sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Beatriz Abaurre (Espírito Santo Poético)

Convento da Penha, em Vila Velha, ES.
Pintura de Sérgio Câmara

VITÓRIA - ILHA DA ESPERANÇA

Vejo uma ave.
Gaivota.
E digo - não se vá.
Voa num céu cheio de cor
E penso - o mar está perto.
Vejo folhas caindo inquietas
E imagino - é o verão que se finda.
São tantas e nem sequer se queixam
E peço - não morram.

Há um tempo que foi, é certo
Mas há também, talvez, um amanhã
Porque ontem e hoje é tudo isto,
Este desejo de céu, de sol, de vento,
Este grito rouco cujo eco
Talvez nunca existiu.
Talvez nem mesmo o grito.
É este desejo de ser jovem
Desejo capaz de ser história,
De transportar fora do tempo
A renúncia e o cansaço de meu corpo insone.

É esta ilha -
Azul e branca.
Obstinada ilha
Trajetória de selvagens aves marinheiras,
De barcos que navegam apressados
Rumo ao Sul, ao esquecimento.
É esta ilha assim, rude, que sabe a esperança
Onde há lágrimas secadas pelo vento
E sorrisos,
Alvos sorrisos com sabor de maresia
Terra sofrida cheia de luz e coragem.

Vejo uma ave.
Gaivota.
E digo - volta
E penso - talvez não se vá
Mas sempre se vai
Vôo alongado, solitário,
Sobre a terra, sobre o mar,
Sobre o abismo,
Sobre o planalto distante, infinito,
Sobre o tempo que não acaba de passar...

BUSCA OBSTINADA

Eu sei,
Sei que você existe
Um tanto cansado
Um pouco mais triste.
Sei que você busca,
Sozinho.
Numa solução de vida
A vida que lhe foi negada.
Sei que você procura,
Ainda,
Um rosto que se fez amado

Na antiga solidão povoada,
Eu sei
Que no silêncio você grita
E espera, contrito,
Atento,
Faminto,
A resposta de outro grito.
Não do eco
Que repete,
Que copia,
Que esquece a autenticidade.

Outro grito...

LÁGRIMAS BENDITAS

Ainda é possível chorar -
Eu vejo lágrimas em outras faces.
Não que esta seja a paz que busco
Pois sei que o sofrimento habita os seres
Em cada canto do mundo...

Ainda sorriem as crianças -
O mesmo sorriso ingênuo que nós sorrimos um dia
Quando nossas mãos não conheciam
Senão as outras mãos das rodas e dos folguedos.

Ainda é muito fácil sofrer -
Basta olhar seus olhos puros
Nos quais descubro às vezes
Uma evidência de dor.

Ainda é necessário viver -
Pois que suas mãos, nas quais pressinto ternura
São a prova mais evidente
De que nem todos os caminhos
Foram trilhados como deveriam ser.

Por tudo isto
E porque continuo a crer,
Cansada de chorar, exausta de sofrer
Afirmo que ainda sobram lágrimas
Que turvam olhos puros como os seus;
Ainda existem sorrisos
Como pontos de luz na escuridão total.
Ainda procuro a paz...

ENIGMA OBSCURO

Tentaste decifrar-me
Como a um símbolo perdido
Como se o mistério tão claro
Fosse ainda muito precioso,
Um mistério digno da tua participação.

E parecia um Deus
Frente à obra inacabada de outro Deus
Tuas palavras jogadas como pedras escuras.
Orgulhoso do teu conhecimento das almas alheias
Esqueceu-se da tua condição humana
E da minha condição mortal.

Pois eu não era obra nem mesmo plano:
Tu não eras Deus nem mesmo poderoso

Depois veio a paz difícil,
Pesada de infinito
E a necessidade urgente de libertar-se
Esquecendo as pretéritas covardias.

