domingo, 3 de julho de 2011

Amosse Mucavele (A Poesia Epigramática do Amin Nordine ou a Babalaze do Atirador das Verdades)


Um poema assim é árduo/ sem cola e na vertical/ pode levar uma eternidade. ‘’ ARMÊNIO VIERA’’ Ao Sangare Okapi e Lúcilio Manjate "Amosse Mucavele"

Amin Nordine nasceu em Maputo aos 17 de fevereiro de 1969 e perdeu a vida aos 5 de fevereiro de 2011,e autor de apenas 3 livros, o que não tem importância porque a literatura não se assemelha a uma competição, onde quem publica muitas obras sai vencedor (assim sendo existem escritores que tem sido felizes nesta maratona aliando a quantidade versus qualidade como o seu cavalo de batalha e tem se notabilizado como verdadeiros campeões ex: Mia Couto, Antônio Antunes, Pepetela, Moacyr Scliar…),bastando lembrar-se do Luís B. Honwana, Noemia de Sousa, Gulamo Khan,e Lilia Momple para sustentar a tese de que qualidade nem sempre rima com a quantidade.

Publicou - Vagabundo Desgraçado (1996), Duas Quadras para Rosa Xicuachula (1997), e Do lado da ala-B.

Amin Nordine e um militante de uma escrita sólida em todos lados seja o da ala- A ou da ala- B, isenta de qualquer submissão política, caracterizada pelo inconformismo da realidade que o circunda e pela revolta social, esta poesia epigramática e uma revelação de um fatalismo que voa em voo rasante sobre as angustias de um passado melancólico, e um presente envenenado.

E do futuro o que se espera ? o futuro não será isto!’’… superlotada receita galgando o vento/com as mãos no coração do destino.’’

O que é do lado da ala-B? o leitor descobrirá que esta no lado mas vil de um jovem país com os seus problemas, e é neste lado onde reside o poeta solitário nas suas abordagens anti-heróicas, mas das multidões na sua mordacidade social, um verdadeiro maquinista do comboio dos duros, um autêntico vomito da babalaze de um poeta bêbedo do seu dia-a-dia. Detentor de uma caligrafia rebelde, com versos quentes como o fogo e cortantes como a espada afiada, onde eclodem temáticas de afrontamento de um certo tempo histórico (ex: carta ao meu amigo Xanana, banqueiros de banquetes, bandeira galgada aos 25, (c)anibalizinhos…)

Talvez o outro lado da ala destes poemas, não! Isto ultrapassa a dimensão poética, ou por outra destes melancolicos dissabores que despertam os filhos desta pátria que nos pariu deste manancial de barbaridades versus mentiras, que transformam o sonho de estar livre da opressão em um pesadelo ,não será esta a voz do povo?

Estes melancolias dissabores são a pólvora contida na’’ bala’’(ala-B) desta poesia que o autor preferiu chamar de’’ arma da vitória’’ que dispara esta bala certeira onde a cada estrofe vai abatendo o seu alvo. Dai nasceu este livro embrulhado por uma critica social.

A título de exemplo o poema ‘’barbearia dos cabrões (‘’queixos barbudos engravatados/ barbearia dos cabrões/ que deixa todo chão careca/ e ao alto mastro hasteiam bandeira/ para desfraldarem o corpo nu do povo…’’)

‘’Apesar da irrequietude e da impenitência, algumas vezes virulentas que caracterizam esta poesia ou das entremeadas doses de apurada ironia ou de compaixão pelos desafortunados, o que sobressai nesta forma particular da escrita e um virtuosismo estimulador da sensibilidade da razão,(…),nessa brevidade desafiadora da nossa capacidade leitoral e estética.’’( F.NOA-o prefaciador).

Segundo Zenão a brevidade e um estilo que contêm o necessario para manifestar a realidade. Esta brevidade encaixa-se na poesia do A.Nordine onde nota-se uma presença massiva de traços inter-textuais da obra do poeta Celso Manguana cidadãos da mesma esquina (ambos eram jornalistas culturais do semanário Zambeze) guerreiros da poesia epigramática, e soldados da mesma trincheira. A.Nordine exilou-se na morte, Celso Manguana exilou-se na loucura, e eu procuro exílio na memória destes 2 poemas:

‘’Sonâmbula esta pátria
cresce nas estatísticas
e acorda com fome
custa amar uma bandeira assim?
tem o amargo do asilo
almoço de pão com badjias
sabem bem todos dias.’’
Celso Manguana pag.14- aos meus pais-Pátria que me pariu-2006.

‘’ Se por tanto tivesse ser capaz
moça-pátria deste amor que refrega
seja o meu coração a minha entrega
escrever-te a cerca duma paz
e alto levante-se da vez que nega
não é para o povo o discurso assaz
nenhum político, milagroso ás
é tamanho o sofrimento que chega!
para o povo aumentem um quinhão
venha do vosso governo mais pão
burilada a página da história
apagar a sua triste memória
fazemos o país livre da escória!!!’’
A.Nordine-pag.50-soneto da paz-Do lado da ala-B-2003.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

A. A. de Assis (Trovia n. 139 - julho de 2011)



Inesquecíveis

Quem trabalha e mata a fome
não come o pão de ninguém;
quem não ganha o pão que come
come sempre o pão de alguém.
Antônio Aleixo

Ao contrário da mulher,
a trova tem o seu jeito:
se cai na boca do povo,
mais aumenta o seu conceito!
Eva Reis

De todas as despedidas,
esta é a mais triste, suponho:
duas almas comovidas,
chorando a morte de um sonho!
Joubert de Araújo e Silva

Perdi meus sonhos tão belos
por desencontros fatais.
Ah, caminhos paralelos,
por que não sois transversais?
Lúcia Lobo Fadigas

Dez minutos de ternura,
olhando uma simples flor...
Se é tão linda a criatura,
que pensar do Criador?!
Padre Celso de Carvalho

Cuidai dos ricos, Senhor,
protegei-os mais de perto,
que aos pobres a própria dor
ensina o caminho certo!
Paulo Emílio Pinto

Brincantes

Sempre que eu vou me deitar
acompanhado, na cama,
já que eu sei que vou tirar...
pra que botar o pijama?
Ademar Macedo – RN

Vai trabalhar, vagabundo,
grita a mulher, feito gralha;
e ele rosna lá do fundo”:
– “Vagabundo não trabalha!”…
Divenei Boseli – SP

De surpresa, muitas vezes,
vinha o noivo da vizinha...
E, depois de nove meses,
nasceu uma surpresinha...
Flávio Stefani – RS

Caso um dia o homem consiga
a si mesmo conhecer,
duvido que ele então diga
que teve “muito prazer”...
José Fabiano – MG

O beijo só tem razão
se um ato de amor ele é.
Do contrário é lambeção,
é falta de higiene até...
Maria de Archimedes – RJ

Quem foi Luiz Vaz, eu não sei...
não sei quem assim se chama.
Camões eu sei: foi o rei
que fez o Vasco da Gama!
Osvaldo Reis – PR

Faz regime... e, por fazê-lo,
se desespera a coitada,
pois sempre tem pesadelo
com rodízios... de salada!...
Pedro Mello – SP

Se nas revistas reparas,
verás que é questão de gosto:
alguns preferem ver Caras,
outros preferem o oposto...
Rodolpho Abbud – MG

Líricas e filosóficas

Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio...
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio.
A. A. de Assis – PR

Quem espera sempre alcança...
Mas eu em lutas me ponho:
sou guerreira da esperança,
vivo em busca do meu sonho...
Adélia Woellner – PR

Nossa bonita amizade
vai crescendo a cada lua.
A pena é que a minha idade
é quase o dobro da tua...
Antônio da Serra – PR

Mulher, encanto e ternura,
lindo poema de amor,
que ameniza a desventura
do poeta... sonhador!
Joamir Medeiros – RN

Um gosto de fim de festa,
tristeza, desilusão...
E’ tudo, enfim, que nos resta
depois que os sonhos se vão...
João Costa – RJ

Na clausura da existência,
das prisões que nos impomos,
um devaneio é a essência
do que pensamos que somos!
J.B. Xavier – SP

Quando se perde um amor,
o coração dá um brado:
– Por favor, tire essa dor,
ó pranto, fique calado!
José Feldman – PR

Se alguém te humilha, perdoa,
e se alguém te fere, esquece.
Ódio guardado magoa,
só o amor envolve e aquece.
Arlene Lima - PR

Um puro amor vai brotando
tal qual um botão de rosa.
Cuide bem, vá cultivando
a adolescência formosa.
Benedita Azevedo – RJ

Ao ver o cair da tarde,
sinto vontade de estar
longe do mundo covarde,
perto do céu para amar...
Carmem Pio – RS

Rasguei carta, telegrama,
fotos, bilhetes de amor,
mas ao deitar nesta cama,
rasga-me o peito esta dor!
Conceição de Assis – MG

Mate amargo, chimarrão,
tu, que um sangue verde estampas,
és a própria tradição
dos verdes campos dos pampas!
Delcy Canalles – RS

Dar amor, se verdadeiro,
seja homem, quer mulher,
é lançar-se por inteiro
nos braços de quem se quer.
Diamantino Ferreira – RJ

Eu não ouço os teus conselhos
mas, quando fala a razão,
meus pecados, de joelhos,
imploram por teu perdão...
Dilva Moraes – RJ

Quem sai da terra querida
em meio à dor que o invade
semeia o chão na partida
com sementes de saudade.
Djalma Mota – RN

Ao rever o sítio antigo
do meu passado risonho,
a saudade andou comigo,
lembrando sonho por sonho.
José Lucas – RN

Em meus delírios te vejo
surgindo na escuridão,
toda vez que o vento andejo
bate a tranca do portão...
José Ouverney – SP

Saudade, que dor enorme,
é triste o nosso sentir:
você se deita e não dorme
e nem me deixa dormir!
José Valdez – SP

O que conta nessa vida
não é tempo nem idade,
mas a procura renhida
da deusa felicidade.
Luiz Carlos Abritta – MG

Para vestir de ilusão
a minha vida vazia,
cubro-me com a visão
da tua fotografia.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Longe vão minhas andanças
e, em meu trêmulo cansaço,
tento fazer das lembranças
bastão... e assim firmo o passo.
Mª Conceição Fagundes – PR

