sexta-feira, 1 de julho de 2011

Antonio Brás Constante (Humor - Sol e Frio [tomou Doril e NÃO sumiu])


...A netinha então perguntou para sua vovozinha, muito velhinha e bondosa: “Vovó, quando a senhora nasceu o Sol já existia?”, e a vovozinha lhe respondeu cheia de ternura: “sim, minha netinha queridinha, por quê?”, a menininha, na inocência de sua tenra infância, arregalou os seus olhinhos brilhantes e disse: “NOOOOSSA!! COMO O SOL É VELHO!”. Alguns dizem que a anedota termina por aí, já outros juram que a tal avó arrancou a própria dentadura da boca e arremessou na cabeça da netinha malcriada. Mas essa introdução serve apenas para falarmos do maior rei anão que conhecemos: O nosso Sol (para quem não sabe, o Sol é uma estrela anã que fugiu do circo do infinito para brilhar em nosso sistema solar).

O Sol parece uma bola gorda e gigantesca (provavelmente deve até ter sofrido algum tipo de bulling após os acontecimentos do Big Bang, moldando assim o seu atual jeitão esquentadinho). Ele fica no espaço ocupando espaço de forma aparentemente sedentária, mas queima calorias como ninguém, e é graças as suas terríveis crises de gases que continuamos vivos aqui na Terra.

Algumas pessoas tiveram que queimar na fogueira da ignorância (porém, montada com madeira de verdade), para que o Sol ganhasse o destaque que merece como centro de nosso sistema solar, e apesar de não ser egocêntrico (esses sentimentos pequenos e desprezíveis pertencem a muitas das criaturas minúsculas que se acham grande coisa por aqui na nossa terrinha) ele é a principal peça do sistema heliocêntrico (para quem não sabe, heliocêntrico é como o seu Hélio chama o seu sistema de vendas de pipoca com gordura hidrogenada, que ele estoura e comercializa através de seu carrinho de pipoqueiro, localizado no centro da praça universal, em uma das periferias do bairro Via Láctea).

O Sol tem uma característica explosiva, e talvez por isso poucos amigos (apenas nove, sendo que um deles, Plutão, foi rebaixado para segunda divisão há alguns anos atrás). Eles ficam perambulando em volta do Sol como se estivessem brincando de ciranda (só que em uma espécie de fila indiana formada por bêbados) ou como moscas em volta de uma lâmpada acesa qualquer. Alguns desses planetas são acompanhados por seus filhotes, também conhecidos como satélites. É o caso da lua, que é filha da Terra (e a Terra, como muitos sabem, dispõe de muitos indivíduos que são verdadeiros filhos da mãe e outros que vivem no mundo da lua).

É através dos raios do Sol que nóis pega um bronzeado (estou me adequando as novas tendências e aderindo a linguagem popular, lembrando sempre que a principal expressão popular aqui no Brasil é o famoso “nóis fumo”, ou seja, “nóis fumo robadu”, “nóis fumo enganadu”, “nóis fumo sacaneadu”, mas no fundo nóis é tudo CB “Sangue Bom”). O Sol tem seu brilho próprio de verdadeira estrela em todas as suas dimensões, e quando nosso planeta lhe dá as costas (literalmente falando) é porque está na hora de irmos dormir um pouco, muitas vezes olhando para o céu e vendo a parentada celestial e brilhante de nosso astro-rei, pontilhada na negritude do espaço.

Mas é no inverno que sentimos mais falta do calor desumano do Sol, principalmente aqui no Sul, que não é o Pólo Sul, mas também é frio pra chuchu (não sei explicar porque o chuchu serve para exemplificar algo tão frio). Neste período do ano o cobertor frio do inverno cobre os habitantes bem ao sul do Equador em uma época em que Papai Noel ainda está hibernando no Pólo Norte ou quem sabe escravizando duendes e obrigando-os a fazerem brinquedos para as crianças do mundo, mas somente para aquelas que foram boazinhas o ano inteiro (provavelmente apenas uma meia dúzia).

Ao ser percebido através de uma visão cósmica, o clima frio que muitos lugares enfrentam é insignificante perante a força e majestade do esplendoroso Sol. Mas infelizmente esta insignificância nos dá calafrios quando notamos que ele, o clima frio, não está nem aí para isso tudo que acabei de escrever e nos faz tremer com suas baixas temperaturas, tão agressivas quanto qualquer golpe baixo em campeonatos de luta livre.

