segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Menotti del Picchia (Nasce o Escritor)


Há dias, porém, estando no Rádio City, de Nova York, gozando o esplendor do espetáculo mais célebre do mundo com suas cem estandardizadas "girls" de pernas perfeitas realizando, sem erros, a matemática de suas danças ginásticas, veio-me à cabeça o saudoso teatrinho de Itapira. A emoção me tomou. Comparei o valor artístico técnico daquela faustosa apoteose de belezas e de luzes com a escura ribalta interiorana onde uma companhia andeja de comediantes italianos representava, para uma parva platéia de caipiras, nada menos nada mais que o Hamlet de Shakespeare. Eu estava lá, anelante. Adivinhava, mais que compreendia, que o ator, encarnando Hamlet, realizava um sonho.

Ator fracassado, ficara-lhe na alma o anseio de participar do drama do príncipe torvo. Avaliava a carga passional que animava esse personagem imortal e ele também queria, fosse como fosse, viver o instante dramático do filho humilhado e espoliado punindo a mãe adúltera e o padrasto assassino, usurpador do trono. Havia uma grandeza épica naquele artista frustrado dando todo seu gênio interior à sua realização histriônica diante daqueles jecas de boca mole fascinados pelos trajes de máscara dos comparsas e, sobretudo, pelo lucilar das espadas prateadas e frias.

Raramente me era dado sentir tanto e tão bem a arte mercê do amor que por ela manifestava aquele mambembe das ribaltas. Que eram os jogos acrobáticos daquelas duzentas pernas impecáveis na simetria dos movimentos e subversivas na insinuação do sexo, diante do Hamlet itapirense ele e o gênio de Shakespeare sozinhos no lusco-fusco daquela ribalta alumiada por lampiões de querosene na qual acordava do seu maravilhoso transe com as palmas finais dos seus cômicos assistentes?

Todas essas emoções me fatalizavam à sorte de artista. Não havia escapar. Eu me comovia demais com esse mundo rico de humanidade. Seus panoramas ficavam, cromáticos, fascinantes na minha memória e os personagens me pediam uma linguagem pela qual pudessem transladar para outros as emoções que me haviam tão intimamente comunicado. Foi então que comecei a rabiscar as primeiras páginas de prosa e de verso.

Já lia e muito. Todos os livros de papai ia devorando. Michaud, Flammarion, Alexandre Dumas, Dante, Tasso, Ariosto. mistura de história, vulgarização científica, ficção, poemas, o que me caísse diante das pupilas, de Pinocchio a D. Quixote, do drama épico das cruzadas às aventuras do Conde de Monte Cristo tudo ia devorando à tarde e à noite. Comecei, então, a escrever um terrível romance de cordel resíduos mentais das aventuras de d’Artagnan e dos personagens de Ponson du Terrail. Era uma história complicada na qual certamente entrava meu tio-avô capitão, pois parte da trama se passava nas batalhas napoleônicas. Mamãe era a única leitora dos sucessivos cadernos que lhe apresentava. Paciente, ela se emaranhava nas aventuras bélicas dos meus personagens entretida mais pela riqueza episódica do que pelo sentimento, porquanto nessa moxinifada romântica não entrava mulher.

De certa forma, mesmo castamente, eu estava fora do problema do amor e do sexo.

Os primeiros versos que escrevi foram polêmicos e satíricos. Eu fizera alguma diabrura e mamãe fechou-me num quarto. A certa altura, pela frincha da porta, reclamei um lanche. Estava com fome. A travessura deveria ter sido séria, pois mamãe, sempre tão frouxa pela sua ternura, continuava policial e severa. Então peguei num pedaço de papel rasgado ao caderno e escrevi.

"Esta é uma coisa desumana.

Mamãe me nega até uma banana."

Fiz escorregar o poema pela frincha da porta e pouco depois esta se abria. Esperava-me o lanche: bananas com queijo. Descobri, então, uma das utilidades múltiplas da poesia.

Fontes:
PICCHIA, Menotti Del. A longa viagem: memórias. SP: Martins Editora, 1970.
Imagem = montagem por José Feldman com imagens obtidas na internet - (ovo = http://www.canstockphoto.com.br/ e Menotti del Picchia em http://www.mundocultural.com.br/)

Menotti Del Picchia (1892-1961)


Paulo Menotti Del Picchia nasceu em São Paulo, em 20 de março de 1892. Filho de Luiz del Picchia e Corina del Corso del Picchia, Menotti foi agricultor, advogado, editor, industrial, banqueiro, deputado estadual e federal, chefe do Ministério Público do Estado de São Paulo, jornalista, poeta, romancista, ensaísta, teatrólogo e primeiro diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado de São Paulo.

Menotti Del Picchia inicia seus estudos no Grupo Escolar de Itapira. Em 1903 faz o curso ginasial em Campinas, de onde se transfere para Pouso Alegre (MG). Nesta cidade, aos 14 anos, funda o periódico "Mandu", nele publica suas primeiras produções literárias.

Aos 16, já tinha escrito um romance, que, segundo ele, não passou de um "terrível pastiche do Conde de Monte Cristo".

Em 1913, lança o livro de poemas "Poemas do Vício e da Virtude". Nesse mesmo ano forma-se advogado pela Faculdade de Direito de São Paulo. Logo depois da conclusão de seus estudos em São Paulo, volta para Itapira, onde exerce as atividades de agricultor e dirige o jornal "Cidade de Itapira".