A cor azul me aquieta
e, às vezes, fico a pensar
que a alma de todo poeta
é feita de céu e mar...
Maria Nascimento – RJ

Toma cuidado, poeta, / com teu sentir mais profundo. / – A trova
é muito indiscreta: / conta tudo a todo mundo... (Luiz Otávio)

A vingança não me agride,
pois tenho de prontidão
as armas para o revide:
- o entendimento e o perdão!
Eduardo A. O. Toledo – MG

Pescador mais esportivo
deixa seu peixe escapar.
– Melhor solto que cativo,
para assim o preservar.
Eliana Jimenez – SC

Orgulho bobo... vaidade,
caprichos do amor sobejo...
Eu, morrendo de saudade,
fingir que nem te desejo!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

A musa chega e me inspira,
num delírio encantador...
Afina as cordas da lira
e enche o meu mundo de amor!
Francisco Garcia – RN

Na varanda, meu abrigo,
de olhar vazio, tristonho,
quero acordar, não consigo,
sonho e te vejo em meu sonho!
Francisco Macedo – RN

Aquela rede que um dia
foi nosso ninho perfeito
hoje balança vazia
na varanda do meu peito.
Francisco Pessoa – CE

Quem entende essa ironia
da vida, tão surpreendente:
por que o amor que dura um dia
marca às vezes tanto a gente ?
Gilvan Carneiro – RN

Com volúpia e desvario,
neste amor vou mergulhar...
Eu me sinto como o rio,
que se atira para o mar!
Ma. Thereza Cavalheiro – SP

Nosso amor, vencendo espaços,
rompendo tabus, segredos,
vai conduzindo seus passos
por um caminho sem medos!
Marisa Olivaes – RS

O astronauta que flutua
muito tem a lamentar:
quanto mais perto da lua
mais distante do luar.
Nei Garcez – PR

Tua amizade aguardei
com muito amor e afeição.
Quando de ti precisei,
fui buscar no coração.
Neiva Fernandes – RJ

Não sei de grito que vença,
aqui na Terra ou no Além,
a sabedoria imensa
que o silêncio às vezes tem...
Newton Vieira – MG

Quanto sonho não vivido
do jeito que foi sonhado!
Mas tudo tem mais sentido
quando, enfim, é conquistado.
Olga Agulhon – PR

Tua imagem refletida
no espelho de nosso quarto
mostra a saudade sentida,
que só contigo eu reparto...
Olga Ferreira – RS

Remorso rude, mesquinho,
está ferindo o meu peito;
chamou-me "filho" um velhinho
com quem faltei ao respeito.
Olympio Coutinho – MG

Na era do “ponto.com”, / voa o sonho mais ligeiro: – um clique...
e, qual vento bom, / chega a trova ao mundo inteiro! (a. a. de assis)

O amor é o maior mistério
que existe no mundo; enfim
chegou sem nenhum critério,
e tomou conta de mim!
Gislaine Canales – SC

Não faço versos pra turba.
Nunca vou-me arrepender.
Inteligência perturba!...
Alguém vai ter que aprender.
Haroldo Lyra – CE

A bengala cor da paz,
que o homem cego conduz,
tem um mistério que faz
o som transformar-se em luz!
Hermoclydes Franco – RJ

A uma ofensa que machuca,
por mais que me queime ou doa,
se meu sangue diz – “Retruca!”,
a minha alma diz – “Perdoa!
Heron Patrício – SP

A chama fraca não arde,
só bruxoleia no ar...
Por que nasceste tão tarde,
se já não posso te amar?
Humberto Del Maestro – ES

Numa estrada colorida,
ou na trilha empoeirada,
se a família segue unida,
é suave a caminhada.
Istela Marina – PR

Sem esquinas... sem saídas...
muitas vidas são assim...
Ruas retas e compridas,
e um grande portão no fim...
Izo Goldman – SP

Não sei se é pecado ou vício,
bobeira... sei lá mais quê...
este agridoce suplício
de só pensar em você!
Jeanette De Cnop – PR

Trovador que espalha o sonho
que lhe mora n’alma inquieta
confessa ao mundo, risonho,
a bênção de ser poeta.
Renato Alves – RJ

Ao abrir minha janela,
inundada de luar,
mais forte a lembrança dela
fez a saudade apertar.
Roberto Acruche – RJ

Sozinha em meu devaneio,
saudosa no meu queixume,
eu brindo ao vento que veio
devolver-me o teu perfume!
Selma Patti da Silveira – SP

Nas páginas principais
do teu livro de memórias
fui rodapé, nada mais,
sempre à margem das histórias.
Sérgio Ferreira – SP

Já ninguém nos dá razão
nem escuta nossa voz
mas amamos este chão
pois a pátria somos nós.
Sônia Ditzel Martelo – PR

Meu coração não se expande.
Chora sozinho e sem queixa...
Sabe quando o amor é grande
pela saudade que deixa.
Therezinha Brisolla – SP

Os poetas, em repentes,
se unem num elo de luz...
Suas trovas são correntes
de amor, que a todos seduz.
Vanda Alves – PR

O sabiá de peito roxo,
passarinho cantador...
Seus gorjeios sem muxoxo
são melodias de amor!
Vidal Idony Stockler PR

18 de julho – Dia do Trovador – A bênção, Luiz Otávio!

Fonte:
Enviado por A. A. de Assis

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 262)


Uma Trova Nacional

Deus, garimpeiro maior,
vai, no seu mister profundo,
salvando o que há de melhor
pelos garimpos do mundo...
–FLÁVIO ROBERTO STEFANI/RS–

Uma Trova Potiguar


Ó Deus Pai onipotente,
ó bom Deus e criador,
olhai veementemente
meu velho pai genitor!
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: MADRUGADA - M/H

- Deus Pai: Protege os meus filhos!
Meu medo é tal – que nem sei! –
de que se percam nos trilhos
das madrugadas sem lei!...
–MARIA MADALENA FERREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Quem tem Deus, por devoção
e é seguidor de Jesus,
no túnel do coração
tem sempre acesa, uma luz!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Faço preces... Leio salmos...
E buscando a calma em Deus,
encontro em teus olhos calmos
a paz que falta nos meus.
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

O sino está badalando
no alto da catedral,
os anjos passam cantando
uma canção divinal;
alguns mal arrependidos
se sentem todos feridos
meditando os crimes seus;
aprofundando os pesares
uma oração corta os ares
buscando o perdão de Deus.
–CANCÃO/PE–

Estrofe do Dia

Quando Deus me levar pra eternidade
ficará nesta terra a minha cruz,
juntamente com todos meus pecados
pois pecados pra lá não se conduz;
agradeço ao bom Deus por esta vida
e eu não quero que chorem na partida,
porque vou para o céu pra ver Jesus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

–LISIEUX/MG–
Oração

Liberta-me, ó Senhor, da minha vida,
também da morte, enfim, vem libertar-me;
porque não posso, por mim só, livrar-me
da culpa que em meu peito achou guarida...

Não deixes, meu Senhor, despedaçar-me
o coração, que a cada vã batida,
faz-me sofrer a alma arrependida. ..
Preciso, ó Deus, a ti aconchegar-me.

Quero, meu Pai, ouvir-te novamente,
quero outra vez sentir-te, plenamente,
toma-me, pois, em Teus paternos braços...

Coloca-me nos lábios, Teu louvor,
arde o meu peito com Teu doce amor
e guia em Teus caminhos os meus passos.

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://felicidadesempre-felicidade.blogspot.com

Juliana Boeira da Ressurreição (A Importância dos Contos de Fadas no Desenvolvimento da Imaginação) Parte I


Resumo: O presente artigo trata da “Importância dos contos de fadas: no desenvolvimento da imaginação”. Neste artigo, procurei destacar os seguintes tópicos: A fantasia nas histórias infantis; O herói em desenvolvimento; Os contos infantis e a educação; Imaginando o que foi imaginado; e, por último, relacionei, usando a metodologia da pesquisa exploratória, a teoria estudada com as informações obtidas em entrevista realizada com uma professora que atua na hora do conto em uma escola estadual no município de Terra de Areia/RS.

Palavras-chave: imaginação, educação, criança, encantamento, magia, emoções

Introdução

Falar sobre literatura é, sem dúvidas, falar sobre a imaginação. Sosa (1982) assinala a importância da literatura infantil como etapa criadora dentro do problema geral da imaginação, uma vez que não se sabe bem em que idade, nem em que forma e circunstâncias ela aparece na criança. O mesmo autor afirma que a imaginação é a “faculdade soberana” e a forma mais elevada do desenvolvimento intelectual. Se em outros componentes curriculares atenta-se a conteúdos significativos para as crianças, na literatura infantil encontra-se o espaço privilegiado para estimular o sujeito como elemento gerador das hipóteses mágicas.

A fantasia dos contos de fadas é fundamental para o desenvolvimento da criança. Há significados mais profundos nos contos de fadas que se contam na infância do que na verdade que a vida adulta ensina. É por meio dos contos infantis que a criança desenvolve seus sentimentos, emoções e aprende a lidar com essas sensações.

É encantador para mim, hoje adulta, relembrar as histórias contadas por meus pais. Quando criança, ao ouvir, por exemplo, a historinha do Patinho Feio, sentia pena dele, ficava triste. Hoje enxergo a mesma história de uma outra forma; quantas vezes nos sentimos um Patinho Feio, ou ainda, quantos patinhos feios existem por aí excluídos e discriminados. O mundo infantil é realmente encantador e surpreendente.

Este artigo resulta de uma pesquisa exploratória, em que se buscou compreender como o professor percebe que os contos de fadas têm contribuído no desenvolvimento da imaginação infantil. A coleta de informações foi realizada por meio de uma entrevista com uma professora que atua com a Hora do Conto, em uma escola estadual no município de Terra de Areia/RS.

