terça-feira, 28 de junho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 257)

Eduardo Bajzek Barbosa
(pintura em aquarela -Ronda/Espanha)

Uma Trova Nacional

Na vida a gente imagina
tudo poder suplantar.
Olho os seus olhos, menina,
já começo a fraquejar.
–GILSON FAUSTINO MAIA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Não sou chegado a festança,
mas se algo me satisfaz,
é quando eu entro na dança
pra dela não sair mais.
–ZÉ DE SOUZA/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - M/E.

Um dia, mesmo te amando,
meu coração se calou
e eu passo a vida chorando
a audácia que me faltou!
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Uma Trova de Ademar

Tenha sempre isso na mente
pois serve pra vida inteira:
a verdade é permanente
e a mentira é passageira.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Vi, na página primeira,
de um velho livro que eu lia,
que a saudade é companheira
de quem não tem companhia...
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

–DELCY CANALLES/RS–
Ser Triste...

Todos querem saber
por que sou triste
e esta mania de andar
sozinha?
Alguém sabe, em verdade,
por que existe,
ou cala, ou fala,
ou para, ou caminha?
Existe um sentimento
assaz profundo,
que me causa ansiedade,
angústia e dor,
que me joga com força
neste mundo
de indiferença,
fome, desamor!

Estrofe do Dia

Quantos homens pregaram liberdade
ensinando a viver com união,
o amor, a justiça e o perdão
mas esquece na hora da verdade;
não entende o que é a caridade
e nem sabe o que é ser coerente,
porque toda pessoa prepotente
contradiz tudo aquilo que falou;
quem não vive a verdade que pregou
é um Judas traindo outro inocente.
–LÚCIA LAURENTINO/PB–

Soneto do Dia

–RACHEL RABELO/PE–* e GILMAR LEITE/PE–**
Recomeço

Repousei cada medo na verdade
Para lhe mostrar meu interior.
Vou buscando no Ser superior
Os caminhos pra minha liberdade.*

É preciso buscar profundidade
Onde a vida demonstre seu valor;
Renovar o viver com mais vigor
Avançar, sem temer qualquer maldade.**

O perdão, um pilar pro recomeço!
Os carinhos, afagos, não esqueço.
São as fontes sutis do coração. *

Renascer no perdão a consciência,
E plantar a mudança na existência
Irrigando os atos com atenção.**

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 256)


Uma Trova Nacional

O Sol e a Lua se amaram
às escondidas, ao léu!
Tempo depois, despontaram
milhões de estrelas no céu!
–DORALICE GOMES DA ROSA/RS–

Uma Trova Potiguar

Quando os versos vão rimando
na mais perfeita harmonia,
a trova vai se tornando
a mais linda sinfonia.
–IVANISO GALHARDO/RN–

Uma Trova Premiada

2006 - Amparo/SP
Tema: RESPEITO - M/H.

Em vez de grito e pancada,
quando um filho se excedia,
meu pai só dava uma olhada
- e a gente logo entendia!
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Uma Trova de Ademar

A grande dor da saudade,
disse alguém experiente:
dói o dobro da metade
dentro do peito da gente.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Nasceu na Terra a Bondade,
por ordem do Criador.
Tem por mãe a Caridade
e tem como pai o Amor.
–MARIINHA MOTA/SP–

Simplesmente Poesia

–CELINA FIGUEIREDO/MG–
Apelo

Força que anima
meu viver sem vida,
doce miragem
a embalar meus sonhos,
deixa ao menos
eu seguir teus passos
e, na poeira que teus pés levantam,
sufocar o pranto de esperança,
matar para sempre esta paixão.

Estrofe do Dia

Contemplar as sextilhas do nordeste
é um prazer nessas tardes catarinas,
o valor e a riqueza de seu povo
a cadência de seus versos bem ensina,
vai assim, seduzindo quem as lê
alcançando com louvor a sua sina.
–ELIANA RUIZ JIMENEZ/SC–

Soneto do Dia

–MARIA JOSÉ FRAQUEZA/Portugal–
Meu Portugal Eterno

Tanta foi a tormenta e a vontade
Dos nobres e valentes marinheiros
Vencendo as ondas com heroicidade...
Só tendo Céu e Mar... Por companheiros

Somente a Fé em Deus, na unidade
Nas rotas de mais luz, dos mensageiros
Guiados p’las estrelas, seus luzeiros...
E o coração batendo de Saudade!

Em Terra, seu Infante lá ficara...
E na réstea do Sonho que deixara
A mensagem mais bela renascida.

É que lá longe... firme, o pedestal
Ergue-se nosso herói sempre imortal
De Portugal maior, além da Vida!

Fonte:
Textos e imagem enviadas pelo autor

José Tavares de Lima (Vozes do Coração) Parte V


A mendiga não tem nada;
leva um viver vagabundo;
mas, ao filhinho abraçada
se sente a dona do mundo!

A morte não me intimida;
mas, por ser tão inclemente,
eu tenho medo da vida
que mata os sonhos da gente!....

As dunas que o vento forte
faz e desfaz de inopino,
têm, na incerteza da sorte,
um pouco do meu destino...

Cansado de levar tombo
pela vida o negro insiste
na procura de um quilombo
que ele nem sabe se existe!

Das esperas e cansaços
recompensa igual não tem,
como o dilúvio de abraços
que ela me traz quando vem!...

De outros grilhões me desfiz...
do teu amor, todavia,
sou um escravo feliz
que não reclama alforria!...

Derrota não intimida
aquele que, persistente,
esquece a luta perdida
e vai lutar novamente!

Dói mais meu sonho frustrado
ao ver, com tristeza imensa,
o meu afeto humilhado
pela tua indiferença !

Esta renúncia forçada
ao teu amor me dói tanto,
que a minha alma inconformada
nem se consola no pranto!...

Eu planto boa semente,
mesmo assim por mais que eu plante,
minha colheita, desmente
o que o provérbio garante! ...

Eu, por ser um pecador,
em ter o céu não me empenho;
na terra, com teu amor,
o céu que eu quero já tenho!

Faço uma fonte de sonho
desta vida; e, sem chorar,
quando um sonho morre eu ponho
outro sonho em seu lugar!

Lembra, na ajuda prestada
que outro interesse resume,
que as flores não pedem nada
em troca de seu perfume!

Luta, e com mão destemida
traça teu rumo e conduta,
antes que sejas na vida
um derrotado sem luta! ...

Mesmo depois de desfeito,
um grande amor de verdade
fica escondido no peito
sob a forma de saudade!

Na cartilha do incapaz
consta um lema: prometer..
É fácil dizer que faz,
difícil mesmo é fazer! ...

Não sou feliz, todavia
escondo o desgosto meu
simulando uma alegria
que a vida nunca me deu !

Não temo envelhecer.
Tudo na terra é finito...
Repara que o entardecer
é sempre um quadro bonito!

Nas ruas, pobre menino,
vagueias sem pão, sem teto;
mas sei que no teu destino
dói mais a fome de afeto!

Nem todos, tenho certeza,
abrem mão de seu prazer...
Porque renúncia é grandeza
que só os bons podem ter!

Num quilombo bem distante,
palco de uma luta inglória
um sonho foi importante
muito mais do que a vitória!...

Ouço o mar nas madrugadas;
e sinto, em seu murmurar,
os gemidos das jangadas
que não puderam voltar!...

Para Deus, capaz de ver
a fé no peito contrito,
um murmúrio pode ser
mais eloqüente que um grito!

Podes ir... mas, se um lamento
ouvires de vez em quando,
não é murmúrio de vento...
É minha voz te chamando!...

Quem nos erros se aferrenha,
não sabe que a chave torta,
por mais força que se tenha
não abre nenhuma porta!

Quem visa em seu desvario
tudo ter, de imediato,
se esquece que o grande rio
é no princípio um regato.

Saudade... Um sorriso brando
para uma dor esconder...
Alguém partindo, tentando
me dar adeus sem querer!...

Se a vida é penosa e bruta
não fraquejo, sigo em frente,
como um náufrago que luta
contra a força da corrente...

Se quer colher mais adiante
desde já plante a semente,
que o futuro se garante
trabalhando no presente!

Ser bom consiste em sentir
que no mundo da amizade,
entre servir-se e servir,
servir tem prioridade!

Sozinho, sem ter na vida
quem preencha os dias meus,
sou como o altar de uma ermida
num povoado de ateus!...

Tua luta amarga aceita
sem perder a confiança,
que a passagem mais estreita
se alarga à perseverança!

Um grão só nunca é de menos,
muito importa na colheita...
Pois é com elos pequenos
que a grande corrente é feita!

Voltaste. Esquecido, agora,
de mágoas e de abandono,
sinto um fascínio de aurora
na minha tarde de outono! ...

Fonte:
Colaboração de Darlene A. A. Silva
LIMA, José Tavares de. Vozes do Coração.

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrinho) IX - Emília vende o rinoceronte


Emília tratou de procurar outro freguês. Foi à cozinha e propôs o negócio à Tia Nastácia. A negra, que estava depenando uma galinha, nem a ouviu no começo; depois, como Emília amolasse, disse apenas, em tom de brincadeira:

Era só o que faltava, esse bicho de nome esquisito aqui para meter medo na gente! Se fosse uma chocolateira eu fazia negócio, porque a minha está vazando.

