sábado, 29 de maio de 2010

Folclore Português – Distrito de Viseu (Lenda da Caninha Verde)



Em tempos que já lá vão, nos primeiros tempos da Reconquista, vivia num palácio em Fataunços, perto de Vouzela, o nobre guerreiro El Haturra, descendente do famoso chefe mouro Cid Alafum.
El Haturra era velho e feio e nunca era visto sem a sua bengala, uma velha cana que vinha sendo transmitida na sua família, de geração em geração, entregue ao seu novo possuidor com umas palavras misteriosas... Ora, o fato de El Haturra se fazer acompanhar por aquela cana negra e ressequida era objeto de troça de todos, a tal ponto que um seu amigo, o jovem português Álvaro o aconselhou a desfazer-se dela.

El Haturra confidenciou-lhe então que a vara tinha magia e que se um dia chegasse a ficar verde era o sinal sagrado do profético encontro de dois primos descendentes de Cid Alafum. Nesse dia esperado, as terras e os tesouros do antigo chefe mouro voltariam à posse da família e as formosas mouras seriam desencantadas. Uma condição essencial era que ambos os descendentes professassem a religião de Alá.

Um dia, passeavam El Haturra e o seu amigo Álvaro pelo campo quando viram uma linda princesa acompanhada por uma formosa aia, de cabelo negro e olhos azuis, que cavalgava um cavalo negro. De repente, a vara começou a ficar verde e El Haturra começou a rejuvenescer, tornando-se jovem e belo. Ao primeiro olhar, El Haturra tinha reconhecido na aia a descendente de Cid Alafum e, juntamente com Álvaro, saiu atrás das duas jovens que se dirigiam à corte do rei de Portugal.

Diz a lenda que El Haturra conseguiu convencer a jovem aia a casar-se com ele e o rei de Portugal abençoou a união com uma condição: o batismo de El Haturra. De início o agora jovem El Haturra opôs-se veemente, mas por fim a sua paixão foi mais forte e aceitou o desejo real. O batismo ficou marcado para o dia do casamento e foi então que aconteceu algo de extraordinário: no momento em que estava a ser batizado, El Haturra voltou a ser velho e feio como antes.

A magia da caninha verde só seria válida se ambos os nubentes professassem a religião de Maomé. A noiva desmaiou naquele mesmo momento e nunca mais quis ouvir falar no seu noivo que desapareceu para sempre, enquanto que a sua cana verde foi guardada num sítio secreto.

Segundo a tradição, se alguém gritar "Viva o fidalgo da caninha verde!" no mesmo local e à mesma hora em que se deu o encontro entre os dois descendentes de Cid Alafum, ouvirá gargalhadas alegres das mouras encantadas que pensam que chegou a hora da sua libertação.

Fontes:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/
Imagem = http://luminescencias.blogspot.com/

sexta-feira, 28 de maio de 2010

II Concurso de Trovas "Cidade Poesia" - Bragança Paulista



TEMA: “CAMINHADA”

Numa caminhada inglória,
com minha alma enternecida,
pude ver a minha história
no retrovisor da vida.
Ademar Macedo - Natal RN

Juntos, seguimos a estrada,
mas nem uma ideia eu tinha
de que a tua caminhada
terminasse antes da minha.
Alba Christina Campos Netto - São Paulo SP

Nas caminhadas que fiz
pela vida atribulada,
aprendi que ser feliz
é viver de quase nada!...
Almira Guaracy Rebêlo - Belo Horizonte MG

Nesta ambígua caminhada
há mistério e não me iludo:
-“Não sinto medo de nada,
mas tenho medo de tudo!!!”
Antonio Colavite Filho - Santo André SP

A quem vai só pela estrada,
atalho é mera ilusão;
ele encurta a caminhada,
não encurta a solidão.
Campos Sales - São Paulo SP

O reencontro... a caminhada...
a lua seguindo os dois...
a chama reavivada,
e o resto... eu conto depois...
Darly O. Barros - UBT São Paulo SP

Sem conter as mãos ousadas,
por meu corpo te aventuras
em noturnas caminhadas
de prazeres e loucuras...
Edmar Japiassú Maia - Rio de Janeiro RJ

A vida é uma caminhada
que depressa chega ao fim.
Prefiro uma trilha errada,
mas escolhida por mim.
Emília Peñalba de A. Esteves - Porto – Portugal

Nesta longa caminhada
que fazemos sempre a sós...
Nem o silêncio da estrada
quebra o silêncio entre nós!
Francisco Garcia de Araújo - Caicó - RN

Quando em nossa caminhada
cai a chuva de um amor,
a vida fica encantada
... tenha-se a idade que for!
Heron Patrício - São Paulo/ SP

Pela frente, a caminhada.
Pernas bambas, olhar baço...
E a vida sendo traçada
naquele primeiro passo!
Maria Helena Oliveira Costa - Ponta Grossa PR

Fazendo-me renascida,
numa evolução sem fim,
a caminhada da vida
caminha dentro de mim.
Marina Gaspar Sant’Anna - Cordeiro RJ

Longa vida em caminhadas
de amor, lutas, desencanto,
mais lentas hoje as passadas,
meus sonhos... correndo tanto!
Moacyr Figueiredo - Florianópolis SC

Não condeno a caminhada,
culpo sim, meus passos falhos.
Bem larga era a minha estrada,
fui eu quem buscou atalhos.
Rita Marciano Mourão - Ribeirão Preto SP

Quase ao fim da caminhada,
meu coração, não tem jeito!...
Sempre, um toque de alvorada,
acorda o sonho... em meu peito!
Therezinha Dieguez Brisolla - São Paulo SP

Nas curvas da caminhada,
tento a paisagem mudar.
Se não pode ser mudada,
mudo meu jeito de olhar!
Vanda Fagundes Queiroz - Curitiba PR

Tema: RIMA (humorísticas)

Sua trova – uma obra-prima -
não tem se classificado!?
Quando ele acerta na rima,
o verso é de pé quebrado!
Arlindo Tadeu Hagen - Belo Horizonte MG

O bígamo, com certeza,
comenda de herói já logra.
Conquistou rima e proeza
de aturar mais de uma sogra.
Célia Guimarães Santana - Sete Lagoas MG

- Tira a mão e não se anima!
diz trovadora ao frangote:
- Faça a trova em bela rima,
que aceito a mão no cangote...
Dinair Gomes de C. Leite - Paranavaí PR

A rima da minha trova
é perneta que dá dó.
Nasceu há pouco, é tão nova...
E pulando num pé só!
Mª Marlene Nascimento T. Pinto - Taubaté SP

O coveiro olha de cima
e diz ao ver a Raimunda:
-Para enterrar essa rima...
só mesmo a cova mais funda!
Neide Rocha Portugal - Bandeirantes PR

Que infortúnio o da Raimunda!...
Numa enchente de verão,
derrapou na rua imunda...
... e deu com a “rima” no chão!
Renato Alves - Rio de Janeiro RJ

Raimunda, com tudo em cima,
charmosa e com porte nobre,
no samba mostrou a rima
que não tem nada de pobre.
Rita Marciano Mourão - Ribeirão Preto SP

Algo me veio de cima
e atingiu-me o olho nu...
Reclamando, encontro a rima
para xingar o urubu!!!
Rodolpho Abbud - Nova Friburgo RJ

Ele usa e abusa das rimas...
sobe “degrais”... põe “chapéis”...
e após ler as obras-primas:
- Onde eu pego os meus “troféis”?
Therezinha Dieguez Brisolla - São Paulo SP

A Raimunda chega ao baile
e logo se esquenta o clima,
pois alguns “cegos”, em Braille,
querem só tocar na “rima”!
Wanda de Paula Mourthé - Belo Horizonte MG

Fontes:
Colaboração de Giuseppe Dellalba
Imagem = montagem realizada sobre foto de Rodrigo Moraes

Machado de Assis (Missa do Galo)


Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.

A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.

Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.

Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.

- Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.

- Leio, D. Inácia.

Tinha comigo um romance, os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.

- Ainda não foi? Perguntou ela.

- Não fui; parece que ainda não é meia-noite.

- Que paciência!

Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:

- Não! qual! Acordei por acordar.

Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa.

- Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.

- Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.

- Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo.

- Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.

- Justamente: é muito bonito.

- Gosta de romances?

- Gosto.

- Já leu a Moreninha?

- Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.

- Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?

Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedece-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.

- Talvez esteja aborrecida, pensei eu.

E logo alto:

- D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...

- Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?

- Já tenho feito isso.

- Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.

- Que velha o quê, D. Conceição?

Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.

- É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.

- Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. São João não digo, nem Santo Antônio...

Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por quê, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:

- Mais baixo! Mamãe pode acordar.

E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:

- Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.

- Eu também sou assim.

- O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.

Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.

- Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.

- Foi o que lhe aconteceu hoje.

- Não, não, atalhou ela.

Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:

- Mais baixo, mais baixo...

Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.

- Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.

Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.

- São bonitos, disse eu.

- Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.

- De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.

- Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.

A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.

Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.

- Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.

Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.

Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"

- Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.

- Já serão horas? perguntei.

- Naturalmente.

- Missa do galo! repetiram de fora, batendo.

-Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus; até amanhã.

E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.

Fontes:
Machado de Assis. Paginas Recolhidas. RJ: Ediouro.

Vicência Jaguaribe (Tentativas frustradas)



Em frente ao monitor, espero.
Não preciso apontar o lápis
nem rasgar as folhas abortadas.
Espero. Espero e nada.
E, enquanto espero,
a vida estaciona e também espera.
Espero. Espero e nada.
Inspeciono os cabos, muitos.
Malditos cabos! Embaralhados.
Estão eles embaralhados ou
embaralhadas estão minhas idéias?
Espero. Espero e nada.
Será o provedor fora do ar
ou fora do ar estão meus pensamentos?
Espero. Espero e nada.
Pane no sistema.
Enganado por um cavalo de Tróia
... ou por um burrico da caatinga?
Talvez a pane esteja não no sistema
Mas em meus sentimentos.
Espero. Espero e nada.
Travado. Travado o mouse. Travado o teclado.
Sistema operacional corrompido
ou meu raciocínio atacado por um vírus do momento?
De repente, sem mais nem por que, quando já desistia:
- Programa não responde. Reinicie a máquina.
Finalizado o procedimento, eis que
o computador está pronto. Perfeito. Olha-me o monitor.
Está a provocar-me com seu olho imenso e leitoso.
Tento. Tento e nada.
Não adianta. A razão é mais do que simples. É simplória.
Pode-se reiniciar um programa.
Pode-se até reiniciar idéias, sentimentos,
pensamentos e raciocínio.

Mas... a vida? Pena! Não se pode reiniciar a vida.

Fontes:
Colaboração da Autora

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 9



8. Fobias e logias

FOBIA (angústia, aversão, mal-estar, medo mórbido, pavor) – acrofobia (mal-estar em lugares altos); agorafobia (mal-estar em espaços muito largos e descobertos, como as grandes praças); ailourofobia (medo de gato); algofobia (medo da dor); androfobia ( aversão ao homem, ao sexo masculino); aracnofobia (medo de aranha); brontofobia (medo de trovão); cinofobia (medo de cachorro); claustrofobia (mal-estar em lugares apertados); ergofobia (aversão ao trabalho); fotofobia (aversão à luz); gefirofobia (medo de atravessar pontes) gimnofobia (pavor diante de pessoas nuas); ginecofobia (aversão à mulher, ao sexo feminino); hematofobia (pavor na presença de sangue); hidrofobia (aversão à água, sintoma apresentado pelo cão raivoso); hipnofobia (medo de dormir); lactofobia (aversão a leite); maieusofobia (medo do parto); necrofobia (pavor na presença de pessoas mortas); nictofobia (medo da escuridão); nosofobia (medo de ficar doente); oclofobia (mal-estar em meio a uma multidão); pirofobia (medo de fogo); sismofobia (medo de terremoto); tanatofobia (medo de morrer); tassalofobia (medo do mar); triquedecofobia (medo do número 13); xenofobia (aversão ao estrangeiro).

LOGIA (ciência, estudo) – [colocamos entre parênteses o objeto de cada ciência ou campo de estudo] – alergologia (alergias); andrologia (doenças masculinas); angiologia (vasos, veias); anemologia (ventos); antropologia (ser humano); aritmologia (números, grandezas); arqueologia (documentos e objetos antigos); biologia (seres vivos); bromatologia (alimentos); cardiologia (coração); carpologia (frutos); cinologia (cães); citologia (célula); cosmologia (universo); cronologia (divisão do tempo, datas históricas); dermatologia (pele); ecologia (ambiente); endocrinologia (glândulas de secreção interna); enologia (vinho); enterologia (intestinos); entomologia (insetos); esplenologia (baço); estomatologia (boca); etimologia (origem das palavras); etnologia (aspectos culturais dos povos); etologia (costumes); fitologia (plantas); fonologia (som, voz); gastrologia (estômago); geologia (origem, formação e transformações do globo terrestre); gerontologia (doenças de idosos); ginecologia (doenças privativas das mulheres); glossologia ou glotologia (línguagem); hagiologia (santos, coisas sagradas); hematologia (sangue); hepatologia (fígado); histologia (tecidos); iconologia (imagens, figuras alegóricas); ictiologia (peixes); limnologia (lagos, lagoas); litologia (pedra, rocha); mastologia (glândulas mamárias); mastozoologia (mamíferos); microbiologia (micróbios); mitologia (fábulas, lendas, mitos); morfologia (formas); nefrologia (rins); neonatologia (recém-nascidos); neurologia (nervos); oftalmologia (olhos); oncologia (tumores); oologia (ovos); ornitologia (pássaros); orologia (montanhas); osteologia (ossos); otologia (ouvido); paleontologia (fósseis, seres antigos); patologia (anormalidades, doenças); psicologia (mente); pneumatologia (anjos, espíritos); pneumologia (pulmões); potamologia (rios); rinologia (nariz); semiologia (significado); sismologia (tremores de terra); somatologia (corpo humano); teologia (Deus); traumatologia (ferimentos, lesões); urologia (órgãos das vias urinárias); zoologia (animais).
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 201

Folclore Portugues : Distrito de Viseu (Lenda dos Távoras)



A tradição diz que os irmãos D. Tedo e D. Rausendo, os protagonistas desta lenda, que se terá passado em 1037, eram descendentes de Ramiro II de Leão. Os corajosos irmãos já há muito tempo tentavam tomar o castelo de Paredes da Beira que estava na posse do emir mouro de Lamego, sem qualquer sucesso. Mas um dia, esgotados todos os outros recursos, D. Tedo e D. Rausendo decidiram usar a astúcia para conseguirem apoderar-se da fortaleza.

Numa manhã do dia de S. João em que os mouros saíam habitualmente do castelo para se banharem nas águas do Távora, os dois irmãos e o seu exército disfarçados de mouros prepararam uma emboscada e entraram no castelo, matando a maior parte mouros que lá tinham ficado.

Avisados por alguns mouros que tinham conseguido fugir do assalto, os mouros que festejavam no rio prepararam-se para voltar ao castelo quando foram atacados no rio por D. Tedo e os seus guerreiros que os dizimaram a todos. O vale do rio onde se travou a sangrenta luta ficou a ser chamado por Vale D'Amil em lembrança dos mouros que tinham sido mortos aos mil. A lenda diz que os dois irmãos tomaram a partir da batalha o apelido de Távora, em memória do rio onde se tinha desenrolado a vitória, e adoptaram nas suas armas um golfinho sobre as ondas simbolizando D. Tedo que com o seu cavalo tinha vencido os Mouros nas águas do rio.

Fonte:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Jorge Saraiva Anastácio (Poemas Escolhidos)


SEM ÁRVORES, NÃO HÁ VIDA!

Não sejas ingrato, indelicado e arrogante,
Quando deparares, na estrada, com as árvores viçosas.
Inclina-te diante delas, com honras respeitosas,
Pois estás na presença de figuras prestativas.

Deves defendê-las contra as mãos adversas e nocivas,
Preservando-as, para que elas cumpram suas tarefas,
Em favor do planeta e da humanidade pueril e imatura.
Elas são fontes de ar puro e de sombra aconchegante,
E de frutas saborosas e de produtos medicinais de cura.

Como serviçais da rica e pródiga natureza viva,
Elas fornecem clorofila, madeira, papel e perfumes,
E alimentos para os animais, pássaros, aves, mobiliário e esquifes,
Regulando o regime dos ventos e nutrindo os lençois freáticos,
Que geram as nascentes e os rios, borbulhantes e formosos.

As prestimosas árvores conservam a opulenta biodiversidade
Causando ornamentação das vias públicas e dos jardins floridos,
E sendo alvo de admiração do transeunte, observador vivido,
Benefícios estes que não restringem, apenas, aos termos destes versos,
Mantendo, sobretudo, a vida deste planeta tão maltratado.

Repele as ações dos vândalos, demolidores de matas e florestas,
E ajuda a transformar o planeta num paraíso verdejante,
Plantando árvores e promovendo o reflorestamento das mudas,
Para que a Terra não se converta em um deserto escaldante,
Com ausência total de vida física, como ocorreu em Vênus e Marte,
Exatamente por restar neles somente um cenário de tristeza e morte.