2. A fantasia nas histórias infantis

Se se quiser falar ao coração dos homens, há que se contar uma história. Dessas onde não faltem animais, ou deuses e muita fantasia. Porque é assim suave e docemente que se despertam consciência”. (Jean de La Fontaine, século XVII )

As histórias infantis são contos bem antigos e ainda hoje podem ser consideradas verdadeiras obras de arte, lembrando sempre que seus enredos falam de sentimentos comuns a todos nós, como: ódio, inveja, ciúme, ambição, rejeição e frustração, que só podem ser compreendidos e vivenciados pela criança através das emoções e da fantasia. Os contos de fadas funcionam como instrumentos para a descoberta desses sentimentos dentro da criança (ou até mesmo de adultos), pois os mesmos são capazes de nos envolver em seu enredo, de nos instigar a mente e comover-nos com a sorte de seus personagens. Causam impacto em nosso psiquismo, porque tratam das experiências cotidianas, permitindo que nos identifiquemos com as dificuldades ou alegrias de seus heróis, cujos feitos narrados expressam, em suma, a condição humana frente às provações da vida.

Histórias como: Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel, Cinderela, o Lobo Mau e todos os seus companheiros continuam sendo os antídotos mais eficientes contra as angústias e temores infantis. Quando essas histórias são apresentadas às crianças, os personagens podem ajudá-las a se tornar mais sensíveis, esperançosas, otimistas e confiantes na vida. A fantasia é fundamental para o desenvolvimento emocional da criança. Nessas histórias, a criança se identifica mais facilmente com os problemas dos personagens. Ao mergulhar com prazer no faz-de-conta, as crianças dão vazão às próprias emoções.

Os contos começam de maneira simples e partem de um problema ligado à realidade como a carência afetiva de Cinderela, a pobreza de João e Maria ou o conflito entre filha e madrasta em Branca de Neve. Na busca de soluções para esses conflitos, surgem as figuras “mágicas”: fadas, anões, bruxas malvadas. E a narrativa termina com a volta à realidade, em que os heróis se casam ou retornam ao lar.

Bettelheim, em seu livro A psicanálise dos contos de fadas (1980, p.19), diz:
“Só partindo para o mundo é que o herói dos contos de fada (a criança) pode se encontrar; e fazendo-o, encontrará também o outro com quem será capaz de viver feliz para sempre; isto é, sem nunca mais ter de experimentar a ansiedade de separação. O conto de fadas é orientado para o futuro e guia a criança – em termos que ela pode entender tanto na sua mente inconsciente quanto consciente – a ao abandonar seus desejos de dependência infantil e conseguir uma existência mais satisfatoriamente independente”.

A fantasia facilita a compreensão das crianças, pois se aproxima mais da maneira como vêem o mundo, já que ainda são incapazes de compreender respostas realistas. Não esqueçamos que as crianças dão vida a tudo. Para elas, o sol é vivo, a lua é viva, assim como todos os outros elementos do mundo, da natureza e da vida.

Ainda de acordo com Bettelheim (1980, p.13), para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a imaginação, ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades; e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. Resumindo, deve de uma só vez relacionar-se com todos os aspectos da personalidade da criança e isso sem nunca menosprezá-la, buscando dar inteiro crédito a seus predicamentos e simultaneamente promover a confiança nela mesma e no seu futuro.

Penso que um dos meios mais preciosos que existe de se falar ao coração é a literatura; ela é encantadora, capaz de nos mover sem sairmos do lugar. É fascinante reconhecer o quanto uma leitura é capaz de explorar a nossa imaginação, mexer com nossos sentimentos mais íntimos e contribuir no desenvolvimento da imaginação, da fantasia e até mesmo da personalidade humana.

2.1 O herói em desenvolvimento

O que salva o herói é seu grau de amadurecimento, e este é alcançado sempre fora da casa paterna. A mensagem oculta é a de que precisamos de nossos pais, mas para crescer, temos de nos libertar da dependência deles.

Bettelheim (1980, p.16) destaca que
Para dominar os problemas psicológicos do crescimento – superar decepções narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis; obter um sentimento de individualidade e de autovalorização, e um sentido de obrigação moral – a criança necessita entender o que está se passando dentro de seu inconsciente. Ela pode atingir essa compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, não através da compreensão racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados – ruminando, reorganizando e fantasiando sobre elementos adequados da estória em resposta a pressões inconscientes, o que capacita a lidar com este conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança que ela não poderia descobrir verdadeiramente por si só. Ainda mais importante: a forma e estrutura dos contos de fadas sugerem imagens á criança com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida.”

Condiz com o que comenta a professora em sua entrevista:
“Através dos contos de fadas, podemos levar as crianças a compreender que na vida real, devemos estar preparados (as) para enfrentar as coisas difíceis com coragem e otimismo para a conquista da felicidade”.

O maravilhoso sempre foi, e continua sendo, um dos elementos mais importantes na literatura destinada as crianças. Através do prazer ou das emoções que as estórias lhes proporcionam, o simbolismo que, está implícito nas tramas e personagens, vai agir em seu inconsciente, atuando pouco a pouco para ajudar a resolver os conflitos interiores normais nessa fase da vida.

A psicanálise afirma que os significados simbólicos dos contos maravilhosos estão ligados aos eternos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional. É durante essa fase que surge a necessidade da criança em defender sua vontade e sua independência em relação ao poder dos pais ou à rivalidade com os irmãos ou amigos.

Lembra a psicanálise que a criança é levada a se identificar com o herói bom e belo, não devido à sua bondade ou beleza, mas por sentir nele a própria personificação de seus problemas infantis: seu inconsciente desejo de bondade e beleza e, principalmente, sua necessidade de segurança e proteção. Pode assim superar o medo que a inibe e enfrentar os perigos e ameaças que sente à sua volta, podendo alcançar gradativamente o equilíbrio adulto.

Se o aspecto principal na definição do conto popular, enquanto gênero literário, é a organização do motivo e das motivações dos personagens, no conto maravilhoso é necessário acrescentar um outro elemento: o encantamento provocado pela ação de um ser sobrenatural. Num momento de grande conflito, um ser sobrenatural intervém no destino do herói e modifica totalmente sua vida. É isto que define o conto de fadas, tornando-o distinto das demais narrativas literárias.

Herói é o personagem que vive grandes aventuras e consegue vencer todos os problemas que surgem à sua volta. Por isso ele é considerando o personagem principal, cujas ações, pensamentos e sentimentos acompanhamos com maior interesse. O herói é também chamado protagonista da história. Nem sempre o herói é um personagem com qualidades positivas. Existem heróis que são atrapalhados, malandros e vivem grandes situações de embaraço, mas continuam sendo protagonistas. Estes são conhecidos como anti-heróis”. (MACHADO, 1994, p. 45)

Nos contos de fadas, pode-se encontrar o modelo básico de qualquer narrativa literária, em toda narrativa literária existem episódios, ou seja, situações de equilíbrio e desequilíbrio, que se modificam, provocando a passagem de uma situação a outra. É nessa cadeia de episódios que se situam os conflitos e as soluções aos problemas que tanto nos prendem a atenção. A diferença é que, nos contos de fadas, a transformação é provocada pela intervenção uma ação mágica. Assim, os seres mágicos são tão importantes para o desenvolvimento da história quanto para o comportamento do herói.

Logo, todos os contos de fadas apresentam histórias de príncipes e princesas – heróis – que vivem situações terríveis criadas por seres malévolos – as bruxas - , mas, felizmente, contam com os seres mágicos: fadas, magos, anões. Por isso, os conflitos são provados por uma intenção maldosa contra uma pessoa de bem e só se resolve pelo encantamento. O herói sofre a perseguição do mal – a bruxa -, o que faz aumentar o conflito até o final, quando a virtude triunfa e o ser malévolo é impiedosamente castigado. Assim, tudo termina com final feliz.

2.2 Os contos infantis e a educação

Infelizmente, muitos pais desejam ver seus filhos com a cabeça funcionando racionalmente como a deles, e acreditam que a sua maturidade depende exclusivamente do ensinamento oferecido pela maioria das escolas que, via de regra, em nossa sociedade moderna, pouco fazem além de repassar um conteúdo pedagógico desprovido de maiores significados para a vida. Esquecem-se de explorar os sentimentos como integrante fundamental da formação do caráter e, ainda que bem alfabetizem, algumas escolas desconsideram os contos de fadas como se esses só gerassem confusões quanto aos conceitos sólidos de realidade que devem ser ensinados às crianças.

A sabedoria, afinal, não é coisa que nasça pronta como a deusa Palas Atena, que, inteiramente formada, pulou fora da cabeça de Zeus; é, antes, algo delicado, que se constrói desde os tenros anos da infância e que passa necessariamente por um estágio de extraordinário potencial, o qual só se desdobrará convenientemente num bem explorado e maduro psiquismo. Obrigatoriamente, isso leva à necessidade de lidar com os sentimentos. O mundo interior, desconhecido pela consciência intelectualizada, encerra segredos legítimos, guarda metade de nós mesmos, e sua assimilação é imprescindível para todo aquele que deseje conhecer-se melhor ou que esteja buscando respostas honestas para os enigmas da existência.

Nesse particular, os contos de fadas cumprem relevante papel. São expressão cristalina e simples de nosso mundo psicológico profundo. De estruturas mais simples que os mitos e as lendas, mas de conteúdo muito mais rico do que o mero teor moral encontrado na maioria das fábulas, são os contos de fadas a fórmula mágica capaz de envolver a atenção das crianças e despertar-lhes sentimentos e valores intuitivos que clamam por um desenvolvimento justo, tão pleno quanto possa vir a ser o do prestigiado intelecto.

Não fossem assim tão verdadeiros ao simbolizar nosso caminho pessoal de desenvolvimento, apresentando-nos as situações críticas de escolha que invariavelmente enfrentamos, não despertariam nem sequer o interesse nas crianças que buscam neles, além da diversão, um aprendizado apropriado à sua segurança. Nesse processo, cada criança depreende suas próprias lições dos contos de fadas que ouve, sempre de acordo com seu momento de vida. Elas extraem das narrativas, ainda que inconscientemente, o que de melhor possa aproveitar para ser aí aplicado. Oportunamente pedem que seus pais lhe contem de novo esta ou aquela história, quando revivem sentimentos que vão sendo trabalhados a cada repetição do drama, ampliando assim os significados aprendidos ou substituindo-os por outros mais eficientes, conforme suas necessidades do momento.

