Só lhe restava o mais velhito…
-Margarida: - Adivinho o resto da história: o senhor teve de contratar uma família!

(continua…)

Fonte:
Colaboração do autor

Oswaldo França Junior (Folhas Avulsas)


A VIDA DE UM HOMEM

Tudo foi a certeza que ele teve. Primeiro que algo iria acontecer. Depois que iria demorar. Não muito, mas que demoraria. E, por fim, que quando acontecesse, seria uma coisa fantástica. Tão grande e solene como o carro preto que chega à noite e todos se reúnem sérios, graves e curiosos.

Ele entrou para dentro de casa e não saiu nem viveu, esperando o que iria acontecer.

Seu amigo disse, na hora em que ele morria:

— Agora já é tarde para que as coisas lhe aconteçam.

O TELEFONEMA

Um homem saiu de casa para ir ao trabalho mas não seguiu o caminho do escritório e sim do aeroporto. Comprou uma passagem com um nome que não era o seu, e foi para São Paulo, que é a maior cidade do Brasil. Lá escolheu um hotel em que havia telefone nos quartos. No registro de hóspedes todos os dados que fornecera eram falsos. Ele nunca havia ido a São Paulo e não conhecia ninguém de lá.

No quarto o homem trancou a porta, tirou os sapatos, as meias, a roupa do
corpo e sentou-se na cama. Puxou a mesa do telefone para perto e ficou esperando o telefone tocar.

O telefone não tocou uma vez e o homem morreu de fome e sede sentado na cama esperando que alguém lhe telefonasse.

RECADO A UMA MULHER AMADA

Mulher, eu fumava e hoje não fumo mais. Eu fumava muito. Tanto que nunca vi ninguém fumar. Eu gostava de fumar. Sentia com intensidade o prazer de fumar. Fumava dormindo. Sentava na cama e acendia o cigarro. E não tinha conhecimento que estava fumando.

Fumava enquanto comia. Você já viu alguém fumando durante o almoço ou o jantar? Pois eu fumava. Comia e fumava. Na minha mesa havia sempre os pratos e um cinzeiro. Todo mundo tem uma mania. Eu tinha a mania do cigarro. Em minha casa ainda existe a cadeira de fumar. É uma cadeira onde eu ficava por longo tempo esquecido de tudo e fumando. Ficava recostado, quieto, olhando a fumaça e não pensando em nada além do prazer que estava sentindo. Às vezes, eu atrasava a hora de comprar um novo maço só para sentir ainda mais a agradável sensação do retorno do cigarro.

Eu fumava muito, mulher. Fumava como nunca vi ninguém fumar. Mas um dia deixei. Deixei de uma vez. Não foi à noite, nem pela manhã. Foi assim, no meio do dia, durante o trabalho. Deixei de uma vez. Estava com um maço no bolso, na hora em que
disse “vou deixar de fumar”.

Deixei de fumar e aí? Aí, mulher, perdi por algum tempo a vontade de viver. Para que viver se não podia fumar? Para que acordar de manhã se não podia ter um cigarro na mão? Não almoçava, não jantava. Para quê? Antes eu fumava enquanto comia. Como conseguir então comer se não tinha junto o cigarro? E durante um certo período não fiz mais nada, nada. Apenas pensei na falta do cigarro. Como conviver com os outros se eles estavam fumando e eu não podia? Como assistir a um jogo e ver todas aquelas pessoas com cigarro e eu sem ter o meu? Eu não ia a lugar nenhum.

E emagreci dez quilos. Sabe o que é perder dez quilos por falta de cigarro? Pois eu perdi. Mas isto já passou. Hoje sinto apenas a lembrança um pouco doída do prazer que o cigarro me dava. E agora, preste atenção: hoje completa vinte e três dias que nós não nos vemos. E eu gosto tanto de você. Eu lhe quero tanto. Sua falta me dá um vazio tão grande que se eu pudesse escolher entre passar por tudo o que passei quando deixei de fumar, e ficar sem a sua presença, eu deixaria uma outra vez de fumar. Deixaria novamente uma, duas, dez vezes, mas não ficaria sem você. Não ficaria nunca um minuto. Não ficaria de modo nenhum.

Fonte:
Suplemento Literário. Secretaria de Cultura de Minas Gerais. Belo Horizonte, outubro de 2009. edição 1.325.

A Produção Literária de Oswaldo França Junior


(artigo de Haydée Ribeiro Coelho para o Suplemento Literário de Minas Gerais)

São inúmeras as possibilidades de abordagem sugeridas pelos livros do escritor mineiro. Uma delas diz respeito à viagem. Sob essa perspectiva, podem ser consideradas: a viagem literária, a viagem pela memória, a viagem como deslocamento no tempo e no espaço, a viagem como busca da identidade, a viagem autobiográfica e aquela realizada além das fronteiras nacionais. Todas essas variações são abrigadas pela viagem literária, que engloba as demais. Em Aqui e em outros lugares (1980), o narrador não conta uma única história. Como se fosse uma câmera, flagra um detalhe e é esse ponto que lhe permite dar início a uma outra história e à sucessão de muitas outras. O livro começa com uma situação que põe em evidência “uma casa que estava sendo construída no final de uma rua”. O verbo “olhar” permite avistar, de um lado, “um vale, um rio e as montanhas no horizonte”, de outro, o “centro da cidade”, onde uma casa estava sendo construída no final de uma rua.

O vigia dessa construção participa de uma história que desencadeia muitas outras. Nesse sentido, o universo literário de França Júnior, particularizado por uma sucessividade de narrativas e de cenas, permite, no decorrer do romance, destacar imagens relacionadas à violência, praticada em uma delegacia, aos bêbados na calçada; à disputa de mendigos pelos melhores pontos de esmola e à ternura do delegado com a filha, em contraste com sua brutalidade na delegacia. Todos esses aspectos constituem flagrantes das entranhas da cidade e da vida moderna. Essa relação com o espaço urbano evoca, na tradição literária, o poeta Charles Baudelaire que, em “Quadros parisienses”, no poema “O sol” mostra como o poeta, em analogia com o sol, penetra “Quer os palácios, quer os tristes hospitais”. O olhar aguça um outro sentido: o da escuta. O som de uma seresta, no meio da noite, constrói a última história do livro:

a da solidão de um rapaz que vai estudar na cidade e deixa a fazenda, onde morava com a famíla. O visual e o auditivo instituem outras viagens literárias, relacionadas à memória e à busca da identidade. Em As lembranças de Eliana (1978), as recordações da protagonista, mediadas pelo narrador, nos transportam para um universo que já não mais existe, como no poema “Profundamente”, de Manuel Bandeira. No poema, o ato de dormir “profundamente” está relacionado à morte, à mistura de tempos tão distantes, mas também às vozes, aos sons do passado, captados pela escrita, uma das formas de dar corpo à alegria “errante” dos balões que entrecortavam o despertar do “eu” no meio da noite.

