sábado, 25 de setembro de 2010

Malba Tahan (O Gato do Cheique)


Entre as lendas mais características do velho Egito, uma existe que merece ser contada sete vezes.

Vivia na cidade do Cairo um cheique de grande cultura chamado Calil El Modabighi, cujo nome aparecia sublinhado pela simpatia e pelo respeito que os muçulmanos soem emprestar aos sábios que são generosos e modestos. Era um homem verdadeiramente feliz; a vida para ele corria sempre suave, em meio de invejável conforto e ritmada por uma prosperidade que crescia na ordem natural das coisas, dia para dia.

O bom cheique vivia isolado; possuía, porém, um gato preto pelo qual tinha particular predileção.

Uma noite, tendo despertado casualmente, ouviu o sábio um ruído estranho, junto à porta de sua casa, e viu, com infinita surpresa, o gato levantar-se, abrir cautelosamente a larga janela e perguntar:

— Quem bate?

Alguém, que estava fora, no meio da escuridão da rua, respondeu, com voz sucumbida:

— Venho em busca do teu auxílio, ó poderoso djin! Abre a porta.

Retorquiu o gato:

— Proferiram o nome de Deus, junto à fechadura, e eu sou fraco para vencer esse encanto!

— Atira-me, então, um pedaço de pão pela janela — implorou o misterioso pedinte. — Dá-me, ao menos, um pouco d’água.

— Proferiram o nome de Deus junto do jarro, e eu sou fraco para vencer esse encanto! — declarou ainda o gato.

E ajuntou:

— Na casa ao lado moram infiéis que não pronunciam nunca o nome de Deus. Entra por minha ordem na sala do vizinho e tira de lá o que quiseres.

E, isso dizendo, voltou para o leito, meteu-se entre as cobertas e pôs-se a dormir sossegado.

Compreendeu o cheique, com maior assombro, que o gato preto era um djin, isto é, um gênio dotado de poder sobrenatural, capaz de praticar feitos mágicos e prodigiosos, como fazem os espíritos bons que povoam o espaço.

No dia seguinte o honrado ancião, depois de acariciar longamente o seu gato, disse-lhe, carinhoso:

— Meu bom companheiro, ó gatinho do coração! Bem sabes quanto tenho sido teu amigo! Quero possuir um palácio...

Esquivou-se o gato das mãos de seu dono e saltou para o peitoril da janela. E, naquele mesmo tom com que à noite falara ao estranho visitante, disse:

— Cheique! A tua amizade, outrora tão preciosa, de hoje para o futuro perdeu, infelizmente, para mim, todo o valor! Descobriste o segredo de minha existência; já sabes o que sou! Passaste, pois, a ser meu amigo por interesse!

E, tendo proferido tais palavras, pulou para a rua, fugindo de casa e nunca mais voltou.

Desse dia em diante, a vida do velho cheique desandou por completo; e antes, talvez, que as águas lutulentas do Nilo invadissem pela segunda vez as terras era ele apontado como um dos homens mais infelizes do Cairo.

Perdera, por causa de sua louca ambição, o único amigo e protetor.

Na verdade, a mais sólida e perfeita amizade não resiste ao veneno sutil do interesse.

Fonte:
TAHAN, Malba. O Gato do Cheique e outras lendas. RJ: Ediouro.

Ademar Macedo (Livro de Trovas)

A mais triste Solidão
que os seres humanos têm
é abrir o seu coração...
olhar... e não ver ninguém!

Almoço e janto poesia.
E neste meu universo,
mastigo um pão todo dia
amanteigado de verso.

Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca fez chover prantos
nos olhos dos nordestinos!

A vida escreve-me enredos
com finais que eu abomino.
Meus sonhos viram brinquedos
nas mãos cruéis do destino...

Com os temas mais dispersos,
eu mesmo me fiz enchente
numa enxurrada de versos
jorrando da minha mente...

Da Bebida fiquei farto,
bebendo perdi quem amo;
hoje bebo no meu quarto
as lágrimas que eu derramo.

Da fonte que jorra o amor,
Deus, na sua imensidão,
faz jorrar com todo ardor
as carícias do perdão.

Debruçado sobre a mata,
o Luar, tal qual pintor,
pinta as folhas cor de prata
e pinta o chão de outra cor.

Depois que chove na mata,
a lua, de luz acesa;
pinta as folhas cor de prata
com tintas da Natureza.

Descobri no envelhecer,
em meus momentos tristonhos,
que eu não tive, em meu viver,
nada mais além de sonhos!...

Descobri no envelhecer
que a musa que me enaltece
não deixa o verso morrer,
pois musa nunca envelhece!

Do fogo no matagal,
na fumaça que irradia,
vejo um câncer terminal
no pulmão da ecologia!...

Entre os atos de bonança
e meus pecados mortais,
quando eu botar na balança,
Deus sabe quais pesam mais!...

Envolto numa utopia,
num devaneio sem fim,
vivo hoje uma fantasia
que eu mesmo inventei pra mim.

Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela.
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!...

Mesmo em momentos tristonhos,
carregada de lamentos,
navega cheia de sonhos
a Nau dos meus pensamentos!...

Mesmo na dor, pus de pé,
com esperanças sem fim,
a Fortaleza de fé
que existe dentro de mim.

Muda-se a cor preferida;
troca-se a corda do sino;
muda-se tudo na vida;
mas não se muda o destino...

Não se estresse nem me agrida,
ouça a voz do coração.
Deixe que o Tempo decida
quem de nós dois tem razão!...

Na transposição mais nobre,
podemos, sem qualquer risco,
matar a sede do pobre
com as águas do São Francisco!...

Nossa cultura se entende
nas lições que eu mesmo tive:
o saber a gente aprende,
a cultura a gente vive.

Numa caminhada inglória,
com minha alma enternecida;
pude ver a minha história
no retrovisor da vida.

Numa combatividade,
cheia de brilho e de glória,
saber perder, na verdade,
é também uma Vitória!

Num afago em seus cabelos,
num carinho em sua face,
vi que, através de desvelos,
um grande amor também nasce...

Num devaneio qualquer,
feito de sonho e de imagem,
no seu corpo de mulher
fiz a mais linda viagem.

Num triste e cruel enredo
escrito por poderosos,
a Terra treme com medo
das mãos dos gananciosos...

O Deus que fez lago e monte,
que fez céu, mar, noite e dia,
fez do poeta uma fonte
por onde jorra poesia...

O grande desmatamento,
por ganância ou esperteza,
põe rugas de sofrimento
no rosto da natureza...

O meu primo se reveza
entre beber e rezar.
Ás sete ele está na reza
e as oito e meia no bar!!!

O Pantanal se engalana,
mas eu mesmo desconfio;
que até a própria chalana
sente ciúmes do rio.

Para alcançar a pujança,
basta-me ter, sem fadigas,
a força e a perseverança
do Trabalho das formigas!...

Passam sempre em meu portão,
trazendo um fardo de dor,
crianças que não têm pão,
pedindo “um pão por favor”!...