Os contos de fadas nos impressionam, porque sempre foram populares como tradição oral, mas, antes, porque suas histórias são instigantes. Não há como alcançar completamente seu sentido em termos puramente intelectuais, fato que nos desperta a percepção intuitiva. A fantasia irracional a ponto de permitir que a Vovó, engolida pelo Lobo Mau, permaneça viva em sua barriga até ser salva; que Bela Adormecida durma enfeitiçada um sono de cem anos; e que João suba num pé de feijão até alcançar no céu o castelo de um gigante. Justamente pelo inverossímil que expõe, provoca uma reviravolta em nosso mundo psíquico, o qual estimula, aguça-se na tentativa de compreendê-la. E não há como explicá-la pelos padrões da razão metódica. A história de fadas é por si sua melhor explicação, do mesmo modo que as obras de arte encerram aspectos que fogem do alcance do intelecto, já que suscitam emoções capazes de comover os que fogem do alcance do intelecto; já que suscitam emoções capazes de comover os que diante delas se colocam. O significado desses contos está guardado na totalidade de seu conjunto, perpassado pelos fios invisíveis de sua trama narrativa. Claro que, diante desse mistério, muitas formas de abordá-lo são possíveis e igualmente válidas, posto que acrescentam luz à sua compreensão.

A literatura dirigida ao público infantil foi produzida a partir do século XVII, uma vez que antes desta data, a sociedade feudal não reconhecia que as crianças possuíam características próprias da infância. Com a queda do sistema feudal, a família tornou-se unicelular, ou seja, mais unida e privada, e a criança é tida como frágil (biologicamente), distanciada dos meios produtivos; e então, como conseqüência, é um ser dependente do adulto, de quem precisa ajuda para agir na sociedade.

Segundo o modelo familiar burguês que surgiu na Idade Moderna, a criança passou a ser valorizada, e juntamente com as idéias para seu desenvolvimento intelectual surge a necessidade de manipulação de suas emoções. É neste contexto que a escola e a literatura aparecem para atender a essas questões. Prova disto é que os primeiros textos para as crianças são de caráter educativo. O cunho educativo é dotado de um pragmatismo que não aceita a literatura como arte, mas como atividade de dominação da criança, ou seja, de cunho exclusivamente moralista e ditadora de regras.

Essa idéia de dominação é incorporada pela escola como objetivo, uma vez que esta introduz a criança na vida adulta, mas ao mesmo tempo, protege-a contra as agressões do mundo exterior, separando-a de seu coletivo (família, sociedade) e a fazendo esquecer o que já sabe.

“O sistema de clausura coroa o processo: a escola fecha suas portas para o mundo exterior [..]. As relações da escola com a vida são, portanto, de contrariedade [...] É por omitir o social que a escola pode se converter num dos veículos mais bem sucedidos da educação burguesa; pois a partir desta ocorrência, tornou-se possível a manifestação dos ideais que regem a conduta da camada do poder, evitando o eventual questionamento que revelaria sua face mais autêntica.” (ZILBERMAN, 1985, p. 19).

As relações entre literatura e escola possuem aspectos comuns e divergentes. Comuns pois as duas são de natureza formativa e divergentes pois a escola busca transformar a realidade viva e sintetizá-la nas disciplinas. Nesse processo de síntese, interrompem-se os vínculos com a vida atual. Já a literatura infantil sintetiza, por meio dos recursos de ficção, uma realidade que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive cotidianamente.

O professor precisa estar consciente dessas questões e trabalhar para que a relação literatura e escola aconteça de forma harmônica. Um dos passos que precisa ser bem construído refere-se a escolha dos textos e a adequação dos mesmos ao leitor.

O mais importante que resta disso tudo é que nunca esqueçamos a lição, crianças, jovens ou adultos no mundo das fadas, todos seguimos encantados e felizes para sempre!
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Juliana Boeira da Ressurreição, pós-graduanda do curso de Novas Abordagens em Língua Portuguesa e Literatura da Língua Portuguesa -Faculdade Cenecista de Osório-FACOS/RS
Orientadora Profa. Dra. Cristina Maria de Oliveira
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continua...

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) I - O Mês de Abril

Era em abril, o mês do dia de anos de Pedrinho e por todos considerado o melhor mês do ano. Por quê? Porque não é frio nem quente e não é mês das águas nem de seca — tudo na conta certa! E por causa disso inventaram lá no Sítio do Pica-Pau Amarelo uma grande novidade: as férias-de-lagarto.

— Que história é essa?

Uma história muito interessante. Já que o mês de abril é o mais agradável de todos, escolheram-no para o grande “repouso anual” — o mês inteiro sem fazer nada, parados, cochilando como lagarto ao sol! Sem fazer nada é um modo de dizer, pois que eles ficavam fazendo uma coisa agradabilíssima: vivendo! Só isso. Gozando o prazer de viver...

— Sim — dizia Dona Benta — porque a maior parte da vida nós a passamos entretidos em tanta coisa, a fazer isto e aquilo, a pular daqui para ali, que não temos tempo de gozar o prazer de viver. Vamos vivendo sem prestar atenção na vida e, portanto, sem gozar o prazer de viver à moda dos lagartos. Já repararam como os lagartos ficam horas e horas imóveis ao sol, de olhos fechados, vivendo, gozando o prazer de viver — só, sem mistura?

E era muito engraçada a organização que davam ao mês de abril lá no sítio. Com antecedência resolviam todos os casos que tinham de ser resolvidos, acumulavam coisas de comer das que não precisam de fogão — queijo, fruta, biscoitos, etc, botavam um letreiro na porteira do pasto:

e depois de tudo muito bem arrumado e pensado, caíam no repouso.

Era proibido fazer qualquer coisa. Era proibido até pensar. Os cérebros tinham de ficar numa modorra gostosa. Todos vivendo — só isso! Vivendo biologicamente, como dizia o Visconde.

Mas a necessidade de agitação é muito forte nas crianças, de modo que aqueles “abris-de-lagarto” tinham duração muito curta. Para Emília, a mais irrequieta de todos, duravam no máximo dois dias. Era ela sempre o primeiro lagarto a acordar e correr para o terreiro a fim de “desenferrujar as pernas”. Depois vinha fazer cócegas com uma flor de capim nas ventas de Narizinho e Pedrinho — e esses dois lagartos também se espreguiçavam e iam desenferrujar as pernas.

No abril daquele ano o Visconde não pôde tomar parte no repouso por uma razão muito séria: porque já não existia. Dele só restava um “toco”, aquele toco que a boneca recolhera na praia depois do drama descrito na última parte das Reinações de Narizinho.

Mas era preciso que o Visconde existisse! O sítio ficava muito desenxabido sem ele. Todos viviam a recordá-lo com saudades, até o Burro Falante, até o Quindim. Só não se lembrava dele o Rabicó, o qual só tinha saudades das abóboras e mandiocas que por qualquer motivo não pudera comer. E como era preciso que o Visconde ressuscitasse, na segunda manhã daquele belo mês de abril, Emília, depois de um grande suspiro, resolveu ressuscita-lo.

Emília estava no repouso, como os outros, no momento em que o grande suspiro veio. Imediatamente levantou-se e foi para aquele canto da sala onde guardava os seus “bilongues1”; abriu a famosa canastrinha e de dentro tirou um embrulho em papel de seda roxo. Desfazendo o embrulho, apareceu um toco de sabugo muito feio, depenado das perninhas e braços, esverdeado de bolor. Eram os restos mortais do Visconde de Sabugosa! Emília olhou bem para aquilo, suspirou profundamente e, segurando-o como quem segura vela na procissão, foi em procura dos meninos.

Narizinho e Pedrinho estavam no pomar, debaixo dum pé de laranja-lima, apostando quem “pelava laranja sem ferir”, isto é, quem tirava toda a película branca sem romper os “casulos que guardam as garrafinhas de caldo” — isto é, gomos.

— Está aqui o sagrado toco do Visconde — disse Emília, aproximando-se e sempre a segurar o pedaço de sabugo com as duas mãos. — Vou pedir a Tia Nastácia que bote as perninhas, os braços e a cabeça que faltam.

— Hoje? Que idéia! — exclamou a menina.

— Hoje, sim — afirmou Emília. — Tia Nastácia está “lagarteando”, mas negra velha não tem direito de repousar.

Narizinho encarou-a com olhos de censura.

— Malvada! Quem neste sítio tem mais direito de descansar do que ela, que é justamente quem trabalha mais? Então negra velha não é gente? Coitada! Ela entrou no lagarto ontem. Espere ao menos mais uns dias.

— Não. Há de ser hoje mesmo, porque estou com um nó na garganta de tantas saudades desta peste — teimou Emília com os olhos no toco. — E fazer um Visconde novo não é nenhum trabalho para ela — é até divertimento. A diaba tem tanta prática que mesmo de olhos fechados, dormindo, arruma este.

E deixando os dois meninos ocupados na aposta de pelar laranjas sem feri-las, lá se dirigiu para o quarto da boa negra, com o toco seguro nas duas mãos, como um círio bento.
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Nota:
1— Emília tinha palavras especiais para tudo, que ela mesma ia inventando. As coisinhas dela, os guardadinhos, as curiosidades do seu museu, etc, eram os seus “bilongues”. Talvez essa palavra viesse do inglês “belonging”, que quer dizer propriedade, coisa que pertence a alguém.

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Continua... II – O Visconde Novo
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Aparecido Raimundo de Souza (A Canção que Tocou no Meio da Noite...)


Minha namorada ao ouvir uma música no rádio resolve me acordar às quatro horas da manhã.

- Amor, amor -, grita numa euforia barulhenta. – Olha que coisa linda...!!!

Pulo, assustado, tropeçando os olhos embaralhados no travesseiro sonolento.

- O que foi PP???

- Olha...!!!

- Não estou vendo nada. Onde? Cadê???

- A música...!!!

- Que música???

- Essa que está tocando... Ouça...!!!

- Então não é pra ver, é pra ouvir. Tudo bem! Estou gostando. O que tem ela?

