domingo, 28 de novembro de 2010

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.53)


Trova do Dia

“O que é o amor” me perguntas,
e, em coro, os anjos entoam:
“São duas pessoas juntas
que se amam e se perdoam!”
EDUARDO A. O. TOLEDO/MG

Trova Potiguar

No cérebro ainda martela
a despedida, o adeus:
o “já vou” (nos lábios dela)
e o “não vá (nos lábios meus).
BOB MOTTA/RN

Uma Trova Premiada

1965 > Bandeirantes/PR
Tema > SOLIDÃO > 3º Lugar

A mais cruel solidão
é a do cego (sina triste),
vivendo na escuridão,
sabendo que a luz existe.
GILVAN CARNEIRO DA SILVA/RJ

Uma Poesia livre

– Maria Luiza Bomfim/CE –
ENCONTRO.

Procurei-te tanto!
Nas ruas apinhadas,
nas praias desertas,
nos becos,
nas calçadas!
Procurei-te tanto!
Na multidão sem rumo
sem destino,
sem noção.
Encontrei-te perdido,
procurando também, alguém.
Ficamos juntos!

Uma Trova de Ademar

Se a inspiração me emitir,
todo dia, idéias novas,
brevemente irei abrir
um Shopping Center de Trovas!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Tu és linda, na verdade.
Porém, para meu desgosto,
na alma não tens a metade
da beleza do teu rosto...
LUIZ OTÁVIO/RJ

Estrofe do Dia

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer;
E rego com as próprias lágrimas
Para ilusão não morrer.
JOÃO PARAIBANO/PB

Soneto do Dia

– Miguel Russowsky/SC –
A NAU DA VIDA.

Me sinto a nau a navegar no mundo,
parte insignificante numa frota,
que de esperanças faceeis se aborrota
e... inexoravelmente vai ao fundo.

E onde o céu nem faz conta da gaivota
e o sonho azul já nasce moribundo,
cheios de anseios e de amor fecundo,
vos sois também levados nesta rota.

As ilusões se vão com remos largos
ao mar dos anos céleres e amargos,
obedientes à voz dos evangelhos.

Um dia... eis senão quando... de repente
os sonhos são cadáveres somente
e a nau da vida emborca... estamos velhos!

Ademar Macedo Recomenda os Blogs:

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Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo X : A Tribo dos Advérbios

— O caminho é por aqui, senhorita -— disse o Verbo Ser. — Os Senhores ADVÉRBIOS moram no bairro das PALAVRAS INFLEXIVAS, onde também moram as PREPOSIÇÕES, as CONJUNÇÕES e as INTERJEIÇÕES.

— Que quer dizer Palavra Inflexiva?

— Quer dizer palavra de queixo duro, que não muda nunca de forma, como o fazemos nós, os Verbos. As Palavras Inflexivas são rígidas como se fossem feitas de ferro.

— Mas que é Advérbio? — indagou Emília.

— Advérbio é uma palavra que nos modifica a nós, Verbos; e que modifica os Adjetivos; e que, às vezes, também modifica os próprios Advérbios.

— Que danadinhos, hein? — exclamou Emília. — Mas de que jeito modificam?

— De muitos jeitos. Modificam de Lugar, tirando daqui e pondo ali. Modificam de Tempo, fazendo que seja agora ou depois. Modificam de Modo, ou fazendo que seja desse jeito ou daquele, ou que seja assim ou assado. Modificam de Intensidade, fazendo que seja mais ou menos. Modificam de Ordem, fazendo que seja em primeiro lugar ou não. Pelos rótulos das prateleiras você poderá ver de que jeito eles modificam a gente.

— A gente verbática — frisou Emília —, porque eu também sou gente e nada me modifica. Só Tia Nastácia, às vezes. . .

— Quem é essa senhora?

— Uma Advérbia preta como carvão, que mora no sítio de Dona Benta. Isto é, Advérbia só para mim, porque só a mim é que ela modifica. Para os outros é uma Substantiva que faz bolinhos muito gostosos.

Na Casa dos Advérbios, Emília encontrou-os em caixinhas, com rótulos na tampa. Primeiro abriu a caixinha dos Advérbios de LUGAR, onde encontrou os seguintes: Aqui, Ali, Lá, Além, Longe, Atrás, Fora, Abaixo, Acima, e outros conhecidos seus.