Pela insensatez da idade
e pelo que o amor requer,
choro, às vezes, de saudade
fingindo outra dor qualquer!

Perdido, pois, nas rotinas,
nos labirintos da dor,
encontrei entre as ruínas
pedaços do nosso amor...

Por minha fé ser tamanha,
pude remover enfim,
pedaços de uma montanha
que tinha dentro de mim...

Por ter a lingua de trapo,
disse, ao ser mandado embora:
- É moleza engolir sapo...
o duro é botar pra fora!

Quando a inspiração lhe acena,
o bom Trovador se expande.
Numa Trova tão pequena,
faz um poema tão grande!

Quando de um amor me aparto,
em tristezas me esparramo:
bebo sozinho em meu quarto
as lágrimas que eu derramo!

Quem se entrega a solidão
e dela se faz refém,
anda em meio à multidão
mas não enxerga ninguém!

Queria ao fim da jornada,
na manhã do meu adeus,
ver o brilho da alvorada
na luz dos olhos de Deus!

Que venham chuva e calor,
que os ventos desçam ou subam,
pois ninhos feitos de amor
tempestades não derrubam...

Se a vida é apenas passagem
quero que me façam jus;
na minha última viagem
deixem que eu veja Jesus!

Sem galinha cabidela,
sem ter arroz nem feijão,
hoje eu botei na panela
meu sapo de estimação!...

Sou matuto em alto astral
e um velho muito ranzinza.
Só festejo o Carnaval
na quarta-feira de cinza!

Tem cão que mora no morro,
outro morando em mansão;
porque nem todo cachorro
leva uma vida de cão.

Traz alentos, novas vidas,
muda a cor da plantação;
a chuva sara as feridas
que a seca faz no sertão.

Vejo sentadas no chão,
trajadas de desamor,
crianças comendo pão
amanteigado de dor!

Versos já fiz - não sei quantos -
relembrando a mocidade.
Hoje servem de acalantos
para ninar a saudade.

Vi à luz de lamparina,
em inspirações imerso
que a musa se faz menina
para brincar no meu verso.

Visita pra meter medo,
que nem vassoura adianta,
É aquela que chega cedo
e só sai depois que janta!

Vou vender meus poemetos
na feira, seja onde for,
e comprar alguns espetos
para espetar "julgador"!

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Fontes:
Colaboração do Autor

Malba Tahan (1895 – 1974)


Júlio César de Mello e Souza (Rio de Janeiro, 6 de maio de 1895 — Recife, 18 de junho de 1974), mais conhecido pelo heterônimo de Malba Tahan, foi um escritor e matemático brasileiro. Através de seus romances foi um dos maiores divulgadores da matemática no Brasil.

Ele é famoso no Brasil e no exterior por seus livros de recreação matemática e fábulas e lendas passadas no Oriente, muitas delas publicadas sob o heterônimo/pseudônimo de Malba Tahan. Seu livro mais conhecido, O Homem que Calculava, é uma coleção de problemas e curiosidades matemáticas apresentada sob a forma de narrativa das aventuras de um calculista persa à maneira dos contos de Mil e Uma Noites. Monteiro Lobato classificou-a como: "… obra que ficará a salvo das vassouradas do Tempo como a melhor expressão do binômio ‘ciência-imaginação.’"

Júlio César, como professor de matemática, destacou-se por ser um acerbo crítico das estruturas ultrapassadas de ensino. "O professor de Matemática em geral é um sádico. — Denunciava ele. — Ele sente prazer em complicar tudo." Com concepções muito à frente de seu tempo, somente nos dias de hoje Júlio César começa a ter o reconhecimento de sua importância como educador. Em 2004 foi fundado em Queluz -- terra onde o escritor passou sua infância—o Instituto Malba Tahan, com o objetivo de fomentar, resgatar e preservar a memória e o legado de Júlio César.
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Malba Tahan nasceu na cidade do Rio de Janeiro, mas viveu quase toda a infância na cidade paulista de Queluz. Seu pai João de Deus de Melo e Sousa e sua mãe Carolina Carlos de Melo e Sousa tinham uma renda familiar apenas suficiente para criar os oito filhos do casal. Quando criança, já dava mostras de sua personalidade original e imaginativa. Gostava de criar sapos (chegou a ter 50 deles no quintal de sua casa) e já escrevia histórias com personagens de nomes absurdos como Mardukbarian, Protocholóski ou Orônsio. Em 1905, retornou ao Rio de Janeiro para estudar. Cursou o Colégio Militar e o Colégio Pedro II. A partir de 1913, passou a freqüentar o curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica.

Em 1918, passou a colaborar no jornal O Imparcial, onde publicou seus primeiros contos com o pseudônimo R. S. Slade. Nos anos seguintes, o jovem escritor estudou a fundo todos os aspectos da cultura árabe e da oriental. Em 1925, propôs a Irineu Marinho, dono do jornal carioca A Noite, uma série de "contos de mil e uma noites". Surgia aí o escritor fictício Malba Tahan, que assinava os contos que foram publicados com comentários do igualmente fictício Prof. Breno de Alencar Bianco. Seu pseudônimo tornou-se tão famoso que o então Presidente Getúlio Vargas concedeu uma permissão para que o nome aparecesse estampado em sua carteira de identidade. Na década de 1930 aconteceu uma grande polêmica entre autores de livros de matemática: Tahan contra Jacomo Stávale e Algacyr Munhoz Maeder. Até o fim da vida, Júlio César escreveu e publicou livros de ficção, recreação e curiosidades matemáticas, didáticos e sobre educação, com seu nome verdadeiro ou com o ilustre pseudônimo.

Paralelamente à carreira de escritor, dedicou-se ao magistério. Graduou-se como engenheiro civil na Escola Politécnica e como professor na Escola Normal. Deu aulas no Colégio Pedro II e na Escola Normal, lecionando diversas matérias como história, geografia e física, até se fixar no ensino de matemática. Ensinou também no Instituto de Educação e na Escola Nacional de Educação. Além das aulas, proferiu mais de 2000 palestras por todo o Brasil e em algumas localidades do exterior. Ficou célebre por sua técnica como contador de histórias e por sua atuação inovadora como professor. Suas aulas eram agitadas e interessantes, sempre repletas de curiosidades que atraiam a atenção dos estudantes.

Foi um enérgico militante pela causa dos hanseníacos. Por mais de 10 anos editou a revista Damião, que combatia o preconceito e apoiava a humanização do tratamento e a reincorporação dos ex-enfermos à vida social. Deixou, em seu testamento, uma mensagem de apoio aos hanseníacos para ser lida em seu funeral.

Faleceu em 18 de junho de 1974 de ataque cardíaco em seu quarto de hotel, após uma palestra proferida no Recife. Deixou uma série de instruções para seu sepultamento: além da mensagem que devia ser lida, exigiu caixão de terceira classe, flores anônimas, nada de coroas, nada de luto nem discursos.