- Não é divina? - Completa PP espichando para meu rosto seus olhos meigos da noite não dormida.

- Ah, sim, maravilhosa! Principalmente para se curtir depois de ser arrancado, aos sobressaltos, dos braços de Morfeu.

- Desculpa amor, não foi por querer – cochicha à vozinha fina: É que achei tão caliente. Sabe quem está cantando?

- Sei.

- Nossa, amor, que bom. Hoje então será meu dia de sorte. Nosso dia, melhor dizendo. Diz ai: quem é a deusa dessa voz venturosa?

- Você daqui a cem anos.

- Engraçadinho. Fala sério – troveja injuriada. Quem canta essa preciosidade?

- Sua irmã Pri - digo acorrendo num ímpeto quase carinhoso.

- Não brinca - Brada incontrolável. - Olha como estou trêmula. Parece até que me acorrentei às raias de um piripaque.

- Minha linda, se essa droga da música está lhe fazendo mal, me deixa desligar o som. Basta um clic e pronto.

- Pelo amor de Deus, não faça isso. Eu amo essa música. Eu amo, entende? Amo de paixão. Amoooooooooo!...

- Como consegue gostar de uma música, ou melhor, amar uma canção que desconhece quem a está cantando?!...

- Acontece, amor. – Diz num acesso de arrebatamento jubiloso. - Nunca passou por uma situação assim? Asseguro que é deveras constrangedor, mas, ao mesmo tempo, inebriante, avassalador – completa PP espalhando, por tudo, em redor, a doçura do seu entusiasmo.

- Concordo com você. Mas, PPzinha, como pode ver, essas bobeiras não me acontecem nem quando entro em alfa. Sabe, ao menos, o nome da bendita cantora?

- Nem imagino...!!!

- PP, PPzinha, me explica de novo: como se deixar envolver por uma simples canção que toca no rádio, se você acabou de me dizer que desconhece o principal, que é nome da artista?

- A isso, seu bobinho, se dá o nome de amor a primeira vista. Despertei com ela, me enamorei. Ela mexeu comigo. Desculpe, me esqueci: você não é nem um pouquinho romântico – conclui a guisa de resmungo.

- Sou romântico sim.

- Me poupe. Se fosse romântico, ao menos carinhoso, estaria, agora, grudado em meu peito, curtindo juntinho ao meu corpo essa belíssima canção angelical.

- O fato de não estar colado em você não quer dizer que não seja romântico. Sou mais do que possa imaginar.

- Aposto que não se deu conta. Pare um minuto, ouça a letra, sinta a melodia, se ligue nos acordes, procure viajar na orquestração, na voz, enfim, cadê seu lado zen...?

-... Em...???

-... Zen...!!!

-... Ah, meu amor, deixa isso pra lá: vem pra mim, vem!...

Centro de São Paulo horas depois, na avenida movimentadíssima, em direção ao meu trabalho, perto do prédio onde fica o escritório da empresa, ao passar em frente duma loja de eletroeletrônicos, deparo, sem querer, com a tal da musica tocando em vários aparelhos ao mesmo tempo. Pergunto para a moça que se apressa ao meu encontro com um sorriso aberto de um canto a outro da boca:

- Pois não, senhor? Em que posso ajudá-lo?

- Que música é esta? - Berro trovejando vertente ansiedade.

- Não sei senhor!

Tomado por um impulso movido a doidera momentânea, passo a mão em um dos aparelhos que servem de mostruário ao público. Na verdade, arranco do meio dos outros um três em um pequeno, movido a pilha e luz, e, saio correndo em direção à movimentação da cidade barulhenta. Os seguranças deitam em meu encalço. O gerente chama a policia. Na calçada, esbarrando em transeuntes açodados, desembesto o trocinho tocando, numa altura anormal. Entro em outra loja, logo adiante, e me dirijo também à primeira funcionária que se destaca, não só pelo brilho do rosto, como pela beleza de seu uniforme impecável. Mando a pergunta, na bucha:

- Que música é esta? – Aventuro incontido. - Sabe dizer que música é esta? - Ou quem canta, pelo menos?

Diante da negativa da jovem volto a carreira, o rádio executando a música que me acordou às quatro horas da manha. Outra loja e mais gente balançando a cabeça contraria a resposta que busco, embalde. Finalmente, me deparo com uma discoteca enorme, sofisticada, bem sortida. “ - Ufa! Até que enfim...” - Murmuro com meus botões – “Alguém, nesta joça, me dará a resposta que procuro”. Dito e feito:

- Essa musica ai se chama “Canção do amor verdadeiro”, temos em estoque, e quem canta é Mariza da Ximbica Cor de Rosa. O senhor quer ouvir???

Agradeço, viro as costas e me disponho a ganhar o dia lindo de céu azul e ensolarado. Todavia, ao meter os pés no frontispício da giratória, percebo uma galera a minha recepção, lá fora. Vislumbro a vendedora, o dedo em riste apontado em minha direção, os seguranças imbuídos de um forte apetite bestial, e, em meio a esse quase surto histérico, capturo os semblantes de poucos amigos de dois policiais militares, um dos quais, com as algemas ameaçadoras e prontas para encaixarem em meus braços.

- “... É ele...!!! ... É ele...!!!...” - Escuto a alta voz. – “... Foi ele...”- Fulmina uma branquelinha com uma soberba vivacidade de discrição – “... Olha a prova do crime nas patas sujas do sujeito...” -, instiga outra notívaga, que a acompanha, enquanto cerra a meio os seus macios olhos de míope. “... Cana no meliante, sargento...!!!”.

Saio preso e algemado em flagra, depois de levar uns belos catiripapos pelas ventas. Contudo, feliz, realizado. Sei, agora, o nome da porcaria da música e quem a interpreta. Depois de me livrar do delegado, poderei adentrar numa dessas lojinhas existentes ai pela cidade e comprar o cd para a PPzinha, minha doce e esfuziante cara metade.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://teianeuronial.com/antianticomunicacao/

sábado, 2 de julho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 261)


Uma Trova Nacional

Diz o Zezinho, zangado,
do zero que recebeu:
- “não acho que escreva errado;
se escrevo, o “pobrema” é meu!...
–IZO GOLDMAN/SP–

Uma Trova Potiguar

A trovadora reclama
o peso do pé gessado;
e repousando na cama,
faz trovas de pé-quebrado.
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema: VISITA - M/E.

Não reclamo da visita
e nem vou fazer piada,
pois minha sogra é bonita
e eu “adoro” essa danada!
–ELISABETH SOUZA CRUZ/RJ–

Uma Trova de Ademar

Um poeta sem “crachá”
rimou feio pra chuchu:
“a castanha do Pará
com castanha de caju.”
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Adão é que teve a sorte
que a maioria não logra,
foi feliz até a morte,
porque nunca teve sogra.
–NEY DAMASCENO/RJ–

Simplesmente Poesia

Se a morte acena o seu véu,
quem há de nos socorrer?
convite pro beleléu,
não se pensa em receber.
Todos querem ir pro céu
de mala, terno e chapéu,
mas ninguém pensa em morrer.
–VITOR RONALDO COSTA/DF–

Estrofe do Dia

Mamãe dizia a papai:
se estiver aborrecido,
me avise logo com tempo,
pode ficar prevenido:
da forma que eu mudo a saia,
mudo também o marido.
–LEANDRO GOMES DE BARROS/PB–

Soneto do Dia

–FRANCISCO MACEDO/RN–
...E, Não Nasceu!

Menino das quebradas do sertão,
um pequeno matuto sonhador.
Na verdade, um exímio plantador,
já cansado do milho e do algodão...

Um dia, ao conhecer o macarrão,
fez despertar seu ser agricultor
e pensando tornar-se um inventor
começou em sigilo, a plantação.

Plantou seu macarrão às escondidas,
nas covas, que cavou, bem divididas,
e esperou que nascesse, e, não nasceu!

Um sonho de frustrada agricultura...
E o menino deste sonho e aventura,
de idealismo e fé, digo: Era eu.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Cláudio de Cápua (Galo Doidão)


publicado originalmente na edição número 2 da revista Santos Arte e Cultura

Certas cenas indelevelmente ficam registradas, em nossa mente e, de uma forma ou de outra, marcam nossas vidas. Uma delas: eu tinha aproximadamente sete anos e Berto, meu irmão, uns três menos. Morávamos na Avenida Inajá, hoje Lavandisca, no bairro de Indianópolis, em São Paulo. Terreno, com 20 metros de frente, e 65 de fundos. Na frente, a casa de meu avô materno, e nos fundos, a nossa casa. Tínhamos no belo pomar dois pessegueiros, limoeiro, laranjeira, ameixeira e dois pés de figo, sendo que um deles era raro, figo branco. E ainda uma parreira de uvas rosé, um pé de louro, touceira média de cana e uma enorme goiabeira de frutos vermelhos, que, temporã, frutificava o ano inteiro.

Certo dia, nossa avó, Maria da Glória, fez-nos uma surpresa; - trouxe da feira cinco pintinhos, que nos foram dados de presente. Dois logo morreram, e os outros três se transformaram em duas frangas e um frango. As frangas logo foram parar na panela, mas o galo virou bicho de estimação. Nossa família, descendente de italianos, como 85% das famílias paulistanas, nunca deixava faltar vinho à mesa. Certo dia, num almoço domingueiro, tio Rafael, irmão de minha mãe, molhou miolo de pão num resto de vinho e arremessou-o pela janela, em direção ao nosso galo. Petisco de imediato devorado. Resultado: o galo pôs-se a cantar fora de hora.

Berto, meu irmão, embora pequeno, era vivo e arteiro. Viu o que o pão e o vinho fizeram ao galo e passou a repetir a arte a qualquer hora do dia ou da noite. E, após algum tempo, o galo assumiu um ritual todo seu. Devorava o petisco, subia no tanque, pulava para o muro da vizinha, de onde saltava para o telhado do tanque e depois para o telhado da casa. E, aí, ele percorria o telhado, até a frente da residência e bem no alto da cumeeira punha-se a cantar, a qualquer hora do dia ou da noite, para uma platéia de transeuntes que paravam diante da casa, abismados com o espetáculo daquele galo doidão, sem entender as razões de sua estranha euforia.