No início do romance, a imagem do “homem avançando na chuva ao cair da tarde” estabelece um elo entre Eliana e a voz do pai. Na medida em que o homem “avança cada vez mais longe”, Eliana se aproxima do seu passado familiar. A protagonista testemunha a modernização que atinge os lugares mais distantes e se pergunta sobre as razões dessas mudanças. Apesar de as lembranças pertencerem a Eliana, não é ela quem narra o texto. Ao lado de um processo de modernização implacável, evidenciado na imagem da construção de pontes, encontram-se outros quadros contrastantes, como aquele de uma menina que, diante de vendedoras de flores, examina-as, tocando-as com as mãos. As lembranças, que fazem emergir um passado que já não existe, evocam outros romances do autor como No fundo das águas (1987) que abarca uma infinidade de histórias de pessoas que viveram em lugares que foram submersos por uma represa. A palavra do narrador ressurge dessa impossibilidade de retorno à vida a não ser pela rememoração. Retomando o gesto do olhar para a cidade, com o qual abri esse texto, minha vista pode alcançar outros romances, como Um dia no Rio (1969). O protagonista, de nome Márcio, vindo de Minas, busca resolver, no Rio de Janeiro, seus problemas comerciais.

Na medida em que isso ocorre, a personagem precisa se deslocar de um ponto a outro no centro da cidade, transformado em um campo de luta entre os estudantes que protestam contra a ditadura e os militares. A narração dos acontecimentos, em torno desse conflito, é intensificada no romance. Se, por um lado, a agitação dos estudantes é apenas uma referência,
no início do livro, passa a ganhar força no decorrer da narrativa, o que permite acentuar a alienação de Márcio, que é jogado dentro dos fatos, enovelado por eles. O romancista, valendo-se do seu narrador e do personagem, permite um confronto entre diferentes espaços, ressignificados pelo social.

O tema do insulamento do sujeito reaparece nesse texto de várias maneiras. Uma delas é a impossibilidade de convivência entre os irmãos Márcio e Lúcio, questão que também está desenvolvida em Os dois irmãos (1976). Nesse romance, a busca do irmão distante, após a morte do pai, em muitos momentos da narrativa, se faz pelo olhar que aproxima os personagens espacialmente e os distancia no plano das ideias e das visões de mundo.

Com base em À procura dos motivos (1982), pode-se pensar na viagem como busca de si e do outro. A narrativa começa com uma viagem a uma fazenda, cujo ex-proprietário é um pai que, no passado, tinha se aposentado aos 56 anos e abandonado sua primeira família, construindo outros vínculos familiares. Nesse percurso, Carmem, uma das filhas, busca os motivos das ações desse pai ausente e morto. Enquanto procura explicações nos lugares por onde o pai passou, e ouve histórias que lhe revelam o pai ausente, Fátima, sua irmã, fotografa paisagens, tipos, a família, durante o caminho até à fazenda. Entre fotos, histórias desconhecidas e rememoradas, o pai ausente se mostra de diferentes maneiras para as personagens e para o leitor.

Na volta da viagem, Fátima não mais fotografa. A câmera flagrou os instantes da busca, eternizou esses momentos. Finda a travessia, o instante fotografado diz por por si mesmo. O pai continua ausente, está morto, mas é essa presença/ausência o motivo da viagem, que se eterniza no ato da busca, e não do encontro materializado, impossível.

Essa procura que motiva o texto, o ato de inventar, de gerar uma história, desencadeia uma breve reflexão sobre A volta para Marilda (1974), narrativa gestada pelo diálogo/monólogo de um sujeito que ascende economicamente (de empregado a pequeno comerciante). Esse texto, que vai sendo enredado tem, como motivo principal, a reconciliação com Marilda, que não se realiza até o final do romance.

O viúvo (1965) e O homem de macacão (1972) ocorrem no espaço urbano. O primeiro texto mostra os últimos instantes de vida da esposa de Pedro: “Estavam todos ali; esperando pela morte de Darcy. Eu me achava olhando sobre seu colo e vi precisamente o momento em que parou de respirar”. A partir dessa morte, o viúvo continua seu cotidiano, marcado por novos enfrentamentos diante da violência da cidade sobre o corpo de seus filhos, acidentados no trânsito. Nesse contexto, agride e é agredido, literalmente, não só por imagens e cenas consecutivas, narradas, como por verbos indicadores de ação: “puxar”, “pegar”, “enfiar” e “bater”.

Em O Homem de macacão, o escritor focaliza o mundo do trabalho de um empregado de oficina que ascende à condição de dono. No romance de França Júnior, o empregado/patrão se depara com adversidades, incluindo as difíceis condições de seus empregados, habitantes de subúrbios, analfabetos e bêbados. Em Jorge, um brasileiro (1967), há o deslocamento do protagonista para o interior do Brasil. Na medida em que conta sua história e traz o carregamento para Belo Horizonte, fica dividido entre a imagem grotesca e quase caricatural da amante do patrão (“E fui fumando o cigarro da outra testemunha, e pensando no senhor Mário que àquela hora devia estar com a loura que se pintava com os riscos grossos nos olhos, e dormia de boca aberta”) e aquela de compromisso:

“Dei minha palavra. Dei minha palavra que esse milho chegaria antes da inauguração”.

Embora Oswaldo França Júnior afirme, em entrevista, que O passo-bandeira: uma história de aviadores (1984) não é um romance autobiográfico, é evidente que o protagonista mantém estreita ligação com a trajetória do seu criador, pois há pontos comuns entre a história do protagonista e aquela de França Júnior, ambas ocorridas nos anos 60. Nesse livro, acontece o encontro do leitor com o norte do Brasil, pelo caminho das histórias de Paulo César, no roteiro do “Correio Aéreo Nacional”, que fazia o itinerário de Brasília até Porto Velho e Rio Branco”. Recordações de amar em Cuba (1986) decorre da viagem de Oswaldo França Júnior a Cuba, como membro do júri da “Casa de las Américas”, tranfigurando–a em experiência literária. Em uma das entrevistas que concede em solo cubano (“França el narrador que vino del cielo”), perguntado a respeito de sua aproximação com outros narradores, responde que se sente mais perto de Juan Rulfo, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez e Alejo Carpentier e de autores
brasileiros como Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e Jorge Amado. Embora Adélia Bezerra de Menezes ( “Oswaldo França Júnior e a modernidade”) não tome, como centro do seu estudo, a viagem, partindo do olhar, como foi realizado nesse percurso, há elementos de conexão entre o trabalho da referida autora e o estudo aqui apresentado. Reporto-me, sobretudo, às questões sobre a modernidade em França Júnior. Por esse motivo, chamo a atenção para o trabalho da ensaísta que desenvolve seu artigo com base nas seguintes questões:
a representação do quotidiano, a perda do caráter épico, a recusa à transcendência e o fragmentário.