O Sol na imensidão fria do universo servindo de farol para nossa existência, intrinsecamente ligado a nossa tênue essência, lutando bravamente contra o frio que tantas vezes cerceia nossa temporária vivencia. Frio este também aplacado com o mate quente e amargo, servido em minha amada querência.

Buenas tchê! Já falei do Sol, já falei do frio, mas e o Doril? No caso do Doril, você pega ele, tira da embalagem, e depois você... Você... Você... Você, você, você, você, você, você (vamos lá gente, todo mundo fazendo a dança “Você, Você” do pânico na TV). Eu até ia terminar este texto falando alguma coisa sobre o Doril, mas agora a ideia sumiu...

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://fotos.imagensporfavor.com/

Frank Reichstein (Testamento de um Cão)


Minhas posses materiais são poucas e eu deixo tudo para você... Uma coleira mastigada em uma das extremidades, faltando dois botões, uma desajeitada cama de cachorro e uma escudela de água que se encontra fendada na borda.

Deixo para você metade de uma bola de borracha, uma boneca rasgada, que você vai encontrar debaixo da geladeira, um ratinho de borracha sem apito, que está debaixo do fogão da cozinha e uma porção de ossos enterrados no canteiro de rosas, e sob o assoalho de minha cama. Além disso, eu deixo para você a memória, que, aliás são muitas.

Deixo para você a memória de dois enormes olhos marrons, a memória de uma caudinha curta e espetada, de nariz molhado e de choradeiras atrás da porta.

Deixo para você uma mancha no tapete da sala de estar junto à janela, quando nas tardes de inverno eu me apropriava daquele lugar, como se fosse meu, e me enrolava feito uma bolinha para pegar um pouco de sol.

Deixo para você um tapete esfarrapado em frente à sua cadeira preferida, o qual nunca foi concertado com o tipo de linha certo, essa é a verdade. Eu o mastiguei todinho, quando tinha ainda cinco meses de idade, lembra-se? Também deixo para você a memória da primeira surra que levei e também todo o meu esquecimento.

Deixo para você um esconderijo que fiz no jardim, debaixo dos arbustos perto da varanda da frente, onde eu encontrava asilo durante aqueles dias de verão. Ele deve estar cheio de folhas agora, e, por isso, talvez você tenha dificuldades em me encontrar. Sinto muito!

Deixo, também, e só para você, o barulho que eu fazia ao sair correndo sobre as folhas de outubro, quando nós vagabundeávamos pelo bosque.

Deixo, ainda, a lembrança de momentos pelas manhãs quando saíamos juntos pela margem do riacho, e você me dava aqueles biscoitos de baunilha. Recordo-me das suas risadas, porque eu não conseguia alcançar aquele coelho impertinente.

Deixo-lhe como herança minha devoção, minha simpatia, meu apoio quando as coisas não andavam bem; meus latidos quando você levantava a voz aborrecido... e minha frustração por você ter ralhado comigo todas as vezes que eu colocava o nariz debaixo da cauda.

Eu nunca fui à igreja e nunca escutei um sermão. No entanto, mesmo sem haver falado sequer uma palavra em toda a minha vida, deixo para você exemplo de paciência, de amor e compreensão.

Sua vida terá sido mais alegre porque eu vivi.

Fonte:
Foto do Fluffy com 4 meses de idade, em Curitiba, fotografia de José Feldman

Jesy Barbosa (1902 – 1987)


(por Zálkind Piatigórsky)

Jesy de Oliveira Barbosa
15/11/1902, Campos RJ - 30/12/1987, Rio de Janeiro RJ

JESY BARBOSA, filha do jornalista e poeta Luiz Barbosa (ambos campistas), nasceu em Campos, Estado do Rio, em 15 de novembro de 1902. Espírito versátil e sensível, desde cêdo deixou patenteado seu temperamento artístico, tendo iniciado sua atuação em 1930, na Cidade Maravilhosa, onde também estudou. Dona de excepcional talento e de uma voz “diferente”, sua primeira expressão foi através do canto, tendo estreiado, sob os auspícios do saudoso Roquete Pinto, na Rádio Sociedade, no Rio, gravando a seguir inúmeros discos com canções brasileiras na R.C.A. Victor.