Para Dona Benta era inútil oferecer. A pobre senhora tinha horror a bichos, sobretudo depois que teve de meter-se em pernas de pau no dia do assalto das onças.

O Visconde seria capaz de aceitar, porque os fidalgos adoram as grandes caças — mas o pobre Visconde pertencia à classe dos fidalgos arruinados que só possuem o seu título de nobreza. Nunca teve de seu nem sequer um tostão furado.

Narizinho... Rabicó...

Estava Emília na maior indecisão quando a Cléu apareceu.

Cléu — disse a boneca —, tenho um negócio excelente que ando a propor a todos e ninguém aceita. Pedrinho não acredita, Tia Nastácia não quer, o Visconde não tem dinheiro, com Rabicó e Narizinho ainda não falei.

Que espécie de negócio é? — perguntou a menina. — Venda ou troca?

Venda ou troca de um animal preciosíssimo que descobri na mata.

Vai ver que é um rinoceronte! — sugeriu Cléu.

Emília ficou admiradíssima.

Como sabe? Como adivinhou?

Esperteza — respondeu Cléu. — Estou lendo nos seus olhos, Emília, que você é dona dum enorme rinoceronte de verdade.

Sério?

Seriíssimo!

Emília foi examinar-se ao espelho e achou que realmente estava com cara de dona de rinoceronte. Os sábios chamam a esse fenômeno “sugestão”.

Bem — disse Emília, de volta do espelho. — Você adivinhou, Cléu. Tenho mesmo um rinoceronte para vender. Quer comprar?

Não. Mas posso associar-me a você no negócio. Arranjarei jeito de vendê-lo a Pedrinho e metade do dinheiro é meu. Serve?

Não quero vendê-lo por dinheiro e sim trocá-lo pelo carrinho de cabrito.

Nesse caso eu terei metade do carrinho, as rodas, por exemplo — lembrou Cléu, mais para amolar a boneca do que por desejar realmente possuir as tais rodas.

Emília refletiu uns instantes. Depois disse:

E você mais tarde me dá de presente as rodas?

Cléu teve dó da afliçãozinha dela.

Dou, sim, dou desde já. Estou brincando. Não preciso, nem quero roda nenhuma. Ajudarei você a vender o rinoceronte sem cobrar comissão nenhuma.

Emília deu dois pinotes — e as duas foram ter com Pedrinho, que ainda estava lendo o jornal.

— Escute, Pedrinho — disse a boneca, tirando-lhe o jornal das mãos. — Vou ser franca. O tal rinoceronte que fugiu do circo existe, sim, e por um acaso descobri o lugar onde ele está. Juro! Ora, se você nos promete dar o carrinho de cabrito em troca, o negócio está feito.

Pedrinho estranhou aquele ‘nos’.

— Nos? — repetiu ele, admirado. — Nos, quem?

— Eu e Cléu. Ela é sócia, tem metade do rinoceronte. O tom com que Emília falava começou a convencer o menino.

— Sério, Emília? Está falando sério?

— Nunca na minha vida falei tão a sério, Pedrinho. Sei onde está o rinoceronte fugido, mas só direi se você me der...

— Nos der... — corrigiu Cléu.

— Sim, se você nos der o carrinho.

Um rinoceronte de verdade por um carrinho de cabrito era o melhor negócio do mundo. Pedrinho não vacilou um instante.

Pois está fechado! — gritou ele. — Onde anda o bicho?

— Na mata dos Taquaruçus.

— Como o descobriu, Emília?

— Os meus besouros espiões são uns amores. Tudo o que se passa no mato eles correm a me contar. Inda há pouco vieram, muito assustados, dizer do aparecimento dum animalão enorme, assim, de chifre único na testa — e percebi que se tratava do rinoceronte fugido.

Era espantoso aquilo. Pedrinho sentiu o seu coração palpitar com violência. Um rinoceronte! Um rinoceronte de verdade, morando no sítio de Dona Benta! Não podia haver nada mais fantástico...

— Resta agora decidir o que faremos dele — murmurou o menino, atrapalhado. — Matá-lo, caçá-lo, prendê-lo, devolvê-lo ao circo, amansá-lo, conservá-lo?... Que fazer?

— Acho que vocês devem amansá-lo e fazê-lo entrar para o bandinho — sugeriu Cléu. — Sempre achei que fazia muita falta aqui um bicho assim, dos grandes.

— Impossível, Cléu — disse Pedrinho. — Esses animais, além de ferocíssimos e traiçoeiros, são incomodamente grandes. Não cabem em parte nenhuma. E depois há ainda vovó e Tia Nastácia — as duas maiores medrosas do mundo. Se conservarmos o rinoceronte aqui no sítio, elas se trancarão em casa pelo resto da vida. São bobíssimas. Mas é coisa que veremos depois. Agora temos de ir espiar o bicho.

Guiados pela Emília, foram os três ao encontro dos besouros, que justamente naquele instante estavam voltando a si do longo desmaio.

— Onde está o rinoceronte? — perguntou-lhes Pedrinho, ao chegar.

Mal acordados ainda, e ignorantes do que significava a palavra “rinoceronte”, os pobres besouros olharam apatetada-mente para o menino.

Emília interveio, explicando que só ela sabia falar com aqueles bichinhos.

— Escutem — disse ela -—, queremos saber onde ele está.

Os besouros entenderam e deram indicações do ponto exato onde ele se achava escondido.

Pedrinho, que conhecia a moita de taquaruçus, encaminhou-se para lá.

Meia hora depois chegaram todos a um ponto onde a moita se abria em clareira, tendo dum lado a Figueira-Brava, debaixo da qual os bichos costumavam reunir-se em assembléia, e do outro, a tal moita de taquaruçus. Chegaram, espiaram e nada.

— Vejo lá adiante uma pedra preta — disse Cléu, apontando para um rochedo de dorso redondo que os capins altos meio escondiam. — De cima talvez possamos avistar o monstro.

Correram todos para a tal pedra, treparam-lhe em cima e do alto espiaram por entre as árvores em todas as direções. Nada! Nem sombra de rinoceronte.

— Emília — disse Pedrinho, desapontado —, não há rinoceronte nenhum por aqui. Os senhores besouros nos tapearam da maneira mais indigna. Como castigo, merecem ser depernados de todas as perninhas. Se eu fosse você...

Pedrinho não pôde concluir. A pedra mexeu-se! Não era pedra — era o próprio rinoceronte que se tinha deitado naquele ponto para dormir...

O pulo que eles deram merecia ir para um quadro na parede, com moldura de ouro, pois foi o mais rápido e belo pulo que ainda se deu no mundo. Mas como o rinoceronte era pesadão, enquanto se punha em pé os quatro caçadores alcançavam o mais alto galho da Figueira-Brava, donde podiam vê-lo sem perigo nenhum.

— Realmente! — exclamou Pedrinho, lá no seu poleiro. — É rinoceronte dos legítimos. Vejam que formidável chifre tem na testa e que terrível couraça no corpo...

— A onça nós matamos — disse Narizinho —, mas este bicho cascudo não há meio. Bala não entra, faca não entra. Como iremos nos arranjar?

— O jeito é passarmos um telegrama para o Rio de Janeiro, contando às autoridades que o rinoceronte que elas procuram está aqui. O pessoal lá tem canhões e metralhadoras. Que acha, Emília?

Emília estava de ruguinha na testa, sinal de “idéia-mãe” em formação.

— Acho — respondeu — que não devemos mandar telegrama nenhum nem falar nisto a ninguém. Do contrário o sítio se entope de gente grande e adeus! Gente grande estraga tudo. Eu não aturo gente grande.

Os outros também, mas o caso era muito especial, muito sério mesmo, de modo que não havia remédio senão pedirem socorro à gente grande. Pelo menos Dona Benta tinha de ser avisada. O sítio, afinal de contas, era dela; o rinoceronte invadira a sua propriedade — natural pois que, como dona, ela resolvesse o caso. E foi decidido darem parte a Dona Benta do extraordinário acontecimento.

Mas como descer da árvore com aquele perigo chifrudo embaixo? O rinoceronte se havia posto de pé, embora sem mostrar intenção nenhuma de afastar-se dali. Tosava as copas dos arbustos vizinhos e mascava as folhas com um sossego de boi de carro.

Quem salvou a situação foi a boneca.

— Tenho cá no meu bolsinho do avental uma isca do pó de pirlimpimpim. Se não perdeu a força, poderá levar-nos até ao terreiro.

Pedrinho arregalou o olho. Pó de pirlimpimpim no bolso da Emília? Como isso? Será que a boneca virará gatuna?

— Não furtei coisa nenhuma — protestou Emília, percebendo na cara de Pedrinho a desconfiança. — Não sou nenhuma ladrona, fique sabendo.

— Como então obteve esse pó?

— Muito simples. Quando fomos ao País das Fábulas e você me deu a pitada que eu devia tomar, tomei só meia pitada. O resto guardei no meu bolsinho para o que desse e viesse. Chegou agora a ocasião.

Foi uma grande alegria. Graças à providência da boneca iam todos salvar-se daqueles apuros. Mas no bolso da Emília só se encontrava meia pitada. Dividida entre quatro, caberia um oitavo de pitada a cada um.

— Bastará, Pedrinho? — perguntou Cléu.

— Basta. Com um oitavo iremos parar justamente no terreiro da casa.