Para o desenvolvimento desses aspectos, vale-se de A volta para Marilda, Lembranças de Eliana, À procura de motivos e Aqui e em outros lugares. A modernidade, explicitada com base nos romances mencionados, decorreria, sucintamente, dessa inserção dos personagens no quotidiano, no fato de o “o narrador (seja personagem, narrador, seja foco narrativo em 3ª. pessoa)” não deter “a verdade das personagens” e no aspecto fragmentário. O romance Aqui e em outros lugares, onde ocorre “uma verdadeira pulverização da narrativa”, exemplificaria essa última perspectiva. Mesmo fragmentando a narrativa, como em Aqui e outros lugares, há um sentido ético e humano que o escritor deseja conservar. Refiro-me ao combate “à ideia de alheamento em relação ao outro” e à ideia de irresponsabilidade em relação a si”, segundo Jurandir Costa em “A ética democrática e seus inimigos”.

Em De ouro e da Amazônia (1989), último romance do escritor, há o desvelamento de outra realidade brasileira, como se cumprisse uma parte de seu projeto de escritor, já enunciado no jornal cubano Gramma: enfoque da realidade brasileira, sua compreensão e explicitação das coisas que ocorreram. Maria Angélica Guimarães Lopes, em seu estudo (“Água e ouro: o Brasil em dois romances de Oswaldo França Júnior”) compara Jorge, um brasileiro, com o romance De ouro e da Amazônia. Acentuando o aspecto da viagem nos dois textos, mostra, entre outros aspectos, que ambas “as narrativas sugerem perigo constante, a fornecer caráter dramático e a
impulsionar suspense”.

Oswaldo França Júnior, além de todos esses romances ressaltados, escreveu um livro de contos
intitulado As laranjas iguais (1985). Nessa publicação aparecem aspectos que já foram trabalhados pelo autor em textos anteriores como a presença do quotidiano, o verbo descarnado e o insólito dentro do quotidiano.

Fonte:
Suplemento Literário . Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais. ed. 1325. Outubro de 2009.

Oswaldo França Junior (1936 - 1989)


Oswaldo França Júnior nasceu na cidade do Serro, Minas Gerais, em 21 de julho de 1936. Tinha uma grande paixão por veículos de duas rodas e escreveu o primeiro conto, ainda muito jovem, com o intuito de conseguir dinheiro para comprar uma motocicleta.

Desde criança queria ser aviador e em 1953 ingressou na Escola Preparatória de Cadetes do Ar,de Barbacena, onde esteve durante três anos. Em 1956 entrou para o Curso de Formação de Oficial Aviador no Rio de Janeiro, onde também se casou e teve o primeiro filho.

Do Rio de Janeiro foi para Fortaleza, depois para Porto Alegre onde, em 1961, fez parte do esquadrão que recebeu ordens para bombardear a rádio da legalidade do Brizola. Por motivos técnicos, eles não cumpriram as ordens e tudo acabou bem.

Em 1963 voltou para Fortaleza. Em 1964 foi expulso da FAB pelos militares que comandaram o golpe. Em 1964 transfere-se para Belo Horizonte. Impossibilitado de exercer sua profissão, tentou publicar alguns contos, sem sucesso. Aconselhado por Rubem Braga escreveu um romance e o enviou ao cronista no Rio de Janeiro.

Em 1965 seu primeiro livro, O viúvo, foi publicado pela Editora do Autor. Oswaldo França Júnior soube que havia sido editado depois que viu o livro na vitrine de uma livraria do centro de Belo Horizonte.

Em 1967 publicou Jorge, um brasileiro, livro que ganhou o primeiro Prêmio Walmap de Literatura. É o seu romance mais conhecido no Brasil e em diversos países. Jorge, um brasileiro foi traduzido para o alemão com o título Jorge der Brasilianer, publicado pela editora Edition Suhrkamp, de Frankfurt. Foi adaptado para a televisão no programa “Caso Especial” na Rede Globo tendo posteriormente o roteiro ampliado, originando a minisérie “Carga Pesada”. O livro resultou também no filme homônimo, dirigido por Paulo Tiago.

Em 1969 publicou Um dia no Rio, romance sobre o dia de um mineiro de Belo Horizonte que vai ao Rio de Janeiro numa viagem de negócios.

Em 1972 publicou O homem de macacão, livro que foi traduzido para o inglês, The Man In The Monkey Suit, por Gregory Rabassa e publicado pela editora Ballantine Books de Nova York em 1986.

Em 1974 publicou A volta para Marilda.

Em 1976 publicou Os dois irmãos, que é considerado, por alguns críticos, como um divisor de águas na narrativa do escritor. Segundo Melânia Silva de Aguiar, o romance atesta “a mudança de rumos empreendida pelo autor e a adesão a um tipo de literatura
bem distanciado daquele que vinha caracterizando seus primeiros livros”.

Em 1978 publicou As lembranças de Eliana.

Em 1980 publicou Aqui e em outros lugares. Nesse ano a editora E. P. Dutton, de Nova York, publicou a tradução de Jorge, um brasileiro com o título The Long Haul, traduzido por Thomas Colchie.

Em 1982 publicou À procura dos motivos.

Em 1984 publicou O passo-bandeira: uma história de aviadores. Considerado pela crítica como um livro autobiográfico é o único romance do escritor que trata o tema da aviação. Em 1985 O passo-bandeira fez parte da lista das obras literárias indicada para o vestibular da PUC-MG.

Em 1985 publicou As laranjas iguais, seu primeiro livro de contos. No mesmo ano foi para Cuba convidado como membro do jurado de Literatura Brasileira do Prêmio “Casa de las Américas 1985”.

Em 1986 publicou Recordações de amar em Cuba, livro que foi escrito a partir das observações e experiência vividas durante sua estada em Cuba.

Em 1987 publicou No fundo das águas que anos depois foi publicado em inglês e francês: Beneath the Waters e Au Fond des Eaux. Em 1990 Jorge um brasileiro é traduzido para o espanhol com o título Carga pesada e publicado, em Cuba, pela Casa de las Américas.