Na segunda caixinha viu os Advérbios de TEMPO — Hoje, Agora, Cedo, Amanhã, Ontem, Tarde, Nunca, Depois, Ainda, Entrementes.

— Oh — exclamou Emília, agarrando o Entrementes pelo cangote. — Não sabia que era aqui que morava este freguês. Conheço um moço que tem tanta birra deste coitado que risca todos que encontra nas páginas dos livros. Mas não é tão feio assim, o pobre. Que acha, Serência?

O Verbo Ser moveu os ombros, como quem não acha nem desacha coisa nenhuma, e Emília jogou o pobre Entrementes para debaixo da mesa.

Na terceira caixinha estavam os Advérbios de MODO — Bem, Mal, Assim, Apenas, Rente, Ainda, Também e outros.

Na quarta estavam os Advérbios de INTENSIDADE — Muito, Pouco, Bastante, Mais, Menos, Tão, Tanto, Quanto, Que, Quase, Metade, Todo e outros.

Na quinta caixinha Emília viu os Advérbios de AFIRMAÇÃO— Sim, Deveras, Certamente.

Na sexta viu os Advérbios de DÚVIDA — Talvez, Caso, Acaso, Porventura, Quiçá.

Na sétima viu os Advérbios de NEGAÇÃO — Não, Nunca, Jamais, Nada.

Na oitava viu os Advérbios INTERROGATIVOS — Onde? Aonde? Donde? Quanto? Quando? Como? Por quê?

Emília notou que em quase todas as caixinhas havia Advérbios terminados em Mente, e depois viu que a um canto estava uma grande caixa cheia dessas palavrinhas.

— Que mentirada é esta aqui — perguntou. — Que tanto Mente, Mente? . . .

— Isto é um caso curioso — explicou Ser. — Esta palavra Mente é um velho Substantivo, com o significado de maneira ou intenção que os homens começaram a empregar no fabrico de Advérbios. Hoje não é mais substantivo e sim rabo de Advérbio, ou Terminação Adverbial, como dizem os gramáticos. Grudando-se um rabinho destes a um Adjetivo, sai um Advérbio. Constante, por exemplo, é Adjetivo; põe o rabinho e vira o Advérbio Constantemente.

— Que engraçado! — exclamou Emília, arregalando os olhos. — De maneira que, se cortarmos o rabinho de Constantemente, aparece o Adjetivo outra vez, não é?

— Está claro.

Para tirar a prova Emília agarrou o Constantemente e arrancou-lhe a caudinha — e, de fato, o Adjetivo Constante saiu a pular de satisfação, indo numa corrida para a casa dos Adjetivos, enquanto a caudinha saltava para dentro do caixão de Mente.

— Os Adjetivos — disse Ser — gostam às vezes de figurar de Advérbio, mesmo sem uso do rabinho. Você, por exemplo, pode dizer: Eu grito alto, em vez de dizer: Eu grito altamente. O Adjetivo Alto faz aí o papel de Advérbio.

Emília viu ainda outra caixa de Advérbios de ares estrangeirados.

— E estes gringos? — perguntou.

— São Advérbios latinos que ainda têm uso no Brasil. Moram nessa caixa o Máxime, o Infra, o Supra, o Grátis, o Bis, o Primo, o Segundo e outros. E aqui, nesta última caixa, moram uns adverbiozinhos que não são Inflexivos como os demais, porque mudam de forma quando querem exagerar. Isto significa que eles têm Grau, como os Adjetivos. Este Perto, por exemplo, sabe virar-se em Pertinho e Pertíssimo.

— Chega de Advérbios — berrou Emília. — Vamos ver as Senhoras Preposições.
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Continua ... Capítulo XI: As Preposições
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

sábado, 27 de novembro de 2010

Silveira Neto (Antologia Poética)


ANTÍFONA

Noite de inverno e o céu ardente de astros,
Com a alma transfigurada na Tortura,
Olhava estrelas, eu, crendo-as, em nastros,
Almas cristalizadas pela Altura.

Frio da noite é o pólo em que o uivo escuto
Do urso branco do Tédio, em brumas densas;
É bar glaciário que nos vem do luto
Da avalanche de todas as descrenças.

A noite é como um coração enfermo;
Rito de almas de maldições cobertas.
Alma que perde a fé muda-se em ermo,
Ermo de tumbas pela vida abertas.