Algum tempo depois funda o jornal político "O Grito", no qual foram publicados o romance "Laís" e os poemas "Moisés" e "Juca Mulato", sua obra de maior repercussão, que já teve dezenas de edições. O poema "Juca Mulato", publicado em 1917, foi tão importante e fez tanto sucesso que Menotti afirmou que era um autor perseguido por um personagem. (A força de "Juca Mulato" é tanta que Itapira, para homenagear Menotti, deu o nome de "Juca Mulato" a um parque. As homenagens de Itapira não param por aí. O nome do poeta foi dado a uma praça e foi criado o memorial "Casa de Menotti Del Picchia".)

Algum tempo depois, muda-se para Santos, onde dirige o jornal "A Tribuna". Ao regressar à cidade de São Paulo, exerce a função de redator em diversos jornais como "A Gazeta" e o "Correio Paulistano". Ainda em São Paulo funda o jornal "A Noite", dirige, com Cassiano Ricardo, os mensários "São Paulo" e "Brasil Novo". Em 1920 e 1921, Menotti Del Picchia, utilizando o pseudônimo de Helios, publica no jornal Correio Paulistano, vários artigos que divulgavam as novas estéticas modernistas e promoviam o grupo vanguardista.

Em 1922, junto com Oswald de Andrade, Mário de Andrade e outros jovens, participa ativamente da Semana de Arte Moderna. Nessa época já era considerado um poeta de prestígio.

Em 1937 foi diretor do Grupo Anta, com Cassiano Ricardo, e diretor do Movimento Cultural Nacionalista Bandeira, com Cassiano Ricardo e Cândido Mota Filho.

Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 1942. Em 1960, recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, concedido pela Câmara Brasileira do Livro.

Em 1º de abril de 1943 é eleito para a cadeira 28 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Xavier Marques. Em 20 de dezembro de 1943 é recebido na ABL pelo acadêmico e amigo Cassiano Ricardo.

Em 1982, é proclamado Príncipe dos Poetas Brasileiros. Esse título só havia sido concedido a mais três poetas: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Olegário Mariano.

Em 1988, no dia 23 de agosto, o poeta morreu em São Paulo.

Menotti del Picchia teve destacada atuação no movimento modernista. Preparou, com Oswald de Andrade, o advento da nova tendência literária e artística, sustentando a polêmica com os passadistas, antes e depois da Semana de Arte Moderna. Em seguida, foi aguerrido defensor da doutrinação "Verde e Amarelo", opondo-se ao Oswald de Andrade de "Pau Brasil" e "Antropofagia". Defendeu também os ideais do "Grupo da Anta", que superavam os propósitos verdeamarelistas. Participou da Semana de Arte Moderna, sendo mesmo o seu orador oficial, apresentando, na festividade, os poetas e prosadores que exibiam, então, as produções da literatura nova. Suas crônicas no "Correio Paulistano", de 1920 até 1930, como que constituem um "diário do modernismo", registando, quase que quotidianamente, os entusiasmos, as raivas, as lutas e as desavenças da sua geração.

A poesia da fase modernista de Menotti del Picchia é colorida e engenhosa, padecendo do excesso das imagens. Abusa dos elementos plásticos, dos efeitos pitorescos e verbais. Mas, como todos os seus defeitos, que decorrem da atitude polêmica assumida, fecundou de idéias o período histórico que viveu, e que ajudou a desenvolver, sacrificando até a realização de obra poética de maior ressonância que podia dar. Poetando agora de raro em raro, controla os seus modismos e as invenções audaciosas, do que resulta uma poesia comunicativa e emocionada. "Nenhum dos seus livros modernistas" – escreve Manuel Bandeira – "superou o êxito de "Juca Mulato", onde o poeta se apresenta em sua feição mais genuína"

A poesia de Menotti del Picchia vincula-se à primeira geração do Modernismo. Entretanto, para o crítico Sérgio Milliet, ele "era um poeta neoparnasiano na forma e romântico no espírito. Moderno apenas pela inteligência compreensiva que lhe permitiu renovar a prosa nos seus romances. Na poesia, entretanto, manteve-se algo afastado dos exageros e entusiasmos da hora, fiel a uma expressão acessível ao grande público, o que lhe valeu aliás as maiores edições do Brasil.".


Principais Obras

Poesia:
Poemas do vício e da virtude (1913);
Moisés (1917);
Juca Mulato (1917);
Máscaras (1919);
A angústia de D. João (1922);
O amor de Dulcinéia (1926);
República dos Estados Unidos do Brasil (1928);
Chuva de pedra (1925);
Jesus, tragédia sacra (1958);
Poesias, seleção (1958);
O Deus sem rosto, introdução de Cassiano Ricardo (1968).

Romance:
Flama e argila (1920; após a 4a ed., intitulou-se A tragédia de Zilda);
Laís (1921);
Dente de Ouro (1923);
O crime daquela noite (1924);
A república 3000 (1930; posteriormente intitulado A filha do Inca, 1949);
A tormenta (1932);
O árbitro (1958);
Kalum, o mistério do sertão (1936);
Kummunká (1938);
Salomé (1940).

Literatura Infanto-Juvenil:
No país das formigas;
Viagens de Pé-de-Moleque e João Peralta;
Novas aventuras de Pé-de-Moleque e João Peralta.