Em 1988 foi para a Alemanha a convite de algumas prefeituras e órgãos de cultura de diversas cidades para ministrar palestras sobre seu livro Jorge, um brasileiro e sobre Literatura Brasileira.

Faleceu em 10 de julho de 1989, num acidente de carro, quando voltava de João Monlevade (MG).

Deixou terminados os originais do livro De ouro e de Amazônia que foi publicado no final desse mesmo ano.

Fonte:
Suplemento Literário . Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais. ed. 1325. Outubro de 2009.
Fotografia por Vera Godoy

Lairton Trovão de Andrade (Pinhalão)


PINHALÃO, MINHA TERRA

Quisera cantar minha terra natal
E muito acender deste povo a paixão;
Por certo, não há no Brasil terra igual,
Que possa atrair a qualquer coração.


Em solo tão rico de plena poesia,
Com graça, surgiu e se ergueu Pinhalão;
E o seu mui glorioso futuro teria
História heróica e sem par tradição.

Situada no norte setentrional,
Outrora região de soberbo pinheiro,
Nasceu silenciosa, também natural,
No último dia do mês fevereiro.

Menina dos olhos do pinhalonense,
Irmã natural da araucária do sul;
Saudável torrão – solo paranaense –
Dos dobres festivos da gralha azul.

Com ruas tão amplas, bem arborizadas,
De muita esperança sorri Pinhalão;
Seus dias são sempre canções de alvoradas,
Que prendem os filhos ao seu coração.

Existe centelha de felicidade,
Que vida feliz tem-se neste lugar!
E quem se mudou para outra cidade,
Espera, em breve, poder regressar.

Pra mistificar esta bela paisagem,
Jovial serpenteia seu rio, Pinhalão;
Levando em seu curso a voz da mensagem,
Que espera da gente vital proteção.

O “Boa Vista” altivo, qual dedo de Deus,
No alto insuflado – beleza da serra –
Parece trazer opulência aos plebeus,
Que vivem o nobre labor desta terra.

Região benfazeja, por Deus, abençoada,
Aqui já prosperam sutis morangais;
E a sua lavoura é prenda dourada,
Perante a altivez dos rubis cafezais.

Verdejam, à margem da estrada, amoreiras,
Da seda é fonte de orgulho tão vasto;
Além, na colina, estão vacas leiteiras,
Tranquilas vivendo da seiva do pasto.

Estâncias floridas de clima ameno,
Jardim-paraíso em perene maná;
A brisa suave balança, em aceno,
Cheirosa ramagem de maracujá.

“Cidade querida, feliz Pinhalão,
Tremulam as cores da tua Bandeira;
E o teu Hino Pátrio só traz emoção
E orgulho à Pátria gentil brasileira”.

Pinhalão, 20 de setembro de 1993.

DIA DE PINHALÃO

Alegra-se minha terra
Com sua emancipação;
Nasceu este município
Com nome de Pinhalão.

Foi no século passado
Que surgiu belo rincão;
Pequeno entre os municípios,

Mas grande para a Nação.

É 14 de dezembro
O dia deste torrão;
Com senso de patriotismo
Digo: Viva, Pinhalão!

Salve, Leonardo Nogueira!
Salve, primeira gestão!
Homem do rico e do pobre
Que governou Pinhalão.

Não se aborreça jamais
Com tantas rimas em “ao”,
Pinhalão é a melhor rima
Da seiva do coração.

Cheio de vida feliz
Bato palmas, doce chão;
És nossa pequena pátria,
És mesmo grande paixão!

Enquanto no meu viver
Tiver imaginação,
Hei de louvar e dizer:
Oh, querida, Pinhalão!
***

RIO PINHALÃO
(RIBEIRÃO GRANDE)

Águas mansas, mansas águas,
Que descem pelas encostas,
Brincando com redemoinhos,
Levam sonhos, levam mágoas,
Decepções cheias de crostas,
Em chorosos burburinhos.

Do Rio, em cada paragem,
De alegria ou de tristeza,
Há história pra contar;
A enchente que alaga a vargem,
Com a forte correnteza,
Arrasta histórias pro mar.

Como é imensa a saudade
Dos infantes gorjeios tantos
Em águas do Ribeirão!
Foram-se a felicidade
Que trouxera seus encantos
Às ondas do Pinhalão!

As flores das quaresmeiras
Povoam suas barrancas,
Matizando águas do Rio.
Sobre as verdes trepadeiras
Pousavam garcinhas brancas
Que voavam pro céu de anil.

Na altura do “Lavador”
Senhoras branqueavam roupas,
Num festival de alegria.
O ágil Martim Pescador
Prendia-se nas garoupas
Da pujante cercania.

E a tranqüila criançada
Saltitava em algazarra
Na prainha do “Razão”.
Os gritos da petizada,
Como canto de cigarra,
Zumbiam no Ribeirão.

O “Poção”, a “Corredeira”,
A velha “Ponte-de-Pedra”
O lago ameno da “Usina”!
A brIsa da “Amoreira”,
Beleza que ainda medra
Até a saudosa “Turbina””

Extensa aguada em represa
Na “Ponte da Serraria”
– Cevada região pesqueira!
Ali, havia a certeza
De pródiga pescaria
De segunda à sexta-feira.

O Rio declina o planalto...
É mais bravio na ladeira
– Protegido pela mata.
Tomba, espumejante, do alto,
Criando linda cachoeira,
Em dobres de serenata.

Que saudade eu tenho agora
Dos meus tempos de esperança
Nas margens do Pinhalão.
Saudade tanta se aflora
Dos dias quando, em criança,
Sonhava meu coração.

... E descem as mansas águas,
Descem pelas encostas,
Águas do rio que se expande...
Leva sonhos, leva mágoas,
Decepções cheias de crostas,
O calmo Ribeirão Grande.

Pinhalão, 03 de novembro de 2003.

VILA GOMES
(Memória de Pinhalão)

Nesta Vila, onde moro,
Passaram-se muitos nomes;
Quem deu origem à Vila
Foi um tal de Chico Gomes.

Havia, então, só uma rua,
Com casas à beira chão;
Foi esta rua a primeira
Que surgiu em Pinhalão.

Na memória há moradores,
Num bel desfilar sem fim:
Zé Floriano, nhá Frosina
E Caetano Terezin...

Dito Machado, Zezico,
Tião Moreira, Malaquias,
“Joaquim, Pedro e Antônio Melo”,
Seu Bonejo e Dito Dias...

O tio Nório, Zé Bocaina,
Seu Leonide, nhô Servino,
João Marcondes, siá Nardina,
E, na rima, o tio Josino.