Esse "réquiem" da Cor pelo ar disperso
Como que encerra, num delírio infindo,
Todo o soluço extremo do Universo,
Num concerto de lágrimas subindo.
É cenário do Fim que atroz se eleva
Desde que ao Nada o coração se acoite;
Pois, como o dia cede o espaço à treva,
Fecha-se a Vida nos portais da noite.

Se vem a noite num luar acesa,
Lembra uma cruz coberta de boninas;
A luz da lua é triste, — que a tristeza
É o sagrado perfume das ruínas.

É uma prece o luar, prece perdida
Por noite afora, em lívida cadência,
Como cada sorriso em nossa vida
Planta a cruz da saudade na existência.

Era de estrelas um enorme alvearco
A cúpula celeste escura e goiva;
E a Via-Láctea se estendia em arco,
Branca e rendada como um véu de noiva.

Depois gelada abrira-se, e na extrema
Nevrose eu vi formarem-se, de tantos
Astros, as duas páginas de um poema
Em que eram cor de lágrimas os cantos.

Cantavam as estrelas. Coros almos
O espaço enchiam de um rumor contrito
E histérico, a fundir astros em salmos,
Parecia rezar todo o Infinito.

No êxtase que os páramos outorgam
Aos visionários, eu surpreso via
Que, céus afora, como a voz de um órgão,
A salmodia d'astros prosseguia.

Erma de risos e de majestades.
Porque as estrelas são os magnos portos
Onde ancorou com todas as saudades
A dor de tantos séculos já mortos.

Desde Valmiki e Homero — esses profetas —
As intangíveis amplidões cerúleas
Ouvem, sangrando, a queixa dos Poetas,
Como um cibório de canções e dúlias.

Ermas de tudo que não fosse a mágoa,
As estrelas formavam o Saltério
Num brilho aflito de olhos rasos de água ...
E pelo espanto entrei nesse mistério:

Eis que um Visionário do Supremo Ideal,
ansioso de Azul e de infinito,
(Da ânsia de Azul que teve o Anjo Maldito
Após o castigo extremo)

E fatigado do torvo mundo espalto,
Onde a alma se nos vai muito de rastros,
Pôs-se a evocar a Paz Eterna do Alto;
Falou-lhe então a música dos astros:

LITANIAS

O mesmo céu-que nós olhamos, olho:
Mundos gelados de saudade; admire-os
A alma que tenha, abrolho por abrolho,
Toda a loucura e todos os martírios.

Jorro de pranto com que os versos molho,
A Via-Láctea é um desfilar de círios.
Quanta tristeza para os céus desfolho
Na doida orquestração dos meus delírios! ...

E vou seguindo a ver, pela amargura,
Que as estrelas são lágrimas da Altura,
Ardendo como os círios dum altar.

Nada mais resta: e a vida, fatigada,
De no meu corpo ser tão desgraçada,
Foge-me toda para o teu olhar.

A LUA NOVA

A Nestor Victor

No silêncio da cor, — treva silente —
Abriu-se a noite mádida e sombria,
Logo que o Sol, rezando: Ave, Maria ...
Fechou no Ocaso as portas de oiro ardente.

A terra, a mata, o rio, a penedia.
Tudo se fora pela treva e, rente
Ao céu, ficou a lua nova algente,
Como um sonho esquecido pelo dia.

Ela assim foi: morreu; desde esse instante
Pálido e frio, como a lua nova,
Ficou-me entre as saudades seu semblante.

Mas, ouve: quanto mais doida cresce
A noite que me vem da sua cova, :
Mais branca e inda mais fria ela aparece.

CANÇÃO DAS LARANJEIRAS

Laranjas maduras, seios pendentes
pela ramada, apojados de luz,

Que é das orinhas-nevadas e débeis,
caçoulas de incenso que o aroma produz?

Se elas recendem o ar todo se infla
num esto de gozo, nas frondes do vai,

Como se andasse o Cântico dos cânticos
abrindo-se em beijos no laranjal.

São elas o sonho da árvore em festa
pensando no fruto, que é todo sabor;

Assim a grinalda que enfiaram, das noivas,
é a aurora do dia mais claro do amor.

Infância, candura da estréia longínqua,
luz tênue que flui das auras do céu.

Depois do primeiro amor, o remígio
do sonho mais puro a que a alma ascendeu.

De sonho, bebido em taças que lembram
aquela de lavas, que um dia o vulcão

moldara em Pompéia, num seio de virgem,
talvez em memória de algum coração.