Teatro:
Suprema conquista (1921);
Jesus

Fontes:
Jornal de Poesia.
Mundo Cultural.
As Tormentas.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.77)


Trova do Dia

Que o Ano Novo lhes traga,
Ó meus irmãos Trovadores,
aquela mais alta vaga
no pódio dos Vencedores!
JOÃO FREIRE FILHO/RJ

Trova Potiguar

Ao irmão que não conheço,
Feliz Natal, eu almejo
e abraçá-lo no começo,
do Ano Novo, é o meu desejo.
JAIR FIGUEIREDO/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS -Estadual
Tema > Natal > 4º Lugar

Mais parece um acalanto,
uma prece, ou... algo assim,
quando, Natal, o teu canto
escuto, ao redor de mim!...
MARLÊ BEATRIZ ARAÚJO/RS

Uma Trova de Ademar

Vou pedir pra todo o povo,
em preces e em orações;
muita paz neste Ano Novo...
muito amor nos corações!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram:

É Natal... Com humildade
faço um pedido, em segredo:
- que eu ganhe a felicidade
nem que seja de brinquedo!
J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC

Estrofe do Dia

A vocês caros poetas
desejo nesta poesia,
muito dinheiro no bolso
saúde, paz e harmonia;
pra você e pro seu povo
eu desejo um ano novo
cheio de paz e alegria...
JOSÉ ACACI/RN

Soneto do Dia

– Nilton da Costa Teixeira/SP –
A FARSA DO ANO

Em trinta e um de dezembro, esvai-se o calendário.
– Dia de São Silvestre é o dia derradeiro
e, buscando atingi-lo, a gente temerário,
corre de lá para cá, incerto o ano inteiro...

O ano percorre certo o próprio itinerário.
E a gente que o sonhava um ano lisonjeiro,
engendra pelo sonho o sonho legendário,
mas dezembro desfaz os sonhos de janeiro...

Quem nada usufruiu que use compensações,
– conte a quem possa ouvi-lo em milenar mentira,
que o ano lhe foi propício em suas ilusões...

Abrandará assim o anual desengano.
dizendo conseguido o que não conseguira
e pregará também a maior farsa do ano.

Fonte:
Ademar Macedo

domingo, 26 de dezembro de 2010

Ernâni Rosas (Antologia Poética)

(foi mantida a grafia original dos poemas)

REINO DESEJADO

Peregrino do Sonho errei caminhos
que iam ter às portas da alegria.
Poeta e marujo naufraguei sozinho
e a minha nau fora a melancolia.

Meus olhos não beijaram a luz da glória
nem meus lábios chegaram a balbuciar,
quero encerrar-me em vós portas da inglória
Noite, que é mar sem-fim a serenar!

Onde as almas na febre de seus lábios
nunca chegam a tocar para matá-la
Na insaciável ebriez dos lábios
A olhar amortecendo, sonha e cala

E como solitário a tempos-idos
nosso frescor de lábio sossegado
os antigos caminhos percorridos
Peregrino! Da morte no vencer!

CREPÚSCULO

Toda existência, é ocasional regresso...
Ali, a sombra do homem é grave e austera,
recai a tarde em cisma, à noute o espera
sossega a ceifa célere dos músculos...

É efêmero o viver do caminheiro
falsa visão do sonho p´la atmosfera
na demência da enxada do coveiro
que enterra as ruínas, mais as primaveras!...

Vida e ânsia vibrando num só verso
no transporte da serra ao éter puro,
é contato genial com o Universo...

Bruxuleia a minguar em céu escuro,
porque não crê, ficando submerso...
entre o oceano e o Nirvana do futuro!...

CONVALESCENTE

Convalesço dos males da Quimera
partindo sempre de um desejo rude,
a malograda sorte da galera
que aportar com delírio nunca pude...

Do amor, nada pretendo com veemência
pela vida misérrima que arrasto!
Eu sinto o frágil coração tão gasto
às futuras e rudes penitências...

Desconheço o rigor dessa ironia
Quando o sol tomba na água e eril centelha
sem n´a apagar em fulva alegoria...

Amo a noute, amo o espelho do Universo
nunca a chaga de um Deus que se avermelha
no sangue que palpita no meu verso!...

TÂNTALO DA DOR

Maldita, seja a Arte incompreendida
e a taça do Ideal que nos lacera...
os vinhos de Luxúria e da Quimera
e a báquica eclosão da Luz dorida!

dos tântlos letais e da beleza,
da dúvida do mundo em meu pensar...
os ciclos turvos de íntimas tristezas
que nunca mais se vão para o Luar!

Eo meu cismar romântico e amoroso,
é como um rio fundo rumoroso,
cheio de sombras e de estrelas d´oiro...

P´la maldição dessa sinistra incúria,
maldiz ao fel da vida, como agouro...
Maldita seja a serpe das Luxúrias!

VISÃO

Agoirenta visão da luz gelada!
Que mistério possui tua Presença?
Quando desces à terra anuviada,
Vais a Jesus, a Deus pedir licença!...

E arrebatas as almas desgraçadas
às geenas do Mal, como sentença!
e a mim, me levarás pela alvorada
de tuas vestes lúgubres – e descrença!...

Louca hiena da fé bebes-me a vida,
na fria tentação do teu segredo!
no Tântalo falaz, como bebida...

Cerras-me os olhos, gelam-me teus dedos...
arrebatas-me o corpo a vão degredo
num só beijo de morte apetecida!...

A MORTE

Sou dos ventres a lúbrica bacante,
a pantera em meus ócios de veludo:
fascino os corações, que enervante,
no languir dos aromas, sobretudo...