EM DEFESA DA VELHICE HONRADA

Alguns julgam que a velhice é uma fase sem retorno de vida,
Que o idoso perdeu sua existência e seu tempo precioso,
Não merecendo mais atenção, carinho e calor humano,
Devendo, por isso, ser tratado com indiferença ou desprezo,
Porque os tempos, de hoje, não oferecem mais vez para o idoso,
E os tempos passados não levam mais em conta no calendário.

Fazendo juízo argucioso e irrefletido sobre o invejado idoso,
Alegam que ele é um forte concorrente na disputa de emprego,
Por ter exercido sua profissão, nos tempos passados,
Revelando-se nela um cidadão dedicado, eficiente e atencioso,
Pois a senilidade é um tesouro de conhecimentos adquiridos,
No transcorrer dos longos anos exercidos no trabalho.

O idoso é portador de sabedoria, oriunda do sofrimento,
Cujas cicatrizes estão estampadas em seus olhos esmorecidos,
Em sua face macerada de uma velhice insegura, sem nada ter.
Hoje, ostenta pernas trôpegas, enfraquecidas e arqueadas,
Mãos trêmulas, corpo fraco, cambaleado e pele enrugada,
Trazendo cabelos nevados, como a brancura das geleiras,
E vivendo sempre privado do necessário para sobreviver.

O idoso é merecedor de amor, amizade, atenção e amparo,
Pois já cumpriu sua meta de trabalho, com mérito e honra,
Em um mundo de provas, decepções, ilusões e injustiça,
Agora, ele somente busca uma vida de fé, condigna e tranquila,
Num ambiente de um lar, onde haja amor recíproco e respeito.
De tudo resta um lembrete aos que vivem de censura impiedosa:-
Se alguém discrimina, hoje, com irreverência, qualquer idoso,
No amanhã, será também vítima do aguilhão do preconceito.

A MÁSCARA DAS GUERRAS

Ah, as guerras! Os intermináveis conflitos armados,
Desde os primórdios do mundo até os tempos atuais,
São crueis carnificinas, hediondas hecatombes de vidas,
Alimentadas pela estupidez e brutalidade humana,
E pela evidência da arrogância e prepotência bestial,
E pela carência espiritual da civilização e ausência de Deus.

Ah, as guerras! Elas teem extinguido vidas em excesso,
Haja vista a Primeira Grande Guerra: 13 milhões de vítimas,
E a Segunda Grande Guerra: 46 milhões de mortos e feridos,
Seguido por um cenário horrendo de destruições ou de ruínas,
De cidades, construções e de dívidas incalculáveis,
Certamente, herança exclusiva da crosta do planeta Terra.

Ah, as guerras! Sob qualquer nome que queiram denominar,
Só atestam o tamanho da brutalidade da ação do homem,
De crassa ignorância e de doentia superioridade de domínio,
Mostrando a marca sórdida da barbárie de seus atos impensados,
Sob o pretexto de guerra justa ou ato de legítima defesa,
A fim de legitimar sua conduta perante a comunidade internacional.

Ah, as guerras! Causadoras de milhões de vidas inocentes exterminadas,
De ruínas tão bem visíveis na área ou no campo econômico e social,
Trazem ainda, como consequência, fome, miséria e destruição de famílias,
Restando um quadro trágico, o de ter que se reparar o dano causado,
Mas o sonho real é de que, um dia, elas serão abolidas do orbe terreno,
Por haver despertado uma nova humanidade de refinada espiritualidade.

A GRALHA AZUL DO PARANÁ

Nas matas verdejantes do rico Estado do Paraná,
Vicejam abundantes e esbeltos pinheiros,
De onde surgem gralhas azuis em bandos e barulhentas,
Sobressaindo pelo seu canto agudo ou estridente,
E empoleiradas em galhos de magníficos arvoredos,
Que seduzem os olhos dos poetas e observadores.

Esses pássaros de plumagem azul, cabeça e topete negros,
Que apreciam, deveras, o pinhão rijo e saboroso,
Vão disseminando os pinheiros por matas e por campos,
Com o martelar da casca do fruto até em redução de pedaço,
Que caem no solo, germinando um novo e vistoso pinheiro,
Colaborando com o ecossistema e com a lei do reflorestamento.

As gralhas que saciam a fome dos que prezam o fruto delicioso,
São inconscientes ecologistas e embelezadoras da natureza.
Elas são recompensadas pela mente interesseira dos homens,
Que exterminam pelas balas de chumbo dos lavradores,
E abatem os pinheirais com o corte impiedoso do machado,
Quando acionado pela mão criminosa da criatura humana.

Fonte:
Colaboração do Autor.

Jorge Saraiva Anastácio (1934)


Nascido em Rio Pomba, Minas Gerais, em 27 de maio de 1934.

Professor Universitário da UFJF, aposentado, Advogado militante em comarcas mineiras.

Contista, cronista, historiador, articulista e poeta.

Membro de entidades lítero-culturais, dentre as quais o Instituto Histórico Geográfico de Juiz de Fora/MG; Associação dos Escritores do Amazonas (ASSEAM); Ordem Brasileira dos Poetas e Poetisas Sonetistas (OBRAPS- Camaçari/Bahia); International “Writers and Artists Association”, de Bluffton/USA; “Membro Emérito” da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete/MG; Academia de Letras da Manchester Mineira; Academia de Poetas e Prosadores de Minas Gerais e Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias, de Brasília/DF.

Participa de várias antologias nacionais e estrangeiras. É Verbete no Directory Of International Writers and Artists,” de Bluffton/USA (1999) e do Dicionário Bibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos, Adrião Neto (1998).

É possuidor de diversas medalhas de ouro, prata e bronze; destaque especial; certificados e de outros títulos honoríficos, conferidos por entidades literárias, por trabalhos literários em prova e verso.

Fonte:
Colaboração do Autor.

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 8


7. Somos todos poliglotas

Como refletimos anteriormente, falamos latim (argentífero, sericígeno); falamos também grego (idiossincrasia, prosopopeia); mas não somente grego e latim. Quem fala português fala ao mesmo tempo numerosas outras línguas. Vamos conferir.

Sabemos que o latim trazido pelos romanos para a península Ibérica (Espanha e Portugal) misturou-se ali com outras línguas, de outros povos. Dessa forma o vocabulário foi crescendo, e até hoje repetimos palavras que os nossos ancestrais aprenderam com os iberos (arroio, baía, barro, cama, sapo); com os celtas (cabana, caminho, cerveja, lança, légua); com os fenícios (barca, malha, mapa, mata, saco); com os germânicos (burgo, estribo, feudo, roupa, sabão). Dos árabes herdamos quase mil palavras (açúcar, aldeia, alface, álgebra, almofada, arroz, azeite, café, ciranda, enxaqueca, fulano, girafa, harém, jarra, marfim, oxalá, rima, sultão, xerife, zênite...).

De várias outras línguas tomamos por empréstimo (e não devolvemos) um punhado de palavras, das quais daremos a seguir pequena amostra. Do espanhol: apetrecho, baunilha, pandeiro, pimpolho, realejo; do francês: aprendiz, bilhete, etiqueta, paisagem, restaurante; do inglês: bife, cheque, esporte, túnel, uísque; do italiano: aquarela, camarim, confete, piano, talharim; do alemão: cãimbra, esgrima, folclore, harpa, valsa; do russo: czar, escorbuto, estepe, rublo, vodca; do persa: azul, bazar, jasmim, quiosque, turbante; do turco: caviar, iogurte, odalisca, paxá, sandália; do japonês: biombo, haicai, iquebana, quimono, saquê.

No Brasil, a língua portuguesa enriqueceu-se mais ainda, ao incorporar a preciosa contribuição indígena e africana. Com os africanos aprendemos palavras fortemente expressivas, tais como acarajé, agogô, angu, banguê, banguela, baobá, batuque, berimbau, caçula, cafundó, cafuné, caruru, caxambu, caxinguelê, dendê, fubá, jiló, marimbondo, maxixe, molambo, moleque, moringa, quilombo, quitute, tutu, vatapá. Os índios, por sua vez, nos deram de presente palavras que parecem música: araçá, caju, canoa, capim, carijó, cipó, cucuia, curió, embira, garapa, gaturamo, goiaba, guaraná, ingá, ipê, jabuticaba, jirau, jenipapo, jerimum, juriti, jururu, macaxera, mingau, mirim, mocotó, peroba, piaba, pipoca, piracema, pirão, pitanga, sabiá, saci, xará...