Malba Tahan

Ao criar seu pseudônimo, Júlio César criou também um personagem: Malba Tahan. Este escritor, cujo nome completo seria Ali Yezid Izz-Eddin Ibn Salim Hank Malba Tahan, teria nascido na aldeia de Muzalit, próximo a Meca, a 6 de maio de 1885. Teria feito seus estudos no Cairo (Egito) e Istambul (Turquia). Após a morte de seu pai, teria recebido vultosa herança e viajado pela China, Japão, Rússia e Índia, onde teria observado e aprendido os costumes e lendas desses povos. Teria estado, por um tempo, vivendo no Brasil. Teria morrido em batalha em 1921 na Arábia Central, lutando pela liberdade de uma minoria local Seus livros teriam sido escritos originalmente em árabe e traduzidos para o português pelo também fictício Professor Breno Alencar Bianco.

Homenagens

Em homenagem a Malba Tahan, o dia de seu nascimento – 6 de maio – foi decretado como o Dia do matemático (ou Dia da matemática) pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Malba Tahan ocupou a cadeira número 8 da Academia Pernambucana de Letras, e é nome de escola no Rio de Janeiro.

Obras

Escreveu ao longo de sua vida cerca de 120 livros de matemática recreativa, didática da matemática, história da matemática e ficção infanto-juvenil, tendo publicado com seu nome verdadeiro ou sob pseudônimo. Abaixo, uma lista de seus títulos mais relevantes:
Contos de Malba Tahan (contos)
Amor de Beduíno (contos)
Lendas do Deserto (contos)
Lendas do Oásis (contos)
Lendas do Céu e da Terra (contos)
Maktub! (contos)
Minha Vida Querida (contos)
O Homem que Calculava (romance)
Matemática Divertida e Delirante (recreação matemática)
A Arte de Ler e Contar Histórias (educação)
Aventuras do Rei Baribê (romance)
A Sombra do Arco-Íris (romance)
A Caixa do Futuro (romance)
O Céu de Allah (contos)
Lendas do Povo de Deus (contos)
A Estrêla dos Reis Magos (contos)
Mil Histórias Sem Fim (contos)
Matemática Divertida e Curiosa (recreação matemática)
Novas Lendas Orientais (contos)
Salim, o Mágico (romance)
Diabruras da Matemática (recreação matemática)

Fonte:
Wikipedia

Antônio de Alcântara Machado (Brás, Bexiga e Barra Funda) Parte I


1. O CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL E A ESCOLA LITERÁRIA

O início do século XX ficou marcado, no Brasil e no mundo, por uma série de mudanças em todos os setores da sociedade. Para melhor entendermos o que se estuda sob a denominação de Modernismo, precisamos perceber a relação entre um movimento, uma estética e um período.

O MOVIMENTO

A semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São, em 1922, marca o surgimento do movimento.

Na Europa, movimentos vanguardistas buscam de maneiras variadas e inusitadas novas formas de expressão artística, recusando tudo que significasse tradição. Alguns escritores brasileiros tomavam contato com tais novidades estéticas: Oswald de Andrade conhece o Futurismo em Paris; Manuel Bandeira, o neo-simbolismo suíço; Ronald de Carvalho colabora na fundação de Orpheu, uma revista futurista em Portugal.

Em 1917, Anita Mafatti faz uma exposição de artes plásticas apresentando elementos cubistas e expressionistas assimilados em seus estudos feitos na Alemanha e nos Estados Unidos. A polêmica causada ganhou força na voz de Monteiro Lobato, que escreve um artigo intitulado “Paranóia ou Mistificação” atacando violentamente a artista e suas obras. A defesa foi feita por Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Mário de Andrade.

A partir de então, um grupo de jovens da burguesia culta passa a tomar cada vez mais contato com as novidades da estética européia e a se movimentar de forma cada vez mais atuante no meio literário paulista. Preparam assim a Semana da Arte Moderna, trazendo conferências sobre literatura, pintura, escultura e apresentações de poesia, prosa e música modernistas.. Alguns dos principais participantes da Semana foram Ronald de Carvalho, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e outros. Vejamos alguns de seus episódios centrais:

Finalmente, a 29 de janeiro de 1922, o Estado de São Paulo noticiava: “Por iniciativa do festejado escritor, sr. Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, haverá em S. Paulo uma ‘Semana de Arte Moderna’, em que tomarão parte os artistas que, em nosso meio, representam as mais modernas correntes artísticas”. (...)

Realizaram-se três espetáculos durante a Semana, nos dias 13, 15 e 17 (...).

A grande noite da Semana foi a Segunda. A conferência de Graça Aranha, que abriu os festivais, confusa e declamatória, foi ouvida respeitosamente pelo público, que provavelmente não entendeu, e o espetáculo de Vila-Lobos, no dia 17, foi perturbado, principalmente porque se supôs fosse “futurismo” o artista se apresentar de casaca e chinelo, quando o compositor assim se calçava por estar com um calo arruinado... Mas não era conta a música que os passadistas se revoltavam. A irritação dirigia-se especialmente à nova literatura e às novas manifestações da arte plástica.

(...) Mário de Andrade confessa que não sabe como teve coragem para dizer versos diante de uma vaia tão bulhenta que não escutava, no palco e que Paulo Prado lhe gritava da primeira fila das poltronas. (...)

Mas, de qualquer forma, havia sido realizada a Semana de Arte Moderna, que renovava a mentalidade nacional, pugnava pela autonomia artística e literária brasileira e descortinava para nós o século XX, punha o Brasil na atualidade do mundo que já havia produzido T. S. Eliot, Proust, Pound, Freud, Planck, Einstein, a física atômica.

Em meio a muita polêmica a arte modernista conquistava seu espaço.

A ESTÉTICA

A primeira fase modernista foi chama de “fase heróica” ou “fase da revolução estética”. Na realidade, nunca conseguiram delinear claramente sua teoria estética. O que os unificara era uma intensa vontade de expressão livre e a tendência para transmitir a emoção pessoal e a realidade do país de modo não convencional. Quanto ao estilo, os modernistas rejeitaram os padrões portugueses, e deram espaço a uma expressão mais coloquial, próxima do falar brasileiro. Os assuntos também foram renovados, por meio do desejo de serem atuais, de exprimir a vida diária, o cotidiano. Enfim sua maior arma foi a valorização do prosaico e do bom humor.

O PERÍODO

O ano de 1922, marco na busca de liberdade literária, coincide com o Centenário da Independência. O mundo ainda faz descobertas das influências deixadas pela Primeira Guerra Mundial (1914/1918). No Brasil, há um crescimento da indústria. Começa-se a questionar a legitimidade do sistema político, dominado pelas oligarquias rurais. Desde 1890, a chegada de imigrantes como mão-de-obra traz também novos elementos culturais que passam a ter cada vez maior influência, como se vê na cidade de São Paulo.