Assim sucedeu. Tomaram a pitadinha do pó maravilhoso e imediatamente se acharam no terreiro do sítio. Dona Benta estava na varanda, conversando com Tia Nastácia sobre assunto agrícola — um pé de couve que Rabicó havia tosado na horta.

— Esse Marquês duma figa está precisando mas é de ir para o forno — dizia a preta, que nunca tomara muito a sério a fidalguia do leitão. — Nesse andar, protegido desse jeito pelos meninos, acaba virando aí um cachaço inútil, que ainda nos há de dar muito trabalho. Mas vá a gente falar nisso a Narizinho! A casa cai...

Nesse momento surgiram no terreiro os meninos. Detiveram-se um instante, cochichando entre si, e depois se encaminharam para a varanda.

— Temos novidade — resmungou Tia Nastácia. — Pedrinho está de mão no bolso e Emília, de ruguinha na testa. Esses sinais não falham. Credo!

Pedrinho subiu à varanda e, sem nenhum preparo do terreno, foi contando a Dona Benta a história do rinoceronte encontrado.

— Quê? Um rino... — repetiu a velha sem poder concluir a palavra.

— ... ceronte, vovó, um rinoceronte real de chifre único na testa e aquela couraça duríssima no corpo. Está lá perto da Figueira-Brava.

Dona Benta olhou para Tia Nastácia com ar de quem pede misericórdia.

— Um rinoceronte! — gemeu a boa senhora, com voz moribunda. — Era só o que faltava, santo Deus! Que irá ser de nós?...

A negra, que nada sabia a respeito de rinocerontes, ofereceu-se para ir espantar o bicho com o cabo da vassoura. Mas quando Narizinho lhe mostrou, na História natural, o retrato dum desses paquidermes e lhe explicou que tamanho tinham e que terrível era o chifre que possuem no meio da testa, a pobre criatura pôs-se a tremer da cabeça aos pés.

— E agora, sinhá? E agora, sinhá? — murmurava, no meio dos credos e figarabudos e pelo-sinais que não cessava de murmurar e desenhar na cara e no peito.

— Agora? — respondeu Dona Benta, depois de refletir uns instantes. — Agora temos que avisar a polícia do Rio para que tome providências, e enquanto isso ninguém tem ordem de sair desta casa. Dizem os naturalistas que o rinoceronte é talvez a fera mais traiçoeira e perigosa da África. Se apanha um de nós!...

Emília quis meter a sua colherzinha torta e começou:

— Dona Benta, eu acho que... Mas foi interrompida.

— Pelo amor de Deus, Emília, não ache mais coisa nenhuma. É por causa de tantos achados que vivo aqui de susto em susto, com a alma na boca, atacada por onças e agora até com feras africanas perto de casa...

Emília, desapontada, botou-lhe a língua, logo que a velha voltou as costas.
––––––––––––-
continua ... X – O Rio de Janeiro é avisado
---------------------
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Olivaldo Junior (Migalhas)


Lá vou eu...
Mais uma vez, mais uma noite...
Lá vou eu...
Mais um freguês da mesma noite...
Lá vou eu...
Mais um rapaz, aquele homem...
Lá vou eu...
Mais um a mais, o mesmo nome.
Lá vou eu...

Cansado de ter que espalhar migalhas
pra saber por onde eu volto, migalhas...
Migalhas pra lembrar se tenho alguém,
alguém pra lembrar que sou só alguém
que se esqueceu de ser o que sonhava...

Pensei que teria amigos, alguém aqui.
Pensei que teria amores, um bem-te-vi...
Pensei que teria a música no quartinho...
Meu quarto está cheio de livros: ninho.
Mas o ninho da amizade está sem “ti”.

Só me resta fechar meu rosto, o resto,
a réstia de mim.

Pensei que estaria cantando, cantando...
Mas estou assim.

Fonte:
Poema enviado pelo autor

domingo, 26 de junho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 255)


Uma Trova Nacional

Rasgando o ventre da serra
num parto de luz e cor,
o sol vem brindar a terra
numa oferenda de amor!
DOMITILLA BORGES BELTRAME–

Uma Trova Potiguar


No horizonte do poente
o sol deita a fronte langue,
queimando-se em febre ardente,
tingindo as nuvens de sangue.
–IVORY/RN–

Uma Trova Premiada


2008 - São Paulo/SP
Tema: PORTÃO - Venc.

O sol, cumprida a rotina,
cerra o painel em que atua,
some por trás da colina
e abre o portão para a lua.
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–

Uma Trova de Ademar

Minha alma se concretiza
nos versos que são só meus.
E minha fé se eterniza
nas graças que vem de Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Chego ao fim, com pés sangrando,
abandonado e sozinho;
meus sonhos foram ficando
um a um pelo caminho...
–JOUBERT DE ARAUJO/ES–

Simplesmente Poesia

MOTE:
Eu vim ao mundo chorando,
Mas meu destino é cantar.

GLOSA:
Mamãe me disse que quando
A parteira entrou no quarto,
Sem prejudicar seu parto
Eu vim ao mundo chorando;
A vida foi-me ensinando
Sorrir mais do que chorar,
Pela sorte ou pelo azar,
Que não vale viver triste;
Por isso, a tristeza existe,
Mas meu destino é cantar.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Estrofe do Dia

João de barro bem alto faz seu ninho
preparado com argila e argamassa,
com as asas e os pés o barro amassa
e a colher de pedreiro é seu biquinho;
quem teria ensinado ao passarinho
construir sua casa com firmeza,
que lhe serve de abrigo e de defesa
contra o sol, contra a chuva, contra tudo
pequenino arquiteto sem estudo
que nos mostra o poder da natureza.
–DIMAS BATISTA/PE–

Soneto do Dia

–FRANCISCO MACEDO/RN–
Meu Ecossistema

Tenho um ecossistema preservado,
no recôncavo do meu coração,
habitat principal de uma paixão,
santuário que abriga o ser amado.

Sou um sexagenário apaixonado
com medo da pior devastação,
que seria ficar na solidão,
tendo este ecossistema devastado!

Tuas flores, sementes e raízes,
tem feito de nós dois, seres felizes,
sem qualquer motosserra corte e dor.

Eu te peço Senhor, Deus da beleza,
assim como preserva a natureza,
preservai para sempre o nosso amor!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ialmar Pio Schneider (Ao Leitor)


Quando escrevo me assalta um pensamento
indeciso de não saber a quem
possa atingir meu louco sentimento
e duvidar assim não me faz bem...

Espero apenas que o meu sofrimento
não vá prejudicar... ferir ninguém...
Ponho aqui realidade e fingimento
para a escolha daqueles que me lêem.

Segue junto comigo se te apraz
conhecer solidão e fantasia,
às vezes desespero, às vezes paz:

meus “Sonetos e Cânticos Dispersos”
dizendo que no mundo da poesia
cada qual é o poeta dos seus versos...

(Do livro “SONETOS E CÂNTICOS DISPERSOS”, em preparo).

CANOAS, 20.4.84 - O TIMONEIRO - PÁG. 17


Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem = http://alcochete12.blogspot.com

Olivaldo Junior (Não)


Sim, o não é tudo o que se tem.
“Ter ou não ter, eis a questão”...
Faz tempo que nada mais se tem...
Não há mais certeza, coração,
e tudo deve ser às pressas, hein!
Não é tudo o que tenho à mão.
A mão, que desenha outro trem,
que desdenha o bem, a razão,
o sonho, de canção, amor e bem,
o sonho, que, bem, é a paixão...
Paixão é o não que espera além,
além do coração que diz não.
Não que eu saiba, mas estou bem...
E aí, irmão: estou bem ou não?
Não, não sei, é que não sei bem...
Bem, o sim é o não da razão.
Sim, o não é tudo o que ninguém
poderia, pois sim, ter no pão.
No pão da paixão, Amendocrem,
meu amor, “neném”, é o não.

Fontes:
Poema enviado pelo autor
Imagem = http://tolifehelpin.blogspot.com

UBT Curitiba (Trovas de Concursos Internos)


Tema: FORTALEZA

Vencedor

Desde criança a Poesia
é a minha grande riqueza:
minha fonte de alegria,
minha eterna Fortaleza!
Roza de Oliveira

Menção Honrosa

Teu charme, encanto e beleza,
dão aos poetas um tema,
ó encantada Fortaleza,
linda Terra de Iracema!
Maurício N. Friedrich

Menção Especial

Crer,amar,doar,sofrer,
verbos de sabedoria.
Só com esses vamos ter
fortaleza todo dia.
Paulo Roberto Walbach

Embora não seja forte
e nem possua destreza
em Deus é que busco o norte
e também a fortaleza.
Paulo Roberto M. Gomes

Tema: Surpresa

Vencedores:

1 –
Escrava do teu olhar,
quis fugir mas – que surpresa!
Na ânsia de me libertar,
cada vez fico mais presa...
Janske Schelenker

2-
Cada filho, com certeza,
ao nascer em nosso lar,
é uma caixa de surpresa
que só Deus nos pode dar.
Nei Garcez

Menção Honrosa:

A trova, quando é bem feita,
tem encanto, traz surpresa;
poesia curta, perfeita,
a nos brindar com beleza!
Maurício Friedrich

Menção Especial:

1-
Criançada mais acesa,
num redemoinho só,
do “louro” vem a surpresa:
com os netos, grita: “VÓ”...
Roza de Oliveira

2-
Quanta surpresa causaste!
Não esperava tão cedo,
ser feliz por ver o engaste
de tua aliança em meu dedo.
Sara Furquim

Fontes:
Andréa Motta http://simultaneidades.blogspot.com
UBT Curitiba ubt-curitiba.blogspot.com

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 254)


Uma Trova Nacional

Joga no mar, que já morreu!
– Não!... Tô vivo... por favor...
– Cala essa boca, Tadeu,
quer saber mais que o doutor?...
–JOÃO ELIAS DOS SANTOS/SP–

Uma Trova Potiguar

Está pensando em casar?
É melhor sair de cena
do contrário vai passar
a vida cumprindo pena.
–HELIODORO MORAIS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: PIJAMA - Venc.