Fonte:
NETO, Silveira. Luar de hinverno e outros poemas (1901), in SIMBOLISMO / seleção e prefácio Lauro Junkes. São Paulo: Global, 2006. (Coleção roteiro da poesia brasileira)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.52)

Trova do Dia

Usar pente todo dia
é mania do Rabelo.
Seria normal? Seria...
Se ele tivesse cabelo!
JOSÉ OUVERNEY/SP

Trova Potiguar

Em um pijama listrado
com as cores da zebrinha
da sorte, foste enjaulado.
Pra teu azar. Sorte minha!
ROSA REGIS/RN

Uma Trova Premiada

2006 > Pitangui/MG
Tema > REZA > M/H.

Quando ela vem eu me enfezo!
Minha sogra não me esquece!
Acho que quanto mais rezo
mais “coisa ruim” me aparece...
HÉRON PATRÍCIO/MG

Uma Trova de Ademar

Teve um chilique o Oscar
ao ver seu filho, um nissei,
ser o primeiro lugar
numa passeata gay.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Certas frígidas "titias",
sob os babados e toucas,
têm o fogo e as calorias
que um fogão de doze bocas.
WALDIR NEVES/RJ

Estrofe do Dia

– Viajei num trem de feira
com minha noiva Raimunda,
Quando eu ia de segunda
ela vinha de primeira,
Eu pulava pra terceira,
pra segunda ela corria,
Quando eu pra primeira ia,
pra segunda ela pulava.
Quando eu ia ela voltava,
quando eu voltava ela ia.
JOSÉ MELQUÍADES/PB

Soneto do Dia

– Itamar Siqueira/PE –
VISITA À CASA DA SOGRA.

Como urubu que regressasse ao ninho,
A ver se ainda um bom caminho logra,
Eu quis também rever a minha sogra,
O meu primeiro e virginal carinho.

Entrei. Pé ante pé, devagarzinho,
O fantasma, talvez, daquela cobra...
Tomou-me as mãos, olhou-me bem, de sobra...
E levou-me para dentro, de mansinho.

Era este quarto, oh! se me lembro, e quanto...
Em que, à luz da lua que brilhava,
O pau roncava forte, tanto e tanto,

No costado da gente, sem piedade,
Um cacete bem grosso lá no canto...
Minhas costas choraram de saudade...

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo IX: Emília na Casa do Verbo Ser

Emília teve uma grande idéia: visitar o Verbo Ser, que era o mais velho e graduado de todos os Verbos. Para isso imaginou um estratagema: apresentar-se no palácio em que ele vivia, na qualidade de repórter dum jornal imaginário. — O Grito do Pica-Pau Amarelo.

— Meu caro senhor — disse ela ao porteiro do palácio —, eu sou redatora do Grito do Pica-Pau Amarelo, o mais importante jornal do sítio de Dona Benta, e vim cá especialmente para obter uma entrevista do grande e ilustre Verbo Ser. Será possível?

O porteiro mostrou-se atrapalhado, porque era a primeira vez que aparecia por ali uma repórter daquela marca. A cidade da língua costumava ser visitada apenas por uns velhos carrancas, chamados filólogos, ou então por gramáticos e dicionaristas, gente que ganha a vida mexericando com as palavras, levantando o inventário delas, etc. Mas uma jornalista, e jornalista daquele tamanho, isso era novidade absoluta.

— Vou ver se ele recebe a senhorita — respondeu o guarda.

-— Pois vá, e interesse-se pelo meu caso, que não perderá o tempo — disse Emília. — Mando-lhe lá do sítio uns bolinhos de Tia Nastácia, que são excelentes.

O venerando Verbo Ser ouviu o guarda e estranhou o pedido de entrevista; mas como tivesse muito medo da imprensa, não pôde recusar-se a receber aquela repórter.

Emília foi levada à presença dele e entrou muito tesa, com um bloquinho de papel debaixo do braço e um lápis sem ponta atrás da orelha. O venerando ancião estava sentado num trono, tendo em redor de si os seus sessenta e oito filhos — ou Pessoas dos seus Modos e Tempos. Parecia um velho de mil anos, com aquela cabeleira branca de Papai Noel.