2. O AUTOR: VIDA E OBRA

Antônio Castilho de Alcântara Machado d’Oliveira nasceu em São Paulo, em 1901, e faleceu no Rio de Janeiro em 1935. Filho de uma família tradicional na qual havia dois professores da faculdade de Direito onde se formou. Ainda estudante, fez jornalismo literário e crônicas teatrais. Sua segunda viagem para a Europa serviu de fonte para seu livro de estréia, Pathé Baby (1926). Em São Paulo esteve sempre vinculado aos responsáveis pela semana de Arte Moderna. Foi redator e colaborador das revistas modernistas Terra Roxa e outras Terras, Revista de Antropofagia e Revista Nova. Destacou-se como cronista e contista, mas também dedicou à pesquisa histórica, da qual resultaram trabalhos sobre Anchieta. Depois de 1932, entregou-se à atividade política, motivo da transferência de sua residência para o Rio de Janeiro.

Segundo a crítica, Alcântara de Machado foi o primeiro escritor do modernismo a se mostrar sensível às mudanças na prosa ficcional, dedicando-se à história curta. Sua atenção voltava-se basicamente para as curiosidade que o encontro entre italianos e paulistas provocava. Seu estilo, perfeitamente de acordo com os ideais modernistas, marca-se pela leveza, bom humor, fundido o registro de ítalos-brasileiras com imagens urbanas e a emoção do cotidiano. É nesse instante que sugere o retrato de uma São Paulo nova, em plena mudança na estrutura social e na economia.

OBRAS DO AUTOR

Pathé Baby, 1926; Brás Bexiga e Barra Funda, 1927; Laranja da China, 1928; Anchieta na Capitania de São Vicente, 1928; Comemoração de Brasílio Machado, 1929; Mana Maria, ed. Póstuma, 1926; Cavaquinho e Saxofone, ed. Póstuma, 1940.

3. ANÁLISE DA OBRA

Brás, Bexiga e Barra Funda é composto por um prefácio e onze histórias curtas, todas focalizando o ítalo-brasileiro nos bairros operários no início do século.

RESUMO DOS ENREDOS

1 · ARTIGO DE FUNDO

Na verdade, é o prefácio do livro. Porém, como, de m modo irreverente, o autor nega que a obra seja livro, o texto deixa de ser prefácio. O livro nasceu jornal, os contos nasceram notícias e o prefácio, portanto, nasceu artigo de fundo.. E como jornal, Brás, Bexiga e Barra Funda é o órgão dos ítalo-brasileiros de São Paulo.

Durante muito tempo, o Brasil teria vivido da mistura de três raças tristes: a primeira, os índios que aqui estavam quando chegou a segunda raça, os portugueses. Da mistura destas duas, nasceram os primeiros mamelucos.

A terceira raça, os negros, veio trazendo “outras moças gentis, mucamas, mucambas, mumbandas, macumbas” e nasceram os segundos mamelucos. Com os dois grupos de mamelucos o Brasil começou a funcionar.

Até que outras raças vieram a Europa, entre elas os alegres italianos. E da mistura da gente imigrante com o ambiente e com a gente indígena nasceram novos mamelucos, os “intalianinhos”.

Houve implicância e preconceito no começo:

Carcamano pé de chumbo
Calcanhar de frigideira
Quem te deu a confiança
De casar com brasileira?

Mas o italiano soube com seu jeito fazer-se respeitas e poderia responder: “A brasileira, per Bacco!”

Assim, o italiano conseguiu seu espaço.

Brás, Bexiga e Barra Funda, como jornal que é, não toma partido. Procura apenas noticiar os fatos do cotidiano.

Muitos ítalos-brasileiros serão homenageados neste jornal por terem impulsionado a vida espiritual e material de São Paulo.

2 · GAETANINHO

Gaetaninho quase foi atropelado por um Ford quando banzava no meio da rua. A mãe o manda entrar. Ele vem chegando e dribla a mãe com o chinelo da mão.

O sonho de Gaetaninho é andar de carro. Mas, ali, na rua do oriente, isso só acontece em dia de enterro. Um amigo de Gaetaninho, o Beppino, já atravessara a cidade de carro mas só porque sua tia Peronetta ia ser enterrada no Cemitério do Araçá.

Gaetaninho sonha que sua tia Filomena morre e vai ser levada para o cemitério. Ele vai na boléia do carro, ao lado do cocheiro, com roupa marinheira, palhetinha – chapeuzinho de palha – e ligas pretas segurando as meias. Muita gente na rua, vendo o enterro, admirava o Gaetaninho. Ele só não estava satisfeito porque o cocheiro não queria deixá-lo carregar o chicote.

Gaetaninho acorda com a tia Filomena cantando o Ahi, Mari! Primeiro fica desapontado. Depois quase chora de ódio.

Quando tia Filomena soube do sonho teve um ataque de nervos. E Gaetaninho tratou de substituí-la pelo seu Rubino, o acendedor da Companhia de Gás, que uma vez lhe deu em cocre danado de doído.

Durante um jogo de bola na calçada Gaetaninho pergunta para Beppino se ele irá ao enterro do pai do Afonso. Outro amigo, o Vicente, reclama da desatenção no jogo.

Gaetaninho volta para seu posto de defesa. Beppino chuta a bola de meia que vai parar no meio da rua. Gaetaninho vai buscar mas é atingido pelo bonde que trazia seu pai.

No dia seguinte, sai um enterro da rua do Oriente levando Gaetaninho no carro da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres em cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a palhetinha. Num dos carros do cortejo via-se Beppino vestido num soberbo terno vermelho.

3 · CARMELA

Carmela e Bianca saem da oficina de costura onde trabalham na rua Barão de Itapetininga. Carmela, bonita, sensual é paquerada na rua. Bianca, feia e estrábica, é a sentinela da companheira. Um rapaz – o caixa d’óculos – num automóvel Buick que já a paquerara em outro dia, reaparece. Carmela encontra o namorado Ângelo Cuoco, entregador da casa Clarck e pede para Bianca dar o fora. Na rua do Arouche o Buick passa várias vezes. Ângelo fica enciumado. Bianca, que segue um pouco atrás, é interpelada pelo caixa d’óculos. Com sua lábia consegue o endereço de Carmela e lhe manda um recado marcando um encontro atrás da Igreja da Santa Cecília. Bianca dá o recado para Carmela, incentivando-a.

Da noite Carmela, antes de deitar-se na cama de ferro ao lado da irmãzinha, lê Joana a desgraçada ou Odisséia de uma virgem, fascículo 2º. Olhando a gravura da capa, começa a confundir a imagem da princesa raptada com a sua própria imagem e a do castelo com a Igreja Santa Cecília. Mas logo o trispeiro Giuseppe Santini manda apagar a luz.

Carmela decide aceitar o convite mas apenas até a Alameda Glette. Bianca continua incentivando.

Na hora do encontro, Carmela exige que Bianca entre junto no Buick.

No encontro do domingo seguinte, Carmela avisa que Bianca não irá mais no carro. Bianca, cheia de despeito, começa a recriminar as atitudes da amiga.