Fonte:
Cláudio de Cápua
Imagem = http://www.clipart.criadoronline.com.br

Antonio Brás Constante (Humor - Sol e Frio [tomou Doril e NÃO sumiu])


...A netinha então perguntou para sua vovozinha, muito velhinha e bondosa: “Vovó, quando a senhora nasceu o Sol já existia?”, e a vovozinha lhe respondeu cheia de ternura: “sim, minha netinha queridinha, por quê?”, a menininha, na inocência de sua tenra infância, arregalou os seus olhinhos brilhantes e disse: “NOOOOSSA!! COMO O SOL É VELHO!”. Alguns dizem que a anedota termina por aí, já outros juram que a tal avó arrancou a própria dentadura da boca e arremessou na cabeça da netinha malcriada. Mas essa introdução serve apenas para falarmos do maior rei anão que conhecemos: O nosso Sol (para quem não sabe, o Sol é uma estrela anã que fugiu do circo do infinito para brilhar em nosso sistema solar).

O Sol parece uma bola gorda e gigantesca (provavelmente deve até ter sofrido algum tipo de bulling após os acontecimentos do Big Bang, moldando assim o seu atual jeitão esquentadinho). Ele fica no espaço ocupando espaço de forma aparentemente sedentária, mas queima calorias como ninguém, e é graças as suas terríveis crises de gases que continuamos vivos aqui na Terra.

Algumas pessoas tiveram que queimar na fogueira da ignorância (porém, montada com madeira de verdade), para que o Sol ganhasse o destaque que merece como centro de nosso sistema solar, e apesar de não ser egocêntrico (esses sentimentos pequenos e desprezíveis pertencem a muitas das criaturas minúsculas que se acham grande coisa por aqui na nossa terrinha) ele é a principal peça do sistema heliocêntrico (para quem não sabe, heliocêntrico é como o seu Hélio chama o seu sistema de vendas de pipoca com gordura hidrogenada, que ele estoura e comercializa através de seu carrinho de pipoqueiro, localizado no centro da praça universal, em uma das periferias do bairro Via Láctea).

O Sol tem uma característica explosiva, e talvez por isso poucos amigos (apenas nove, sendo que um deles, Plutão, foi rebaixado para segunda divisão há alguns anos atrás). Eles ficam perambulando em volta do Sol como se estivessem brincando de ciranda (só que em uma espécie de fila indiana formada por bêbados) ou como moscas em volta de uma lâmpada acesa qualquer. Alguns desses planetas são acompanhados por seus filhotes, também conhecidos como satélites. É o caso da lua, que é filha da Terra (e a Terra, como muitos sabem, dispõe de muitos indivíduos que são verdadeiros filhos da mãe e outros que vivem no mundo da lua).

É através dos raios do Sol que nóis pega um bronzeado (estou me adequando as novas tendências e aderindo a linguagem popular, lembrando sempre que a principal expressão popular aqui no Brasil é o famoso “nóis fumo”, ou seja, “nóis fumo robadu”, “nóis fumo enganadu”, “nóis fumo sacaneadu”, mas no fundo nóis é tudo CB “Sangue Bom”). O Sol tem seu brilho próprio de verdadeira estrela em todas as suas dimensões, e quando nosso planeta lhe dá as costas (literalmente falando) é porque está na hora de irmos dormir um pouco, muitas vezes olhando para o céu e vendo a parentada celestial e brilhante de nosso astro-rei, pontilhada na negritude do espaço.

Mas é no inverno que sentimos mais falta do calor desumano do Sol, principalmente aqui no Sul, que não é o Pólo Sul, mas também é frio pra chuchu (não sei explicar porque o chuchu serve para exemplificar algo tão frio). Neste período do ano o cobertor frio do inverno cobre os habitantes bem ao sul do Equador em uma época em que Papai Noel ainda está hibernando no Pólo Norte ou quem sabe escravizando duendes e obrigando-os a fazerem brinquedos para as crianças do mundo, mas somente para aquelas que foram boazinhas o ano inteiro (provavelmente apenas uma meia dúzia).

Ao ser percebido através de uma visão cósmica, o clima frio que muitos lugares enfrentam é insignificante perante a força e majestade do esplendoroso Sol. Mas infelizmente esta insignificância nos dá calafrios quando notamos que ele, o clima frio, não está nem aí para isso tudo que acabei de escrever e nos faz tremer com suas baixas temperaturas, tão agressivas quanto qualquer golpe baixo em campeonatos de luta livre.

O Sol na imensidão fria do universo servindo de farol para nossa existência, intrinsecamente ligado a nossa tênue essência, lutando bravamente contra o frio que tantas vezes cerceia nossa temporária vivencia. Frio este também aplacado com o mate quente e amargo, servido em minha amada querência.

Buenas tchê! Já falei do Sol, já falei do frio, mas e o Doril? No caso do Doril, você pega ele, tira da embalagem, e depois você... Você... Você... Você, você, você, você, você, você (vamos lá gente, todo mundo fazendo a dança “Você, Você” do pânico na TV). Eu até ia terminar este texto falando alguma coisa sobre o Doril, mas agora a ideia sumiu...

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://fotos.imagensporfavor.com/

Frank Reichstein (Testamento de um Cão)


Minhas posses materiais são poucas e eu deixo tudo para você... Uma coleira mastigada em uma das extremidades, faltando dois botões, uma desajeitada cama de cachorro e uma escudela de água que se encontra fendada na borda.

Deixo para você metade de uma bola de borracha, uma boneca rasgada, que você vai encontrar debaixo da geladeira, um ratinho de borracha sem apito, que está debaixo do fogão da cozinha e uma porção de ossos enterrados no canteiro de rosas, e sob o assoalho de minha cama. Além disso, eu deixo para você a memória, que, aliás são muitas.

Deixo para você a memória de dois enormes olhos marrons, a memória de uma caudinha curta e espetada, de nariz molhado e de choradeiras atrás da porta.

Deixo para você uma mancha no tapete da sala de estar junto à janela, quando nas tardes de inverno eu me apropriava daquele lugar, como se fosse meu, e me enrolava feito uma bolinha para pegar um pouco de sol.

Deixo para você um tapete esfarrapado em frente à sua cadeira preferida, o qual nunca foi concertado com o tipo de linha certo, essa é a verdade. Eu o mastiguei todinho, quando tinha ainda cinco meses de idade, lembra-se? Também deixo para você a memória da primeira surra que levei e também todo o meu esquecimento.

Deixo para você um esconderijo que fiz no jardim, debaixo dos arbustos perto da varanda da frente, onde eu encontrava asilo durante aqueles dias de verão. Ele deve estar cheio de folhas agora, e, por isso, talvez você tenha dificuldades em me encontrar. Sinto muito!

Deixo, também, e só para você, o barulho que eu fazia ao sair correndo sobre as folhas de outubro, quando nós vagabundeávamos pelo bosque.

Deixo, ainda, a lembrança de momentos pelas manhãs quando saíamos juntos pela margem do riacho, e você me dava aqueles biscoitos de baunilha. Recordo-me das suas risadas, porque eu não conseguia alcançar aquele coelho impertinente.

Deixo-lhe como herança minha devoção, minha simpatia, meu apoio quando as coisas não andavam bem; meus latidos quando você levantava a voz aborrecido... e minha frustração por você ter ralhado comigo todas as vezes que eu colocava o nariz debaixo da cauda.

Eu nunca fui à igreja e nunca escutei um sermão. No entanto, mesmo sem haver falado sequer uma palavra em toda a minha vida, deixo para você exemplo de paciência, de amor e compreensão.

Sua vida terá sido mais alegre porque eu vivi.

Fonte:
Foto do Fluffy com 4 meses de idade, em Curitiba, fotografia de José Feldman

Jesy Barbosa (1902 – 1987)


(por Zálkind Piatigórsky)

Jesy de Oliveira Barbosa
15/11/1902, Campos RJ - 30/12/1987, Rio de Janeiro RJ

JESY BARBOSA, filha do jornalista e poeta Luiz Barbosa (ambos campistas), nasceu em Campos, Estado do Rio, em 15 de novembro de 1902. Espírito versátil e sensível, desde cêdo deixou patenteado seu temperamento artístico, tendo iniciado sua atuação em 1930, na Cidade Maravilhosa, onde também estudou. Dona de excepcional talento e de uma voz “diferente”, sua primeira expressão foi através do canto, tendo estreiado, sob os auspícios do saudoso Roquete Pinto, na Rádio Sociedade, no Rio, gravando a seguir inúmeros discos com canções brasileiras na R.C.A. Victor.

Paralelamente, iniciava-se na arte de escrever, fazendo-se presente em jornais e revistas de então.

Deixando mais tarde o canto, onde tanto se destacou, foi durante nove anos redatora e apresentadora de programas na Rádio Globo, da Guanabara; tendo sido uma das sócias fundadoras da Associação Brasileira de Rádio (A.B.R.).

Mas a plenitude de seu espírito criador só veio a amadurecer um pouco mais tarde, quando Jesy Barbosa, participando do movimento trovadoresco nacional, encontrou, nas quatro linhas da trova, o seu verdadeiro veículo de comunicação.

Mesmo assim, faltava-lhe um estímulo. Mas, predestinada para as cumieiras da arte do coração, êste não se fêz tardar. Apareceu sob a forma de um concurso de trovas. De um grande concurso de trovas – Os Primeiros Jogos Florais de Nova Friburgo – genial idéia de Luiz Otávio que os introduziu no Brasil, para isto contando coma cooperação e o dinamismo do consagrado poeta J. G. de Araújo Jorge. E Jesy apareceu. E apareceu ganhando, conseguindo, entre mais de 2.500 trovas concorrentes, o 4.° e 6.° lugares, pondo seu nome com letras de ouro entre os vinte vencedores. Era uma grande estrêla, luzindo no meio de uma constelação.

“Duvidas que numa trova
eu encerre o nosso amor?
Na hóstia tu tens a prova:
Não cabe Nosso Senhor?”

“Teu orgulho me parece
estranha contradição:
Nosso amor, que te engrandece,
é a minha humilhação.”