Diz a zebrinha ao zebrão,
sacolejando na grama:
- E que tal, meu bonitão,
tirarmos logo o pijama?...
–A. A. DE ASSIS/PR–

Uma Trova de Ademar

Já dizia Dom Casmurro
para o seu fiel vassalo:
–quem nasce para ser burro,
não chega nunca a cavalo!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


A solteirona infeliz
viu sua casa assaltada,
ladrão levou o que quis:
menos a pobre coitada.
–GRAZIELA LYDIA MONTEIRO/MG –

Simplesmente Poesia

MOTE:
Não posso vencer a morte,
mas irei de má vontade.

GLOSA:
Mesmo que eu pareça forte
como um touro premiado,
serei um dia enterrado,
não posso vencer a morte;
do Rio Grande do Norte
levarei muita saudade...
Promessas de eternidade
me fazem crer noutra luz.
Eu sei que é pra ver Jesus,
mas irei de má vontade.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Estrofe do Dia

Não tem música, é só “zoada”
nas letras, pornografia,
e a tal coreografia
parece “pornochanchada”.
A galera alienada,
cada vez mais se afunda
numa festa de segunda
onde o “fumacê” comanda...
O sucesso dessa banda,
depende apenas da bunda.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

–BASTOS TIGRE/PE–
Sintaxe Feminina

Leio: "Meu bem não passa-se um só dia
Que de você não lembre-me"... Ora dá-se!
Mas que terrível idiossincrasia!
Este anjo tem as regras de sintaxe!

Continuo: "Em ti penso noite e dia...
Se como eu amo a ti, você me amasse!
"Não! É demais! Com bruta grosseria
A gramática insulta em plena face!

Respondo: "Sofres? Sofrerei contigo...
Por que razão te ralas e consomes?
Não vês em mim teu dedicado amigo?

Jamais, assim, por teu algoz me tomes!
Tu me colocas mal! Fazes comigo
O mesmo que fizeste com os pronomes!"...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

sábado, 25 de junho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 253)


Uma Trova Nacional

A escuridão, por mais densa,
também nos traz coisas belas:
sem luz se ama, se pensa,
dá-se mais valor às velas.
–ELIANA PALMA/PR–

Uma Trova Potiguar

Quando visito um abrigo
de velhos abandonados,
fico dizendo comigo:
que filhos mais desalmados!
–LUIZ XAVIER/RN–

Uma Trova Premiada


2006 - Amparo/SP
Tema: RESPEITO - Venc.

Havia tanto respeito
naquele beijo na testa,
que a paixão ficou sem jeito
e retirou-se da festa!...
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Construí dentro de mim,
com minh’alma enternecida,
um teatro onde, por fim,
pude encenar minha vida!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Vi, na página primeira,
de um velho livro que eu lia,
que a saudade é companheira
de quem não tem companhia...
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

–ARTHUNIO MAUX/RN–
Divisão

Uma banda de mim é fantasia
na outra metade é ilusão.
No meu quarto rogo todo dia
que seja inteiro o meu coração.

Estrofe do Dia

Estava um dia a sonhar,
uma alma apareceu,
uma botija me deu
e me ensinou o lugar,
quando eu comecei cavar
já fui sentindo um espanto,
não sei se foi diabo ou santo
que gritou de lá : não cave,
a riqueza é uma ave
que não pousa em todo canto.
–ZÉ DIONÍZIO/PB–

Soneto do Dia


–LISIEUX/MG–
Oração

Liberta-me, ó Senhor, da minha vida,
também da morte, enfim, vem libertar-me;
porque não posso, por mim só, livrar-me
da culpa que em meu peito achou guarida...

Não deixes, meu Senhor, despedaçar-me
o coração, que a cada vã batida,
faz-me sofrer a alma arrependida. ..
Preciso, ó Deus, a ti aconchegar-me.

Quero, meu Pai, ouvir-te novamente,
quero outra vez sentir-te, plenamente,
toma-me, pois, em Teus paternos braços...

Coloca-me nos lábios, Teu louvor,
arde o meu peito com Teu doce amor
e guia em Teus caminhos os meus passos.

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = Sonho e Poesias

Lucas Nascimento da Silva (Despedida do TREMA)


Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüiféros, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüentas anos.

Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes! ... O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio...

A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela.

O dois pontos disseram que sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto eles ficam em pé.

Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra.

E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I.

Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões.

Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas? ...

A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K, o W "Kkk" pra cá, "www" pra lá.

Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER.

Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências!

Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo.

Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou.

Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas.

E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!...

Nos vemos nos livros antigos.

Saio da língua para entrar na história!

Adeus,
Ass: Trema.

Fontes:
Revista Universitária OffLine - edição 19. São Paulo: www.mercadojovem.com.br
Imagem = Secreta Litteratum

Amosse Mucavele (O Bebedor dos Tormentos)


Aticei o fogo do cigarro no meu coração.

Ficou em chamas e senti a necessidade de apagar, cortei o desejo, continuei no meu puxa-puxa, alguém trouxe-me a água. não aceitei, lembrei-me que no meu reino apagasse as chamas do cigarro com uma garrafa de gin.

Entornei-a dentro de mim, e dentro de mim já tinha um barco a espera; viajei com os olhos fechados, a minha visão era o copo e o cigarro ambos discutindo a primazia nas minhas duas mãos. e de repente abri a vista; deparei-me com o NEWTON trocamos um dedo de conversa falamos de muita coisa desde as prostitutas ate a ciência. em seguida ele falou-me da sua 3ª lei: ação e reação.

Fiquei de ouvidos boquiabertos e dos olhos carregados de uma ternura milenar, daí aprendi como se fabrica uma dor na consciência, levantei, tentei andar, não consegui, comecei a sentir o peso do meu corpo, e de tudo que engendrei a desaguar nos meus pés amputados pela força do álcool. Afinal quem são os meus pés para suportarem toda esta carga?

Tentei falar: a minha voz era um viaduto transportando silêncios, procurei as palavras não as encontrei em lugar algum, creio que o vento da boêmia as levou.

Desço do barco, percorro na embriaguez do meu dilema: será este o destino do meu dinheiro? sei que o melhor remédio é distanciar-me deste amigo da ocasião que só me visita quando as vacas estão gordas e quando são atacadas pela peste da pobreza ou dos bolsos rotos anda longe de mim.

O que vale estar bêbado e não ter chão para dormir?

E se eu tivesse comprado livros com dinheiro gasto naquela fatídica noite teria educado o meu raciocínio e neste exato momento estaria a vender saberes para o mundo, eu de álcool prostitutas cigarros não falem mais, preciso de distância com estes três aliados.
Caros amigos ensine-me a ser poeta. por favor...

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Efigênia Coutinho (Êxtase)


Qual uma aquarela o êxtase se colore,
Para enfeitar o umbral da emoção.
Que em beijos, minha boca te devore,
E do ato de amar, sentimos a explosão.

Comungando da volúpia festejamos,
A nossa entrega num beijo sensual.
E o êxtase percorre o que fadamos
Para o desejo cobiçado torne-se real.

Por um latejar que enrubesceste,
Nossos corpos explodem de paixão.
O sangue umedece calorosamente
A nossa carne sedenta em fusão.

É o desejo que brota envolvendo,
Selando em beijos este momento.
Do amor, a magia transcendendo
Nossas almas em puro encantamento.

Fonte:
Texto e imagem enviados pela autora

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrinho) VIII – Os negócios da Emília


Desde essa aventura ficou Pedrinho com mania de caçadas — mas caçadas de feras africanas. Queria leões, tigres, rinocerontes, elefantes, panteras, e queixava-se a Dona Benta (como se a boa senhora tivesse culpa) da pobreza do Brasil a respeito de feras. Chegou a propor-lhe que vendesse o sítio para comprar outro bem no centro de Uganda, que é a região da África mais rica em leões.

— Aqui nem dá gosto morar, vovó — dizia ele, torcendo o nariz. — Fora o jaguar, que outra fera possuímos? Só paca e veado e anta — uns pobres herbívoros que têm medo de gente. Eu queria mas era enfrentar peito a peito um rinoceronte!...

Dona Benta arrepiava-se com aquilo. Lera muita coisa sobre as grandes feras africanas e sabia que nenhuma existe mais traiçoeira e feroz do que o rinoceronte, com aquele seu terrível chifre no meio da testa. A pobre senhora esfriava da cabeça aos pés só ao lembrar-se do horror que seria uma chifrada de tal espeto.