— Salve, Serência! — exclamou Emília, curvando-se diante dele, com os braços espichados, à moda do Oriente. — O que me traz à vossa augusta presença é o desejo de bem servir aos milhares de leitores do Grito do Pica-Pau Amarelo, o jornal de maior tiragem do sítio de Dona Benta. Os coitados estão ansiosos por conhecer as idéias de Vossa Serência sobre mil coisas.

— Suba, menina! — respondeu o Verbo Ser com voz trêmula.

Emília subiu os degraus do trono, abrindo caminho a cotoveladas por entre a soldadesca atônita, e foi postar-se bem defronte do venerável ancião.

— Fale, Serência, enquanto eu tomo notas — disse ela, e começou a fazer ponta no lápis com os dentes.

O Verbo Ser tossiu o pigarro dos séculos e começou:

— Eu sou o Verbo dos Verbos, porque sou o que faz tudo quanto existe ser. Se você existe, bonequinha, é por minha causa. Se eu não existisse, como poderia você existir ou ser?

— Está claro — disse Emília escrevendo uns garranchos. — Vá falando.

Ser tossiu outro pigarro e continuou:

— Muitos gramáticos me chamam VERBO SUBSTANTIVO, como quem diz que eu sou a substância de todos os demais Verbos. E isso é verdade. Sou a Substância! Sou o Pai dos Verbos! Sou o Pai de Tudo! Sou o Pai do Mundo! Como poderia o mundo existir, ou ser, se não fosse eu? Responda!

— Não tem resposta, Serência. É isso mesmo — disse Emília, escrevendo. — Os leitores do Grito vão ficar tontos com a minha reportagem. O diabo é este lápis sem ponta. Não haverá por aí algum canivete ou faca que não seja de mesa, Serência?

Não havia canivete, nem faca, nem nenhum instrumento cortante naquela cidade de palavras, de modo que Emília só podia contar com os seus dentes. Mas tanto roeu o lápis, sem conseguir boa ponta, que ele foi diminuindo, diminuindo, até virar um toquinho inútil. Acabou-se o lápis — e foi essa a verdadeira causa de o Grito do Pica-Pau Amarelo (jornal que aliás nunca existiu) não haver publicado a mais sensacional reportagem que ainda foi feita no mundo.

O Verbo Ser falou muita coisa de si, contando toda a sua vida desde o começo dos começos. Disse que já havia morado na cidade das palavras latinas, hoje morta.

— Naquele tempo eu me chamava Esse. Depois que a cidade latina começou a decair, mudei-me para as cidades novas que se foram formando por perto, e em cada uma assumi forma especial. Aqui nesta tomei esta forma que você está vendo e que se escreve apenas com três letras. Na cidade de Galópolis virei Ètre. Em Italópolis virei Essere. Em Castelópolis sou como aqui mesmo.

— Então foi em Roma que Vossa Serência nasceu?

— Não, menina. Sou muito mais velho que Roma. Antes de mudar-me para lá eu já existia na cidade das palavras sânscritas; e antes de ir para a cidade das palavras sânscritas, eu já vinha não sei de onde. Perdi a memória do lugar e do tempo em que nasci, embora esteja convencido de que nasci junto com o mundo.

— Pois olhe — disse Emília —, está bem rijinho para a idade. . . Dona Benta, com sessenta e oito anos apenas, não chega aos pés de Vossa Serência.

— Nós, palavras, vivemos muito mais do que as criaturas humanas.

— Mas também morrem — observou Emília, apontando para o cemitério que se avistava através da janela.

— Sim. Morrem certas palavras que não são de boa raça. Um Verbo como eu não morre nunca. Muda de aspecto apenas, e emigra duma cidade para outra. Eu nunca hei de morrer.

— Assim seja, Serência! — disse Emília. — Porque se Vossa Serência cai na asneira de morrer, como iremos nós nos arranjar lá tiú mundo? Ninguém mais poderá ser coisa nenhuma. . .

Pela janela aberta via-se um trecho de rua, onde o Visconde estava a passear de braço dado a uma palavra esquisita.

— Quem é aquele figurão? — perguntou Ser, franzindo os sobrolhos.

— Pois é o nosso grande Visconde de Sabugosa, um verdadeiro sábio da Grécia. Gosta muito de Arcaísmos e outras velharias. Juro que a palavra que está com ele é coroca.