Serei do teu Amor, homem, o quebranto,
talvez, a morte em minha garra adunca,
sou bizarra no amor, não vejo nunca:
o que possa na dor causar espanto!

Venho meu corpo à alambra do oriente,
Lascivo riso exóticos perfumes...
Encarno a mancenilha em forma ingente!

Sou a sombra do Amor luxuriante.,
Inebrio as cabeças dos amantes...
Nunca amei, nem de mim não tive ciúmes!

SALOMÉ

Ó Bailarina, oh! mariposa inquieta!
Aljofrada da gema de uma tarde.
És nume, Salomé, ágil goleta...
dentre o incenso da sombra que oura e arde...

Espectro errante de um cometa absorto
após a bacanal "saturniana"!...
(onde os nardos têm ócio do "Mar-Morto"!)
e ergue-se a lua irial, sibariana...

Chovem do céu os raios da nova aurora
sobre seu corpo d'âmbar colmado
da via Láctea que su'alma olora...

Numa auréola de Luz e alegoria
Esvaindo-Te em Sonho musicado,
para a glória do "Mal" que a irradia...

LÚCIFER

No espelho encantado do destino
Mais de uma vez me vi transfigurado:
As horas tinham timbre cristalino
E erravam opalizadas no passado...

Não me fato de olha-las, no mistério
Tênues e loiras como a corda flébil
Do violino outonal do poente aéreo,
Que amortece em lilás num corpo débil...

Não me farto de olhar, erro inconsciente...
O solo é de diamante e o espaço um astro...
Vivem mármores d’alma no poente!

Foge-me a luz e se antecipam as horas,
No lago azul há cisnes de alabastro,
E o espelho em que me vi é tudo auroras!...

PERDI-ME... TODA UMA ÂNSIA...

"Perdi-me... toda uma ânsia me revela
sombra de Luz em corpo de olor vago,
a saudade é um passado que cinzela
em presente, a legenda desse orago".

"Errasse em densa noite de beleza,
pisasse incerto, um falso solo de umbra...
sonho-me Orfeu... o Luar, que me deslumbra...
é marulho de luz na profundeza!..."

Toda a alma do azul esvai-se em lua...
nimba-lhe a face um crepe de Elegia...
É alvor do dia numa rosa nua,

que as minhas mãos cruéis sonham colher...
mas ao tocar desfolha-se mais fria,
que a sombra de meus dedos a tremer...

O SONHO-INTERIOR

O Sonho-Interior que renasceste
era o poema dum lírio do deserto,
o vinho de outras-almas que bebeste
fatalizou o meu destino incerto...

Depois por ti em sombras de degredo
encerrei a minha alma desolada,
tive a tua visão crepusculada
na beleza fugaz do meu segredo...

Perdeu-se-me ao sol-pôr teu rastro amado!
qual cipreste, no poente agonizado, —
na demência autunal duma alameda...

Velaram-se sudários teus espelhos...
ante o cerrar do teu olhar de seda,
que era um descer de lua em cedros velhos

HORA DA INSÔNIA

Noite sem termo! A Lua erra em delírio,
Balbucío palavras sem querer...
Cismo no olor vernal d'alma de um lírio,
E sou memória d'algo a transcender...

Sofro-lhe a ausência. A carne é meu martírio,
Ressurjo... Amo a visão do meu não-ser!
Todo meu corpo é amorfa névoa-círio...
Volúpia de um perfume a se perder.

Cismo na errante estrela, que deslumbra
O vaso de teu ser dentre o relento
Num murmúrio de fonte que ressumbra!

Sou o olfato! Amo as horas de um jardim...
Sou uma vaga sonora em pensamento:
Eflúvio lirial que vens a mim!...

RIMAS À LUA

Dorme em lascivo leito, reclinada...
Repontando de Astros e fogueiras,
Ateias a coivara prateada
Dos caminhos desertos, pegureira...

Lua! Da meia noite, solitária,
Urna errante p'la nave do infinito...
Cravas o lácteo incêndio funerária,
Às montanhas geladas de granito...

Peregrinando em tua marcha hiante
E exausta de fadiga em água amara
Buscas o mar, o oceano o teu amante...

Artista, cuja tela, ao ver-Te aclara!
N'esse sonambulismo inebriante...
Em suas vagas verdes Te enlaçara...

PENUMBRA DO LUAR

Noite de lua e noveiro, argente
Difunde-se o luar pela folhagem...
Com a mesma languidez vaga e dormente
Da chuva, quando cai sobre a ramagem...

Como a música ao longe e som dolente
Recorda todo esse abandono... E a aragem
Que passa, agita o olor suave e florente
Vindo das messes, da vernal paisagem...

E o luar cresce através de ermo arvoredo,
Noite chuvosa e triste a Lua ateia...
Fluida névoa de luz... Sonho... Segredo...

Ao ressurgir das coisas na saudade
Que o silêncio evocou... E à luz ondeia
Erra na morta e fria claridade...

SONETO

Vai alta a lua lírica e silente,
Toda paisagem em sonho se embebeu!
Narra a si-mesmo o eco, vagamente...
Paira a auréola da luz dentre os céus...

Parece madrugada! Um galo canta...
Uivam de tédio os cães, não chega o dia!
[pois] se o Luar turvou minha alegria...
E a noite toda de uma mágoa santa!

Outono! Vão-se as horas... E lacrimosa
É tão triste a vereda e a própria casa...
Traz saudades da vida religiosa!