— Veja, Nastácia, para que deu Pedrinho agora! — dizia ela. — Quer caçar rinocerontes... Não sei por quem puxou essa terrível inclinação.

Tia Nastácia benzia-se. Ignorava o que fosse um rinoceronte, não tendo visto nenhum, nem no cinema, nem em sonho; mas a simples palavra lhe metia medo. “Rinoceronte, credo!”

— E o pior — continuou Dona Benta — é que quando estas crianças encasquetam fazer uma coisa, fazem mesmo. Elas viram e mexem e acabam caçando algum rinoceronte. Você vai ver.

E assim aconteceu. Parece fábula, parece mentira do Barão de Munchausen e, no entanto, é a verdade pura: os netos de Dona Benta caçaram um rinoceronte de verdade!...

— Como?

— Esperem lá. Algum tempo depois do assalto das onças havia chegado ao Rio de Janeiro um circo de cavalinhos que era uma verdadeira arca de Noé. Trazia enorme bicharada — seis leões, três girafas, quatro tigres, zebras, hienas, focas, panteras, cangurus, jibóias e um formidável rinoceronte. Quando Pedrinho leu nos jornais a notícia do grande acontecimento, ficou assanhadíssimo. Quis ir ao Rio ver as feras, chegando a escrever a Dona Tonica, sua mãe, pedindo licença e meios. Antes, porém, de receber qualquer resposta, um fato sensacional se deu no Rio: o rinoceronte arrebentou as grades da jaula durante certa noite de temporal e fugiu. Fugiu para as matas da Tijuca, tomando depois rumo desconhecido.

Esse fato causou o maior rebuliço no Brasil inteiro. Os jornais não tratavam de outra coisa. Até uma revolução, que estava marcada para aquela semana, foi adiada, porque os conspiradores acharam mais interessante acompanhar o caso do rinoceronte do que dar tiros nos adversários.

“Um rinoceronte interna-se nas matas brasileiras”, era o título da notícia que vinha em letras graúdas em todos os jornais. Durante um mês ninguém cuidou de mais nada. Grande número de bombeiros e soldados da polícia foram mobilizados. Os melhores detetives do Rio aplicavam toda a sua esperteza em formar planos para a captura do misterioso animal. As forças do norte que andavam caçando o Lampião deixaram em paz esse bandido para também se dedicarem à caça do monstro. Dizem até que o próprio Lampião e seus companheiros pararam de assaltar as cidades para se entregarem ao novo esporte — a caça ao rinoceronte.

Onde estaria ele? Nas florestas do Amazonas? Nas matas virgens do Espírito Santo? Ninguém sabia. Telegramas chegavam de toda a parte sugerindo pistas. Um de Manaus dizia: “Numa floresta, a dez léguas desta cidade, foi visto, dentro dum cerrado de taquaruçus, o vulto negro dum monstro que parece ser o tal rinoceronte. Pedimos providências”.

Cinco detetives e numerosos bombeiros foram mandados de avião para aquele ponto, a fim de investigar. Descobriram tratar-se duma vaca preta que ficara entalada na moita de taquaruçus...

Outro telegrama do mesmo gênero veio da cidade de Cachoeiro, no Espírito Santo. “Nas matas vizinhas ouvem-se urros que não são de onça, nem de nenhum animal conhecido por aqui. Pedimos enérgicas providências.”

O avião dos detetives voou para lá. Era um papagaio que fugira dum jardim zoológico, no qual aprendera a imitar o urro de todos os animais.

Onde estará o rinoceronte? — eis a pergunta que, da manhã à noite, se repetia pelo país inteiro. Onde poderia ter-se escondido a tremebunda fera?

Ninguém possuía elementos para responder. Ninguém sabia. Ninguém — exceto... Emília!

Parecerá um absurdo. Parecerá invenção de gente sem serviço e, no entanto, é a verdade pura. Só a pequenina boneca do sítio de Dona Benta sabia realmente onde estava escondido o monstro!...

O caso foi assim. Logo que, naquela noite de temporal, o rinoceronte escapou da jaula e se internou nas matas da Tijuca, deu de andar sem rumo, e foi varando, sempre para diante, num trote respeitável até que, pela madrugada, surgiu na mata virgem do sítio de Dona Benta. Gostou do lugar e resolveu ficar por ali, pastando a viçosa folhagem das ervas que encontrou.

A presença do rinoceronte causou grande rebuliço entre os habitantes daquela mata. A capivara, que vive tanto em terra como em água, atirou-se ao rio e não teve mais coragem de sair. As onças fugiram. Os macacos empoleiraram-se na mais alta de todas as árvores. Nenhum animal podia compreender um bicho tão estranho e monstruoso. Observando aquilo, os besouros da Emília resolveram correr e avisá-la. Foram ter com a boneca.

— Apareceu lá na mata um bicho, que não se parece com bicho nenhum nosso conhecido — informaram eles gemeamente.

— Grande? — perguntou a boneca.

— Terá o tamanho duma casinha de caipira.

Emília calculou logo que fosse algum boi tresmalhado mas, pela descrição que os besouros fizeram, viu logo que não podia ser boi. De repente, teve uma idéia.

— Escutem: o tal monstro não é preto?

— Sim.

— Não tem o couro enrugado?

— Enrugadíssimo.

— Não tem um chifre só no meio da testa?

— Isso mesmo. Um chifre pontudo.

— Come gente?

— Não, só come capim e folhas de árvore.

Emília pôs-se a refletir, com a mãozinha no queixo. Ou era unicórnio, animal fabuloso que não existe, pensou consigo, ou era rinoceronte, e como Emília andasse com a cabeça cheia de rinocerontes, de tanto ouvir Pedrinho ler as notícias do rinoceronte que fugira do circo, imediatamente percebeu que se tratava do mesmo.

— É ele! — exclamou, em voz alta. — Que sorte tem Pedrinho! Quis um rinoceronte e um rinoceronte apareceu!...

— Ele quem? — indagaram os besouros, com as testinhas franzidas.

— Ele! — repetiu a boneca, fazendo uma tal cara de pavor que os besouros se puseram a tremer. — Ele é ele, não sabem?

Emília teve preguiça de ensinar àqueles burrinhos o que era um rinoceronte. E para ainda mais os assustar, fez outra cara horrendíssima e repetiu em tom cavernoso:

— Ele!...

Os dois besouros desmaiaram.

Emília deixou-os lá e voltou para casa sem pressa nenhuma, pensando, pensando. Ciganinha como era, costumava tirar partido de tudo. Por isso estava se tornando a boneca mais rica do mundo. O acaso a fizera descobrir um rinoceronte. Pois bem: Emília iria vender esse rinoceronte a Pedrinho...

Quando entrou na varanda já trazia o seu plano formado.

— Pedrinho — disse ela —, tenho um bom negócio a propor.

O menino estava espichado na cadeira preguiçosa, lendo os últimos jornais recebidos. Sem tirar os olhos da notícia que lia, respondeu:

— Já vem ela com os tais negócios! Negócios de boneca — bobagens...

— Trata-se dum negócio muito sério, Pedrinho. Quando você souber o que é, vai arregalar um olho deste tamanho!

— Pois então desembuche logo e não amole — disse ele, sem tirar os olhos do jornal. — Estou lendo uma notícia muito interessante sobre o rinoceronte fugido.

Emília fingiu-se interessada.

— Sim? E que diz a notícia?

— Diz que tudo isto, toda esta história de rinoceronte fugido não passa duma formidável peta. Não existe rinoceronte nenhum. O diretor do circo inventou o caso apenas para reclame.

— Que pena! — exclamou a boneca, fingindo tom compungido. — Seria tão bom se fosse verdade...

— Eu logo vi que era peta — disse Pedrinho, querendo bancar o esperto. — Percebi desde o começo que se tratava duma formidável peta. Rinoceronte no Brasil! Impossível. Esses animais não suportam o nosso clima.

Emília sorriu de tal jeito que o menino desconfiou.

— De que está rindo assim, boba?

— Da sua esperteza, Pedrinho. Bem diz Tia Nastácia que você é um alho...

— Muito obrigado pelo elogio; mas, alho ou cebola, deixe-me em paz. Olhe, Emília, vá ver se eu estou no pomar, ouviu?

— Então não quer fazer o negócio que venho propor?

Pedrinho queria e não queria. Por fim, a curiosidade o venceu.

— Que negócio é? Vamos, diga logo.

Emília preparou-se para apresentar o negócio. Antes, porém, fez um rodeio.

— Escute cá, Pedrinho. Quanto acha você que vale um rinoceronte no Brasil? Responda!

O menino tonteou com o disparate. Não podia haver pergunta mais absurda e boba do que aquela. Ficou danado.

— Foi para isso que me veio interromper a leitura do jornal? Ora, vá lamber sabão, ouviu?

Novo sorriso finório da boneca, que disse:

— Paz, paz! Não se queime. Responda à minha pergunta. Dê um preço qualquer.

— Não amole, Emília. Se continua a insistir, leva um peteleco.

— Não sabe — disse ela. — É natural. Um menino que jamais saiu do Brasil, que não esteve nem no Rio de Janeiro, é natural que não saiba o preço dum rinoceronte. Está desculpado...

— Bobagem! — exclamou Pedrinho, queimado. — Então é preciso ter saído do Brasil, ter viajado pelo mundo, para saber uma coisa à-toa como essa? Basta um pouco de raciocínio.