Pedro Rita, Zé Estevo,
Tião Maia, nhô Bacelar,
Seu Reni, Liseu Machado
E outros que se viu passar...

Esta rua , no futuro,
Ia cruzar Pinhalão;
Por ela, na linha reta,
Chegar-se-ia à estação.

Era dono de alguns lotes
O pioneiro Chico Gomes;
Morava na mesma rua,
Antes de ser Vila Gomes.

Junto da sua morada,
Inda em terra sertaneja,
Determinou o lugar
Pra construir a igreja.

Ao registrar a promessa,
Lavrou o mais nobre madeiro
E, em sinal de devoção,
Ergueu ali o cruzeiro.

No fundo da propriedade,
Havia silêncio sério;
Poucos são os que hoje sabem
Que ali era o cemitério.

Portanto, pinhalonenses,
A mesma Vila, onde moro,
É ancestral de Pinhalão,
Cidade que comemoro.

No início deste milênio,
A praça de Pinhalão
É feliz co´as sete vilas
E a Estrela Setentrião!

Pinhalão, 21 de março de 2005.

CRUZEIRO DA VILA GOMES
(Memórias de Pinhalão)

O cristão do Chico Gomes
Lavrou o mais nobre madeiro
E, em sinal de devoção,
Ergueu, na Vila, o Cruzeiro.

Mas, um dia seu terreno
Caiu nas mãos de um tacanho;
Sem respeito à religião,
Houve lá horror tamanho.

Pois, comprou, sem crer na cruz,
Aquele local ungido;
Tomou posse pra morar,
Com direito adquirido.

A madeira do Cruzeiro
Foi, com escárnio, serrada,
Para humilhante baldrames
Duma maldita “privada”.

Mas muçurungas bravias,
Testemunhas contra o herege,
Invadiram a privada,
Antes das humanas fezes.

Transformou-se em grande caixa
De himenópteras sem mel
– Venenosas e mortais –
Só por castigo do céu.

Eram guardiãs da relíquia
As muçurungas ferozes;
Todos que ali se achegavam
Bramiam “ais” em suas vozes.

Pra exterminar o tormento,
A colméia foi queimada;
E o blasfemo jamais viu
A privada inaugurada.

Não fosse a ignorância ímpia,
Nossa cultura de fé
Veria o Cruzeiro, ainda,
Contando histórias, de pé.

E a Vila Gomes chorou
O fim de uma santa cruz,
Símbolo da Redenção,
Sinal da crença em Jesus.

Pinhalão, 27 de março de 2005.

HINO DA PADROEIRA DE PINHALÃO

I

Soberana divina dos céus,
Linda rosa de encanto eternal,
O perfume da graça trazeis,
Pra solver os odores do mal.

ESTRIBILHO

Pinhalão protegei, ó Padroeira,
E cobri-nos com o azul do seu véu;
Transformai esta terra querida
Em feliz ante-sala do céu!

II

E surgistes nas águas do rio,
Mas viveis na mansão celestial;
Água viva, que alveja, sois vós,
Pra nos dar coração virginal.

ESTRIBILHO

Pinhalão protegei, ó Padroeira...

III

Ó Maria, coragem dos justos,
À nossa alma trazei fortaleza!
Conduzi-nos às plagas dos céus,
Pois em nós há imensa fraqueza!

ESTRIBILHO

Pinhalão protegei, ó Padroeira...

IV

Pinhalão sempre quer vos amar,
Doce Mãe, Senhora Aparecida,
Dai-nos sempre Jesus feito pão,
Luz do mundo, por vós, concebida.

ESTRIBILHO

Pinhalão protegei, ó Padroeira...

***

HINO DE PINHALÃO

I

Sob a crista altaneira da serra,
Proliferas febril, Pinhalão;
Do humilde recanto da Terra
Surges meiga na imensa Nação.

Nas sombras dos teus bosques
Brilhou o céu de anil,
Profundo desafio
À virgem selva em flor.

ESTRIBILHO

Doce torrão querido,
Reino dos cafezais,
Onde se têm palmeiras
E lindos pinheirais.

II

Verdes campos de reses mimadas,
Tremulantes jardins de cereais,
Enobrecem tuas mãos calejadas,
Sobre o solo de mil minerais.

As ondas das colinas,
Planícies, serranias
Emitem melodias
Do ouro vegetal.

ESTRIBILHO

Doce torrão querido,
Reino dos cafezais,
Onde se têm palmeiras
E lindos pinheirais.

III

Terra amada de eterna bonança,
Com firmeza aderiste ao Brasil;
Turbilhões em caudais de esperança
Revigoram-te o ardor varonil.

“Rio Cinzas”! “Boa Vista”!
“Triângulo” e “Serrinha”!
“Campina” e “Lavrinha”!
Oh! Salve! Salve! Salve!

ESTRIBILHO

Doce torrão querido,
Reino dos cafezais,
Onde se têm palmeiras
E lindos pinheirais.

***

Fonte:
Colaboração do autor

Secretaria de Cultura de Maringá (Agenda de Maio)



De 03 a 31/05 – PROJETO SALA INFANTO-JUVENIL / HORA DA HISTÓRIA (horário conforme agendamento de turmas pelo telefone 3901-1794, com entrada franca). Histórias disponíveis: “Os doze trabalhos de Hércules”, adaptação de Monteiro Lobato. Contadora: Zery Monteiro + “A visita do Príncipe”, adaptação de Monteiro Lobato. Contadora: Ivone Ribeiro da Silva + “Félix e seu fole fedem”, de Elias José. Contadora: Zery Monteiro +

Dia 07/05 – Palestra “Vida e obra de Monteiro Lobato”, ministrada por Léo Pires Ferreira, na Sala Joubert de Carvalho, Biblioteca Centro, das 9 às 12 horas (entrada franca, mediante inscrição).

Dia 10/05 – Desfile comemorativo / aniversário de Maringá, às 9h30, na Avenida XV de Novembro. Tema: O TEATRO INFANTIL DE MARIA CLARA MACHADO.

CLUBE DE LEITURA ADULTO (na Biblioteca Centro, entrada franca)

Dia 15/05, às 10 horas – Livro: “Crime e Castigo”, de Dostoievski. Coordenação: Geni Matsuda.

CLUBETEEN (entrada franca)

Livro: “Amanhecer”, de S. Meyer. Coordenação: Márcia Santa Maria.
Dia 14/05, às 14 horas, na Biblioteca Operária.
Dia 19/05, às 14 horas, na Biblioteca Palmeiras.