Falei-te então das folhas caindo no outono
Da poesia que sempe busco
Nos olhos dos outros,
Do nosso grande amor destinado ao
Esquecimento.
De rosas num jardim imenso,
Do rio percorrendo meu passado,
Sorrisos iluminando minha infância,
De horas felizes e perseguidas
E jamais reencontradas.
Tudo foi dito
E esvaiu-se
Então percebi que para ti as flores já
Nada significavam,

Nem o certo, nem o errado e nem sequer percebias
O crepúsculo pesado que te envolvia.

Quando antes muitas sortes habitavam-te
Como lâmpadas acesas.

Agora eu me vou

Levando comigo um pouco de náusea e do espanto
E na certeza cruel que é difícil dar as mãos
A quem não tem mãos de dar.

Eu me vou, eu que vim para ficar em silêncio.
Em silêncio mesmo que isto seja difícil.
Para que sozinho percebesses.

Minha desordem, minha incerteza constante
E o canto rouco do meu viver interior.

Eu não era obra nem mesmo plano,
Tu não eras Deus e nem mesmo poderoso.

SOFRIMENTO INÚTIL

Estou sozinha
inútil falar de rosas

Estou rejeitada
inútil falar de flores e amores,
se amor não há.

Estou cansada:
inútil falar nos destinos dos homens.

Há problemas grandes,
Mas é inútil.
Estou imensamente triste
E amarga em coisas tão pequeninas.

Inútil ler e tratar problemas universais
Se é tão pequeno
E insignificante,
Mas para mim tão importante
Meu sofrimento particular...

CHUVA DE SONHOS

Engraçado!
Uma coisa à toa:
Eu que gosto tanto de chuva,
De andar pela garoa
Recebendo-a nos cabelos, no rosto,
Acho que hoje chove mais triste,
Infinitamente triste...

Parece que a chuva insiste
Em cair macia e com gosto

Nesta rua cheia de ninguém.
E quando ela vem
Chorando sorrisos
Eu, sempre sozinha,
Somos tristezas...

É por isso que hoje
Notei qualquer coisa
Que inconscientemente foge
Às chuvas normais:

Hoje chove sonhos,
E chove muito, muito mais...

MENSAGEM DESESPERADA

Versos foram escritos -
Um pouco rudes, um tanto amargos,
Mensagem de fé desesperada,
Eco perdido de perdidas esperanças.

Tristes versos de quem se aprofunda
E se deixa aprofundar
Sem reclamos, sem lágrimas,
Sem gritos demasiadamente longos.

Amargura velada de quem sente
Sem deixar que a razão adormeça.
Lamentoso canto de quem coloca
Acima de tudo a razão,
Triste e dolorido pranto de quem sabe
Num mundo de lobos ser o cordeiro.
Sabendo embora que isto custa o sangue
E a própria lã que agasalha...

Fonte:
http://www.poetas.capixabas.nom.br/

Beatriz Abaurre (1937)


Maria Beatriz Figueiredo Abaurre nasceu em Londrina, no Estado do Paraná, em 31 de agosto de 1937. filha de João Figueiredo e de Marina Affonso Figueiredo.

Mudando-se para o Espírito Santo, obteve diploma de Graduação em Piano (EMES). Fez vários cursos de especialização na área de Música e Cultura. É autora de letras de música.

Integrante da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo no período de 1980/1984 e da Orquestra de Câmara da UFES de 1990/1997.

Ocupou os cargos de Diretora da Fundação Cultural - do Departameto Estadual de Cultura - e da Escola de Música do Espírito Santo.

Escritora, poeta, trovadora, teatróloga.

Vencedora do concurso literário promovido pelo jornal "A Gazeta" com o conto "Era uma vez".

Vencedora de vários concursos de trovas, é membro do Clube de Trovadores Capixaba. autora da peça teatral "Os Inconfidentes" - 1970.

É membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, onde ocupa a cadeira n. 20, cuja patrona é Juracy Loureiro Machado.