Depois de ver o Buick afastar-se, Bianca vai dar um giro no bairro. Encontra a Ernestinha e lhe conta tudo. Quando Ernestinha pergunta sobre o Ângelo, Bianca responde:

- O Ângelo? O Ângelo é outra cousa. É pra casar.

· Tiro de Guerra nº 35

No Grupo Escolar da Barra Funda Aristodemo Guggiani aprendeu malandragens e ideais nacionalistas. Aristodemo era a melhor voz da classe, puxando o coro para cantar o hino nacional e o da bandeira.

Saiu do Grupo e foi trabalhar para o cunhado. Cresceu brincando, jogando bola, amando, brigando...

Quando brigou com o cunhado foi ser cobrador da linha Praça do Patriarca – Lapa na Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio. Na rua das Palmeiras arrumou uma “pequena”.

Logo sumiu a “pequena”, sob o pseudônimo de Mlle. Miosotis, publica uma notinha n’A Cigarra indagando do seu paradeiro.

Aristodemo agora era soldado do Tiro de Guerra nº 35. Influenciado pelo sargento Aristótoles Camarão de Medeiros, Aristodemo ficou extremamente patriótico. Tornou-se ajudante de ordens do sargento e recebeu ordem de levar cópias do hino nacional para o ensaio de sete de setembro.

Durante o ensaio, Aristodemo acaba perdendo a paciência e dá um tabefe num soldado “alemãozinho” que estava “escachando” o hino nacional.

Após ouvir as testemunhas, o sargento Aristóteles escreve a “ordem do dia” expulsando o alemãozinho e citando Aristodemo como exemplo de patriotismo.

Ainda sob a influência do patriótico sargento, Aristodemo pede sua demissão da Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio e vai trabalhar na Sociedade de Transportes Rui Barbosa Ltda., na mesma linha.

4 · AMOR E SANGUE

Nicolino Fior d’Amore estava triste, com a alma negra. Brigou com o verdureiro, não conseguiu encontrar a Grazia, não deu atenção ao amigo, não cumprimentou seu Salvador, dono da barbearia onde trabalhava. Também fingiu não ouvir quando o Temístocles da Prefeitura comentou um crime passional.

Ao encontrar Grazia na saída da fábrica, ameaçou se matar caso ela não falasse com ele. A única resposta que ela lhe dá é: “Pensa que eu sou aquela fedida da Rua Cruz Branca?” E vai embora.

Quando Grazia saía da fábrica conversando e rindo com Rosa, Nicolino aparece e lhe dá uma punhalada.

Na delegacia, ele se defende dizendo que estava louco e todos os jornais registram que essa frase foi dita chorando. E dela surge o estribilho de Assassino por Amor (Canção da atualidade para ser cantada com a música do “fubá”, letra de Spartaco Novais Panini)” que causou furor na zona:

Eu estava louco, Seu delegado! Matei por isso, Sou um desgraçado!

5 · A SOCIEDADE

A esposa do conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda não tolera sequer imaginar que a filha Teresa Rita venha a se casar com um “filho carcamano”

Mesmo assim, o rapaz, Adriano Melli, ronda a sua janela, passa buzinando no seu Lancia e cumprimentando com seu chapéu Borsalino. A mãe, atenta, manda-a entrar.

Os pais não puderam ir ao baile graças a um furúnculo no pescoço do conselheiro e com isso Teresa e Adriano conseguem se ver. Neste encontro, o jovem anuncia seu pai quer fazer negócio com o pai da moça.

A mãe, precavida, já deixa avisado: “Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão de Teresa para o filho você aponde o olho da rua para ele, compreendeu?”

Mas o negócio era outro. O senhor Salvatore Melli vinha propor sociedade em um negócio no qual o conselheiro entrava com uns terrenos e ele com o capital. No meio da conversa, Salvatore avisa que seu filho será o gerente da sociedade.

Consultando a mulher, o conselheiro obteve a seguinte resposta: “Faça como quiser, Bonifácio...”. E ele resolveu aceitar.

Seis meses depois vem a outra proposta: o casamento dos filhos.

No chá de noivado, o senhor Melli recordou na frente de todos o tempo que vendia cebolas, batatas, Olio di Lucca e bacalhau para a mãe de Teresa quase sempre fiado e até sem caderneta.

6 · LISETTA

Assim que entrou no bonde com sua mãe, Lisetta viu logo o urso de pelúcia no colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda. Quando a menina rica percebeu o encanto de Lisetta passou a exibir-se com o urso, deixando Lisetta ainda mais deslumbrada. Dora Mariana, a mãe, pedia à menina que ficasse quieta, mas Lisetta agora queria pegar o urso um pouquinho. A mãe da menina rica olhou, com ar de superioridade, fez um carinho no bichinho e se olhou no espelho. E o escândalo continuava.

Quando a família rica desceu, a mãe, já em frente ao seu palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou o bichinho no ar, provocando a menina.

Já em casa, Lisetta levou uma surra histórica. A mãe só parou quando Hugo, irmão da menina, chegou da oficina e a defendeu.

Mais tarde, Hugo deu à Lisetta um urso “pequerruncho e de lata”. Pasqualino, outro irmão, logo quis pegá-lo. Mas Lisetta correu para o quarto e “fechou-se por dentro”.

7 · CORÍNTIANS (2) VS. PALESTRA (1)

A partida estava vibrante no estádio do Parque Antártica. Miquelina, ao lado de sua amiga Iolanda não consegue se conformar quando o Coríntians faz o gol.

Sua esperança para garantir o Palestra agora era o Rocco. Gostava dele. Antes namorava o Biagio, jogador do Coríntians. Quando terminou o namoro, ela parou de freqüentar os bailes dominicais da Sociedade Beneficiente e Recreativa do Bexiga, onde todo mundo sabia da história deles. “E passou a torcer para o Palestra. E começou a namorar o Rocco.”

Matias, jogado do Palestra, empata o jogo. Miquelina delira.

No intervalo, Miquelina manda pelo irmão um recado ao Rocco, dizendo para que ele “quebrasse” o Biagio.

Quando Biagio estava parar marcar um gol, Rocco o derruba dentro da área: o juiz marca pênalti.

O próprio Biagio bate e faz mais um gol para o Coríntians. O jogo acaba.

Na saída, Miquelina “murchou dentro de sua tristeza”, “nem sentia os empurrões”, “não sentia nada”, “não vivia”.

No bonde, de volta para casa, corintianos faziam a festa. Um torcedor do Palestra reclama que a culpa foi “daquela besta do Rocco”.

Mais tarde Iolanda se surpreende quando Miquelina resolve acompanhá-la ao baile da Sociedade.
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continua...
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Fonte:
Estudo copiado do material do Curso Universitário, disponível em http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/barrafunda

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Therezinha Dieguez Brisolla (Livro de Trovas)


Nosso encontro tem magia
e a nenhum outro se iguala.
A lua, indiscreta, espia...
Que importa? ... A lua não fala !