Paralelamente, iniciava-se na arte de escrever, fazendo-se presente em jornais e revistas de então.

Deixando mais tarde o canto, onde tanto se destacou, foi durante nove anos redatora e apresentadora de programas na Rádio Globo, da Guanabara; tendo sido uma das sócias fundadoras da Associação Brasileira de Rádio (A.B.R.).

Mas a plenitude de seu espírito criador só veio a amadurecer um pouco mais tarde, quando Jesy Barbosa, participando do movimento trovadoresco nacional, encontrou, nas quatro linhas da trova, o seu verdadeiro veículo de comunicação.

Mesmo assim, faltava-lhe um estímulo. Mas, predestinada para as cumieiras da arte do coração, êste não se fêz tardar. Apareceu sob a forma de um concurso de trovas. De um grande concurso de trovas – Os Primeiros Jogos Florais de Nova Friburgo – genial idéia de Luiz Otávio que os introduziu no Brasil, para isto contando coma cooperação e o dinamismo do consagrado poeta J. G. de Araújo Jorge. E Jesy apareceu. E apareceu ganhando, conseguindo, entre mais de 2.500 trovas concorrentes, o 4.° e 6.° lugares, pondo seu nome com letras de ouro entre os vinte vencedores. Era uma grande estrêla, luzindo no meio de uma constelação.

“Duvidas que numa trova
eu encerre o nosso amor?
Na hóstia tu tens a prova:
Não cabe Nosso Senhor?”

“Teu orgulho me parece
estranha contradição:
Nosso amor, que te engrandece,
é a minha humilhação.”

Excepcional em tudo que se refira ao que é de dentro, o seu amor filial conseguiu a ventura desta constatação:

“Surpreendente maravilha
A que agora me acontece!
­- Minha mãe é minha filha
a medida que envelhece!”

Nestas “Cantigas de Quem Perdoa” descobrimos que a meiga Jesy não perdoou o mundo. Na verdade, ama-o demais. E quem ama, não chegando a sentir a ofensa, desconhece a necessidade do perdão.

Rio, março de 1963.

Era o milagre da sensibilidade, o triunfo do talento, a consagração da beleza. Era fôrça do coração atingindo alturas sublimes nesta composição.

“És rico... Mas que tristeza!
Tens vazio o coração...
Não ter amor é pobreza
mais triste que não ter pão.”

Era a poetisa Jesy que se descobria. Uma fonte límpida e incontrolável de água pura que corria sob o sol, sorrindo à libertação.

Suave flor em festa em alto cume, em breve Jesy superou-se e repetiu-se. E, em 1962, nestes mesmos Jogos Florais de Nova Friburgo que evoluíram como a própria escritora, entre mais de 5.000 concorrentes, alcançou o 1.° lugar com magnifica trova sobre ciúme:

“Quanto mais teu corpo enlaço.
mais padeço o meu tormento
por saber que o meu abraço
não prende o teu pensamento.”

Não só por êsses triunfos em competições públicas, mas por todo o conjunto de sua obra, hoje, é indubitável ser Jesy Barbosa um dos mais admirados e autênticos nomes representativos da poesia trovadoresca da língua portuguêsa.

Extremamente feminina – a mais feminina de quantas poetisas exercitam-se no idioma – suas trovas são bem o claro-escuro incompreensível e meigo e doce da alma da mulher:

“A maior impiedade
daquele que me magoa
é mostrar que, em realidade,
não vale a pena ser boa.”

É uma queixa. Mas sua queixa é suave como pétalas que tombam. E na saudade, a saudade do vulto amado é mais que um milagre do coração:

“Tenho tua imagem tão viva
e tão dentro do meu ser
que, quando que rever-te,
fecho os olhos para ver”.

Poesia-conformação, poesia-ternura, Jesy Barbosa é sentimento, E, sobretudo, poesia-verdade, verdade clara e profunda, simples, sem contradição:

Fontes:
http://ubtsp.com.br/page3.aspx
Foto : acervo Rádio Club do Brasil.

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrinho) XII – Rinoceronte familiar


A vida no sítio mudou depois da entrada do rinoceronte para o bando. No começo Narizinho e Pedrinho não podiam esconder certo medo. Quanto a Dona Benta e Tia Nastácia, isso nem é bom falar. Tremiam de pavor sempre que à tarde, conforme seu costume, o paquiderme vinha da Figueira-Brava postar-se no terreiro para longas prosas com a Emília. Nem espiar pela janela espiavam, as coitadas. Mas os meninos espiavam. Regalavam-se de espiar.