Cada vez mais o luar neva e cintila...
Seixos em pranto à flux o areal abrasa,
E a água por ser ceguinha erra e vacila...
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Heron Moura (Ernani Rosas: o homem em negativo)


Saiu pela Editora da UFSC um belo livro: Cidade do Ócio, seleção de poemas do poeta catarinense Ernani Rosas, selecionados e organizados por Zilma Nunes. Esses poemas eram todos inéditos, e o trabalho minucioso e amoroso de Zilma Nunes os torna agora públicos. Só a decifração da letra inóspita do poeta já significou um esforço admirável da organizadora; mas trazer à luz a obra desse poeta, de uma forma clara e orgânica, é o maior mérito da obra.

Duas coisas, paralelas à obra, me chamaram profundamente a atenção. Aparentemente, há apenas duas fotos do poeta, o que em si mesmo já é espantoso, já que Ernani Rosas nasceu em 1886 e faleceu em 1954. A primeira é do poeta ainda jovem, e seu perfil exprime confiança e força. A segunda é do poeta velho, e revela um homem desamparado, frágil, náufrago de algum desastre, cujos efeitos a companhia de um sorridente sobrinho só faz ressaltar.

Não sei as causas desse desastre pessoal. Parece que ninguém sabe. O segundo fato que me chamou a atenção é o registro de Zilma Nunes: “é possível, por intermédio das negativas, construir uma biografia às avessas: Ernani Rosas não estudou, não casou, não teve filhos, nunca trabalhou, nunca viajou, nunca publicou nenhum de seus poemas”. Ernani Rosas é o homem em negativo.

O que me espanta mais ainda é que há uma certa leitura plausível desse desastre, não uma justificativa, mas uma interpretação: Ernani Rosas encarnou o espírito do poeta moderno pós-simbolista, que recusa a vida em nome da arte. Se não viveu em vida, viveu na forma da arte.
Isso liga duas pontas muito díspares, mas que se encontram: uma visão intelectual e acadêmica da arte como pura estética, desligada da vida, e a prosaica percepção, ainda disseminada entre as pessoas leigas, de que a poesia é assunto da estratosfera, e que os poetas são espécies de extraterrestres. Eles não vivem para esse mundo, como os profetas bíblicos.

Foi essa percepção do poema como fuga do real que levou Ernani Rosas a não viver a sua vida? Não sei. Mas seus poemas herdam e trazem a marca de toda a tradição simbolista e pós-simbolista que ancora boa parte da mirada esteticista da poesia moderna. A raiz dos poemas de Ernani Rosas pode ser traduzida por meio de duas frases: a de Mallarmé, que afirmou que o mundo real não passava de uma “miragem brutal” e a frase lapidar que aparece no Axel de Villiers de L´Isle-Adam: “Viver? Nossos criados farão isso por nós!”

O simbolismo, do qual derivou a poesia moderna, recusava o mundo real, por razões que não cabe examinar aqui. Mas digamos que se tratava de uma visão aristocrática da vida: aos burgueses e populacho era destinada a vida, aos nobres e artistas era destinada a arte. Essa oposição entre arte e vida criava uma situação paradoxal: a forma mais rica de expressão era um apagamento das formas de vida perceptíveis por todos. A sintaxe de Mallarmé, por exemplo, era um minucioso esforço para apagar qualquer traço da fala da tribo, a qual estava ligada àquela “miragem brutal” da realidade. Tudo se passa como se uma vida retirada, uma vida em negativo, pudesse representar a forma mais intensa de expressão estética. A poesia se transforma em religião, e o poeta é o seu profeta. Ao sinal de menos na vida, corresponderia o sinal oposto na poesia.

Ernani Rosas estava consciente disso? Não sei. O espantoso é que ele viveu no Rio a maior parte de sua vida, e ali se configurou uma geração de grandes poetas que renegam essa tradição simbolista e semi-romântica do poeta como boêmio e como vate. Vejam a vida e as práticas sociais de poetas como Drummond, Jorge de Lima, Murilo Mendes e João Cabral. Todos eram homens de seu tempo, com profissões definidas, homens da rua, e não do claustro. Drummond era funcionário público graduado e jornalista, Jorge de Lima era médico e político, João Cabral era diplomata, assim como Vinícius de Moraes. Nada mais distante do Baudelaire que não trabalhava e que pintava o cabelo de verde. Mesmo se profética, a palavra do poeta brasileiro era a da língua de todos os dias, e mesmo a sintaxe de João Cabral deve tanto ao modernismo quanto à literatura de cordel.

Mas Ernani Rosas não. Era um pássaro de outros tempos, talvez o albatroz do poema de Baudelaire: a ave imponente que não voa mais. Talvez isso se explique por uma opção puramente estética: ao passo que a tradição brasileira se voltou para a língua da rua, Ernani Rosas se liga mais à tradição lírica de Portugal. Ele inclusive esteve ligado, por um tempo, ao grupo da Revista Orpheu, da qual participou Fernando Pessoa.

Aliás, Fernando Pessoa é outro moderno profundamente conectado à tradição simbolista. Mas há uma diferença enorme entre Fernando Pessoa e Ernani Rosas, além é claro da qualidade poética: o poeta português foi extremamente ativo na sua Lisboa, ao passo que Ernani Rosas se internou num limbo de inação que revela a essência da ideologia da arte pela arte.

Pode a arte pela arte salvar a vida? Essa é a questão que Ernani Rosas nos coloca. Os seus poemas substituem seus filhos, suas mulheres e seu labor social?