Suas vindas são surpresas!...
Faz juras... se contradiz!...
E é esse amor, sem certezas,
que há muito me faz feliz!

É noite!... A cama arrumada...
O rádio de pilha mudo...
Sua foto... e, nesse "nada",
a sua presença... em tudo!

Um cumprimento lacônico
e as nossas mãos se entrelaçam.
No amor proibido... platônico...
somente as almas se abraçam.

Ah! coração, tem cautela
e deixa de brincadeira!
Tens sonhos de Cinderela
e eu sou Gata Borralheira!

Deus cria a lua e as estrelas
e uma pergunta o inquieta:
- Quem poderá descrevê-las ?
Então, Deus ... cria o poeta!

Que o Brasil sirva de exemplo
e possa ao mundo, mostrar
que a Amazônia é como um templo...
Não se pode profanar!

Sente, a justiça, o desgosto
do injustiçado a chorar
e tira a venda do rosto,
para o pranto enxugar.

Chega tarde, o companheiro
e ao ver tanta grana, exclama:
- Como ganhaste o dinheiro ?!
Passas o dia na cama!!!

Foi o bebum "muito esperto",
como eremita... e está crente
que, no calor do deserto,
o oásis é de água... ardente!!!
–––––––––––-


Therezinha Dieguez Brisolla natural de São Carlos, SP, nascida em 12 de julho de 1932.
Professora aposentada.
Ingressou no universo trovadoresco em 1984, tendo como mestre o Magnífico Trovador Helvécio Barros.
Membro Fundadora da Academia Bauruense de Letras, Membro correspondente da Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto, SP.
Magnífica Trovadora em Humorismo em Nova Friburgo (única mulher).
Notável Trovadora em Pouso Alegre e Prêmio "Lilinha Fernandes", em Porto Alegre.
Poetisa, contista, cronista e trovadora, com trabalhos em Antologias e em livros com resultados de concursos, inclusive em Portugal.
Possui mais de 600 prêmios. Pertence à UBT - SP, sendo Vice-Presidente de Cultura

Fonte:
União Brasileira dos Trovadores

Nilto Maciel (O Campeão)


Terminada a competição, o repórter encontrou o campeão. Queria uma entrevista exclusiva. E pôs-se a fazer os mais levianos elogios ao vencedor. Comparou-o aos deuses da mitologia greco-romana. Chamou-o super-homem.

Para surpresa sua, no entanto, o campeão não só recusou os louvores, como tratou de depreciar o próprio feito. Tudo obra de truques.

O repórter sorriu, certo de estar ouvindo uma brincadeira de mau gosto. Afinal, estava no exercício de sua profissão. Porém o entrevistando fazia questão de estragar a festa, degradar a competição.

O jornalista mal sabia, no entanto, que realizava a mais importante entrevista de sua carreira.

– Minha vida está no fim.

Nada mais podia ser feito. Todos os exames denunciavam a doença mortal. Os mais eficazes remédios só adiariam a morte.

Questão de dias.

– E como você sente tudo isso?

– Eu me sinto como o viajante com hora marcada para partir. Todos nós vamos viajar um dia. A diferença entre uns e outros está em saberem ou não saberem o horário da partida.

Embasbacado, o repórter não fazia mais perguntas, enquanto o outro falava, sem parar.

– Quem compete se arrisca a trair, mentir, fraudar. E quem compete tem consciência disso. Muitas vezes os melhores não participam de competições. Preferem ser os melhores apenas para si mesmos. E para aqueles que não vão às arenas aplaudir os gladiadores. Assim, o melhor poeta não é o ganhador do Prêmio Nobel.

Com certeza o homem delirava ou enlouquecera. Talvez a emoção da vitória tivesse perturbado os mecanismos centrais de seu cérebro. Precisava repousar, dormir.

– Não quero falar da Igualdade, porque ela se confunde com a Utopia. No entanto posso continuar falando da mentira, da traição, da fraude. Posso dizer, por exemplo, que nas competições todos se igualam: competidores, julgadores e espectadores.

– Vá dormir, campeão.

– Há ainda a competição primordial, entre o ser e o não-ser. E esta é sem significado, completamente inútil.

Fonte:
Jornal de Poesia

José Feldman (Sofrimento)

Sou um pirata moderno, navegando a esmo num mar de solidão. Minúsculo grão de pó soprado pela tempestade de incertezas. Há um vazio dentro de mim, um buraco em minha alma. Persegue-me e me assusta, mas não sei seu nome. Ás vezes se vai, mas depois volta como algo horrível para acontecer e eu, só me sinto só. Eu estou só e o que fizer será só.

Às vezes gostaria de não ter um monte de sensações.

Percorri o arco-íris em busca do pote de ouro...o pote estava vazio. Olhei em volta e...não vi mais o arco-íris, só a noite - minha eterna companheira. Nela está o meu refúgio, pois é a noite que me abraça e me acolhe com amor.

Vivo um grande espetáculo neste imenso cirso e, a atração principal sou eu, o palhaço. Visto a fantasia para fazer os outros rirem e para eu próprio rir, dando a mim uma falsa alegria para esconder o terrível sofrimento e o vazio de minha vida. Essa areia que me engole pouco a pouco.

Perco-me novamente no desespero dos sonhos que vibram de fantasias incontidas, mergulhado em uma nuvem de ilusões que se formam cada vez mais e mais. Triste destino de um ser que erra o limbo, sem esperança. Esperança esta, perdida em algum ponto do deserto - areia e areia, este é o meu destino.

Sou o príncipe da noite, o conde das trevas.

Sigo sonhando, cavalgando meu corcel negro cravejado de diamantes, cortando com minha espada as procelas, capa tremulando ao vento, saltando riachos, sempre em frente, atrás de um futuro incerto.

Cavalgo de um passado negro para um futuro fantasma, por sobre a miragem do presente.

Fonte:
Imagem = http://um-buraco-na-sombra.netsigma.pt/

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A. A. de Assis (Título de Cidadão Benemérito de Maringá)



Foi aprovado hoje (23/09), por unanimidade, o Projeto de Lei de autoria do vereador Ton Schiavone, que concede o Título de Cidadão Benemérito de Maringá ao escritor Antonio Augusto de Assis (foto), membro fundador e presidente de honra da Academia de Letras de Maringá. Será marcada, em breve, a data da Sessão Solene da Câmara Municipal para a entrega do título.

A. A. de Assis nasceu em São Fidélis – Estado do Rio de Janeiro, no dia 07 de abril de 1933.

Chegou a Maringá, para iniciar vida nova, no dia 17 de janeiro de 1955.

Hoje aposentado, foi jornalista e professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá – Paraná.

Membro do Rotary, da Academia de Letras de Maringá, da União Brasileira de Trovadores – Seção de Maringá, da Academia de Letras do Brasil / Paraná e de outras instituições, Assis, além de ser um escritor com centenas de premiações literárias, também é editor, há mais de 11 anos, do boletim mensal Trovia.