CLUBINHO DE LEITURA (entrada franca)

Livro: “Marcelo, marmelo, martelo, e outras histórias” / História: “O dono da bola”. Autora: Ruth Rocha. Contadora: Natalia Santos.
Dias 07 e 14/05, às 15 horas, na Biblioteca Centro.
Dia 12/05, às 10 horas, na Biblioteca Palmeiras.
Dia 13/05, às 15 horas, na Biblioteca Mandacaru.
Dia 21/05, às 15 horas, na Biblioteca Alvorada.
Dia 28/05, às 15 horas, na Biblioteca Operária.

HORA DA HISTÓRIA (entrada franca)
Livro: “Os doze trabalhos de Hércules”, adaptação de Monteiro Lobato. Contadora: Zery Monteiro.
Dia 06/05, às 14h30, na Biblioteca Mandacaru.
Dia 14/05, às 14 horas, na Biblioteca Mandacaru.
Dia 26/05, às 15 horas, na Biblioteca Palmeiras.

Dia 24/05, na Biblioteca Palmeiras.
Livro: “Vovô Aranha vai à festa”, de R. Barcha. Contadora: Cristina Begnossi, às 14 horas + Livro: “Miss Sardine”, de Monteiro Lobato. Contadora: Karla Morelli, às 15 horas.

Dia 25/05, na Biblioteca Palmeiras.
Livro: “A visita do príncipe”, adaptação de Monteiro Lobato. Contadora: Ivone Ribeiro, às 10 horas + Livro: “Festa no céu”, de Ana Maria Machado. Contadora: Luana Moscatto Orsini, às 15 horas + Livro: “Galo de briga, de paz”, de C. Martins. Contadora: Luana Moscatto Orsini, às 16 horas.

Dia 26/05, na Biblioteca Palmeiras.
Livro: “A boca do sapo”, de M. França. Contadora: Letícia Pasquini, às 10 horas + Livro: “Félix e seu fole fedem”, de Elias José. Contadora: Zery Monteiro, às 14 horas.

CONVITE AO TEATRO (sempre no Teatro Barracão, às 21 horas, entrada franca).
Dias 07 e 14/05 – “O menino que ganhou uma boneca”, direção de Majô Baptistoni, com a Cia Tipos e Caras.
Dias 21 e 28/05 – “Exercícios para a desordem”, direção de Paulo Campagnolo, com a Cia Teatro e Ponto (aconselhável para maiores de 16 anos).

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

I Concurso Antonio Facci (Resultado Final)



O I Concurso Antonio Facci, de âmbito estudantil, teve a participação dos alunos de 5ª a 8ª séries das escolas municipais de Maringá.

Tema: MARINGÁ DO FUTURO.

MODALIDADE REDAÇÃO

1º lugar: Milena Beatriz da Silva.
8ª série – professora Odete Chiroli Maroneze.
Escola Municipal Victor Beloti.

2º lugar: Suelen Carolina Pereira dos Santos.
7ª série – professora Maria de Lourdes Aguiar Furlan Gonçalves.
Escola Municipal Victor Beloti.

3º lugar: Roger Braguim.
6ª série – professora Maria de Lourdes Aguiar Furlan Gonçalves.
Escola Municipal Victor Beloti.

4º lugar: Geovana Carolina Mansanari Simão.
8ª série – professora Odete Chiroli Maroneze.
Escola Municipal Victor Beloti.

5º lugar: Vinícius Campanha Meneghini.
6ª série – professora Maria de Lourdes Aguiar Furlan Gonçalves.
Escola Municipal Victor Beloti.

MODALIDADE POEMA LIVRE

1º lugar: Rubia dos Santos Celestino.
8ª série – professora Odete Chiroli Maroneze.
Escola Municipal Victor Beloti.

2º lugar: Gabriel Pirondi de Lima.
8ª série – professora Odete Chiroli Maroneze.
Escola Municipal Victor Beloti.

3º lugar: Gabriela Rosana Manrique dos Santos.
5ª série – professora Maria de Lourdes Aguiar Furlan Gonçalves.
Escola Municipal Victor Beloti.

4º lugar: Daniela Pereira Baptista Silva.
8ª série – professora Odete Chiroli Maroneze.
Escola Municipal Victor Beloti.

5º lugar: Matheus Gonçalves Naro.
7ª série – professora Vera Lúcia Simões Costa
Escola Municipal Machado de Assis.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

terça-feira, 27 de abril de 2010

Raul de Leoni (Antologia Poética)


LEGENDA DOS DIAS

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...

As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada..."

Ontem, hoje, amanhã, depois, e assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera...

E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...

HISTÓRIA ANTIGA

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...

Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente...

Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...

PLATÔNICO

As idéias são seres superiores,
— Almas recônditas de sensitivas —
Cheias de intimidades fugitivas,
De crepúsculos, melindres e pudores.

Por onde andares e por onde fores,
Cuidado com essas flores pensativas,
Que tem pólen, perfumes, órgãos e cores
E sofrem mais que as outras cousas vivas.

Colhe-as na solidão... são obras-primas
Que vieram de outros tempos e outros climas
Para os jardins de tua alma que transponho,

Para com ela teceres, na subida,
A coroa votiva do teu Sonho
E a legenda imperial da tua Vida.

CANÇÃO DE TODOS

Duas almas deves ter...
É um conselho dos mais sábios;
Uma, no fundo do Ser,
Outra, boiando nos lábios!

Uma, para os circunstantes,
Solta nas palavras nuas
Que inutilmente proferes,
Entre sorrisos e acenos:
A alma volúvel da ruas,
Que a gente mostra aos passantes,
Larga nas mãos das mulheres,
Agita nos torvelinhos,
Distribui pelos caminhos
E gasta sem mais nem menos,
Nas estradas erradias,
Pelas horas, pelos dias...

Alma anônima e usual,
Longe do Bem e do Mal,
Que não é má nem é boa,
Mas, simplesmente, ilusória,

Ágil, sutil, diluída,
Moeda falsa da Vida,
Que vale só porque soa,
Que compra os homens e a glória
E a vaidade que reboa
Alma que se enche e transborda,
Que não tem porquê nem quando,
Que não pensa e não recorda,
Não ama, não crê, não sente,
Mas vai vivendo e passando
No turbilhão da torrente,
Través intrincadas teias,
Sem prazeres e sem mágoas.
Fugitiva como as águas,
Ingrata como as areias.

Alma que passa entre apodos
Ou entre abraços, sorrindo,
Que vem e vai, vai e vem,
Que tu emprestas a todos,
Mas não pertence a ninguém.
Salamandra furta-cor,
Que muda ao menor rumor
Das folhas pelas devesas;
Alma que nunca se exprime,
Que é uma caixa de surpresas
Nas mãos dos homens prudentes;
Alma que é talvez um crime,
Mas que é uma grande defesa.