Mas o vocabulário não cessa nunca de crescer. A todo instante aparece alguma coisa nova, e tudo o que surge no mundo precisa ganhar um nome.

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

III Feira Catarinense do Livro


A noite de segunda-feira (24) será de homenagens no espaço cultural da Feira Catarinense do Livro. Está agendada para as 18h30, solenidade de entrega do Prêmio Amigo do Livro, uma iniciativa da Câmara Catarinense do Livro criada para evidenciar o trabalho de pessoas e entidades voltado para a difusão da literatura catarinense e acesso à leitura. “A homenagem destaca o apoio que a CCL vem recebendo destes parceiros para a propagação da cultura literária catarinense. São apostadores, propagadores e comunicadores em prol da leitura”, afirma o presidente da CCL, Salézio Costa,

Os homenageados da noite são:
o desembargador e presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, José Trindade dos Santos (Patrono),
escritor e desembargador Lédio Rosa de Andrade (Medalha do Mérito Escritor “Cruz e Sousa”,
advogado e presidente da CAASC Diogo Nicolau Pitsica (Medalha do Mérito Editor “Odilon Lunardelli),
livreiro da Casa do Saber Círio Vandresen (Medalha do Mérito Livreiro “Dikson Colombo”),
a UFSC será a Universidade Homenageada,
o jornalista Mario Motta recebe o prêmio Amigo do Livro e
o Governo do Estado de Santa Catarina destaque como Grande Incentivador da Literatura e Cultura Catarinense.

A III Feira Catarinense do Livro vai até o dia 2 de junho, no Largo da Alfândega em Florianópolis. Horário de funcionamento de segunda a sábado, das 9h às 20h. Aos domingos, das 13h às 20h. A entrada é franca.

Visitação – Os primeiros dias da feira surpreenderam a equipe de organização. Estima-se que passaram pelo Largo da Alfândega mais de 10 mil pessoas. A procura por livros infantis é grande, e nos estandes as opções são variadas para a criançada. Os preços também ajudam, por lá podem ser encontrados livros a partir de três reais. Os best sellers, muitos com descontos especiais, atraem os leitores que não dispensam boa literatura. O estande do Escritores da Ilha é o mais movimentado, e a agenda de sessão de autógrafos é intensa. As vendas de publicações catarinenses são animadoras, e até o final da feira, a expectativa é das melhores. Acompanhe a programação cultural no site www.cclivro.org.br

Dia 24/05 – segunda-feira

13 horas - Milka Plaza – contação de histórias
Sônia Ripoll – lançamenrto
Diálogo teatral com o convidado Lino

17 horas - Rudny Otto – lançamento
João Sergio Sell – lançamento

18h30 - Cerimonial de Homenagens

Dia 25/05 – terça-feira

10 horas - Inês Carmelita –sessão de autógrafos
contação de histórias infantil

14 horas - Inês Carmelita – sessão de autógrafos
contação de histórias infantil
Maria do Carmo Tridapalli – lançamento

15 horas - Recital pessoal da ALIFLOR – Associação Literária de Florianópolis

18 horas - Julião Goulart recital com declamação e canto, acompanhado de sax e
violão

Leno Saraiva Caldas – lançamento

Dia 26/05 – quarta-feira

12 horas - Odete Gonçalves – sessão de autógrafos

14 horas - Miriam Ramoniga – sessão de autógrafos
contação de histórias

15 horas - Danilo Aurich - lançamento

18 horas - Julião Goulart – recital com declamação acompanhado de sax e violão

Dia 27/05 – quinta-feira

10 horas - Dr. Lédio Costa de Andrade – sessão de autógrafos

14 horas - Vera Sônia Migliorini - lançamento

17 horas - Ubaldo César Balthazar – sessão de autógrafos

Dia 28/05 – sexta-feira

16 horas - Dulce Magalhães e Iradj Roberto e Eghrari – sessão de autógrafos

17 horas - Recital dos Associados Cronistas, Poetas e Contistas Catarinense - ACPCC

18 horas - Apresentação de músicas e poemas pelos alunos da Escola Fun Way
Zeni de Oliveira

Dia 29/05 – sábado

14 horas - Renata Kummer – lançamento

15 horas - Luiz Carlos Amorim – lançamento

16 horas - Milka Plaza e Cia. de Teatro Letras no Jardim
contação de histórias e dança

Fonte:
Delasnieve Daspet

Ialmar Pio Schneider (Soneto ao Dia do Datilógrafo – 24.05)


Quando saí de casa pra estudar
O curso ginasial que não havia,
Naqueles velhos tempos, no lugar
Em que nasci... Ó quanta nostalgia !

Levava tanto afã de triunfar
E com pouco dinheiro viveria...
Mas já portava, então, a me orgulhar,
Meu Diploma de Datilografia.

Hoje leio, saudoso, no jornal,
Pra minha vida muito especial,
Dia do Datilógrafo... Temática

Recordação ainda – que momento! –
A relembrar com tanto sentimento, –
A freirinha ensinando a bater máquina !

Tristeza, Porto Alegre, RS, 24.05.2010

Fontes:
Colaboração da autora.

domingo, 23 de maio de 2010

José Feldman (A Locomotiva da Vida)


A locomotiva corre
Corre que corre
Corre que corre.

Corre levando a gente
Corre trazendo a gente
E a gente corre e corre
Neste leva-e-traz.

A locomotiva corre e apita
Corre e apita
Corre e apita.

Apita o início do jogo,
Apita a voz de comando
Apita a batalha da vida
Apita a vida passando.

A locomotiva corre e pára
Corre e pára
Corre e pára.

Pára na estação
Pára na carga e descarga
De meus momentos de indecisão.

Vai que vai
Vou que vou
Fico que fico.

E a locomotiva apita
E ela corre que corre
E lá vai ela
E lá vou eu!

Corre que corre,
Corre que corre,
Corre que corre…

Fonte:
Imagem = http://web.ist.utl.pt/

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 7

6. Nossos dois latins

Como foi dito, falamos ainda latim; modificado a ponto de mudar de nome (passou a chamar-se português), mas sempre latim. E não apenas um, senão dois latins: o vulgar e o erudito (ou clássico). O vulgar veio com os romanos, quando invadiram a península Ibérica (Espanha e Portugal); o erudito “ressuscitou” durante a Renascença (séculos 15 e 16), quando as pessoas cultas voltaram a ler os clássicos da Antiguidade greco-romana: Aristóteles, Platão, Cícero, Virgílio... O vulgar chegou até nós pela boca do povo; o erudito pela escola e pelos livros.

No século 16, em Portugal, a boca do povo já havia “mastigado” o latim, simplificando-o e o ajustando ao sotaque local. Mas os eruditos da época, entre os quais o máximo poeta Luís de Camões, animados pela moda renascentista, decidiram ir de novo à fonte e de lá trouxeram, renascido, e em sua mais esmerada forma, o vocabulário clássico. Assim, cadeira voltou a ser cátedra, inteiro voltou a ser íntegro, mancha voltou a ser mácula, e por aí afora.

O povo fala mais do que escreve; o erudito escreve mais do que fala, ou tanto quanto. Na fala a língua se modifica muito mais rapidamente do que na escrita. Ou talvez até mais sabiamente, porque se guia pelas preferências do aparelho fonador (mestre em “lei do menor esforço”). Por exemplo: o erudito se delicia com as proparoxítonas – diz álacre; o povo acha mais fácil e mais bonito dizer alegre. Como supunha Gilberto Amado: se tivesse permanecido por mais tempo na boca do povo (sem a interferência dos clássicos), a língua portuguesa teria ficado inteiramente livre das proparoxítonas, tal como aconteceu com o francês. Abóbora seria abobra, chácara seria chacra, córrego seria corgo...

Por obra e arte desses dois canais de entrada do latim em nossa vida, acabamos formando uma língua ao mesmo tempo nobre e plebeia. Por via plebeia, escutamos; por via nobre, auscultamos. O povo diz chama; o erudito diz flama. Um diz cheio, outro diz pleno; um diz redondo, outro rotundo; um diz livrar, outro liberar...

Curioso também é observar que os substantivos (porque usados com maior frequência) mudaram mais que os adjetivos: do latim ecclesia temos em português o substantivo igreja, mas o adjetivo é eclesial; o substantivo é bispo, mas o adjetivo é episcopal (de episcopus). Do mesmo modo: cabelo e capilar (capillus); chumbo e plúmbeo (plumbum); chuva e pluvial (pluvia); dedo e digital (digitus); eixo e axial (axis); grau e gradual (gradus); ilha e insular (insula); mão e manual (manus); olho e ocular (oculus); orelha e auricular (auricula); pai e paterno (pater); perigo e periculoso (periculum); raiz e radical (radix); umbigo e umbilical (umbilicus)...