Obras:

Payé-guaçú (Revista do IHGES, n. 49), 1997
A revolução das violas (infanto-juvenil) 1997
Joaquim e seu flautim (infanto-juvenil)1998
A jibóia que virou trompa (infanto-juvenil) 1998
A Metaficção Histórica no Romance Cotaxé de Adilson Vilaça - Monografia transformada em livro pelo IHGES
Ticumbi, Preservação que se impõe - em fase de editoração
O mundo mágico da Música
Gritos sem respostas ( poemas)
Mensagem a Saturno (contos e crônicas)
As folhas da figueira (romance)
Sob um Raio de Lua (infanto-juvenil) em fase de ilustração
A história da cultura capixaba através de seus órgãos oficiais (ensaio)
Geografia afetiva de uma Ilha 2002
-----
Participação na Antologia 2003 - Textos e Tramas - da Academia Espírito-santense de Letras.

Participação na Antologia 2004 - Ecos da Terra Capixaba, da AFESL

Participação na Antologia 2005 - Dança das Palavras - organização de Maria Beatriz Nader e Marlusse Pestana Daher.

Participação na Antologia Clepsidra, da AFESL, organizada por Jô Drumond e Graça Neves, Gráfica Santo Antônio Ltda - GSA, Vitória/ES, 2007.

Participação no Catálogo 2009, Letras Capixabas em Arte, organizado por Maria das Graças Silva Santos.

Fonte:
http://www.poetas.capixabas.nom.br/

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Trova 171 - Athayr Cagnin (Cachoeiro do Itapemirim/ ES)

Cecy Barbosa Campos (A Noitada)



Ela se olhou no espelho, de frente, de lado, entortando os olhos para trás, ao máximo possível. Defato estava linda. Gostou do resultado, sentindo-se irresistível.

Naquela noite, tudo teria que acontecer. Estava cansada de esperar pela chegada do marido que, com desculpas esfarrapadas, voltava para casa cada vez mais tarde. Agora, seria a sua vez. Ele haveria de estranhar sua ausência, sentir sua falta, preocupar-se, temendo que algo lhe houvesse acontecido. Passaria pelos vários estágios de ansiedade que constituíam o seu tormento cotidiano ou, pelo menos, bastante frequente.

Saiu com as amigas, bebeu, dançou, "ficou", sem quase se lembrar do marido. Quando começou a ficar entediada, pelo burburinho sem significado, e teve vontade de voltar para casa, sentiu medo. Não medo de sua reação, pois até gostaria de uma cena de ciúmes, mas medo de chegar antes dele e sentir a frustração de ter sua tresloucada atitude reduzida a nada. Daí reagia e continuava fingindo a alegria que mostravam seus dentes claros e perfeitos, mas que não atingia o seu coração.

Finalemnte, com o dia amanhecendo, voltou para casa. Estava exausta e com um terrível sentimento de vazio.

Ao entrar no edifício foi, imediatamente, abordado pelo porteiro que lhe entregou um envelope.

- A Moto-entrega deixou isto aqui inda agora, cedinho, disse ele solícito.

Sem agradecer, de relance, ela reconhece a letra do marido. Desolada, perdida, na brancura do papel, uma única palavra - ADEUS - sem explicação e sem assinatura, pois que ela não seria necessária.

Seria inútil, pensou. Tudo inútil.

Fontes:
CAMPOS, Cecy Barbosa. Recortes de Vida. Varginha, MG: Edições Alba, 2009.
Imagem = http://www.fotosdahora.com.br/

Athayr Cagnin (Poemas Avulsos)

VELHOS CAMINHOS

Caminhos que trilhei em minha infância,
não estranheis meu passo tardo, lento.
O tempo ficou longe, na distância,
em que me tínheis, livre irmão do vento.

Daquele velho ardor só guardo esta ânsia
de fugir, fugir sempre ao sofrimento.
Porém jamais encontro a verde estância
em que retome o fôlego e o alento.

Agora que vos piso novamente,
pobre de aspirações e sem ideais,
fico a pensar em minha luta ingente:

- Eterna fuga... Estradas sempre iguais...
A gente caminhando para a frente
E vendo que, afinal, vai para trás...