O rinoceronte vinha e dava um bufo. Emília e o Visconde largavam incontinenti o que estivessem fazendo e iam na volada ao encontro dele, para ouvirem histórias da África. Depois se punham os três a brincar de esconde-esconde, de chicote-queimado, de pegador. Emília logo inventou jeito de montar a cavalo no chifre dele para passear pelo terreiro. O Visconde puxava o monstruoso paquiderme por uma cordinha atada à orelha.

— Que danada esta Emília! — dizia Narizinho, lá da sua janela, com uma inveja louca de fazer o mesmo. — Não tem medo de coisa nenhuma...

— Grande milagre! — retorquia Pedrinho, com uma ponta de inveja. — Se eu fosse de pano, como ela, até em três rinocerontes montava ao mesmo tempo.

— Não sei, não sei, Pedrinho — intervinha a Cléu, fazendo cara de dúvida. — Emília é mesmo uma exceção completa. Isso de não ter medo me parece o de menos. O que me assombra é o jeito que ela tem para tudo. Repare que neste caso do rinoceronte foi quem fez sempre o primeiro papel. Foi quem o descobriu, foi quem o amansou, foi quem passou a perna nos caçadores e os botou daqui para fora a fugirem como veados. Ora, isto é muito para uma boneca, não acha?

Pedrinho, que estava namorando a Cléu, não teve remédio senão achar que sim.

Numa dessas vezes Tia Nastácia criou coragem e entreabriu muito devagarinho a janela. Espiou pela fresta.

— Nossa Senhora da Aparecida! — exclamou, com os olhos pulando da cara. — Venha ver, sinhá! A Emília a cavalo no tal boi de um chifre só e o Visconde puxando ele por uma cordinha, como se fosse a coisa mais natural do mundo! Credo!...

Dona Benta espiou e também assombrou-se.

— Realmente! Para mim a Emília é alguma fadinha que anda pelo mundo disfarçada em boneca de pano. Passear a cavalo num rinoceronte! Vá a gente contar isso lá fora — ninguém acredita, nem pode acreditar...

— E o Visconde, sinhá, repare o jeitinho dele, puxando o boi...

— Não é boi, Nastácia, é ri-no-ce-ron-te — emendou Dona Benta.

— Para mim é boi — insistiu a negra. — Não sei dizer esse nome tão comprido e feio. Estou velha demais para decorar palavras estrangeiras. Mas repare no Visconde, sinhá. Puxa o boi da África como se estivesse puxando um boizinho de chuchu, daqueles que Seu Pedrinho costuma fazer...

E as duas ficavam de boca aberta, admirando aqueles assombros.

Um dia Narizinho gritou lá da sua janela:

— Emília, estou com vontade de perder o medo e montar nele também. Que acha?

— Pois venha, boba! Não há bicho mais manso que este. A História natural de Dona Benta está errada. Não vê como faço dele gato e sapato?

— Sim, mas você é de pano e eu não. Sou de carne...

— Por dentro; por fora é de pano como eu — os vestidos. Faça de conta que é de pano inteirinha e venha. Ele tem reparado muito na sua ausência, está até sentido. Venha e diga a Pedrinho e Cléu que venham também.

Narizinho, Pedrinho e Cléu entreolharam-se com uma vontade louca de aceitar o convite.

— Vamos? -— propôs Narizinho, já meio decidida.

— Vamos! — responderam os outros, corajosamente. Minutos depois estavam os três repimpados no lombo do rinoceronte.

— Falta Rabicó! — berrou a Emília. E pôs-se a chamar: — Rabicó! Rabicó! Não seja bobo, venha também!...

Mas Rabicó estava a duzentos metros dali, no pasto, espiando a cena por detrás dum capim. Não vê que ia!

As brincadeiras com o rinoceronte repetiam-se diariamente, por horas. Além das passeatas, inventaram novas coisas, como, por exemplo, fazê-lo puxar o carrinho de cabrito, com um passageiro de cada vez porque não cabiam dois. Ora ia Narizinho, ora o menino, ora a Cléu. Emília nunca deixava o seu posto no chifrão do monstro. Aquele lugar era dela só.