— Não é, não. Já foi coroca; hoje está remoçada. Aquela palavra é a tal Paredro, que em Roma conheci sob a forma latina Paredrus. Emigrou para cá comigo, mais ninguém quis saber dela. Os homens não a chamavam nunca para coisa alguma, e por fim a coitada teve de desocupar o beco e ir viver no bairro dos Arcaísmos. Pois sabe o que aconteceu? Um belo dia um deputado brasileiro, que era o grande romancista Coelho Neto, teve a idéia de requisitá-la para a meter num discurso. Já lhe mandamos a palavra requisitada, ainda cheia de pó e teias de aranha como se achava. Paredro entrou no discurso do deputado, fez sucesso e voltou rejuvenescida. Desde então passou a receber freqüentes chamados e acabou vindo morar de novo aqui no centro, em companhia das palavras vivas. Casos como esse, porém, são raríssimos. Em geral, quando uma palavra morre, morre duma vez.

A conversa de Emília com o Verbo Ser durou bastante tempo. Um velho velhíssimo como aquele tem muito que contar. Por fim acabaram amigos, e Emília pediu-lhe que a acompanhasse numa visitinha aos Advérbios, espécie de palavras que ela ainda não conhecia.

— Pois não. Com muito prazer — disse o venerável velho, e tomando-lhe a mãozinha saiu com ela do palácio.
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Continua ... Capítulo X: A Tribo dos Advérbios
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Marita França (Roseira Branca...!)


Roseira Branca, Roseira Branca,
Tão antiga no jardim
Do meu solar.

Quando olho para você,
Entrelaçada
No gradil de ferro do terraço,
Cheia de cachos de rosas,
Ponho-me a sonhar...

Há meio século quase,
As mãos santas e puras
Do vovô João Taborda
E de vovó Cota,
Com carinho e amor,
Plantaram a Roseira Branca –
Espuma do Mar...
A rosa remédio,
Para curar, enfeitar
E dar alegria ao seu lar.

Passou-se o tempo e mais tempo...
Você ali está.
Conte-me o que viu e ouviu,
Na poética mansão
De meus avós,
Roseira Branca – Espuma do Mar!

Fale-me baixinho...
Lembra das serenatas,
Nas lindas noites de luar?
Das canções maravilhosas,
Dos cantores, dos violinos,
Violões e bandolins?...

Peço-lhe: Não enfraqueça,
Roseira Branca.
Você tem tanto para contar
E muito, ainda, para dar.
Roseira Branca, Roseira Branca
Venha comigo sonhar!...

Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro

Silviah Carvalho (Adeus!)


Agora que a noite já se foi e o dia certamente não chegará
Depois de haver depositado tanto sacrificio no altar da liberdade
vejo que, o amor só descansa morto, vivo é um 'ser" em conflito
venho me despedir de tudo isso aqui, entregar meu espírito

Aurora, amiga que, precede o sol, não permita que eu o veja
a luz traz a tona aquilo que divide meu querer, deixa-me aqui
que, o vento espalhe meu sentimento. E minhas lágrimas
sejam misturadas ao orvalho e assim aniquile este sofrimento

Cada ramo molhado que tocar seus pés lembrara-se de mim
verás eles molhados de minhas lágrimas, enquanto prostrada
lutava e, dava minha vida por ti, não tenho braços que
me acolham ao pé desta montanha, ficarei aqui...

Até que seja dissipada esta luz que insiste em me manter viva
chamando-me de volta, dizendo que vale a pena sair do esconderijo
que este vento leve esta ilusão e, me ofereça um eterno abrigo

Minha voz calou-se, sou uma ave caída num canto qualquer
venho hoje, outra vez, absorver nestes últimos instantes
o cheiro do vento... Perdi a motivação e agora a fé

Não pergunte por mim, não me procures, deixe-me seguir,
Não sei para onde vou, não tenho você, nada mais importa
Quando leres saiba, esta é da sua despedida a minha resposta
Adeus!

Fonte:
http://umcoracaoqueama.blogspot.com/

Carolina Ramos (O Tombo)



Se melancia tivesse pernas, certamente seriam as de João Sereno – curtas, gordinhas, atarrancadas – um parênteses, aberto na esquerda e fechado na direita. Pernas bastante fortes para sustentar um corpo rotundo.

Quando apontava na esquina, todo o mundo sabia: – Lá bem João Sereno. Inconfundível!

E o dia em que João Sereno caiu, foi memorável! Um tombinho à-toa como outro qualquer. Desses de cair e levantar num segundo. Mas, não foi isso o que aconteceu. A queda de João Sereno foi algo de sensacional, para não ser esquecido por ninguém, que viu ou ouviu contar!