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Lançamento do Livro Personalicaturas 3

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Rede Grumin de Mulheres Indigenas apresenta Construindo Novos Horizontes

IV Festival Palabra en El Mundo no Recide/PE



Ação Poética Mundial – 20 a 25/maio/2010

Recife: 25/maio 17h às 21h CFCH/CAC – UFPE

Recitais de Poesia Leituras Artes Visuais Fotografia

Sussurros Poéticos Megaphone Twitter Sorteios

Programação

17h: Abertura da Exposição: Artistas da UFPE:
Lúcio Mustafá, Ricardo C. Melo, Mardilene Ferreira, Ilson
Intervenções Espontâneas Fotografia: Ercília Marques

17h25min: Megaphone da Poesia

17h30min: Sussuros Poéticos

17h35: Abertura Recital Poético-Musical
S. R. Tuppan Ícaro de Holanda Vertin
Lara Pedro Ernesto Convidados Comentários

Microfone Aberto Twitter o evento todo Https://twitter.com/PnM_Rec https://twitter.com/tuppan

Sorteio de Livros e Brindes Ciranda
Realização: Revista POÉTICA XXI

Apoio: Instituto Maximiano Campos – IMC
Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE

Coordenação no Recife: S. R. Tuppan
srtuppan@yahoo.com.br
Sílvio Romero Costa Lima - srtuppan@yahoo.com.br
__._,_.___
Fonte:
Colaboração de Delasnieve Daspet

Alexander Martins Vianna (Novo Moderno Prometeu: O Espelho de Victor Frankenstein )



O amanhã jamais igualará o ontem;
Nada, exceto o mutável, pode perdurar!”
(Mary Shelley, 1818)

Em 1818, Mary Shelley (1797-1851) publicou um conto fantástico em que um cientista, Victor Frankenstein, é tomado pela ânsia de alcançar a glória através da ciência. Em sua busca científica, desenvolve interesse pela física, pela química e, combinando ambas as formações, procura descobrir a origem do princípio vital latente em todas as coisas vivas. Descobrir, nesse sentido, significava poder dominar tal princípio e dar-lhe uma finalidade. Para ele, tal finalidade era “banir a doença do coração humano, tornando o homem invulnerável a todas as mortes, salvo a provocada pela violência…”; assim, ele “seria o criador de uma nova espécie, seres felizes, puros…” que lhe deveriam a própria existência (SHELLEY, 2001: 41-56). Deste modo, nasceu a tragédia neoprometéica de Victor Frankenstein. Como consideramos que a obra se desenvolve num plano de tragédia, poderemos identificar alguns pontos de “desmedidas” ou “desequilíbrios” que, com as próprias mortes física e social de Frankenstein, adquirem um sentido moral de reequilíbrio.

Laicizando o tema da (re)criação do (super)homem, Mary Shelley cria um plano dramático de condenação para Frankenstein por pretender romper a barreira entre a vida e a morte. A visão da natureza como exemplo perfeito de força vital pressupõe a existência do ciclo entre a vida e a morte, pois a vida brota da decomposição da matéria morta em uma projeção perpétua para o futuro. Nesse sentido, tal espiral não pode ser rompida e, caso ocorra, estaríamos diante de um novo paradigma, algo estranho a tudo existente em matéria de saber, normas, valores e convenções. Tal é a condição existencial de um monstro. O monstro, ou pária social, é o sinal de que algo dentro de uma sociedade vai mal. No entanto, longe de contemplarem a si mesmas na imagem do monstro, as sociedades tendem geralmente a criar fronteiras (reais/simbólicas) para projetar no alienígena social os seus males.

No entanto, Mary Shelley não concederá tal mecanismo de escape a Frankenstein: afinal, a sua “escultura viva” não seria uma abstração distante perdida numa estatística, mas um ser individual especial (Übermensch) que, desenvolvendo razão e sensibilidade, era capaz de se fazer presente à mente de seu criador como indivíduo e, portanto, tornou-se impossível para Victor alienar-se dos efeitos imprevistos de sua obra – desconforto do qual é poupada a maioria dos cientistas (do passado e do presente), sob o manto protetor da “neutralidade científica”, especialização e finalidades nobres. Assim, depois de ter aprendido a sua amarga lição, podemos ouvir a seguinte advertência de Frankenstein a Walton:

“(…)Aprenda, se não pelos meus preceitos, pelo menos por meu exemplo, o perigo que representa a assimilação indiscriminada da ciência, e quanto é mais feliz o homem para quem o mundo não vai além do ambiente cotidiano, do que aquele que aspira tornar-se maior do que sua natureza lhe permite.(…) Eu seria o primeiro a romper os laços entre a vida e a morte, fazendo jorrar uma nova luz nas trevas do mundo…”(Idem, p.56) [Grifo meu]

Para enfrentar problemas relacionados à fome, doenças infecto-contagiosas, à pauperização do espaço urbano e à formação de um número crescente de pessoas inclassificáveis (nesse sentido, “massa”), as elites governantes européias do século XIX criaram as suas próprias versões prometéicas de reforma e aperfeiçoamento dos espaços rurais e urbanos. Nessa trajetória, o novidade do século XIX foi firmar cada vez mais o discurso médico-científico como voz de autoridade na forma de se conceber “remédios” e “profilaxias” para a questão social. Assim, a questão social – muitas vezes tratada como uma “questão sanitária” – recebeu um tratamento elitista insensível a um justo equilíbrio entre meios e fins. Ora, pretender criar uma nova espécie de homem – nascida de um plano cientificamente traçado por um especialista – que fosse resistente à morte por doenças e privações materiais poderia até romper a barreira entre a vida e a morte, como pretendera Frankenstein, mas manteria sem abalos as fronteiras sociais. Entretanto, tal como as massas pauperizadas da modernidade, o monstro tem consciência, sensibilidade e migra para o “mal e a vingança” quando é privado de afeto por ter uma aparência pouco atrativa.

Portanto, a tragédia de Frankenstein contada por Mary Shelley não deixa de manifestar certos incômodos com a forma que as elites governantes tratavam a questão social na época. A arrogância social, a afetação nas afeições e a falta de solidariedade constróem seus próprios monstros sociais, que são jogados “para o nada social” ou “para o mal”. Nesse sentido, não é uma condenação moralista religiosa contra o saber médico-científico que Mary Shelley nos apresenta, mas uma provocação romântico-humanista que pretende lembrar que o homem, em sua ânsia de tentar aperfeiçoar a si mesmo e a seu mundo, não pode perder a sensibilidade, o que significa equilibrar de modo inclusivo as relações entre meios e fins. Tal é a lição que Frankenstein quer deixar para Walton em seus último momentos:

“(…) Num acesso de desmedido entusiasmo, criei uma criatura racional e cabia-me, dentro do limite dos meus poderes, assegurar-lhe a felicidade e o bem-estar.(…) Recusei-me a criar[-lhe] uma companheira(…). Ele demonstrou perversidade e egoísmo sem par. Destruiu meus amigos. Devotou-se ao extermínio de seres que possuíam sensibilidade, felicidade e saber. E não sei até onde a sua sanha vingativa poderá levá-lo. Por isso, devia morrer. Cabia a mim a tarefa de pôr-lhe fim à existência, mas fracassei(…). Perturba-me…o fato de que a sobrevivência do monstro signifique a continuidade do mal.(…)Adeus, Walton! Busque a felicidade num viver tranqüilo e evite ser dominado pela ambição, mesmo que seja essa – aparentemente construtiva – de distinguir-se no campo da ciência e dos descobrimentos. Mas por que falo isso? Na verdade, se eu me arruinei nessas esperanças, pode ser que outro seja bem sucedido(…)”(Idem, p.202) [Grifo meu]

Assim, as últimas palavras de Frankenstein que concluem seu ciclo trágico estão longe de anularem as esperanças de descobertas no campo da ciência, mas servem para corrigir em Walton (que está na mesma posição do leitor) um tipo de ânsia de saber que – por desequilibrar a relação entre meios e fins – perde a sensibilidade em relação à beleza da vida, em qualquer de suas expressões. No começo da tragédia, em uma carta à sua irmã, Walton conta as dificuldades de sua viagem científica no Ártico e refere-se à perda de um marinheiro nos seguintes termos:

“(…)A vida ou a morte de um homem seriam um preço ínfimo a pagar pelo conhecimento que eu buscava e pela vitória sobre as forças da natureza hostis à espécie humana que esse conhecimento legaria à posteridade(…).(Idem, p.32)