ESTAÇÕES

Aqui, na doce paz deste abandono
neste meu voluntário isolamento,
contemplo o ocaso final de um final de outono
num triste fim de dia sonolento.

Aí vem vindo o inverno nevoento
a enregelar-me e a perturbar meu sono.
Já lhe sinto o rigor. Já lhe ouço o vento
a uivar nas trinchas como um cão sem dono.

Farfalham folhas secas pelo chão,
lembrando as minhas ilusões perdidas...
- Sonhos da mocidade que se vão...

Eis que o inverno da vida me abre as portas,
levando, como folhas ressequidas,
uma por uma, as esperanças mortas.

DEUSA DA TARDE

Era na hora da tarde terna e suave
em que das pombas se ouve o arrulho amigo
que ela, com seu passinho leve de ave,
furtivamente vinha ter comigo.

Sempre que o sol se punha minha chave
abria a porta do solar antigo,
que, com seu porte austero, nobre e grave,
era do nosso amor o doce abrigo.

Nesses encontros rápidos, ousados,
todas as tardes, um desejo ardente
nos conduzia a extremos desvairados.

Para encontrar-me ela rompia amarras.
Mas um dia partiu. Ficou somente
comigo a algaravia das cigarras.

MENTIROSA

Todas diziam como tu. Sorrindo
e sem dar importância ao que falavam,
a todas eu também ia iludindo,
da mesma forma como me enganavam.

Umas juravam. Outras preferindo
com o pranto reforçar o que afirmavam,
iam, de um modo cínico, fingindo
ser eu aquele a quem no mundo amavam.

Fingi acreditar em todas elas.
Estas por demonstrarem mais ardor,
por serem algo liberais aquelas...

Foram-se todas, cheias de amargor...
Só tu que foste a mais fingida delas,
ficaste, eterna, para o meu amor!

SUBMISSÃO

Para apagá-la do meu pensamento
- ela que é tudo o que na vida almejo
nos braços de outras fui buscar alento
e sufocar a chama do desejo.

Mas por mais que eu buscasse o esquecimento
e de olvidá-la, tenha tido ensejo,
jamais pude alcançar o meu intento:
- cada beijo que eu dava era seu beijo.

Vivo neste dilema inexorável:
ou me submeto à sua tirania,
ou sofro a sua ausência irremediável.

O amor de outras mulheres posso ter...
São lindas... mas em minha fantasia,
só quero aquela que me faz sofrer!

CREPÚSCULO

Na tarde roxa, fria e evocativa
tudo parece morto e desolado.
A luz, aos poucos, como que se esquiva,
esgueirando-se ao longo do ar parado.

O céu tem a feição decorativa
de um afresco vazio e desbotado,
Constituindo a única nota viva,
como um ai, há de um pássaro o trinado.

Um cortejo de sombras, como um bando
de aves estranhas, sobre a natureza
as asas lentamente vai baixando...

E enquanto o dia, aos poucos chega ao fim,
um dilema me assalta: - Esta tristeza
Vem da tarde que morre... ou vem de mim?...

Fonte:
http://www.poetas.capixabas.nom.br/

Athayr Cagnin (1918)



Athayr Cagnin, poeta e trovador, nasceu no município de Cachoeiro de Itapemirim, no Estado do Espírito Santo, em 20/11/1918, filho dos imigrantes italianos Urbano Cagnin e Josefa Volpato Cagnin.

Fez o curso primário no Grupo Escolar "Bernardino Monteiro" e o secundário em exames de madureza no Externato "Pedro II ", depois de ter passado pelo Ginásio "Pedro Palácios" e "Instituto Popular", do professor João de Barros.

Formado em Odontologia pela Faculdade de Farmácia e Odontologia de Vitória, iniciou suas atividades profissionais na cidade da Serra-ES, transferindo-se posteriormente para Cachoeiro de Itapemirim.