Excepcional em tudo que se refira ao que é de dentro, o seu amor filial conseguiu a ventura desta constatação:

“Surpreendente maravilha
A que agora me acontece!
­- Minha mãe é minha filha
a medida que envelhece!”

Nestas “Cantigas de Quem Perdoa” descobrimos que a meiga Jesy não perdoou o mundo. Na verdade, ama-o demais. E quem ama, não chegando a sentir a ofensa, desconhece a necessidade do perdão.

Rio, março de 1963.

Era o milagre da sensibilidade, o triunfo do talento, a consagração da beleza. Era fôrça do coração atingindo alturas sublimes nesta composição.

“És rico... Mas que tristeza!
Tens vazio o coração...
Não ter amor é pobreza
mais triste que não ter pão.”

Era a poetisa Jesy que se descobria. Uma fonte límpida e incontrolável de água pura que corria sob o sol, sorrindo à libertação.

Suave flor em festa em alto cume, em breve Jesy superou-se e repetiu-se. E, em 1962, nestes mesmos Jogos Florais de Nova Friburgo que evoluíram como a própria escritora, entre mais de 5.000 concorrentes, alcançou o 1.° lugar com magnifica trova sobre ciúme:

“Quanto mais teu corpo enlaço.
mais padeço o meu tormento
por saber que o meu abraço
não prende o teu pensamento.”

Não só por êsses triunfos em competições públicas, mas por todo o conjunto de sua obra, hoje, é indubitável ser Jesy Barbosa um dos mais admirados e autênticos nomes representativos da poesia trovadoresca da língua portuguêsa.

Extremamente feminina – a mais feminina de quantas poetisas exercitam-se no idioma – suas trovas são bem o claro-escuro incompreensível e meigo e doce da alma da mulher:

“A maior impiedade
daquele que me magoa
é mostrar que, em realidade,
não vale a pena ser boa.”

É uma queixa. Mas sua queixa é suave como pétalas que tombam. E na saudade, a saudade do vulto amado é mais que um milagre do coração:

“Tenho tua imagem tão viva
e tão dentro do meu ser
que, quando que rever-te,
fecho os olhos para ver”.

Poesia-conformação, poesia-ternura, Jesy Barbosa é sentimento, E, sobretudo, poesia-verdade, verdade clara e profunda, simples, sem contradição:

Fontes:
http://ubtsp.com.br/page3.aspx
Foto : acervo Rádio Club do Brasil.

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrinho) XII – Rinoceronte familiar


A vida no sítio mudou depois da entrada do rinoceronte para o bando. No começo Narizinho e Pedrinho não podiam esconder certo medo. Quanto a Dona Benta e Tia Nastácia, isso nem é bom falar. Tremiam de pavor sempre que à tarde, conforme seu costume, o paquiderme vinha da Figueira-Brava postar-se no terreiro para longas prosas com a Emília. Nem espiar pela janela espiavam, as coitadas. Mas os meninos espiavam. Regalavam-se de espiar.

O rinoceronte vinha e dava um bufo. Emília e o Visconde largavam incontinenti o que estivessem fazendo e iam na volada ao encontro dele, para ouvirem histórias da África. Depois se punham os três a brincar de esconde-esconde, de chicote-queimado, de pegador. Emília logo inventou jeito de montar a cavalo no chifre dele para passear pelo terreiro. O Visconde puxava o monstruoso paquiderme por uma cordinha atada à orelha.

— Que danada esta Emília! — dizia Narizinho, lá da sua janela, com uma inveja louca de fazer o mesmo. — Não tem medo de coisa nenhuma...

— Grande milagre! — retorquia Pedrinho, com uma ponta de inveja. — Se eu fosse de pano, como ela, até em três rinocerontes montava ao mesmo tempo.

— Não sei, não sei, Pedrinho — intervinha a Cléu, fazendo cara de dúvida. — Emília é mesmo uma exceção completa. Isso de não ter medo me parece o de menos. O que me assombra é o jeito que ela tem para tudo. Repare que neste caso do rinoceronte foi quem fez sempre o primeiro papel. Foi quem o descobriu, foi quem o amansou, foi quem passou a perna nos caçadores e os botou daqui para fora a fugirem como veados. Ora, isto é muito para uma boneca, não acha?

Pedrinho, que estava namorando a Cléu, não teve remédio senão achar que sim.

Numa dessas vezes Tia Nastácia criou coragem e entreabriu muito devagarinho a janela. Espiou pela fresta.

— Nossa Senhora da Aparecida! — exclamou, com os olhos pulando da cara. — Venha ver, sinhá! A Emília a cavalo no tal boi de um chifre só e o Visconde puxando ele por uma cordinha, como se fosse a coisa mais natural do mundo! Credo!...

Dona Benta espiou e também assombrou-se.

— Realmente! Para mim a Emília é alguma fadinha que anda pelo mundo disfarçada em boneca de pano. Passear a cavalo num rinoceronte! Vá a gente contar isso lá fora — ninguém acredita, nem pode acreditar...

— E o Visconde, sinhá, repare o jeitinho dele, puxando o boi...

— Não é boi, Nastácia, é ri-no-ce-ron-te — emendou Dona Benta.

— Para mim é boi — insistiu a negra. — Não sei dizer esse nome tão comprido e feio. Estou velha demais para decorar palavras estrangeiras. Mas repare no Visconde, sinhá. Puxa o boi da África como se estivesse puxando um boizinho de chuchu, daqueles que Seu Pedrinho costuma fazer...

E as duas ficavam de boca aberta, admirando aqueles assombros.

Um dia Narizinho gritou lá da sua janela:

— Emília, estou com vontade de perder o medo e montar nele também. Que acha?

— Pois venha, boba! Não há bicho mais manso que este. A História natural de Dona Benta está errada. Não vê como faço dele gato e sapato?

— Sim, mas você é de pano e eu não. Sou de carne...

— Por dentro; por fora é de pano como eu — os vestidos. Faça de conta que é de pano inteirinha e venha. Ele tem reparado muito na sua ausência, está até sentido. Venha e diga a Pedrinho e Cléu que venham também.

Narizinho, Pedrinho e Cléu entreolharam-se com uma vontade louca de aceitar o convite.

— Vamos? -— propôs Narizinho, já meio decidida.

— Vamos! — responderam os outros, corajosamente. Minutos depois estavam os três repimpados no lombo do rinoceronte.

— Falta Rabicó! — berrou a Emília. E pôs-se a chamar: — Rabicó! Rabicó! Não seja bobo, venha também!...

Mas Rabicó estava a duzentos metros dali, no pasto, espiando a cena por detrás dum capim. Não vê que ia!

As brincadeiras com o rinoceronte repetiam-se diariamente, por horas. Além das passeatas, inventaram novas coisas, como, por exemplo, fazê-lo puxar o carrinho de cabrito, com um passageiro de cada vez porque não cabiam dois. Ora ia Narizinho, ora o menino, ora a Cléu. Emília nunca deixava o seu posto no chifrão do monstro. Aquele lugar era dela só.

Um dia Tia Nastácia não resistiu. Foi para o terreiro ver de perto a brincadeira. Quando virou o rosto, viu Dona Benta que vinha vindo. Dona Benta também não resistira à tentação.

Os meninos fizeram-lhes uma grande festa.

— Ora, graças que se estão civilizando! — berrou Narizinho. — Viva vovó! Viva Tia Nastácia!

Nisto, Cléu, que estava dentro do carrinho, pulou fora e disse:

— Chegou sua vez, Dona Benta. Suba!

Era um despropósito aquilo, coisa para desmoralizar a boa velha para o resto da vida. Apesar disso a tentação foi forte e, como Cléu a ia empurrando, Dona Benta de súbito decidiu-se. Ajuntou a saia e, sem olhar para Tia Nastácia (de vergonha), subiu ao carrinho.

— Viva! Viva vovó! — berraram, do alto do paquiderme, os meninos. — Toca, Emília! Puxa, Visconde!

Emília deu no rinoceronte com o seu chicotinho e o Visconde o puxou quatro vezes até à porteira, ida e volta. Se houvesse por ali um aparelho de cinema podia ser tirada a melhor fita do mundo...

Nesse ponto da brincadeira, porém, aconteceu uma atrapalhação. Dois homens a cavalo surgiram na estrada. Mais que depressa Dona Benta pulou fora do carrinho e correu para a varanda.

Os homens pararam na porteira e pediram licença para entrar. Entraram. Apearam-se. Dirigiram-se para a varanda.

— Desejamos falar com a dona da casa — disseram.

Dona Benta adiantou-se.

— Sou eu a dona da casa. Que é que Vossas Senhorias desejam?

Um dos homens era alemão. O outro, brasileiro. Foi este quem falou.

— Minha senhora — disse ele —, quero apresentar a Vossa Excelência o Senhor Fritz Müller, proprietário do circo de cavalinhos que está no Rio de Janeiro. O Senhor Müller é dono dum rinoceronte que fugiu de lá faz uns meses. Depois de longas pesquisas descobriu que o animal estava escondido aqui e veio comigo reclamá-lo. Sou o seu advogado.

O rinoceronte reconheceu o Senhor Müller e pendurou o focinho, muito triste, já sem vontade de brincar.

— Que é que há? — perguntou-lhe a boneca, ao ouvido.

— Aquele homem louro é o meu dono — respondeu o paquiderme — e veio buscar-me. Estou triste porque gosto muito mais daqui do que do circo...

Emília abespinhou-se toda, lançando um olhar terrível para os dois intrusos. Refletiu uns instantes e depois disse ao animalão:

— Não se aborreça. Darei um jeito desses piratas fugirem daqui ainda mais depressa que os caçadores. — Disse e desceu, dirigindo-se para a varanda, onde ficou atrás duma cadeira, escutando a conversa dos homens com a velha.

— Pois não haja dúvida — dizia Dona Benta. — Se o animal é seu, pode levá-lo, apesar de que está muito acostumado aqui e não nos incomoda em nada.

— Está bem — disse o alemão. — Vou levá-lo já.

Ao ouvir tais palavras Emília não se conteve. Pulou de trás da cadeira, plantou-se diante do homem, de mãozinhas na cintura, e disse:

— A coisa não vai assim, meu caro senhor! Não basta ir dizendo que o rinoceronte é seu. Tem que provar que é seu, sabe?