Para criar um contraponto sentimental a isso, Mary Shelley expõe logo em seguida a interlocução de Frankenstein com Walton e, assim, coloca o leitor num plano de suspense e segurança em relação àquilo que deve ser entendido como a “moral da história”:

“(…) Somos criaturas brutas, apenas semi-acabadas quando nos falta alguém mais sábio, melhor do que nós mesmos, para ajudar-nos no aperfeiçoamento da própria natureza – débil e falha.(…)Você tem esperança, o mundo à sua frente, e não tem motivo para desespero. Quanto a mim, perdi tudo, e não tenho como recomeçar a vida(…). Não creio que o simples relato de meus infortúnios lhe possa ser de alguma utilidade, mas quando reflito que está seguindo o mesmo rumo, expondo-se aos mesmos perigos que me tornaram o que sou, imagino que possa tirar algum proveito moral da minha história; e isso poderá constituir uma ajuda para orientá-lo em caso de êxito, ou para consolá-lo se fracassar. Prepare-se para ouvir o relato de acontecimentos que normalmente poderiam ser considerados fantásticos. Se estivéssemos em outro ambiente, como o que em outras épocas cercava o nosso dia-a-dia, eu temeria a sua descrença. Porém, muitas coisas parecem possíveis nestas regiões misteriosas; coisas que poderiam provocar o riso daqueles poucos afeitos às forças mutáveis e inelutáveis da natureza. Por outro lado, minha história guarda, em sua própria essência, provas insofismáveis da sua verdade(…).”(Idem, pp.32-34) [Grifo meu]

No primeiro terço do século XIX, a sensibilidade romântica não tolera um mundo que se torna monocromático e afetado por regras que impedem o livre desenvolvimento do conhecimento e da sensibilidade. Nesse sentido, ela se inscreve em larga medida na superação do ideal clássico como paradigma, buscando mais diversidade de cores e objetos, pois possibilitam ao homem aprender novas coisas e aperfeiçoar as antigas. Os escritos orientalistas deram aos românticos um repertório de imagens-conceito para onde projetar seus sonhos de reforma da civilização européia. No desenvolvimento da história de Mary Shelley, Clerval aparece como aquele que ajuda seu combalido amigo Frankenstein a recuperar o seu “verdadeiro eu”, perdido depois de uma longa e voluntária privação de luz, cores e sensibilidade em meio às trevas de dois anos de seu projeto prometéico:

“…Clerval jamais partilhara de meu gosto pela ciência natural. Suas inclinações, dirigidas para a literatura, divergiam totalmente das minhas. Ele viera para a universidade com a finalidade de aprofundar-se em línguas orientais…Voltando os olhos para o Oriente, buscava descortinar os horizontes propícios a uma carreira brilhante. Atraíam-no os idiomas persa, árabe e sânscrito, e eu resolvi acompanhá-lo nesses estudos com a esperança de dissipar minhas íntimas preocupações(…), de modo que o roteiro dos orientalistas me pareceu um agradável convite, e eu fiquei contente em tornar-me discípulo do meu amigo. Não tencionava, como ele, adquirir conhecimento crítico dos seus escritos, nem usufruir qualquer proveio prático. Procurava apenas distração, sem pretender ir além de compreender-lhes o significado. Meu esforço de aprendizagem foi compensado, pois descobri nos orientais um toque ameno de melancolia, uma poesia de aceitação tão singela quanto profunda, como também um grau de sabedoria e uma exaltação de alegria que jamais experimentei no convívio com autores ocidentais. Através de suas páginas, a vida parece um jardim florido dourado de sol. Que diferença da poesia épica e heróica de Grécia e Roma!” (Idem, pp.69-70). “(…)Em Clerval eu via refletido o meu antigo eu. Ele era um eterno curioso e ansiava por adquirir experiência e aumentar seus conhecimentos. A diferença de costumes que observava era para ele uma fonte inesgotável de instrução e diletantismo(…).Aspirava visitar a Índia, na crença de que, apoiado nos conhecimentos das várias línguas daquele país…e nos conceitos que formara sobre sua formação histórica, poderia colher observações aplicáveis ao desenvolvimento da sociedade européia(…)”(Idem, pp.151-152) [Grifo meu]

Clerval surge, então, como uma recuperação de luz, um novo experimentar da diversidade sensível de outrora. No entanto, em vez do marmóreo referencial clássico, Frankenstein teve nele a oportunidade singular de experimentar o brilho das luzes e sensibilidades orientais. A existência de Clerval – que associa as luzes do conhecimento e o diálogo sensível com a diversidade das coisas do mundo – surge na história como um axioma oposto ao paradoxo prometéico-existencial de Frankenstein. Este desequilibrou a relação entre meios e fins em sua ânsia egoísta de glória científica e superação de séculos de trevas. Como seu projeto foi executado às custas da privação de sol, paisagem natural e afetos familiares, Frankenstein desequilibrou psicologicamente a si mesmo e, por extensão, a sua obra. Assim, quanto mais anti-romanticamente tentava superar as trevas, mas caía nelas. Por isso mesmo, o paradoxo prometéico de Frankenstein é rico de implicações para a análise da sensibilidade romântica em matéria de conhecimento: ele tinha em mente uma escultura viva, uma criatura superior ao seu criador em beleza, sensibilidade, inteligência, força e resistência; mas como tal criação poderia ser a imagem da beleza se seu criador, para torná-la possível, privou-se de vida e afeição, acercando-se somente da morte? A afeição e a sensibilidade são apresentado por Mary Shelley como medidores para definir quando a busca do saber adquire feições monstruosas. Lição cara para a posteridade…
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Alexander Martins Vianna é Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil(2008); Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Fonte:
Colaboração de Antonio Ozaí da Silva: Revista Espaço Acadêmico., nº 26, julho de 2003, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/026/26cvianna.htm

Aparecido Raimundo de Souza (A Misteriosa Elba)


Sentados na enorme sala pai e filha conversam sobre os acontecimentos mais recentes. Na frente deles uma televisão em volume baixo exibe um capítulo de novela.

- Quer dizer então, minha filha que definitivamente você largou seu marido?

- Sim, papai.

- E por quê?

- Fiquei sabendo que ele tem outra mulher...

- Cafajeste. Bem, não foi por falta de aviso. Você brigava comigo, me achava um chato quando eu tocava no assunto.

- Pois é, papai. O senhor tentou me abrir os olhos. Eu não quis escutar. Estava cega. Sinto ter lhe causado essa tristeza e, agora, mais este aborrecimento de voltar para sua casa quase que às pressas.

- Não é aborrecimento nenhum. Você é e sempre será bem vinda a qualquer tempo. Claro que estou me sentindo triste por você e até por ele – eu tinha o Sancler como a um filho. Só queria que ele lhe fizesse feliz. Mas, enfim, a felicidade nunca e completa. Como descobriu?

- Comecei a receber bilhetinhos anônimos. Depois telefonemas.

- E o que diziam esses bilhetes?

- Pouca coisa, tipo “se cuida, sua burra, seu marido tem outra, está te traindo”. Os telefonemas repetiam praticamente as mesmas palavras sem muitas variações.

- Ao menos descobriu quem é a despudorada?

- Sim, papai. Descobri.

- Gente conhecida da nossa família?

- Uma perua chamada Elba.

- Elba? Que loucura. Quase sua xará. Só faltou o a antes do l. Mais nova que você, mais velha?

- Mais nova. Um dos bilhetes fazia menção a 1992.

- Além de tudo o garotão aprecia mulheres mais novas? Interessante! Se essa Elba é de 1992 só tem 18 anos.

- Pai, eu tenho 35. O senhor insinua que sou velha ou que nesta idade já estaria ultrapassada para o Sancler?

- Claro que não, filha. De onde você tirou essa idéia?

- O senhor falou nesses 18 anos com tanto ênfase!

- Nada a ver, minha linda. Você, com 35, põem qualquer sirigaita de 18 no bolso. Me esclareça um ponto obscuro: onde o Sancler arranjou esse estrupício?

- Num weekend que fez ao Rio de Janeiro há questão de quatro meses.

- E onde ele enfiou essa moça desde então?

- O senhor não vai acreditar pai. Ele montou uma quitinete para ela.

- Quitinete?

- É.

- Aonde, filha?

- Na garagem da nossa antiga residência.

- Que filho da mãe! Você, por acaso, se deu ao trabalho de ir até lá para conferir?