— Pois raciocine e responda à minha pergunta.

Pedrinho pensou um bocado e disse:

— Vale contos de réis. O valor das coisas depende da raridade delas, diz vovó. Numa terra onde haja centenas de rinocerontes, um deles vale... vale quanto? Vale o mesmo que um boi aqui ou uma vaca. Mas em terra onde não há nenhum, vale o que for pedido pelo seu dono. Eu, por exemplo, se fosse rico, era capaz de dar até trinta contos por um rinoceronte.

— Bom. Se fosse rico, dava trinta contos. E quanto dá sendo pobre? Tinha coragem de dar por um deles o carrinho de cabrito?

Esse carrinho de cabrito constituía o orgulho do menino. Fora presente do Manuel Carapina, um carpinteiro que passara lá uns dias, reformando o assoalho da casa. Pedrinho dava mais valor ao carrinho do que a todos os coches dourados de todos os reis da Terra — pela simples razão de que o carrinho lhe pertencia e os coches pertenciam aos reis. Mas um rinoceronte era um rinoceronte, de modo que a resposta do menino foi a que podia ser.

— Um rinoceronte vale todos os carrinhos de cabrito do mundo inteiro — disse ele.

— Pois eu tenho um belo rinoceronte à venda e se você quiser trocá-lo pelo carrinho, o negócio está feito.

— Basta! — gritou o menino. — Se continua a amolar-me com essa história, vou lá no seu cantinho e quebro todos os seus brinquedos. — Disse e absorveu-se de novo na leitura dos jornais.

Emília não contara com aquela saída. Percebeu que nem Pedrinho, nem ninguém no mundo jamais acreditaria que ela realmente tivesse um rinoceronte para vender — e desse modo estava arriscada a perder um grande negócio, talvez o melhor negócio de sua vida…
––––––––––––-
continua ... IX – Emília vende o rinoceronte
---------------------
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_San

Ialmar Pio Schneider (Verso Xucro II)


E no próprio mate amigo
és consolo na saudade,
lembrança doce que invade
este peito de índio macho,
os recuerdos de muchacho
que não voltam nunca mais,
o convívio com meus pais,
com minhas manas e manos
e os meus tristes desenganos
que já ficaram pra trás.

Da boiada o berro xucro,
dos passarinhos o canto,
da china o suave encanto,
do pago inteiro a beleza,
o esplendor da natureza
de tudo que nos pertence,
velha trova riograndense
és um motivo de glória
já remarcado na história
de um povo que luta e vence !

Nasces livre na Campanha,
lá na Serra ou nas Missões,
nem conservas os grilhões
de trovador erudito,
hás de ser sempre bendito
no estilo de quem te faz,
um peão ou capataz
pouco importa quem te faça,
espelho limpo da raça,
legado dos ancestrais !

Quem te escuta nas tertúlias
e nos saraus de galpão,
percebe com emoção
que trazes em tua essência
tal devoção à querência,
sentimento imenso e forte
capaz de vencer a morte
porque no pago do Além
sempre teremos Alguém
pra dirigir nossa sorte !

Fontes:
Texto enviado pelo autor, de
PÁG. 16 - O TIMONEIRO - CANOAS, 23.9.83 - TRADICIONALISMO
Imagem = Pura Barbaridade

Ordem do Mérito Cultural 2011 pelo Ministério da Cultura


O Ministério da Cultura abriu dia 21 de junho o prazo para a inscrição das propostas de indicação à Ordem do Mérito Cultural para o ano de 2011. O tema central da celebração desta edição será Pagu- Sonho-Luta-Paixão em homenagem a Patrícia Rehder Galvão, conhecida pelo pseudônimo de Pagu, escritora e jornalista brasileira que teve grande destaque no movimento modernista iniciado em 1922.

Criada em 1995, pelo Ministério da Cultura, a Ordem do Mérito Cultural é o reconhecimento do Governo Federal a personalidades, grupos artísticos, iniciativas e instituições que se destacaram por suas contribuições à Cultura brasileira.

As condecorações são entregues, anualmente, por ocasião do Dia Nacional da Cultura (5 de novembro). Neste ano, a cerimônia de condecoração será realizada no dia 9 de novembro, no Theatro Santa Izabel na cidade de Recife (PE). Desde sua criação até hoje, já foram entregues mais de 430 condecorações a personalidades nacionais e estrangeiras.

As indicações podem ser enviadas para o site do Ministério da Cultura até o dia 22 de julho, mediante o preenchimento do formulário específico disponível no endereço eletrônico do MinC (http://www.cultura.gov.br/site/indicacoes-para-a-ordem-do-merito-cultural-2011/), ou pelos Correios, após download do documento (http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2011/06/ordem-do-merito-cultural-2011-formulario.doc ) a ser preenchido e encaminhado para o seguinte endereço:

Ordem do Mérito Cultural 2011
Ministério da Cultura
Assessoria de Comunicação Social
Esplanada dos Ministérios, Bloco B, 4º andar
CEP 70068-900 Brasília – Distrito Federal

Dúvidas e informações:
E-mail: omc2011@cultura.gov.br
Tels.: (61) 2024- 2406, com Eliane Rodrigues, ou 2024-2411, com Cleusmar Fernandes.

Indicações

As indicações podem ser feitas por quaisquer pessoas, e os indicados – personalidades, grupos, iniciativas e instituições que tenham contribuído para a Cultura brasileira – serão avaliados pela Comissão Técnica, constituída por gestores das Secretarias do Ministério da Cultura, que emitirá parecer conclusivo antes de encaminhá-lo à consideração do Conselho da Ordem do Mérito Cultural.

Integram o Conselho da OMC, a Ministra de Estado da Cultura, que o preside na qualidade de Chanceler, e os Ministros de Estado das Relações Exteriores, da Educação e da Ciência e Tecnologia.

A Homenageada

Musa da 3ª geração do Modernismo Brasileiro, Patrícia Galvão (1910-1962) foi romancista, poetisa, militante política e incentivadora da cultura. Formada na Escola Normal da Capital, em São Paulo, Pagu participou do movimento antropofágico sob influência de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade com quem se casou em 1930. Em 1931 ingressou no Partido Comunista e passou a editar, junto com Oswald de Andrade, o jornal O Homem do Povo, onde assinava a coluna “A Mulher do Povo”.

Como militante do Partido Comunista, a escritora foi presa três vezes. Em 1931, no Brasil, ao participar de um comício do partido realizado em Santos com os estivadores. Em 1935, em Paris, onde foi presa como comunista estrangeira e repatriada ao Brasil por portar uma identidade com o nome de Leonnie. E depois de retornar ao Brasil, quando passou a trabalhar para o jornal A Plateia e se separou de Oswald de Andrade, foi presa e torturada, ficando na cadeia por cinco anos.

Ao sair da prisão, em 1940, rompeu com o Partido Comunista e casou-se com o jornalista Garaldo Ferraz. Em 1942 passou a atuar ativamente na imprensa, sobretudo como crítica de Artes. Em 1950, concorreu à Assembleia Legislativa de São Paulo pelo Partido Socialista Brasileiro; lançou o manifesto Verdade e Liberdade e passou a exercer importante papel no panorama cultural da cidade de Santos. Pagu frequentou o curso da Escola de Arte Dramática de São Paulo e passou a se dedicar cada vez mais ao teatro. De 1955 a 1962, trabalhou no jornal A Tribuna de Santos como crítica literária e de teatro e televisão.

Em setembro de 1962, Pagu viajou a Paris para ser operada de câncer. A cirurgia fracassa, ela volta ao Brasil e morre no dia 12 de dezembro. Entre os livros publicados pela escritora estão: Parque Industrial (1933), A Famosa Revista (1945), Verdade e Liberdade (1950), Safra Macabra (1998), Croquis de Pagu (2004), e Paixão Pagu – Uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão (2005).

Pagu deixou dois filhos: Rudá de Andrade, fruto do casamento com Oswald de Andrade e Geraldo Galvão Ferral, filho de Geraldo Ferraz.

Fonte:
Texto de Heli Espíndola, Ascom/MinC, enviado pelo Ministério da Cultura.)
Foto: Site oficial/Viva Pagu
http://www.cultura.gov.br/site/2011/06/21/ordem-do-merito-cultural-2011/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 252)


Uma Trova Nacional

Ancoradas no meu peito,
as lembranças da paixão.
Donas de fato e direito
dominam meu coração ...
–LUIZ CARLOS JÚNIOR/SP–

Uma Trova Potiguar

Não vou falar por maldade
o que acabei de saber:
"A Mentira é uma Verdade
que esqueceu de acontecer!"
–SERGIO SEVERO/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Barra do Piraí/RJ
Tema: SERESTA - M/E

Passas fazendo seresta,
mal a noite se insinua...
E vais transformando em festa
toda a tristeza da rua...
–MARIA NASCIMENTO S. CARVALHO/RJ–

Uma Trova de Ademar

Ouvi desde a meninice
e guardo com fé tamanha
palavras que Cristo disse
lá no sermão da montanha...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Vento, o construtor perfeito,
ao ver meus dias tristonhos,
fez uma duna em meu peito,
com restos de antigos sonhos!
–EUGÊNIA MARIA RODRIGUES/MG–

Simplesmente Poesia

– ANDRÉ BONATTO JR/RS–
Tu II

Até aonde eu podia ir
em teu destino?
Onde meu limite?
Meus olhos queriam
mais do que
lhes cabia dentro.
Tolo. tolo,
quando deixei
tuas palavras
molharem
os meus ouvidos,
e teus verdes olhos
esverdearem os meus.
Hoje voas
e eu poemo!