Obras:
- Robson (poemas);
- Itinerário (poemas);
- Coleção Cadernos de A. A. de Assis – 10 volumes (crônicas, ensaios e poemas): Bate-papo, Trovas de paz e amor, Os quebra-molas do casamento, Lufa-lufa, Chiquinho, Felicidade sem camisa, Da arte de ser pai, Desafio do amor, Carta aos moços, Xangrilá;
- O português nosso de cada dia (didático);
- Poêmica (poemas);
- Caderno de Trovas,
- A missa em trovas;
- Tábua de Trovas;
- Trovas Brincantes;
- Trovas Brincantes II;
- Triversos travessos (haicais);
- Notas de viagens;
- Memorinhas;
- A língua da gente (e-book);
- Novos Triversos (haicais).

No prelo: Vida, Prosa e Verso.
---
Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Cleto de Assis (O Poder do X)


Ando tão preocupado com as palavras que notei algo interessante: as letras que as formam têm personalidades distintas. A começar pelos dois grupos de vogais e consoantes. As cinco primeiras — A, E, I, O, U — são as cortesãs. A letra A, primeira e única, no eterno papel de candidata ao trono. Em verdade, parece que a letra E disputa a liderança com a A. Pelo menos em quantidade, a E participa mais que todas as suas demais irmãs vogais na formação das palavras. No tempo da composição tipográfica, as caixas de madeira que continham os tipos de metal eram divididas em escaninhos de diversos tamanhos e a casa da letra E minúscula era a maior, bem próxima à vista e à mão do tipógrafo, por ser a mais usada. Reparem no teclado do computador e verão que a primeira vogal a aparecer é a E, já na segunda fila superior, abaixo dos números. E essa disposição foi herdada dos teclados das aposentadas máquinas de escrever. Tudo uma questão de prioridade de utilização.

E o exército de consoantes? Pois toda armada é formada assim: primeiro os generais e depois os soldados. Acima as vogais, que têm som próprio, e depois as consoantes que, como diz o próprio nome, somente soam com a parceria de uma vogal. Se não tiverem uma das cinco irmãs juntinha a si, são letras mudas, a que falta um pedacinho de som. Nossa língua portuguesa ganhou, com a última reforma ortográfica, três outras que se encontravam exiladas há muito – a K, a W e a Y. E deveria ter sido o contrário: com jeitinho e a bem da escrita fonética, teríamos decapitado a letra Q, bem fácil de ser substituída pela C; e a H que também se cuide, pois dá bem para passarmos sem ela. Bastaria adotarmos o simpático eñe espanhol e facilitar a vida de quem já, pela própria natureza, fala errado, dizendo colier e mulier, em vez da verão com H. Vejam como daria certo: “A mulier pegou a colier e acompañou seu marido na sobremesa”. Assim estaríamos criando, formalmente, o portunhol que dominará, dentro de algumas décadas, a América Latina.

Mas as consoantes também têm fortes personalidades. Eu, por exemplo, gosto da letra C, que por acaso inicia meu nome; uma questão de afinidade. Acho que ela é uma letra aberta, sempre pronta a um harmonioso abraço com a vogal que se lhe avizinhe. Há quem prefira a M, estável sobre duas pernas, ao contrário da P que avança seu tórax e se equilibra em apenas uma perninha. A letra R, ao não aguentar a posição circense, desceu rapidamente um esteio e fez com que o Pato se diferenciasse do Rato.

Tenho pena só de uma letra: a Z. A que fica por último, a zelar pela retaguarda do Alfabeto, com ar de zanga permanente, e que de vez em quando se zarelha na vida da S. Como sempre está no meio do azar, também lembra a zebra, a vitória não esperada. Talvez nem seja das mais inteligentes, pois não fala: zurra, à maneira das mulas. Ou, mesmo silenciosa, zumbe incomodamente. Aparentemente quieta, na maioria das vezes, zomba de todas as anteriores letrinhas. E quando se junta a outras suas iguais, onomatopaica, vira sono profundo. Além de azarar os nomes próprios que começam com ela – alguém já ouviu um Zulmar ser o primeiro na chamada escolar?

Examinei a N, uma M com complexo de inferioridade; a S, que conhecemos como cobrinha na escola primária, início de toda serpente e dos sapos. Quando está sozinha, dentro das palavras, em geral é ela que se zarelha, tomando o lugar da Z. A letra V é um pouco despersonalizada, é verdade. Muitas vezes pode ser cobardemente substituída pela B. No Espanhol, então, nem se fala nela. Pode até aparecer graficamente, com aquele ar de A invertido e sem cintura, mas sempre a pronunciam como uma B, coitada.

E a letra F? Uma P de boca aberta, consonante fricativa, lábiodental, surda. Tadinha… Abre a boca, mas apenas sussurra, faz ventinho entre os lábios. Impossível pronunciá-la com a boca cheia de farinha, sem produzir uma nuvem de pó de carboidratos. Já a G, gordinha como ela só, parece estar sempre no engole, engole, mão para dentro da boca. E a J, um cajado invertido, lembra joelhos dobrados a proferir jaculatórias. Ai, Jesus!

A letra Y, a nova irmã, veio para pouco acrescentar, apesar de seu jeitinho de dois dedos levantados em sinal de vitória. O NVOLP (para quem não está acostumado, este sanduíche de letras quer dizer Novo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela ABL, ou Academia Brasileira de Letras) regsitra apenas 45 vocábulos do(a) Y, incluído(a) ele(a) próprio(a), até a 5ª edição, que vem com anexos. K e W aparecem mais, mas não chegam a encher uma página de cinco colunas, cada uma delas.

Mas já que estamos a conversar sobre a personalidade das letras, descobri outra coisa interessante. Já repararam que tratamos as letras à vezes como femininas e outras como masculinas? Dizemos o A e a A, o B e a B. Fui ao dicionário e vi que elas todas (ou eles todos?) são designadas por s.m., que não quer dizer sua majestade, mas substantivo masculino: “B. S.m. 1. A segunda letra do alfabeto etc.” Seria um caso de androginia gramatical?

Todas as divagações anteriores, que não têm o menor peso adicional na cultura de quem me lê, foram feitas para registrar a importância de uma letrinha sempre misteriosa, a senhora X. Notaram que essa indicação já nos remete a alguma pessoa desconhecida, que se esconde atrás de óculos escuros, sempre cabisbaixa e a percorrer rotas obscuras? É sempre o X do problema, a atormentar detetives. Cruz dos matemáticos, que sempre a utilizam como variável independente das equações ou a põem lá no fim, como a incógnita a ser descoberta. Ou não. A X – ou o X – é letra quase universal, que corta as demais julgadas desnecessárias, nome de todos os analfabetos que assinam em cruz, embora Descartes a tenha utilizada para designar sua primeira coordenada. Valia 10 para os romanos, mas nós a utilizamos sempre que queremos falar de uma quantidade indeterminada: falta X para completar. Os documentos secretos e importantes ficam sempre no Arquivo X. O dois risquinhos entrecruzados também facilitaram a vida dos desenhistas de anúncios de lanchonete, ao assumir as feições do queijo dos sanduíches (em inglês, é claro, que é para não perder a pose): X-salada, banana X etc.