- O senhor me conhece e sabe que tenho pavio curto. Se pintasse no pedaço, acabaria agredindo a infeliz dando na cara dela para extravasar minha ira. Para não armar barraco e perder a razão, preferi ficar na minha. Saí de casa e aqui estou. Já chega a avalanche de piadinhas que venho ouvindo das amigas.

- Piadinhas?

- Ora, pai, o senhor sabe como as pessoas gostam de rir da desgraça alheia. Minhas amigas tiram sarro dizendo que a tal da Elba veste prada.

- A Elba é prata? Quero dizer ela gosta de prata?

- Prada, pai. É alusão a um filme que estreou recentemente nos cinemas: O diabo veste Prada. Minhas colegas gozam de mim afirmando que Sancler me trocou pela Elba porque ela tem designer elegante além de um espaçoso porta malas...

- Porta malas?

- Bumbum, pai. Ela é rabuda, entende? Tem os quadris avantajados. Além de possuir... Além de possuir portas de entrada.

-Portas de entrada? Suas amigas falam de uma mulher ou de um carro?

- Claro que de uma mulher, pai. Preciso especificar quais são essas entradas? O senhor quando era moço e conheceu a mamãe não achou as portas?

Gargalhadas estridentes de ambos os lados.

- Ah, entendi. A ficha caiu. Por falar em sua mãe, que Deus a tenha, ela era o máximo da categoria: para minha época, em comparações aos dias de hoje, uma mulher um ponto cinco.

- Então, pai. A vagabunda segundo os bilhetes e a voz misteriosa dos telefonemas deixou bem evidente que essa Elba também é do tipo um ponto cinco como o senhor acabou de descrever. Um pedaço de mau caminho. Tem injeção eletrônica e atinge os oitenta em questão de segundos. É só acelerar.

O pai de Alba volta a cair numa estrondosa risada.

- Ainda bem que você não ficou pra baixo e faz piada da situação.

- Tenho outra saída? Acaso o senhor queria me ver em estado de depressão?

- Jamais. Espera um pouco, filha. Estou pensando aqui com meus botões: esses telefonemas não seriam do pessoal que alugou a casa quando vocês mudaram para o apartamento novo?

- Pensei nessa possibilidade e de pronto descartei a idéia. Quem mora em nossa (digo minha) casa hoje é um casal de velhinhos. Nenhum dos dois se prestaria a esse tipo de papel.

- Um filho, uma filha?

- Eles são sozinhos, pai.

- A voz da pessoa que liga. Como é?

- De gente nova.

- Fale da caligrafia dos bilhetes.

- Parece de homem...

- Algum vizinho?

- Talvez!

- Quer saber? Vou até lá conferir de perto e pôr essa pendenga em pratos limpos.

- Deixa baixo pai. Já sai do apartamento, passei a mão em tudo o que era meu. Na segunda procuro um advogado e fim de papo.

- Meu pai do céu, que situação. O que o Sancler diz de tudo isso? Ao menos falou com ele?

- Sim, pai. Tivemos uma conversa longa e franca. Ele nega, de pés juntos que não existe outra. Chora como uma criança e diz que me adora que sou a mulher da vida dele, e bla, bla, bla... O papo furado de sempre. No fundo é um pilantra, um safado. Eu que o amava tanto... Estou me sentindo um lixo. O maldito me trocou por uma qualquer. Só pelo fato de ser mais nova, mais bonita, mais elegante. Onde foi que errei, papai?

- Calma filha. Vamos descobrir a verdade. Amanha irei ver essa fulaninha com meus próprios olhos ou não me chamo Juarez da Costa Fiat.

- Melhor não, pai. Melhor não!...

***

Dia seguinte seu Juarez da Costa Fiat madrugou. Saiu antes das quatro da matina. Botou na cabeça que encostaria o genro na parede e não regressaria sem uma conversa de homem pra homem com o sujeito. Pegou o ex de sua filha saindo exatamente da garagem.

- Bom dia, Sancler. Precisamos conversar.

O rapaz levou um baita susto ao ver o sogro àquela hora da manhã, em pé, diante da porta da garagem.

- Seu Juarez, a que devo a honra de sua visita?

- Serei curto e grosso. Quero que me apresente a sua amante que mora ai dentro.

- Amante? Que amante?

- A Elba.

- Não é nenhuma amante, seu Juarez. Acredite em mim...

- Então abra a garagem. Quero entrar. Se estiver dizendo a verdade, lhe dou a palavra: minha filha estará de braços abertos a sua espera.

Quando seu Juarez meteu os pés dentro da garagem e gritou para que Sancler acendesse as luzes, o que o velho pai de Alba viu lá dentro, não passava de um automóvel Elba CS Fiat weekend 1.5, ano 1992, de cor prata, quatro portas, injeção eletrônica em perfeito estado de conservação.
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Observação: Este texto foi escrito pelo autor de forma humoristica devido ao fato de minha esposa se chamar Alba e eu possuir um carro Elba. (José Feldman)
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Fonte:
Colaboração do Autor.

sábado, 22 de maio de 2010

Pedro Dubois (Poesias no Papel)


DATAS

Não é o dia aprazado
o atraso me faz
fragilizado
ao encontro:

altero o calendário
ao necessário

nos dias seguintes
retorno ao anterior
acaso: incompleto
o ciclo se debate
em dúvidas estelares.

TODOS

Senhora de todas as horas,
refrão e canto; silêncio e hora
decorrida; na apresentação
mesquinha se diga revelada.

Em todos os balcões de bares,
senhora, em todos os caixas
de supermercados e nas filas
de ônibus, induza o espírito
ao retorno: como alimentar
corpos naturalmente expostos?

Senhora de todos os gostos, na hora
que é nossa em pertencer ao estado,
observe à sua volta e se revolte.

PODERES

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.

MÁCULA

Desprovido de mácula mancho o passo
com sangue: acetinado preço
do inocente declarado; o pecado
urdido em mortes se rebela
contra o antagonismo da verdade;
o sangue jorra minha vida esvaída
ao sentido de me dizer libertado;
maculo histórias em interpretações
despropositadas, reinvento atos
de coragem em paródias
prosódias

sarcasmo
desprovido em mácula.

O sangue cessa o alvor
do corpo despropositado.