Iniciou-se nas letras ainda muito jovem, colaborando nos jornais e revistas do Estado do Espírito Santo.

Foi nomeado professor catedrático do ensino secundário pelo Governo do Estado do Espírito Santo, após ter sido aprovado com distinção em concurso público de títulos e provas. Em outro concurso realizado em 1965 conquistou o 1º lugar na cadeira de "Ciências Físicas e Biológicas ( 2º ciclo) do Liceu "Muniz Freire", do qual também foi Diretor.

Agraciado com o título de "Professor Emérito" da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras "Madre Gertrudes de S. José" pelos relevantes serviços prestados à entidade.

Ex-membro do Conselho Estadual de Cultura, ocupa a cadeira n.02 da Academia Espírito -Santense de Letras, que tem por patrono Graciano dos Santos Neves e a cadeira n. 06 da Academia Cachoeirense de Letras que tem por patrono Narciso de Araújo.

É também membro do Instituto Histórico e Geográfico de Cachoeiro de Itapemirim.

Obras:

"O aparelho fonador e a articulação dos fonemas" (tese de concurso) 1948
"Seixo rolado" ( poesias) -Frangraf, Cachoeiro de Itapemirim- 1982
"Cantigas em quatro linhas" - trovas - Gracal Gráfica & Editora, Cachoeiro de Itaperimirim, 1996

Participou das antologias "Trovadores do Brasil" e "Nossas Poesias", de Aparicio Fernandes.
e de "A Poesia Espírito-Santense no Século XX", organização, introdução e notas de Assis Brasil, 1998
"Cantigas em Quatro Linhas" - trovas, 1996
Meus poemas teus - 2001
Poemas rimados (inédito)
"Ainda o soneto" - 2006

Participação na Coletânea "Serra em Prosa & Versos - Poetas e Escritores da Serra", organizada por Clério José Borges de Sant'Anna.

Participação no Catálogo 2009, Letras Capixabas em Arte, organização de Maria das Graças Silva Santos.

Fonte:
http://www.poetas.capixabas.nom.br/

Evaldo de Paula Moreira (Adeus…)

Pintura de Angela Kelly Topan
Nó na garganta.

Em qualquer lugar do mundo, a garganta humana denuncia quando uma pessoa está triste.

Se tirarmos um doce de uma criança, num instante veremos o olhar de indignação, seguidos de soluços e lágrimas nos olhos.

É uma maneira de demonstrar a violência sofrida.

Seja criança ou adulto.

Vi um senhor ficar triste, na roça, só porque alguém insinuou que o bode dele estava ficando velho. Sentiu-se subestimado, e logo se esboçou o nó.

Sofremos, sempre que nos tiram alguma coisa.

Meus pais se mudaram da roça quando eu era criança. Foi como se tirassem a roça de mim.
Lembro-me da viagem.

Saímos de lá, transportados por um carro de bois, até a estação de trem mais próxima.
Sem dúvida, minha garganta, por várias vezes, durante o trajeto, deu ensejo ao nó.

Na medida em que nos afastávamos das pessoas e das coisas queridas, íamos dando Adeus, acenando com as mãos, como se fosse uma despedida para sempre.

Que sensação mais estranha.

Tudo o que conhecera até aquela época era a roça. Eram as matas, os córregos, os riachos, as aves, os pássaros, os bois, as vacas, cabritos, cães... , as pessoas que amávamos.

Tirando o sol, a lua, as estrelas, tudo seria diferente dali para frente.

Era o Adeus para seguir um caminho desconhecido e ver algo diferente.

Só conhecia as coisas das cidades pelas gravuras dos livros.

Conheceria outro mundo, de maneira chocante, por causa da mudança radical, mas cheia de novas perspectivas, dado o jeito receptivo na grande cidade de São Paulo.