Não é uma letrinha versátil e digna de admiração, talvez dotada de multipersonalidade? Em um exame vestibular, ela substitui quilômetros de textos formados por centenas de milhares de palavras e milhões de letras. Basta que a coloquemos dentro de um determinado quadradinho e pronto: traduz a resposta que queremos dar.

E tem mais uma coisa: ela é multiplicativa. É só colocá-la entre dois números e a magia se realiza. Ou, então, adversativa, a indicar lados opostos. Futebol não se realiza sem um X entre dois clubes.

E lembremo-nos, além de tudo, de sua elegância fonética: quando a Corte portuguesa se mudou para o Rio de Janeiro, os nativos trataram de adotar falares europeus, trocando os S finais das palavras por maviosos X, hábito que até hoje os cariocas conservam.

Por tantas razões, quero propor o X, rei das letras, como principal candidato à presidência da República, nas próximas eleições. Ele poderá multiplicar o PIB brasileiro e substituí-lo pelo PIX (produto interno xuave), além de axelerar o creximento xoxial (noxa, como me condixionei rápido a exa teoria ideolóxica!).

Pelo menos ele é uma incógnita que poderá gerar uma solução positiva.

Curitiba, março de 2010

Fonte:
http://cdeassis.wordpress.com/cronicas/

A. A. de Assis (Novos Triversos)

1
O amor fez a luz,
e as águas e os céus e a terra.
Em obras, o homem.

2
Tão simples, meu santo:
“ame e faça o que quiser”.
O resto é discurso.

3
Poeta no parque.
Enquanto caminha ao sol
vai catando haicais.

4
Com tanto edifício,
é difícil ver estrelas.
Que pena, Bilac...

5
Vaga o vaga-lume.
Vaga luz num vago mundo
procurando vaga.

6
Cigarra dá curso
de canto no formigueiro.
E a fábula acaba.

7
De longe o cheirinho
a que Adão não resistiu.
Festa da maçã.

8
Rodada de mate.
Negrinho do Pastoreio
passa bem no meio.

9
Quero-quero-quero...
que queres tu tanto assim?
– Quero a quera-quera.

10
Mindim, seu-vizim,
pai-de-todos, fura-bolo...
Ao sobrante, o piolho.

11
Tão meninas elas,
as meninas dos teus olhos.
Pedem colo, ainda.

12
Nobre girassol.
Como podem, no mercado,
chamá-lo commodity?

13
Toda prosa a rosa.
Vitória-régia-mirim
numa poça d’água.

14
Mágica é a palavra.
Beija-flor é beija-flor,
colibri nem tanto.

15
Vovó faz a sesta
na cadeira de balanço.
Reprise de sonhos.

16
Repartem-se as nuvens
em finos fios de chuva.
Festança na roça.

17
Era um fino belga.
Fez sucesso ao transformar-se
num canário brega.

18
No ap da canária
pinta o 7 o pintassilgo.
Pinta um pintagol.

19
A abelhinha, não.
Bela e útil, não lhe assenta
ser chamada “inseto”.

20
Na Idade da Pedra
talvez já se comentasse:
– É uma pedra a idade.

21
Cada tique-taque
leva um tiquinho da gente.
Para o céu, espero.

22
Longindo-se vai,
suminte, o barquinho a vela.
Quem será com quem?

23
Ah, espelho meu.
Cada vez que em ti me vejo
vejo menos eu.

24
Receita do sapo:
quem quer um sono tranquilo
antes coma o grilo.

25
Gordo flamboaiã.
Só ele no vasto pasto
dando sombra aos bois.

26
Quantas vezes, ah,
eu vi o pião rodar.
E os anos também.

27
As celebridades?...
Dê-lhes tempo e logo-logo
serão gasparzinhos.

28
Do dente por dente
ao voto por dentadura.
A lei da mordida.

29
Flores na enxurrada.
Vão ter afinal bom háli-
to as bocas de lobo.

30
Santo mesmo é o peixe.
Sequer precisou da arca
para se salvar.

31
Caminhão de flores.
Da roça para a cidade,
perfumando as trilhas.

32
Tanto foi ao brejo,
que a vaca um lírio gerou.
O copo-de-leite.

33
Cubram-se as estrelas.
Tem gente capaz de ao vê-las
lhes roubar as pilhas.

34
O parto da história:
aquele em que Adão, dormindo,
fez-se Adão e Eva.

35
Desce o rio a serra.
Colhe as lágrimas da terra
pra fazer o mar.

36
A prece da tarde.
Em coro cantam as aves
as Ave-Marias.

37
Na praia desfilam
sungas, biquínis. De gala,
um par de pinguins.

38
Trinta e tantos graus.
Passarinho, na torneira,
rouba um pingo d’água.

39
Pazinha... colher...
ou vai ser na lambeção?
Sorvete em casquinha.

40
Nuns de vez em quando
sou porventura menino.
Melhores momentos.

41
Um pingo de luz
no topo do arranha-céu.
Brincando de estrela.

42
As rosas no cio.
Sedutoramente abertas
para o beija-flor.

43
Lua cheia míngua,
de repente volta nova.
Imortalidade.

44
Triste bem-te-vi
pareceu-me estar pedindo:
- Não me roube os hífens.

45
Siri pra sereia:
– Quando eu crescer, te prometo,
serei teu sereio.

46
Garrincha e Pelé.
Depois deles nunca mais
houve igual olé.

47
Ao velhinho, o dia.
Nem passado nem futuro
têm-lhe serventia.

48
Estrelas, milhões.
Ou serão anjos brincando
de bola de gude?

49
Entre o céu e a terra,
quanta vã filosofia...
E o pior: bem paga.

50
Pois é, meu poeta:
até as crateras da Lua
de longe são belas.

51
Corrija-se a tempo.
Mais de mater que magistra
necessita o mundo.

52
Tanto pisou nela,
que a calçada deu-lhe o troco.
Dedão destroncado.

53
Antissolidão.
A cada velhinho a tela
de um computador.

54
A pomba e a rolinha.
Uma é grande, outra é pequena,
mas de paz é a cena.

55
Cala-te, canário.
Se cantas além da conta,
contas teus segredos.

56
Pobre couve-flor.
Não sendo nem flor nem couve,
finge ser as duas.

57
Gambazinhos, hummm...
Para o nariz da mãe deles,
que catinga boa.

58
Doce portuñol.
Para los niños los nidos
... y los abuelos.

59
Pousa o passarinho
na imagem de São Francisco.
Os irmãos se entendem.

60
Branquinhas, branquinhas,
voam as garças em V.
Vitória da paz.

Fonte:
O Autor