Estrofe do Dia


Emoções que na vida eu já vivi
não previa o mais sábio dos profetas;
pois eu que era na vida um sonhador
vejo agora, alcançando minhas metas,
que em mim nasce a mais pura da certeza
de que tudo que tem de mais beleza
Deus coloca na mente dos poetas.
ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

–CRUZ E SOUZA/SC–
Piedade

O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.

Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.

Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inútil nos amargos trilhos.

É como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos.

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = Scraplandia

Calêndula Literária 397 (Lançado pela UBT Porto Alegre)


Lançado mais um número da Calêndula Literária, a edição 397, Boletim Informativo da União Brasileira de Trovadores (UBT) Seção de Porto Alegre - RS

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Algumas Trovas da Galeria de Trovas

“Que levas tu na mochila?”,
diz ao corcunda um peralta.
E o corcunda: - “A alma tranquila
e a educação que te falta.”
LILINHA FERNANDES+

Sendo um mistério profundo,
que a gente nunca pressente,
Destino é força do mundo
regendo a vida da gente...
MILTON NUNES LOUREIRO +

Trova é bom para a saúde,
faz amigos, dá prazer.
Talvez até nos ajude
a esquecer de envelhecer...
ANTONIO A. DE ASSIS – PR

Fonte:
Enviado por A. A. de Assis

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 251)


Uma Trova Nacional

Desde o berço à sepultura
caminharei sem temor,
conduzindo esta ventura:
ter nascido trovador.
–GILSON FAUSTINO MAIA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Um beijo em ti, tão criança,
que agora tão longe vai...
Tudo me sai da lembrança,
mas o teu beijo não sai!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Niterói/RJ
Tema: CRENÇA - M/E

Se a tua crença é a vaidade,
olha o mar e vê quem és:
ele sai da majestade,
te alcança e te lava os pés...
–ALBA CHRISTINA CAMPOS/SP–

Uma Trova de Ademar

Tendo Deus como suporte,
o destino mais mesquinho
não vai mudar sua sorte
nem alterar seu caminho.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

O céu aceso no pasto,
a unir milhões de vidrilhos,
campeia meu sonho gasto,
com seu chicote de brilhos...
–PAULO CESAR OUVERNEY/RJ–

Simplesmente Poesia

–INOEMA N. JAHNKE/RS–
Esperança

Eu sou o sorriso sincero,
Sou o medo na solidão,
Sou a dúvida sussurrada,
E a resposta encontrada,
Sou a saída, e a chegada,
Na mesma estrada,
Sou a luz na escuridão,
A ternura no coração,
Sou o sorriso da criança,
Eu sou...A própria esperança.

Estrofe do Dia

A bruma leve passava
Marejando o véu da noite,
O vento manso soprava
Nas telhas fazendo açoite.
Um trovão “malassombrado”
Rugia desesperado
Rasgando o bucho do céu;
As nuvens formavam mantos
Que derramavam seus prantos
No chão fazendo escarcéu.
–HÉLIO CRISANTO/RN–

Soneto do Dia

–AMILTON MACIEL MONTEIRO/SP–
Comum de Dois

O que separa o antes do depois
é uma linha tão tênue e tão delgada,
que em verdade ela não separa nada,
tal qual o que ocorre ao menos com nós dois!

Homem e mulher nós somos, minha amada,
mas tão unidos, tão colados, pois
que já nos chamam até “comum-de-dois”,
galhofa para a qual damos risada!

Não sei por que é que Deus nos faz assim:
eu grudado em você, e você em mim,
como o hoje se gruda ao amanhã!

O Pai do Céu, talvez, agrade a gente
pra que tenhamos vida mais cristã
e o nosso amor perdure eternamente!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://fotosdahora.com.br

Jogos Literários de Montargil – 2012 (Classificação Final)


Quadra Popular
Tema :HONESTIDADE


1º)
No seu trabalho sagrado
o alentejano, em verdade
mesmo mal remunerado
nunca vende a honestidade!
MARIA AMÉLIA BRANDÃO DE AZEVEDO
ESTORIL

2º)
Viver com Honestidade
É na vida um grande bem
É fazer muita amizade
Fazendo feliz alguém
CELESTE MARIA DA SILVA AVÓ CHARNECA
S.Miguel de Machede ÉVORA

3º)
Quando um aperto de mão
Tinha a força dum contrato,
Podia-se crer então
Até num simples gaiato…
FERNANDO MÁXIMO
AVIS

4º)
Quando um homem é honesto
detém sempre dignidade
quer seja rico ou modesto
é um homem de verdade
MARIA RUTH BRITO NETO
LISBOA

5º)
Nesta vil sociedade
O que mais me custa ver,
É falta de honestidade
Em quem mais devia ter
FERNANDO MÁXIMO
AVIS

6º)
Se do percurso da vida
faz parte a honestidade
ela está enriquecida,
sem ser rica na verdade.
FELIZARDA ROSA DA SILVA N.MAIA
LISBOA

7º)
Se a verdade não te inspira
devido ao custo elevado…
Experimenta a mentira
e aguarda o resultado!
RITA VILELA
Paço de Arcos

8º)
Fosse a vida honestidade,
sementeira de amor dito
só colhia a humanidade
seara de alto gabarito.
MARÍLIA JOSÉ DORDIO MARTINS
Portalegre

9º)
Honestidade? Valor!
Todos deviam ter.
É verdade sim senhor,
Mas parece não haver!
JOSÉ MARQUES AFONSO
BEJA

10º)
Honestidade, meu bem,
que palavra tão comprida,
como tal quase ninguém
lhe presta a atenção devida.
VICTOR BATISTA
BARREIRO

1º do Alentejo
CELESTE AVÓ CHARNECA

1º de Montargil e da EBI

Não devemos esquecer
os valores que aprendemos,
honestos devemos ser
em tudo o que fazemos.

CONTOS

1º)
Esperança Em Melhores Dias
MARIA RITA DOS SANTOS ROMÃO
Paço de Arcos

2º)
Dádivas Da Vida
MARIA FILOMENA SANTOS COSTA FIGUEIREDO
Leiria

3º)
A Sede De Ontem
DONZÍLIA RIBEIRO MARTINS
Paredes


Quando O Deslumbramento Bate A Má Porta
JÚLIO SILVA MÁXIMO VIEGAS
Queijas

5º)
Natureza
MARIA FILOMENA SANTOS COSTA FIGUEIREDO
Leiria

6º)
Honestidade
FERNANDO MÁXIMO
Avis

7º)
Senhora Honestidade
MARIA ALBERTINA DORDIO MARTINS
Portalegre

8º)
Ela Não Gostava De Mentir
MARIA RITA DOS SANTOS ROMÃO
Paço de Arcos

9º)
Dificil
FERNANDINO LOPES
Avis

10º)
Honestidade
JOÃO BAPTISTA COELHO
S. Domingos de Rana

1º do Alentejo
FERNANDO MÁXIMO
Avis

Fonte:
Lino Mendes

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 250)

Praia Brava (São Sebastião) - autoria de JB Xavier,
desenho a lápis e carvão

Uma Trova Nacional

Voltei a ter confiança
neste mundo tão ruim,
ao descobrir a criança
que ainda habitava em mim!
–RENATO ALVES/RJ–

Uma Trova Potiguar

Olhos fundos; enfadonhos,
tez crestada, mão ferida...
Só você, pai, por meus sonhos,
foi capaz de dar a vida...!
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Niterói/RJ
Tema: CRENÇA - M/E.

Se a tua crença é a vaidade,
olha o mar e vê quem és:
ele sai da majestade,
te alcança e te lava os pés...
-ALBA CHRISTINA C. NETTO/SP-

Uma Trova de Ademar

Ouvi desde a meninice,
e guardo com fé tamanha,
palavras que Cristo disse
lá no sermão da montanha...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Quando um povo escravo acorda,
pondo fim ao jugo insano,
a mão de Deus põe a corda
no pescoço do tirano ...
–JOUBERT DE ARAUJO/ES–

Simplesmente Poesia

–GILBERTO CARDOSO/RN–
Baú de Trovas.

O Baú de Sílvio Santos
contém riquezas sem par
mas não possui os encantos
deste baú de Ademar;
ele não vai perguntar
a vocês: "Quem quer dinheiro?"
Mas se algum interesseiro
quiser, de fato, um tesouro,
ele nos dará o ouro
de um poema verdadeiro.

Estrofe do Dia

Nos lindos carnaubais,
nas manhãzinhas brumosas,
no desabrochar das rosas,
nos bonitos parreirais,
nas frondes dos coqueirais
que tremulam noite e dia,
por dentro da serrania,
por toda gruta e recanto;
se vê o suave encanto
das telas da poesia.
-ZÉ DE CAZUZA/PB-

Soneto do Dia

–FRANCISCO NEVES MACEDO–
Tributo ao Dicionário.

O dicionário, qual mulher incrível,
e sempre para nós, indispensável,
numa entrega total, imensurável,
doando para nós, todo o possível.