Mas, os “nós” me apareceram várias vezes durante muitos anos, porque é difícil vencer a saudade

Fonte:
http://zerobertoballestra.blogspot.com/

Pintura = fotografia de José Feldman

Francisco Miguel de Moura (Poesia incompleta)


O HOJE

certamente inda te adias
pois teus olhos se clareiam
ante a brisa e a paisagem
- que o horizonte é um presente
velejado por rostos escolhidos

mas não atrases teu amor
ao irmão que sofre o preterido

alegria, alegoria
o coração pede ritmos e pulsos
não é nenhum covarde

nem guarde restos e pedaços
de impressentidas elegias

o hoje é tudo o que se tece,
que bem tecido é odor, sabor e prece
em indistintas simetrias.

o amanhã não é teu dia
se hoje não tiveres empatia
com o razoável mundo e o sem-razão.

o ontem não tem clave se te agravas
em sentimento de ódio e entropia
como veio
de teu canto, em toda a via.

colhe a flor que está à mão.

O ONTEM

ontem foi o tempo emocional

assim, como passar
uma esponja
sobre o mal?

e o passado seria mortal

mas uma esponja
embebida do homem
embeberia a coisa:
- na verdade, o mal

um tempo sonâmbulo
que se gravou como um sinal
(esquecer não precisa
nem pode, é tão real)

ontem: eis o tempo que fica
como fundo do tempo
e sem rival.

O AMANHÃ

o amanhã virá
compor-te na teia
do in(completo)
nunca tecido
olho-boca-ouvido
seja fala ou prece
seja foto ou fluido
de luz desejada
paixão não vivida

é limbo incriado
é amor temido

poeta, recia
sem receio
- e recria
teu inteiro futuro

quando o hoje não for mais
essa será a glória
do teu dia.

E O SEMPRE

o hoje se esfume
o ontem se de/pedra
o amanhã quem sabe?

não há sempre
e há o sempre
sempre
sempre
não é começo
não é fim
não é processo

é um tempo sem tempo
nem temporal
nem tem/porão

semper
semper
sem-
per-
seguição

o tempo neutro
dá cacetadas no infinito.

ANTES E DEPOIS

quem saberá se um dia fomos?

e por que auscultar o passado
se se passa
adiante
sem liame de gostos ou de falas?

quando as luzes se apagam
quem diz para onde e a que vamos?

para o vazio e para a morte
de onde deveremos voltar como visões?

vamos para onde não vamos
para além da vida e da morte
onde não há sábios.

quem saberá se um dia fomos?

O CHEIO E O VÁCUO

o nada e o tudo soam nardo
e ab(sinto):
- ab(surdo) na amplidão
dos homens e dos bichos satisfeitos
(inseto ou dinossauro)

cai sobre mim uma poeira
cósmica coceira
de saber
o que constante me devora
e a paciência
me explode em palavrão

palavras vãs, palavras vão
e vêm
cortar o silêncio amplificado
de tudo quanto é voz

não há imposturas, há correntes
de sangue, sabor, gestos(contrários) parados
água e calor que luzem

nardo é nada
ab(sinto) é liberdade:
- um nome sem tempo e com paixão

palavras vêm, palavras vão
soltas ao vento e zunem no telhado
das nuvens e dos astros
mas nada produzem:

- falta espaço
e como vêm, se vão

o mundo em seu bailado, no universo
é impiedade
e tudo cala.
a fala morde a dor do falante
entre dentes, trovões, cometas...
e outras tralhas.
deus se evola e bebe as águas
do abismo
onde se banha

e não há vácuo - falta tempo
e não há cheiro - falta onde pairar.
só deus explora o esquecimento
do existir.
------

Francisco Miguel de Moura (Literatura do Piauí)


No ano de 2001, veio a lume, no Piauí, a obra condensada e organizada por Francisco Miguel de Moura: “Literatura do Piauí”. Com certa curiosidade, decidi, nesses últimos tempos, abri-la, como que esperando encontrar algo que se somasse às outras tantas pesquisas minhas, ora, é de praxe um autor-pesquisador, como o Sr. Moura, alavancar uma nova concepção; uma nova visão dos fatos.