Eu acho que arte e vida trocam signos. Uma vida pobre emite menos signos, e uma arte rica não encontra resposta no silêncio. Eu sinto uma tristeza lendo poemas de Ernani Rosas. É certamente um poeta dotado, dedicado a seu ofício. Augusto de Campos já ressaltou algumas de suas qualidades como poeta. Mas se lemos essa seleção de poemas organizada por Zilma Nunes, ressaltam também as deficiências: poemas muitas vezes confusos, mal resolvidos, o poeta perdido na lida com seu material. Como se ele tivesse tentado dominar os seus poemas de dentro, de um ponto de vista puramente estético, e o resultado foi confusão mental e um repertório restrito, apesar de algumas surpresas e de um ritmo poético consistente e persistente.

Nos melhores momentos, ele chega a lembrar alguns poemas de Mário de Sá-Carneiro:

Neste poema cismático, agoniza
A luz de um sol como um delírio a Deus!
Num nevoeiro genial se concretiza,
Dúvida e sombra num debuxo a Zeus…

Mas o que fica ressoando em mim não é essa evocação de uma divindade poética, mas a auto-percepção do fracasso da linguagem do poema como instrumento de domínio:

Eu pensei dominar a turba ignara,
Vesti-me com o calor de D. Rodrigo,
Tive a maior das decepções… falhara,
Em nenhum coração tivera abrigo!

Se o mundo externo é uma miragem cruel, as pessoas que nele habitam também são. Mas o poeta reconhece o sofisma desse aforismo: as pessoas existem, e o poeta vive com a linguagem com que elas vivem. Ele não pode deixar a vida para seus criados. Aliás, o nosso querido Ernani Rosas certamente nunca teve um criado na vida.

Fonte:
Héron Moura. In Diário Catarinense, em 30 de agosto de 2008.

Ernâni Rosas (1886-1955)


Ernâni Salomão Rosas Ribeiro de Almeida, nasceu em Desterro, Florianópolis em 31 de março de 1886, mas viveu no Rio de Janeiro desde os 3 anos de idade. Filho do também poeta Oscar Rosas.

Chegou a entrevistar-se com poetas como Luiz de Montalvo, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, mas sua poesia é considerada simbolista, tardia.

Trabalhou em cargos modestos e variadas e humildes atividades profissionais.

Viveu em Nova Iguaçu, onde morreu em condições difíceis. Com o agravante da discriminação por ser gago, homessexual, pobre, tratando de viver 'como poeta' (...) apreciando sobremaneira o álcool e provavelmente o ópio, afastado do convívio com os 'poetas maiores' de sua época, é de se supor as dificuldades encontradas por Ernani para publicar seus poemas"

Tanto que os poemas contidos na "História do Gosto" ficaram guardados em uma caixa na Academia Catarinense de Letras por mais de 40 anos, sendo resgatados para a análise e publicação do livro só em 1997.

Poeta em certo sentido hermético, de inspiração mallarmáica. Chegou a ser redescoberto e cultuado pelos concretistas paulistas.

Dentre suas principais influências estão Eugênio de Castro e Cruz e Sousa. Como observa Andrade Muricy: "O fato de ter ficado quase completamente desconhecido e não haver, por isso, tido influência histórica, não lhe invalida a precedência".

Publicou em vida: Certa Lenda Numa Tarde - Paráfrasis de Narciso; Poemas do ópio; Silêncios. (...)

Fontes:
Antonio Miranda
Literatura Brasileira – Apostila 7 de simbolismo.
Casa de Paragens.

Oscar Rosas (Poesias Avulsas)


EXCELSIOR

Crescem teus ódios como o mar,
Cresce-me o amor como um novilho.
Rufa o tambor, vamos cantar,
Que no teu ventre está meu filho.

Nós não sabemos que é chorar,
Somos assim como um junquilho,
Como ferreiros a forjar
0 ferro em brasa para um trilho.

Somos de ferro como as lanças,
Eu cheiro só as tuas tranças
E a minha boca só tu beijas.

Tu és a noiva da desgraça!
A nossa sátira espicaça
Como dentadas às cerejas.
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O soneto é bastante aliterado, em m no início, em f nos versos 7-8, em t no verso 10, em b no verso 11, em s no verso 13, etc. Faltam aos versos o travamento e a precisão vocabular parnasianos, e essa ausência denota o caráter simbolista da composição.
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SEREIA
(Dedicado a Emíïio de Menezes)

Reparem nesse bronze, veia a veia,
Cornucópia de seios e de escama,
Obra de um japonês, em que o Fusi-Iama
Adora o mar em enluarada areia.

Canta, e essa harmonia nos golpeia.
É duma triste e solitária gama,
Porém aumenta desse bronze a fama
O olhar amortecido da sereia.

Penso que sonha o pólo e o nevoeiro,
E a pálida talhada de um crescente
Num céu de véus de noiva e jasmineiro.

E, como búzio a referver, ressoa
Numa langue preguiça de serpente,
Num êxtase nostálgico de leoa.

VISÃO

Tanto brilhava a luz da Lua clara,
Que para ti me fui encaminhando.
Murmurava o arvoredo, gotejando
Água fresca da chuva que estancara.

Longe de prata semeava a seara...
O teu castelo, a Lua crepitando,
Como um solar de vidros formidando,
Vi-o como ardentíssima coivara.

Cantigas de cigarra na devesa...
E, pela noite muda, parecia
Cantar o coração da natureza.