O alemão ficou espantadíssimo daquele prodígio: uma bonequinha falando, e falando daquele jeito, com tal arrogância.

— Quem é esta “senhorrita”? — perguntou ele a Dona Benta.

— Pois é a Emília, Marquesa de Rabicó; nunca ouviu falar dela? Foi quem descobriu o rinoceronte no capoeirão dos Taquaruçus. Depois o vendeu a Pedrinho. Depois o amansou e agora passa o dia a brincar com ele.

O alemão estava cada vez mais assombrado. Apesar de ser homem vivido, e de ter corrido o mundo inteiro com o seu circo, jamais observara fenômeno igual: uma bonequinha tão pernóstica. Quis continuar a falar e não pôde. Estava engasgado. Quem falou dali por diante foi o seu companheiro.

— Sim, sim, minha senhorinha — disse este —, o rinoceronte pertence aqui ao meu amigo Müller, que o vem reclamar. Vejo que tanto a senhorinha como os outros meninos já estão acostumados com o paquiderme. Infelizmente somos obrigados a levá-lo para o circo.

Emília empertigou-se mais ainda.

— Vamos por partes — disse ela. — Antes de mais nada, quero que o senhor doutor me prove que ali o Senhor Müller é mesmo o dono deste rinoceronte. Exijo provas, sabe? Eu não uso anel de advogado no dedo, mas acho que em direito o que vale são as provas.

Foi a vez de o advogado abrir a boca, de espanto. A tal bonequinha sabia discutir como um perfeito rábula.

— Toda gente deste país sabe que o rinoceronte pertence ao Senhor Müller — disse ele. — Os jornais deram mil notícias a respeito de sua fuga e da busca que os homens do detetive X B2 andaram fazendo pelo Brasil inteiro. É um fato de domínio público.

— Perfeitamente — replicou Emília. — Não nego que esse cara-de-cavalo-melado...

— Emília! — repreendeu Dona Benta. — Mais modos, hem?... — ... seja dono dum rinoceronte. Mas quero que prove que o rinoceronte dele é este, está entendendo?

O advogado deu uma risadinha amarela.

— Muito fácil provar, bonequinha. No Brasil não há rinocerontes. O Senhor Müller foi o primeiro homem que trouxe um para cá. Esse um fugiu. Em seguida aparece este rinoceronte por aqui. Logo, o presente rinoceronte é o mesmo rinoceronte do referido Senhor Müller.

— Isso nunca foi prova, nem aqui nem na casa do diabo — contestou Emília. — Quero prova de verdade. Alguma marca, algum sinal de nascença...

— A marca é aquele chifre único que ele tem na testa — disse o advogado, piscando o olho, como se Emília não soubesse que todos os rinocerontes daquela espécie possuem sempre um chifre só.

Emília não respondeu. Achou um grande desaforo querer aquele idiota fazê-la de boba. Em vez de responder, disse apenas:

— Espere aí.

O advogado esperou, com um sorriso nos lábios, certo de que a tinha vencido na argumentação. Enquanto esperava, ia trocando olhares velhacos com o Senhor Müller.

Emília foi mexer nos guardados de Pedrinho e trouxe uma pitada de pó de pirlimpimpim num pires.

— Vamos resolver esta questão dum outro modo — disse ela, ao voltar. — Tenho aqui este tabaco que vou dividir em duas porções. O senhor toma uma pitada e ali o “cara-melada...”

— Emília!... — repreendeu de novo Dona Benta.

— ... toma outra. Se não espirrarem, é que o rinoceronte é o mesmo que andam procurando.

O advogado e o alemão acharam muita graça naquilo e, sem desconfiança nenhuma, resolveram tomar a pitada de pó de pirlimpimpim, certos de que não espirrariam. Era dose pequena demais para fazer espirrar dois homões como eles, acostumados ao fumo forte. Tomaram a pitada, sorridentes e... fiunnn! — ninguém nunca soube onde foram parar! Sumiram-se no espaço...

A vitória da Emília foi saudada com berros e palmas. Até o rinoceronte aplaudiu com urros, contentíssimo do feliz desfecho do incidente.

Dona Benta deu um suspiro de alívio e voltou ao terreiro. Queria continuar o seu passeio no carrinho. Mas não pôde. Tia Nastácia já estava escarrapachada dentro dele.

— Tenha paciência — dizia a boa criatura. — Agora chegou minha vez. Negro também é gente, sinhá...

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Luiz Otávio (Declaração de Princípios da UBT) Acróstico São Francisco


Simplicidade – Sendo a Trova a expressão mais simples da poesia e, pois, um reflexo da alma do Trovador, devemos agir sempre com simplicidade na arte, nas palavras e nas ações.

Amor – Nosso padroeiro São Francisco de Assis – pregou o amor total. Assim, não nos devemos afastar deste ensinamento. Amor ao próximo, à nossa arte, mas também à UBT. Em outras palavras , fidelidade à nossa agremiação.

Ordem – Sem ordem, disciplina, responsabilidade – de dirigentes e sócios – não poderá haver processo, segurança e paz. Faremos tudo para manter esta ordem, a fim de que possamos atingir nossos objetivos, elevando culturalmente o meio social em que vivemos.

Fraternidade – Todas as religiões pregam a fraternidade. O “pobrezinho do Assis”, ao fundar a sua Ordem, denominou seus companheiros de “Irmãos”. Nós que recebemos de Deus o dom da Poesia, mais do que ninguém, devemos ser, verdadeiramente, Irmãos Trovadores. Mas se esquecer que a Bondade deve ser justa, o Perdão sem humilhações e a Tolerância sem fraqueza.

Renúncia – A Renúncia pode ser resumida em não querer tirar proveito da Associação para si, mas ao contrário, em dar algo de si para a mesma.

Autenticidade – Se desejamos fazer parte de uma comunidade devemos ser autênticos. E autenticidade exige lealdade, cooperação e trabalho.

Neutralidade – A UBT tem finalidades definidas. Dentro de nossa Associação, os sócios devem abster-se de debates políticos e religiosos. A neutralidade deve ser compreendida, também,no sentido de isenção e imparcialidade, em nossos trabalhos de direção e julgamento.

Comunicabilidade – Se a Trova é o gênero mais comunicativo, nós, Trovadores devemos cultivar a comunicabilidade não só entre nós da UBT, mas também, com a sociedade que nos cerca.

Idealismo – Temos um Ideal em comum, Ideal simples de espiritualidade e de beleza. Na conquista de Ideal devemos trabalhar com fé e, também, com dinamismo e perseverança.

Sinceridade – Se a todos os empreendimentos elevados é indispensável a sinceridade, nós, como artistas e Trovadores, em nossas atividades repudiamos a mentira, a deslealdade, a intriga e a má fé.

Controle – Os dirigentes devem saber controlar, com habilidade e segurança, o setor que lhes foi dado para dirigir, zelando pela disciplina, pois dessa atuação, é que decorrem a uniformidade, a unidade e força de nossa Agremiação.

Obediência – Obedecer não é humilhante. Há na vida de nosso Padroeiro a lição:- “Quem sabe obedecer, aprendeu a vencer-se e a triunfar”. A liberdade não afasta os princípios de ordem, disciplina e obediência. Aquele que sabe obedecer, que possui espírito de equipe, que acredita realmente na Lei, é o que poderá, com maior êxito, ser bom dirigente. A obediência aos nossos Estatutos, Regimentos e Declaração de Princípios é o que traz a ordem, a paz, a união, e faz a grandeza de nossa UBT – União Brasileira de Trovadores.

(Atualizado em 29/04/2010)

Fonte:
http://ubtsp.com.br/page2.aspx

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 260)

Stonehenge (por John Constable 1776 - 1837)
Uma Trova Nacional

Quando em meus braços te aperto
numa ternura sem fim,
eu sinto que mesmo perto
tu ficas longe de mim.
–CLÊNIO BORGES/RS–

Uma Trova Potiguar

Sei que deste mundo lindo
vou sair, só não sei quando,
mas quero morrer dormindo
para entrar no céu sonhando.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema: DESVELO - Venc.

Quem dera a Justiça cega
pudesse ver, tão somente,
a falsa prova que entrega
- sem desvelo – um inocente!
–RENATA PACCOLA/SP–

Uma Trova de Ademar

Disse para minha amada
baseado num estudo:
todo amor nasce de um nada,
e morre, de quase tudo!!!
ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Bendigo a pessoa honrada
que guarda, na alma, a raiz
da humildade ilimitada
de São Francisco de Assis.
–JOSÉ MARIA M. ARAÚJO/RJ–

Simplesmente Poesia

Tenho que agir agora,
vou resolver a questão,
pra poupar meu coração
mandei a saudade embora;
agi logo sem demora
pois ela a paz me roubou,
quase até que me matou
e criou ódio de mim,
querendo ver o meu fim,
ela se foi mas voltou.
–MAJÓ/RN–

Estrofe do Dia

Calmamente por ti vou esperar
os trezentos e sessenta e cinco dias,
me distraio escrevendo poesias
pra depois em teus braços recitar.
Esse dia pra nós há de chegar
acendendo entre nós eterna chama,
nosso pranto que hoje se derrama
vai tornar-se em doçura de quimera;
um minuto é demais pra quem espera
e uma vida inda é pouco pra quem ama.
–MANOEL XUDU/PB–

Soneto do Dia

–CARMO VASCONCELOS/Portugal
Meu Novo Amor.

Chegas-me de surpresa neste Inverno!
Como me adivinhaste assim tão só,
Mordendo da saudade o amargo pó,
Roçando o cio nas grades deste inferno?

Quem te mandou?... Demónio ou zelo de anjos?
Trazes dos deuses, néctar nos teus beijos,
No mel da voz, hipnóticos harpejos,
Mescla de harpas e cítaras com banjos!

Mas... não sei se te quero ou mando embora,
Se me entrelaço ao róseo desta aurora
Ou se me solto às sombras do poente...

Somar bisado arco-íris na memória,
Dos tais que chuva intrusa rouba a glória?...
- Não sei, meu novo amor, sinceramente!

Fonte:
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