Naquela tarde histórica, vinha ele da fábrica. Passo lento, cansado, pura imagem da exaustão.

Desde que apontara no alto da rua, cumprimentava, um a um, os amigos da vizinhança com a cordialidade costumeira e o sorriso que, mesmo debaixo de chuva, prenunciava sol.

João Sereno não esperava pela escorregadela. E quem a espera? Não fosse assim, os tombos, as topadas, as imprecações e os dedões esfolados deixariam de existir.

Aquela casca de manga, esquecida traiçoeiramente no meio da calçada, foi o bastante para que a melancia humana voasse, pernas acima da cabeça, estatelando-se, em seguida, espetacularmente no solo. Tudo terminaria nessa desastrosa aterrisagem, se o declive acentuado, não desse continuidade à tragédia. A própria rotundidade do acidentado favoreceu-a. João Sereno rolou, como rolaria a melancia, que largada ao topo da ladeira! Por mais que as pernas curtas e os braços mais curtos ainda, tentassem simular tentáculos para agarrar-se a alguma coisa, só conseguiram impulsionar, com maior ímpeto, o bólido humano. Mais abaixo, foi chocar-se contra a lata de lixo reciclável, à espera da coleta, e que rolou com ele, a esparramar, na trajetória, tudo o quanto engolira.

João Sereno deixou, temporariamente, de ser sereno. Sacudindo as roupas e compondo a dignidade, não pode deixar de considerar, maldita, a casca da manga e a não menos abominável displicência do dono dela. Mestres no ensino de vôo e no resguardo dos segredos para uma boa aterrisagem.

Ganhou algumas escoriações inevitáveis. Não graves. E ganhou, também, nova alcunha.

Os velhos amigos continuaram a chamá-lo, com simpatia, de João Sereno. Os mais novos, maliciosos e irreverentes, não deixaram por menos: – mal vislumbrada, ao longe, a figura redonda, já risos abafados e cochichos maldosos, alertavam:

– Sai da frente… lá vem o João Boliche!

Pilhéria ou precaução? – A questão é que o caminho ficava, num instante, completamente livre!.

Fonte:
RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos. São Paulo: Editor: Cláudio de Cápua. Abril/93.

Cidade da Lapa será a Capital Brasileira da Cultura 2011


O anuncio oficial da escolha da Lapa como Capital Brasileira da Cultura 2011 foi feito na manhã de 20 de novembro pelo Bureau Internacional de Capitais Culturais em Barcelona (Espanha) e pela ONG CBC – Capital Brasileira da Cultura (http://www.capitalbrasileiradacultura.org/), entidade responsável pela promoção e gestão deste título aqui no Brasil.

O Bureau Internacional de Capitais Culturais (http://www.ibocc.org/) é um organismo internacional com sede em Barcelona (Espanha) que criou e mantêm os projetos da Capital Brasileira da Cultura, da Capital Americana da Cultura, da Capital da Cultura Catalã, da Capital da Cultura Espanhola e da US Capital of Culture nos Estados Unidos, além de apoiar e incentivar projetos semelhantes em outras partes do globo.

Aqui no Brasil a gestão desta certificação é mantida e supervisionada pela CBC – Capital Brasileira da Cultura, entidade sediada em São Paulo, contando com o apoio dos Ministérios da Cultura e do Turismo e com a participação e parceria de varias entidades.

Com a escolha da Lapa no Paraná está será a sexta cidade brasileira a conquistar o posto de Capital Brasileira da Cultura, título que já foi concedido em 2006 para a cidade de Olinda (PE), em 2007 para São João Del Rey (MG), em 2008 para Caxias do Sul (RS), em 2009 para São Luis (MA) e que tem Ribeirão Preto no interior de São Paulo como atual detentora do diploma de Capital Brasileira da Cultura de 2010.

A solenidade oficial de diplomação da Lapa deverá ocorrer no início do próximo ano em data ainda a ser definida, quando representantes do município receberão das mãos de representantes da atual Capital, a cidade de Ribeirão Preto, a outorga oficial.

A escolha da cidade da Lapa se deu em reconhecimento ao seu rico patrimônio histórico e cultural, um dos mais importantes e conservados da região sul do Brasil.