Se o verso parecer quase impossível
por sua doação, fica viável
e neste conviver terno e saudável
torna a vida mais doce e mais sensível...

É você, meu amigo dicionário,
nosso caso de amor extraordinário
jamais terá divórcio, ele é moderno.

Vamos esparramar nossa poesia
em romântica e doce parceria...
Nosso caso de amor será eterno!

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://www.jbxavier.com.br

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrinho) VII – O assalto das onças


Depois de tomado o café com farinha de milho, Pedrinho pendurou o Visconde no galho mais alto duma árvore próxima, armado do binóculo de Dona Benta, para dar aviso da chegada das onças. O nobre fidalgo, porém, sempre tivera o costume de acordar tarde, ali pelas dez horas, mais ou menos. Em vista disso resolveu dormir no seu galhinho, certo de que só lá pelas dez horas as onças viriam. Dormiu e, portanto, não pôde dar aviso da chegada das onças, que já estavam bem perto. Quem percebeu a aproximação delas foi a Emília, que tinha um faro maravilhoso.

— Estou sentindo no ar um cheirinho de onça! — exclamou, em certo momento.

Por força da sugestão ou porque de fato andasse pelo ar algum cheiro de onça, todos ergueram o nariz e sentiram um forte cheiro de onça. Como é então que o Visconde não dava nenhum aviso? Pedrinho correu ao terreiro e gritou:

— Avise duma vez, palerma! Não vê que as onças já estão chegando?

O pobre fidalgo acordou com o berro e ainda cheio de sono espiou pelo binóculo, mas em sentido contrário, de modo que viu as onças muitíssimo longe.

— Vêm, sim — disse ele —, mas tão longe, tão longe e tão pequenininhas, que até que cresçam e cheguem dá tempo de...

Não pôde concluir. Escorregou do galho e veio de ponta-cabeça ao chão.

Mas não havia tempo de acudir o pobre Visconde, caído de mau jeito bem em cima duma lama onde ficou de cabeça enterrada. O tempo era o exatamente necessário para se colocarem sobre as pernas de pau. Corre-corre geral. Cada um tratou de apanhar o par de pernas que lhe pertencia e de ajeitar-se em cima. Em três minutos o terreiro ficou povoado daqueles estranhos bípedes pernaltas. A primeira coisa que lá do alto viram foram as granadas de cera da Emília, arranjadinhas sobre o telhado. Pedrinho quis examiná-las. Não pôde. A boneca espantou-o com um grito.

— Não se aproxime! Não bula, não me estrague o capítulo!...

E Tia Nastácia? Essa ficou embaixo, rezando e riscando a cara e o peito de trêmulos pelo-sinais. Apesar de descrente da vinda das onças, que lhe parecia coisa impossível, começou a sentir um horrível medo. E se viessem mesmo? pensava ela. E se o tal cheirinho que a boneca sentira no ar fosse mesmo cheiro de onça?

Súbito — Miau! Um horrível miado ressoou no pasto. Devia ser o sinal de ataque do onço viúvo. Logo em seguida surgiram de dentro de todas as moitas uma infinidade de caras de onças e jaguatiricas e irarás e cachorros-do-mato, com olhos ameaçadores e dentuças arreganhadas.

Só então a pobre negra se convenceu de que tinha errado. Correu qual uma desvairada às pernas de pau que Pedrinho lhe tinha feito. Nada achou. A Cléu se havia utilizado delas. Olhou aflita para a escada. Bobagens, escada! As onças também trepariam pelos degraus. Seus olhos esbugalhados procuravam inutilmente a salvação.

— Trepe no mastro! — gritou-lhe a Cléu.

Sim, era o único jeito — e Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros.

Foi a continha. A onçada toda já estava no terreiro.

A princípio, os assaltantes não perceberam o truque inventado por Pedrinho para lográ-los. Os animais de quatro pés raro olham para o alto e, como os pernaltas guardassem o mais absoluto silêncio, as onças não os viram lá em cima de seus espeques. Entraram pela casa adentro em procura deles e, não os encontrando, mostraram-se desapontadíssimas.

— Fugiram, os covardes! — uivou, com os olhos chispantes de cólera, o onço viúvo. — Alguém os avisou e eles fugiram...

Nisto, uma cuspidinha da Emília caiu-lhe bem no focinho. O onço olhou para cima e sorriu, lambendo os beiços.

— O nosso “almoço” não fugiu, não! — exclamou, contentíssimo. — Lá estão todos os “pratos”, cada qual em cima de dois “espetos”.

Toda a bicharia olhou para cima, com água na boca. Não tinham comido na véspera, o apetite era forte e viram que iam ter uma bela variedade de petiscos — um menino, duas meninas, um leitão, uma boneca, uma velha branca e uma velha preta. Ótimo!

— Isso é que é almoço! — observou uma irará. — Vai ser um banquete dos bons...

Mas como devorar aqueles pernaltas? O onço, que era o mais forte do bando, experimentou o pulo. Deu quatro ou cinco pulos formidáveis, os maiores de sua vida — mas inutilmente. Os espetos tinham quatro metros de altura e os seus pulos não iam acima de três metros e noventa e cinco centímetros.

— Com pulo não vai — disse ele. — Precisamos inventar outra coisa. Que há de ser?

— Tenho uma idéia — latiu um cachorro-do-mato de talento. — Eles não podem ficar lá em cima toda a vida. Hão de descer logo que a fome aperte. Minha idéia é ficarmos aqui de plantão até que desçam.

— Sim — disse o onço, que era burríssimo — mas se a fome aperta para eles, também aperta para nós — e como é?

— Revezamo-nos — resolveu o cachorro. — Metade do bando vai caçar e almoçar no mato, enquanto a outra metade fica de guarda. Desse modo poderemos permanecer aqui a vida inteira, se for preciso.

— Eu não disse? — cochichou Dona Benta. — As malvadas vão revezar-se e estamos perdidos...

A situação era gravíssima. Cléu, que não tinha prática de aventuras maravilhosas, fez bico de choro. As onças estavam decididas a tudo; e, se os pernaltas podiam resistir por muitas horas, o mesmo não acontecia à pobre Tia Nastácia, que já mal se agüentava no mastro. — Vou cair! — berrou ela, de repente. — Não agüento mais. Minhas mãos já começam a escorregar...

— Estão vendo? — disse o onço, passando a língua pela beiçaria. — O nosso banquete vai começar pela sobremesa. O furrundu está dizendo que não agüenta mais e vai descer...

— Emília! — gritou Pedrinho. — Estamos esperando por você! Que venha a surpresa das granadas.

A boneca tratou de tirar partido da situação.

— Muito bem — disse ela — mas só lançarei as minhas granadas sob três condições.

— Diga depressa!

— Primeiro: que todos reconheçam que sou a mais esperta e inteligente do bando. Segundo: que Dona Benta me dê um regadorzinho de jardim, dos verdes — de outra cor não quero. Terceiro que...

— Socorro! — berrou, num tom de cortar a alma, a pobre Tia Nastácia, que não podendo mais agüentar-se no mastro vinha escorregando lentamente.

Emília não esperou pela resposta às suas condições. Aproximou-se do telhado, tomou as granadas e — zás! — arremessou-as contra o bando de feras. As granadas romperam-se ao bater nos alvos e deixaram sair de dentro enxames de caçunungas, que são as mais terríveis vespas que existem.

Foi uma tragédia! As vespas ferraram nos focinhos e olhos das onças e irarás e cachorros-do-mato, fazendo-os fugirem dali numa desabalada louca. Em meio minuto o sítio ficou inteiramente limpo de bicho feroz.

Não foi sem tempo. Tia Nastácia já estava no chão, escarrapachada ao pé do mastro, mais morta do que viva, suando

O suor frio da morte. Se as granadas da Emília não tivessem produzido aquele maravilhoso resultado, a boa negra realmente não escaparia de virar furrundu de onça...

— Viva! Viva a Emília! — gritou Cléu, entusiasmada com a proeza da boneca.

— Viva! Viva a rainha das bonecas! — gritaram os outros.

Prática como era, Emília tratou de aproveitar aquele entusiasmo para ganhar coisas. Obteve de Dona Benta a promessa dum lindo regadorzinho verde; de Pedrinho apanhou, ali na hora, cinco tostões novos; e de Narizinho conseguiu uma mobília de boneca.

— E você, Cléu, que me dá?

— Um beijo, Emília.

A boneca fez um muxoxo de pouco-caso. Depois, voltando-se para Tia Nastácia:

— E você, pretura?

Tia Nastácia não pôde responder. O susto por que passara fora tanto que havia perdido a voz. Foi preciso darem-lhe a beber uma caneca d’água. Só então pôde abrir a boca e dizer:

— Você me salvou a vida, Emília, e não há o que pague semelhante coisa. Dou tudo quanto me pedir.

— Quero aquele pito de barro em que você pita — respondeu a boneca.

Foi assim que Emília ganhou o célebre pito de barro que mais tarde deu de presente ao Pequeno Polegar.
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Nota sobre o uso das expressões raça negra e macaca de carvão
Na época que Monteiro Lobato escreveu esta história, a expressão negro referia-se à raça das pessoas, assim como o branco, o amarelo, etc.
A frase “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima”, é uma expressão para se entender a situação na história, sem de uso de malícia ou de forma insultosa.

José Feldman
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continua ... VIII – Os Negócios da Emília
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_San