Foi então que te vi, formosa imagem,
Surgir entre roseiras, fria, fria,
Como um clarão da Lua na folhagem.

Fontes:
Antonio Miranda.
Jornal de Poesia.

Oscar Rosas (1862 – 1925)


Oscar Rosas Ribeiro nasceu em Florianópolis, em 12 de fevereiro de 1862, Filho de João José da Rosa Ribeiro de Almeida e de Rosa Albino Machado.

No Rio de Janeiro se fez jornalista profissional, defendendo o abolicionismo e a Republica; conheceu Cruz e Sousa no Ateneu Provincial de Santa Catarina, levando-o para o Rio, durante a primeira estada do Poeta Negro (junho de 1888 — março de 1889), e quem o apresentou aos meios literários.

Os quatro poetas que, em redor da Folha Popular, fundaram o grupo renovador das nossas letras, um era Oscar Rosas, que desde 1890 se dizia ,"simbolista radical". Oscar Rosas secretariava o jornal Novidades, onde fez proselitismo simbolista; assim é que em 18 de outubro de 1890 atacou Araripe Junior, que interpretava o simbolismo de modo insatisfatório, e assim é que levou a colaborar no periódico Cruz e Sousa e os moços inconformados. Chegou a escrever um soneto de parceria com o Cisne Negro.

Depois de deixar Novidades, em abril de 1892, Oscar Rosas dedicou-se quase que integralmente ao jornalismo político, trabalhando em vários periódicos do Rio e de 1922 a 1925 em Florianópolis, onde dirigiu o jornal Republica.

Foi deputado à Assembleia Legislativa de Santa Catarina na 11ª legislatura (1922 — 1924).

É patrono de uma das 40 cadeiras da Academia Catarinense de Letras.

Faleceu nesse mesmo ano de 1925, no Rio, no dia 27 de janeiro. Sua produção poética encontra-se até hoje esparsa pelos jornais e revistas da época.

"Janela do Espírito", reproduzida por Andrade Murici (Panorama, vol. I, pag. 177), trai nítida influência de Teófilo Dias, confirmando, mais uma vez, que o poeta das Fanfarras foi uma poderosa sombra sobre os nossos primeiros decadentes e simbolistas.

Basta ver o começo: "Ai, que tormento, criança, / Oh! que sina tão sangrenta! / — Andar essa loura trança / Presa a minh'alma febrenta. // Agora eu passo os meus dias / Debaixo dessa janela, / A espera que tu sorrias / Sob essa coma de estrelas. // Pela calçada eu passeio, / Junto de ti eu me agito, / O sangue tinge-me o seio / Na veemência de um grito." Pelos espécimes que dele reuniu Murici, Oscar Rosas buscava novidade de expressão e imagens.

Fontes:
Antonio Miranda.
Wikipedia.
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva, in Poesia Simbolista: Antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1965.

Heron Moura (Robert Frost: Juntando Folhas)


Robert Frost (1874-1963) é um dos grandes poetas norte-americanos, num século muito rico de poetas nascidos nos Estados Unidos. Sua fama é menor que a de alguns de seus pares. Não é tão conhecido quanto Eliot ou Pound, nem tão moderno quanto William Carlos Williams. E parece provinciano perante Wallace Stevens.

Mas retornar a ele e reler os poemas de Frost é como visitar uma cidade do interior e descobrir nela uma construção que a gente não sabe catalogar de imediato; é uma construção claramente urbana e moderna, e, no entanto, algo ali exala um tempo que não volta mais. Sua arquitetura nos faz pensar em parentes mortos, e nos lança também diante de nós mesmos.

Não sei como um poema de Frost soa a ouvidos nativos. Para mim, evoca algo dessa sensação que sentimos ao ler poemas de Drummond, quando o poeta aborda a memória de Minas. Não é Minas que está ali; é uma sombra de parentes falecidos, ou menos que uma sombra; mas é tudo tão palpável.

Os poemas de Frost parecem esculpidos sobre um dialeto do inglês que eu não conheço, de caipiras um tanto bruscos e reticentes, e que vivem sob a neve durante meses. Como eles falam? O que pensam? Não sei, e na verdade pouco importa. Eu não sei como vivem os homens e mulheres de New Hampshire, estado no nordeste dos Estados Unidos, e que dá título a um dos grandes livros de Frost, do qual retirei o poema abaixo, traduzido por mim:
-

JUNTANDO FOLHAS.
Robert Frost
(tradução: Heron Moura).

Tanto faz pá ou colher
Para juntar essas folhas;
E o saco que elas enchem
Pesa o que pesam rolhas.

Eu faço um grande ruído
Pisando em folhas mortas,
Como coelhos e corças
Fugindo de trás das hortas.

Mas as montanhas que eu ergo
Escapam de meu enlace,
E tombam entre meus braços
E voam na minha face.

Eu carrego e descarrego
Usando a pá e a mão,
E o galpão fica cheio;
O que eu tenho então?

Apenas carga sem peso,
Um verde agora sem vida
Pelo contato com a terra,
- Carga tão descolorida

E que não serve pra nada.
Mas colheita é colheita
Não importa onde ela alcança
E para que ela é feita.
-

Nada neste poema evoca o dramatismo religioso e desamparado de um Eliot. O dramatismo cansa, tanto quanto a superficialidade. No poema acima não se encontra nada das supressões e elipses de um William Carlos Williams. A voz é nítida e musical, embora levemente rústica e brusca.