O professor, integrante da geração moderna piauiense, então, usando-se das visões modernistas da crítica, oferece aos leitores algumas reflexões acerca do conceito de literatura e do fazer poético. Das tantas afirmações introdutórias, alguns deslizes geraram equívocos, como a própria significação latina de littera (“significa exatamente letra” [Op. Cit. p. 13]), sabemos, pois, que, embora littera tenha advindo de litteratura, sua real significação não mudou: Ensino das primeiras letras; eis aí o motivo de tantos filósofos e estudiosos da língua confundirem o termo com “gramática”.

Ainda dentro do mesmo conceito, o autor infere: “literatura é tudo o que se escreve” (idem), ferindo o verdadeiro conceito aristotélico; ora, sendo a literatura a expressão polivalente das palavras, dos signos linguísticos, “tudo que se escreve” não pode ser considerado literatura, uma bula de remédio, por exemplo, não expressa polivalência, avalie a emoção, o subjetivismo…, ingredientes estes fundamentais que exige a literatura como forma. Na condição de estudioso das letras, posso discordar do seguinte pensamento: “… há duas línguas e sua respectiva linguagem: a falada e escrita” (ibdem); no campo da literatura, nesse, e só nesse sentido, apontado pelo Sr. Moura, a construção e variação da arte não implica que a língua se fragmente, já que aplicada ao fazer literário, continua sendo apenas uma, promulgada, porém, em duas formas distintas, oral e escrita; e a oral, como sabemos, não implica literatura, tal qual o teatro, que só é literatura na sua condição impressa, logo, como advertiu, certa vez, o estudioso Massaud Moises, o teatro, ambiguamente, só interessa para a literatura quando não é teatro.

Analisar conceitos tão amplos como “literatura”, “moral”, “poesia”, “ética”, enfim, rege ao pensador e ao ensaísta reflexões profundas que visam observar as mudanças dos tempos e as transformações que uma dada ideia sofre, seja de forma positiva ou, até mesmo, não coerente com o sentido original. Como o Sr. Moura citou, “… na antiguidade, tudo o que se considerava ‘literatura’ era feito em poesia, com ritmo e metrificação” (Op. Cit. p. 14), sem dúvidas, mas é, também, sabido que esta regra vale-se para a antiguidade ocidental, que é o nosso caso. A propósito, a base do conhecimento, tanto antigo quanto contemporâneo, nunca deixou de se fixar nas artes, filosofias, religiões e ciências, sendo, aí, possível ainda, uma segunda classificação: As de base palpável, ou seja, física, concreta; e as de caráter abstrato, não-física, suposta, meditada; classificando-se, então, as ciências e as artes no primeiro caso e as religiões e filosofias no segundo.

Mudemos um pouco a análise do conceito de literatura e vejamos um pouco mais, aliás, como o Sr. Moura avalia a poesia, “palavra mais abrangente, na sua origem significava fazer” (idem). O verbo “fazer” pareceu empregado de forma insatisfatória, a palavra “poesia” vem do grego poiesis e significa, ao pé da letra, criar, no sentido de imaginar. O conceito sempre foi o mesmo. Muito me espanto quando percebo a secular confusão que existe entre a diferença de poesia para poema, talvez por serem palavras análogas; todavia, como o próprio sentido original nos dita, poesia é, na realidade, o elemento espiritual da arte, sendo refletida tanto na literatura quanto na escultura, pintura, fotografia etc., trocando em miúdos, a poesia é abstrata, individual, única, está em cada um de nós. Uma obra de arte, por exemplo, não possui poesia enquanto não for interpretada como poesia; o ponto de vista é que faz a diferença. O poema, então, é apenas uma ferramenta da qual o artista se utiliza a fim de expressar as suas emoções, ou seja, a poesia que sente no momento produtivo; o poema é o pincel, ou a tela, ou a tinta, do poeta. O Sr. Moura, na busca de entender e licenciar-se em tais conceitos, lança mão das palavras do diplomata e escritor mexicano Octávio Paz, quando cita: “o poema é poesia” (Op. Cit. p. 15); assim, desprezando o verdadeiro sentido já, aqui, descrito.