Com aproximadamente 42 mil habitantes e situada a 62 km de Curitiba, a cidade possui em seu Centro Histórico 235 edifícios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), onde se destacam o conjunto arquitetônico da antiga Rua do Cotovelo, o Theatro São João, um dos mais antigos do Brasil, o Museu de Armas, a Casa Lacerda, a Casa Vermelha e o Museu Histórico, entre outros pontos de atração e interesse. Além do teatro e de um conjunto de Museus, a Lapa possui também um Cinema sendo uma das poucas cidades do interior a ter este tipo de equipamento cultural, mantendo uma vocação para o setor audiovisual, pois regularmente muitos filmes e produções de época são rodadas e encenadas na cidade Lapa, que é o cenário perfeito para estas reconstituições históricas.

Por isso, eventos como o Festival de Cinema, que reúne milhares de pessoas nas ruas da cidade em exibições feitas ao ar livre e gratuitamente para toda a população, também contribuiram para que a Lapa conquistasse este merecido título.

No patrimônio cultural imaterial destacam-se as Congadas, a Noite Lapeana e as diversas festas religiosas e populares, além da gastronomia influenciada pelo movimento tropeirista e a famosa receita da farofa de frango.

Por ocasião da comemoração do centenário da proclamação da República em 1989, a cidade da Lapa já recebeu o título de “Capital Cívica do Brasil” em razão de ter sido cenário de importante episódio histórico durante a Revolução Federalista, em 1894.

Uma legião de 639 homens formada por forças regulares e de patriotas lapeanos, chefiada pelo Coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro, enfrentou bravamente e caiu diante das forças revolucionárias riograndenses formadas por cerca de 3.000 combatentes e comandadas por Gumercindo Saraiva, no famoso episódio conhecido como “Cerco da Lapa”, que durou 26 dias. A resistência desta pequena cidade e de seus heróis proporcionou ao governo de Floriano Peixoto, o tempo suficiente para reagrupar as forças necessárias para deter o exército federalista, mantendo assim a república no Brasil num momento crucial e decisivo para determinar os rumos da história.

Após a definição da cidade como futura Capital Brasileira da Cultura um comitê gestor já começa a ser formado na cidade, com representantes do poder público local e membros da sociedade civil.

Este comitê deverá organizar as primeiras ações como a escolha de um símbolo oficial que será adotada pela cidade da Lapa durante o ano de 2011, bem como outras providencias que já começam a ser estudadas como a construção de um portal permanente ou de um marco que lembre a todos em 2011 e no futuro que a Lapa foi a Capital Brasileira da Cultura. O comitê deverá se reunir já nos próximos dias e deverá receber um caderno de encargos da CBC com as diretrizes e exigências para a certificação.

Até hoje mais de 40 cidades já concorreram ao título de Capital Brasileira da Cultura. Este é um momento impar para o município e que a escolha da Lapa é um reconhecimento da importância que a Lapa tem no cenário cultural.

Fontes:
ONG CBC
Secretária de Cultura e Turismo da Lapa

Cesar Cardoso (O Sol)


No quarto andar do Mercadão de Madureira tem um loja, uma portinha, que só vende peneiras. Uma vez por mês eu vou até lá ver as novidades. Às vezes passo a tarde inteira ouvindo as explicações do dono, o Elias. Ele mesmo fabrica - ou faz, diz ele que peneiras de verdade não são fabricadas, são feitas – todas as peneiras que vende. Aprendeu o ofício com seu pai, que aprendeu com seu avô, em Portugal. Ele me conta quais as melhores madeiras, como envergá-las, que lixa usar. E os vários arames, suas flexibilidades, qual o melhor para cada tipo de peneira.

Hoje mesmo estive lá e comprei uma peneira nova. Não estava à mostra na loja, já no final da tarde o Elias foi ao depósito e voltou com ela. É feita com galho de goiabeira, que é maleável e resistente como nenhuma outra madeira. E seu arame é de uma flexibilidade que nunca vi. Além disso, a trama parece um tricô. Foi cara, mas valeu a pena.

Em casa fui fazer as tarefas de todo dia, tomar banho, preparar meu jantar, mas sempre levando a peneira comigo. Agora, coloquei-a na mesinha de cabeceira e vim me deitar, mas não consigo pegar no sono, com a mesma frase me martelando a cabeça, o tempo todo:

Será que amanhã vai fazer sol?

Fontes:
http://www.o-bule.blogspot.com/
Imagem - Habeas Data