A outra alma, pérola rara,
Dentro da concha tranqüila,
Profunda, eterna e tão cara
Que poucos podem possuí-la,
É alma que nas entranhas
Da tua vida murmura
Quando paras e repousas.
A que assiste das Montanhas
As livres desenvolturas
Do panorama das cousas

Para melhor conhecê-las
E jamais comprometê-las,
Entre perdões e doçuras,
Num pudor silencioso,
Com o mesmo olhar generoso,
Com que contempla as estrelas
E assiste o sonho das flores...

Alma que é apenas tua,
Que não te trai nem te engana,
Que nunca se desvirtua,
Que é voz do mundo em surdina.
Que é a semente divina

Da tua têmpera humana,
Alma que só se descobre
Para uma lágrima nobre,
Para um heroísmo afetivo,
Nas íntimas confidências
De verdade e de beleza:

Milagre da natureza
Transcorrendo em reticências
Num sonho límpido e honesto,
De idealidade suprema,
Ora, aflorando num gesto,
Ora, subindo num poema.

Fonte do Sonho, jazida
Que se esconde aos garimpeiros,
Guardando, em fundos esteiros,
O ouro da tua Vida.

Alma de santo e pastor,
De herói, de mártir e de homem;
A redenção interior
Das forças que te consomem,
A legenda e o pedestal
Que se aprofunda e se agita
Da aspiração infinita
No teu ser universal.

Alma profunda e sombria,
Que ao fechar-se cada dia,
Sob o silêncio fecundo
Das horas graves e calmas,
Te ensina a filosofia
Que descobriu pelo mundo,
Que aprendeu nas outras almas

Duas almas tão diversas
Como o poente das auroras:
Uma, que passa nas horas;
Outra, que fica no tempo.

INGRATIDÃO

Nunca mais me esqueci! ... Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...

Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,

Como aquela magnífica amendoeira,
E florescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...

ARTISTA

Por um destino acima do teu Ser,
Tens que buscar nas coisas inconscientes
Um sentido harmonioso, o alto prazer
Que se esconde entre as formas aparentes.

Sempre o achas, mas ao tê-lo em teu poder
Nem no pões na tua alma, nem no sentes
Na tua vida, e o levas, sem saber,
Ao sonho de outras almas diferentes...

Vives humilde e inda ao morrer ignoras
O Ideal que achaste... (Ingratidão das musas!)
Mas não faz mal, meu bômbix inocente:

Fia na primavera, entre as amoras.
A tua seda de ouro, que nem usas
Mas que faz tanto bem a tanta gente...

CIGANOS

Lá vêm os saltimbancos, às dezenas
Levantando a poeira das estradas.
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Vêm num rancho faminto e libertino,
Almas estranhas, seres erradios,
Que tem na vida um único destino,
O Destino das aves e dos rios.

Ir mundo a mundo é o único programa,
A disciplina única do bando;
O cigano não crê, erra, não ama,
Se sofre, a sua dor chora cantando.

Nunca pararam desde que nasceram.
São da Espanha, da Pérsia ou da Tartária?
Eles mesmos não sabem; esqueceram
A sua antiga pátria originária...

Quando passam, aldeias, vilarinhos
Maldizem suas almas indefesas,
E a alegria que espalham nos caminhos
É talvez um excesso de tristezas...

Quando acampam de noite, é no relento,
Que vão sonhar seu Sonho aventureiro;
Seu teto é o vácuo azul do Firmamento,
Lar? o lar do cigano é o mundo inteiro.

Às vezes, em vigílias ambulantes,
A noite em fora, entre canções dalmatas,
Vão seguindo ao luar, vão delirantes,
Alados no langor das serenatas.

Gemem guzlas e vibram castanholas,
E este rumor de errantes cavatinas
Lembra coisas das terras espanholas,
Nas saudades das terras levantinas.

E, então, seus vultos tredos envolvidos
Em vestes rotas, sórdidas, imundas.
Vão passando por ermos esquecidos,
Como um grupo de sombras vagabundas.

Lá vem os saltimbancos, às dezenas,
Levantando a poeira das estradas,
Vêm gemendo bizarras cantilenas,
No tumulto das danças agitadas.

Povo sem Fé, sem Deus e sem Bandeira!
Todos o temem como horrível gente,
Mas ele na existência aventureira,
Ri-se do medo alheio, indiferente.

E, livres como o Vento e a Luz volante,
Sob a aparência de Infelicidade,
Realizam, na sua vida errante,
O poema da eterna Liberdade.
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Mais poesias de Raul de Leoni em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/raul-de-leoni-poesias.html

Fontes:
– LEONI, Raul de. Trechos escolhidos. Org. Luiz Santa Cruz. Rio de Janeiro: Agir, 1961. (Série Nossos clássicos).
– LEONI, Raul de. Luz mediterrânea. São Paulo: Livraria Martins, 1959
– Colaboração de Antonio Manoel Abreu Sardenberg

Raul de Leoni: “Semeador de Harmonia e Beleza”

artigo de José Antonio Jacob

Raul de Leoni Ramos nasceu em Petrópolis-RJ, e faleceu na "Vila Serena", em Itaipava-RJ, (30 de outubro de 1895 - 21 de novembro de 1926). Bacharel em Direito, prosador, diplomata e político. Chegou a eleger-se deputado estadual.

Acima dessas coisas foi poeta.

Foi o poeta de maior realce na última fase do simbolismo, e justamente considerado como uma das figuras mais notáveis do soneto brasileiro de todos os tempos.

Parnasianos, simbolistas e até modernistas o têm em alta conta, apreciando-o sem reservas. Cada um de seus versos tem sonoridade e ritmo primorosos, especialmente os dos sonetos, em decassílabos, mesclados de simbolismo e de modernismo, com tessitura clássica e técnica parnasiana. São versos considerados dos mais perfeitos: em idéia, filosofia, e essência das temáticas.

O seu ritmo peculiar e admirável de versificação, o conjunto de idéias sublimes de suas palavras, são os aspectos mais fortes que envolvem a magnífica harmonia da unidade de pensamento que existe em toda sua obra.

O nome de Raul de Leoni é dos mais reconhecidos pela crítica brasileira, não havendo uma só voz discordante, o que não acontece com outros poetas, sobretudo, os da sua época que eram conhecidos poetas independentes, Augusto dos Anjos, Alceu Wamosy , José Albano, Andrade Muricy e outros. Ao próprio Muricy declarou o poeta Alberto de Oliveira: "Raul de Leôni é o maior de vocês todos. Li o seu livro, agora, em Petrópolis, e é extraordinário".