Poesia é uma questão de moda, como tudo o mais. Frost não entrou na moda (pelo menos aqui no Brasil), mas que diferença isso faz? Também é muito difícil explicar por que uma moda pega, e outra cai. É muito difícil explicar porque os homens deixaram de usar chapéus, ou por que os rapazes usam hoje calças folgadas, abaixo da linha da cintura. No entanto, os entendidos gostam de fazer a genealogia das etiquetas, e querem explicar os chapéus, as calças e Frost. Este grande poeta seria sentencioso e alegórico, o que corresponde a uma forma terrível de retórica. E o moderno aboliu a retórica. Veredito: Frost, fora da moda, poeta malvestido.

É um pouco fastidioso fazer a crítica das etiquetas, mas pensemos um pouco sobre a questão da alegoria. Um poema moderno não pode ser alegórico? Eliot não usa insistentemente desse processo para criar imagens? Por que o pobre Frost leva a culpa?

Pode-se ler o poema Juntando Folhas como uma alegoria. Mas alegoria do quê? O problema é que podemos dar variadas interpretações alegóricas a esse poema; interpretações em demasia, na verdade.

Essas folhas, que nos escapam e que não valem nada, mas que devemos juntar de toda forma, podem ser a imagem de nossos esforços cotidianos; pensamos ter colhido algo, mas só enchemos sacos de folhas.

Há uma alegoria um tanto mais elaborada, e ao gosto de uma moda agora levemente ultrapassada; juntar folhas é como escrever poemas. Palavras não pesam nada; elas tombam diante de nós, e voam diante de nossa face. Poemas não valem nada e só produzem ruído, e, no entanto, o poeta colhe essa colheita todo dia, como um coelho que busca o seu sustento entre as plantações. O poema Juntando Folhas seria, nessa leitura, uma alegoria da arte verbal, e, talvez, da incapacidade de essa arte atingir um destino.

Pode também ser uma alegoria do tempo que passa. Colhemos os anos, e o que temos no final? Sacos estufados de tempo, uma sombra do que vivemos, um verde que vai perdendo a cor e a intensidade.

Não pode ser; isso não está correto. Há alegorias demais nessas interpretações, e esse poema no fundo é muito leve. A sua força vem da convocação de imagens e ritmos; vem da música e da forma, não da superposição de um sentido mais amplo a essas imagens nuas.

E, no entanto, como essas imagens significam! Elas nos falam pelo que são: um homem faz muito esforço e muito barulho para usar a sua pá; é como se ele estivesse usando uma ridícula colher para arar a terra, arar o que não pode ser arado. É como se ele estivesse plantando na neve ou na rocha. Associamos esforço e dispêndio, tempo e passatempo, suor e montanhas de folhas.
O poema nasce daí: imagens estocadas em nossa mente se articulam de forma inesperada: talvez plantar e colher sejam como construir um castelo na areia, ou como juntar conchinhas na beira da praia. Algo nos empurra para a repetição e a aglomeração das coisas. Compulsivamente, juntamos e juntamos. Coletamos. Coletamos até o que não temos.

O fim do ano é também uma época de juntar coisas; o que foi e o que não é mais. Devíamos fazer as árvores natalinas com essas montanhas de folhas de Frost. Daria mais trabalho, mas seria mais real. O ano passou, mas a nossa vontade de juntar não.

Fontes:
http://www.heronmoura.com/blog/?p=186

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.76)


Trova do Dia

Que o Ano Novo, afinal,
seja de instantes risonhos
e que os sonhos do Natal
sejam muito mais que sonhos!
ARLINDO TADEU HAGEN/MG

Trova Potiguar

Eu fico feliz porque,
em Dezembro em peço assim:
Feliz Natal pra você...
como eu desejo pra mim.
LUIZ XAVIER/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > 1º Lugar

Nada ter na mesa à Ceia
do Natal, triste é! Porém,
bem mais triste é vê-la cheia
e em volta não ter ninguém.
MARIA AMÉLIA CARVALHO/PORTUGAL

Uma Trova de Ademar

Ao Trovador, meu irmão
mando um abraço apertado;
pra vocês, de coração,
um Ano Novo “Arretado”!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram:

Natal... Repicam os sinos...
Banha-se o mundo de luz...
Há nos lábios dos meninos
o sorriso de Jesus!
COLBERT R. COELHO/MG

Estrofe do Dia

Mais um ano se inicia
e, em nome dos Trovadores
peço ao filho de Maria
para amenizar as dores;
que agora neste Ano Novo
acabe a fome do povo
que não comeu no “Natal”;
peço ao Pai Onipotente
que mande para essa gente
mais justiça social.
ADEMAR MACEDO/RN

Soneto do Dia

– Josias Alcântara/ES –
UM ÓTIMO FINAL DE ANO.

Experimente, por favor experimente
ouvir e atender primeiramente ao seu Deus.
Não se recuse, apenas se esforce mais...tente...
compartilhar essas dádivas com os seus.

Experimente focar com o olhar da mente
o que fizeram outrora os fariseus.
Leia e releia o evangelho de São Mateus
e aprenda um pouco com Jesus a olhar de frente!

Não se esqueça e seja exemplo na caminhada
e não desista na primeira encruzilhada,
pois Deus é Pai e se preciso lhe carrega...

Oh! Meu amigo (a), a angústia passa, siga em paz,
que a sua luta é boa e logo se refaz;
mas, só vence nessa vida, quem não se entrega!

Fonte:
Ademar Macedo