Poema pode, ou não, ter poesia e a poesia pode, ou não, ser constituída em forma de poema. Vejamos a assertiva do brasileiro Hermes Vieira, quando em ensaio sobre Humberto de Campos, nos legou as palavras do mestre Orris Soares: “há, muito verso sem poesia e muita poesia sem verso. O verso propriamente dito não é arte, é artifício”; sendo todo poema um conjunto de versos, o conceito de forma generalizada aplica-se, logicamente, ao poema. Não dando ouvidos ao alerta de Massaud Moisés, Francisco Miguel de Moura entende, através de Fidelino de Figueiredo, que “a arte literária é, verdadeiramente, a ficção, a criação de uma supra-realidade” (Op. Cit. p. 16), e assim, como que tentando entender, fico nesta mesma linha, matutando o quê pode existir acima da realidade, já que ficção, por mais surreal que seja, busca na realidade as bases de sua construção.

O certo, porém, é classificar, sim, a literatura como a “criação de uma para-realidade”, como bem reflexiona o mestre Moisés: “o mundo ficcional não está ‘acima’ senão ‘ao lado’, paralelo à realidade ambiente, com ela realizando um permanente intercâmbio e nela se integrando inextricavelmente”, o intercâmbio de que fala é tão constante que sem ele jamais o artista poderia criar ou poderíamos interpretar uma criação à luz do raciocínio comparativo.

Fonte:
parte integrante do artigo de Daniel C. B. Ciarlini, disponível em http://franciscomigueldemoura.blogspot.com/

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Convite para Lançamento da Antologia Literária Cidade

Uma vitrine e um painel da produção literária em língua portuguesa. Assim pode ser caracterizada Antologia Literária Cidade, organizada pelos professores Mestres Abílio Pacheco e Deurilene Sousa. Os volumes IV, V e VI, sob o selo da L&A Editora, serão lançados na XIV Feira Pan Amazônica do Livro, no dia 02 de setembro, de 18:00 às 21:00 horas, no Stand do Escritor Paraense.

Os três volumes contam juntos com 66 escritores, sendo: 15 do Pará, 13 de São Paulo, 5 do Rio Grande do Sul, 4 do Rio de Janeiro, 3 do Mato Grosso, 3 de Minas Gerais, 2 do Amazonas, 2 de Pernambuco, 2 da Bahia, 2 do Distrito Federal, 2 do Rio Grande do Norte, 2 da Paraíba, 1 do Ceará, 1 de Santa Catarina, 1 do Espírito Santo, 1 do Paraná, 1 de Maranhão, 1 de Sergipe, 1 de Goiás, 1 do Piauí e 3 de Portugal.

A Antologia Literária Cidade teve seus três primeiros volumes lançados na XIII Feira Pan Amazônica do Livro, em novembro de 2009, com enorme aceitação do público, que pode conhecer obras tanto de autores inéditos quanto de autores já publicados. Espera-se a mesma aceitação com os três volumes atuais, que nos levam por um labirinto de sensações, desnudando a alma de cada autor, ímpar em percepção e inspiração.

Os organizadores da Antologia nos convidam para um encontro com a pluralidade literária dos escritores de língua portuguesa; pluralidade essa, metaforizada na palavra cidade, espaço múltiplo,de figuras moventes.

Serviço:
O quê: Lançamento da Antologia Literária Cidade
Quando: 02 de Setembro, de 18:00 às 21:00
Onde: Stand do Escritor Paraense Hangar: Centro de Convenções.
Observação: durante a XIV Feira PanAmazônica do Livro

Outras informações:

Site/Blog: http://antologiacidade.wordpress.com
Email: antologiacidade@bol.com.br
Telefones: (91) 8263-8344 / 8896-0379
(ambos a partir de 20 de agosto)