A mesma unanimidade não tem a crítica ao situar o poeta, em diferentes julgamentos, onde foi colocado nas escolas e posições poéticas as mais diferentes e contraditórias. Enquanto alguns dos seus críticos o consideram um genuíno parnasiano, outros enxergam nele o simbolista autêntico, terceiros acreditam ter sido um neo-parnasiano e outros o situam num grupo completamente independente das regras poéticas e influências de escolas e movimentos literários.

Todavia a crítica literária brasileira é unânime em assinalar a alta linhagem clássica da poesia de Raul de Leoni, fundada na homogeneidade da sua primazia gramatical, temática e métrica, e consolidada no seu bom gosto literário, reconhecidos como impecáveis, desde a sua época até os dias atuais.

Diante da grandeza da sua escassa obra e da diversidade da crítica, ao situar o poeta nesta ou naquela escola literária, não existe aqui propósito de fazer análise da obra de Raul de Leôni: com respeito e admiração reconhecemos não existir a menor possibilidade de alguém tentar fazer, em poucas palavras, um julgamento ou estudo crítico legítimo sobre a prosa, filosofia e poesia de Raul de Leoni.

A sua poesia embora contenha formas antigas e clássicas, é caracterizada por um imperecível espírito de modernidade, o que lhe assegura compreensão ilimitada e aperiódica, e o introduz na seleta plêiade dos poetas imortais.

Para melhor entendimento sobre a poesia de Raul é preciso voltar ao século passado, precisamente em 1922, quando publicou o seu livro clássico "Luz Mediterrânea", onde está a essência da sua poesia, (grande parte em sonetos decassílabos) no meio da "explosão" do modernismo no Brasil.

Já em 1919, segundo alguns críticos ainda sob a ascendência parnasiana, ele publicara o extraordinário poema "Ode a um Poeta Morto" em homenagem a Olavo Bilac.

Depois do acontecimento da "Semana de Arte Moderna", em 1922, os integrantes deste movimento, simpatizantes do "futurismo", do "dadaísmo", do "imagismo", do "surrealismo", do "ultraísmo" e principalmente do "concretismo", que segundo um dos seus mais importantes seguidores, Haroldo de Campos, "a melodia na música, a figura na pintura, o discurso-conteudista-sentimental na poesia são fósseis gustativos que nada mais dizem à mente criativa contemporânea", iniciaram, em São Paulo, e depois país afora, uma implacável crítica objetivando a destruição das "fórmulas já caducas" e "tradicionais" dos poetas parnasianos, simbolistas, românticos, e dos demais gêneros de poesia consagrados pelo tempo, logrando, extirpar, definitivamente, das letras brasileiras, os preceitos considerados "ultrapassados" pelo indeclinável julgamento modernista que havia no Brasil de então.

De todos os poetas brasileiros, de qualquer escola onde existissem regras poéticas, incluindo os independentes, o único que não sofreu sequer um sopro de menosprezo do assíduo fôlego da "corrente modernista brasileira" foi Raul de Leoni.

Seus sonetos, de métricas perfeitas, repletos de metáforas e de concepções filosóficas extraordinárias, corriam nos cadernos de poesia dos moços e moças da época, que compreendiam aqueles versos de palavras doces, que continham, ao mesmo tempo, tanta simplicidade e tanto esclarecimento.

Ao homem erudito a mensagem poética de Raul de Leoni causou, em todos os tempos, uma exclusiva distinção, pois que, se ao adolescente é de fácil entendimento, ao homem letrado dá o sinal da desmedida idéia que ele tinha sobre a profundidade dos mistérios da vida (ou das "cousas" da vida, conforme ele mesmo) porque, segundo alguns críticos, ele foi um profundo conhecedor da Alma Humana.

Rodrigo Melo Franco de Andrade, prefaciando "Luz Mediterrânea", único livro de verso do poeta, escreveu: "Para Raul de Leoni, as idéias representam seres vivos". (...) "Ele foi entre nós, e o foi com singular grandeza, o único poeta de emoção puramente filosófica".

Os seus sonetos "Ingratidão", "História Antiga" "Perfeição" "Legenda dos Dias" e "Argila", popularíssimos, de indizível simplicidade e de extraordinária beleza, estão entre os sonetos brasileiros mais importantes e imperecíveis.

Segundo Agrippino Grieco, em artigo sobre os inéditos de Raul de Leôni, o soneto "Ingratidão", um dos mais bonitos e singelos, foi casualmente encontrado, por Luís Murat, no álbum íntimo de poesias de uma encantadora dama dos meios sociais de Santa Catarina, com uma especial dedicatória do poeta, que já a havia esquecido.

A 1ª edição do "Luz Mediterrânea", de 1922, saída, em vida do autor, por ele mesmo organizada, começa com o poema "Pórtico" (onde ele se desvencilha, quase por completo, dos laços da influência do Parnaso brasileiro) e termina com o "Diálogo Final", tendo sido os "Poemas Inacabados" (que o poeta, ao pressentir a morte prematura, pediu para sua mulher queimar, e ela não compreendeu o seu pedido) que fazem parte da 2ª edição, e das edições seguintes, foram anexados ao "Luz Mediterrânea" pelos outros editores das mesmas.

O soneto "Argila", que muitos chamaram "Eufemismo", considerado um dos mais bonito da sua obra, não foi publicado antes por respeito que o poeta tinha pelos escrúpulos cristãos e religiosos de sua mãe, já que alguns de seus amigos, equivocadamente, achavam que o soneto tinha conotação pagã e erótica. Somente após a morte do poeta e da mãe, Dona Augusta Villaboim Ramos, e cessados os motivos para a publicação o soneto foi publicado.

Segundo Agrippino Grieco este soneto "todo brasileiro deveria saber de cor".

Após a sua morte em Itaipava seu corpo foi conduzido para Petrópolis, que lhe prestou suas últimas homenagens, sepultando-o à sombra do Cruzeiro das Almas, erigindo-lhe um mausoléu e dando o seu nome a um trecho da Rua Sete de Setembro.

Quase oitenta anos da sua morte e Raul de Leoni é venerado por seus inúmeros leitores, mas ainda não chegou às carteiras universitárias dos cursos de Letras do nosso pais, onde por mérito poético, e para o bem dos estudantes da poesia brasileira, já deveria estar presente, se algum outro, menos competente e mais favorecido, não estivesse ocupando o seu lugar
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Biografia de Raul de Leoni em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/raul-de-leoni-1895-1926.html

Fonte:
Colaboração de Antonio Manoel Abreu Sardenberg