Fonte:
Colaboração do Poeta

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 6


ELEMENTOS GREGOS

Acro (alto): acrobata, acrópole; acusi (audição): acústica, hiperacusia; agogo (que conduz): demagogo, pedagogo; algia (dor): analgésico, cefalalgia; alo (outro): alomorfo, alopatia; andro (homem, varão): andrógino, andrologia; anemo (vento): anemofilia; anemógrafo; angelo (anjo, mensagem): angelical, evangelho; angio (vaso, veia): angiografia, angiologia; arc (antigo, superior): arcaico, arcebispo; aritmo (número): aritmética, logaritmo); arquia (governo, poder): anarquia, monarquia; artro (articulação, junta): artralgia, artrite; aster (astro, estrela): asterisco, astrologia; auto (próprio): autobiografia, autodidata;
bata (que anda): acrobata, nefelibata; biblio (livro): bibliófilo, biblioteca; bio (vida): biografia, biologia;
cali (belo, bom): califonia, caligrafia; cardia (coração): cardíaco, cardiopatia; carpo (fruto): carpófago, carpologia; cinema (movimento): cinemática, cinematógrafo; cino (cão): cínico, cinódromo; ciste (bexiga): cistite, cistomia; cito (célula): citologia, leucócito; clasta (que destrói): biblioclasta, inconoclasta; clepto (roubo): cleptofobia, cleptomania; cosmo (belo, limpo, universo): cosmético, microcosmo; cracia (governo, poder): aristocracia, ginecocracia; criso (ouro): crisântemo, crisografia; cromo (cor): policromia, tricromia; crono (tempo): cronômetro, sincrônico...
Datilo (dedo): datilografia, quirodátilo; demo (povo): democracia, epidemia; dendro (árvore): dendrobata, dendroclasta,; derma (pele): dermatologia, epiderme; dinamo (força): aerodinâmica, dinamismo; dromo (pista de corrida): autódromo, hipódromo;
eco (casa, habitat): ecologia, economia; eno (vinho): enologia, enomania; entero (intestino): disenteria, enteralgia; entomo (inseto): entomofilia, entomologia; ergo (força, trabalho): energia, ergoterapia; espleno (baço): esplenalgia, esplenomegalia; estesia (sensibilidade): anestesia, telestesia; estoma (boca): estomatite, estomatoscópio; etno (povo, raça): etnia, etnografia; eto (costume): ética, etologia;
fago (que se alimenta de): geófago, ictiófago; filo (que gosta): cinófilo, hidrófilo; fito (planta): fitófago, fitogeografia; flebo (veia): flebectomia, flebite; fobia (aversão, medo): acrofobia, ergofobia; fone (som, voz): fonema, telefone; foto (luz): fotografia, fotossíntese...
Galato (leite): galactófago, galactorreia; gamia (casamento): monogamia, poligamia; gastro (estômago): gástrico, gastroenterite; genia (criação, origem): congênito, genética; geo (solo, terra): apogeu, geografia; gero (velhice): geriatra, gerontocracia; gimno (nu): ginásio, ginástica; gino (mulher): ginecocracia, ginecologia; gipso (gesso): gipsografia, gipsífero; glico (doce): glicômetro, glicose; glossa, glota (língua): glossário, poliglota; gnos (conhecer, saber): diagnóstico, ignorar; grama (letra, palavra, peso): gramática, quilograma;
hagio (sagrado, santo): hagiógrafo, hagiólogo; helio (sol): heliocêntrico, heliólatra; hema (sangue): anêmico, hemorragia; hemero (dia): efêmero, hemeroteca; hemi (meio): hemisfério, hemistíquio; hepa (fígado): hepatite, hepatotomia; hetero (diferente): heterogêneo, heterônimo; hialo (vidro): hialino, hialotecnia; hidro (água): hidrelétrica, hidrografia; higro (umidade): higrófilo, higrômetro; hipo (cavalo): hípico, hipódromo; histero (útero): histeralgia, histerografia; histo (tecido): histologia, histotomia; hodo (caminho): êxodo, hodômetro; holo (inteiro, todo): holístico, holofote; homo (igual, semelhante): homeopatia, homônimo;
icono (ídolo, imagem): íconólogo, iconoteca; ictio (peixe): ictiofagia, ictióide; idio (peculiar, próprio): idioleto, idiossincrasia; iso (igual): isocrônico, isotérmico;
leuco (branco): leucemia, leucocitose; limno (lago, lagoa): limnófilo, limnometria; lipo (gordura): lipoaspiração, lipoma; lito (pedra, rocha): litografia, litogravura; logo (palavra): diálogo, logorreia;
macro (grande, longo): macróbio, macrocéfalo; mega (grande): megafone, megalópole; micro (pequeno): micróbio, microscópio; mnes (memória): amnésia, mnemônica;
necro (morte): necrópole, necrotério; nefelo (nuvem): nefelibata, nefelóide; nefro (rim): nefrite, nefrólito; nomia (administração): agronomia, economia; noso (doença): nosocômio, nosomania.
Odonto (dente): odontológico, ortodontia; oftalmo (olho): oftalmia, oftalmoscópio; oligo (poucos): oligarquia, oligopólio; onimo (nome): antropônimo, pseudônimo; oniro (sonho): onírico, oniromancia; onto (ser): ontogênese, ontologia; orex (apetite): anorexia, heterorexia; orto (correto): ortografia, ortopedia; osteo (osso): osteometria, osteoporose; oto (ouvido): otite, otoscópio;
paleo (antigo): paleografia, paleontologia; pan (todos, tudo): panaceia, panteísmo; paqui (grosso): paquiderme, paquigástrico; para (próximo, ao lado): paralelo, parapsicologia; pedo (criança): pediatra, pedagogo; pepsia (digestão): dispepsia, péptico; piro (foro): pirogênico, pirotécnico; pteco (macaco): pitecantropo, pitecóide; plegia (paralisia): hemiplegia, tetraplégico; pneumo (ar, pulmão): dispneia, pneumonia; podo (pé): antípoda, podômetro; polis (cidade): política, Teresópolis; potamo (rio): hipopótamo, Mesopotâmia; pluto (rico): plutocracia, plutomania; ptero (asa): pterodátilo, helicóptero;
quiro (mão): cirurgia, quiromante.
rino (nariz): rinite, rinoceronte;
sauro (lagarto): dinossauro, megalossauro; scop (ver): periscópio, telescópio); seleno (lua): selenita, selenografia; sema (sinal, significado): semântica, semiótica; sidero (aço, ferro): siderotecnia, siderurgia; sofia (sabedoria): filosofia, teosofia; soma (corpo humano): psicossomático, somatologia;
alasso (mar): talassografia, talassoterapia; tanato (morte): eutanásia, tanatofobia; terapia (tratamento): terapêutico, psicoterapia; termo (calor): térmico, termodinâmica; tomo (divisão, parte): anatomia, átomo; topo (lugar): topografia, topônimo; trico (cabelo): tricotilomania, tricotomia; trofia (crescimento): hipertrofia, hipotrofia;
uru (cauda, rabo): anuro, macruro;
xeno (estrangeiro): xenofobia, xenomania; xero (seco): xerocópia, xerografia; xilo (madeira): xilogravura, xilófago;
zimo (fermento): ázimo, zimotecnia; zoo (animal): epizootia, zoófilo.

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Antonio Brás Constante (Martirizados no Mercado)


Todo mês é a mesma coisa, ir ao mercado fazer compras. Mais que uma obrigação ou necessidade, trata-se de uma penitência que muitos passam para abastecer seus lares. Na prática a pessoa que vai as compras entra com o bolso cheio de dinheiro e o carrinho vazio, para sair com o bolso vazio e o carrinho, digamos, se não totalmente cheio, ao menos não tão vazio como na entrada.

O mercado é um local onde acabamos revendo velhos conhecidos, talvez porque a grande maioria receba seus salários na mesma época do mês. Você entra e já vai logo dando de cara com algum rosto que há muito tempo não via. Geralmente são pessoas que apesar de conhecidas, não dispõe de vínculos muito fortes com você. Ou seja, ótimas para se ver uma vez lá que outra e dar um aceno ou um aperto de mão, mas não para se esbarrar a todo o momento, em um local onde o foco são as compras e não necessariamente reencontros casuais.

No primeiro contato, ambos ficam meio sem jeito, sorriem e trocam cumprimentos do tipo: “você por aqui fulano!” Ou “há quanto tempo hein?”. Cada um tenta seguir para um lado, mas se dão conta que estão indo pelo mesmo caminho. Trocam novos sorrisos amarelos, até que um dos dois resolve parar sob qualquer pretexto para deixar que o outro siga em frente.

O que acaba acontecendo, é que os dois passam o tempo inteiro se encontrando entre os corredores do mercado. Nas primeiras vezes, um passa pelo outro e diz alguma coisinha ou faz alguma careta do tipo: “lugar pequeno este!”. Por fim começam a disfarçar ao perceberem a aproximação do outro, procurando preços ou lendo algum rótulo, para não ter que olhá-lo novamente, pois não querem parecer indelicados.

Alguns tentam pular corredores, mas não adianta, pois o outro tem a mesma idéia e voltam a se encontrar novamente. A melhor forma de se resolver este impasse é passar a andar ao lado de seu conhecido e tentar iniciar um diálogo com ele. Porque a partir daí parece que todo mercado conspira para que vocês não consigam mais ficarem juntos.

Quem acha que fazer compras é fácil, esquece do stress que se passa nessas horas. Em cada corredor as pessoas têm que: cuidar de seus filhos para que não quebrem nada (nem se quebrem), olhar os preços, procurar o produto desejado, cuidar para não bater no carrinho da frente e verificar os itens da sua lista, calculando o quanto pode gastar.

Daí você entra em um novo corredor, olha novamente os preços, cuidando do carrinho da frente, procura o novo produto desejado, acerta sua lista, recalcula o valor disponível e sente que está se esquecendo de algo, mas o que será? Olha em volta e percebe que seu filho sumiu. Sente um frio na barriga quando lembra que a pouco viu ele junto a você no último corredor que passou. Ao relembrar disso, seu corpo todo estremece. Uma sensação terrível de desespero envolve você, pois se dá conta que o corredor que acabou de passar era justamente aquele onde ficavam as bebidas importadas, e pelo que você se recorda, os vinhos de cento e poucos dólares ficavam bem ao alcance das mãozinhas desajeitadas e curiosas de seu “anjinho”. Volta correndo pelo corredor a tempo de salvar as garrafas e seu bolso, passando a levar seu filho dentro do carrinho por medida de segurança.

Por fim deixo alguns conselhos: Evite ir ao mercado de estômago vazio. Pesquisas mostram que pessoas com fome compram uma porcentagem a mais em gêneros alimentícios. Outro conselho: se você for comer, não faça o lanche nas praças de alimentação dos mercados, pois certamente a tal porcentagem que você economizaria, acabará sendo gasta no seu “lanchinho”, e é bem provável ainda que você acabe se esbarrando novamente com aquele seu conhecido por lá.

Fontes:
Colaboração do autor.