Um dia Tia Nastácia não resistiu. Foi para o terreiro ver de perto a brincadeira. Quando virou o rosto, viu Dona Benta que vinha vindo. Dona Benta também não resistira à tentação.

Os meninos fizeram-lhes uma grande festa.

— Ora, graças que se estão civilizando! — berrou Narizinho. — Viva vovó! Viva Tia Nastácia!

Nisto, Cléu, que estava dentro do carrinho, pulou fora e disse:

— Chegou sua vez, Dona Benta. Suba!

Era um despropósito aquilo, coisa para desmoralizar a boa velha para o resto da vida. Apesar disso a tentação foi forte e, como Cléu a ia empurrando, Dona Benta de súbito decidiu-se. Ajuntou a saia e, sem olhar para Tia Nastácia (de vergonha), subiu ao carrinho.

— Viva! Viva vovó! — berraram, do alto do paquiderme, os meninos. — Toca, Emília! Puxa, Visconde!

Emília deu no rinoceronte com o seu chicotinho e o Visconde o puxou quatro vezes até à porteira, ida e volta. Se houvesse por ali um aparelho de cinema podia ser tirada a melhor fita do mundo...

Nesse ponto da brincadeira, porém, aconteceu uma atrapalhação. Dois homens a cavalo surgiram na estrada. Mais que depressa Dona Benta pulou fora do carrinho e correu para a varanda.

Os homens pararam na porteira e pediram licença para entrar. Entraram. Apearam-se. Dirigiram-se para a varanda.

— Desejamos falar com a dona da casa — disseram.

Dona Benta adiantou-se.

— Sou eu a dona da casa. Que é que Vossas Senhorias desejam?

Um dos homens era alemão. O outro, brasileiro. Foi este quem falou.

— Minha senhora — disse ele —, quero apresentar a Vossa Excelência o Senhor Fritz Müller, proprietário do circo de cavalinhos que está no Rio de Janeiro. O Senhor Müller é dono dum rinoceronte que fugiu de lá faz uns meses. Depois de longas pesquisas descobriu que o animal estava escondido aqui e veio comigo reclamá-lo. Sou o seu advogado.

O rinoceronte reconheceu o Senhor Müller e pendurou o focinho, muito triste, já sem vontade de brincar.

— Que é que há? — perguntou-lhe a boneca, ao ouvido.

— Aquele homem louro é o meu dono — respondeu o paquiderme — e veio buscar-me. Estou triste porque gosto muito mais daqui do que do circo...

Emília abespinhou-se toda, lançando um olhar terrível para os dois intrusos. Refletiu uns instantes e depois disse ao animalão:

— Não se aborreça. Darei um jeito desses piratas fugirem daqui ainda mais depressa que os caçadores. — Disse e desceu, dirigindo-se para a varanda, onde ficou atrás duma cadeira, escutando a conversa dos homens com a velha.

— Pois não haja dúvida — dizia Dona Benta. — Se o animal é seu, pode levá-lo, apesar de que está muito acostumado aqui e não nos incomoda em nada.

— Está bem — disse o alemão. — Vou levá-lo já.

Ao ouvir tais palavras Emília não se conteve. Pulou de trás da cadeira, plantou-se diante do homem, de mãozinhas na cintura, e disse:

— A coisa não vai assim, meu caro senhor! Não basta ir dizendo que o rinoceronte é seu. Tem que provar que é seu, sabe?

O alemão ficou espantadíssimo daquele prodígio: uma bonequinha falando, e falando daquele jeito, com tal arrogância.

— Quem é esta “senhorrita”? — perguntou ele a Dona Benta.

— Pois é a Emília, Marquesa de Rabicó; nunca ouviu falar dela? Foi quem descobriu o rinoceronte no capoeirão dos Taquaruçus. Depois o vendeu a Pedrinho. Depois o amansou e agora passa o dia a brincar com ele.

O alemão estava cada vez mais assombrado. Apesar de ser homem vivido, e de ter corrido o mundo inteiro com o seu circo, jamais observara fenômeno igual: uma bonequinha tão pernóstica. Quis continuar a falar e não pôde. Estava engasgado. Quem falou dali por diante foi o seu companheiro.

— Sim, sim, minha senhorinha — disse este —, o rinoceronte pertence aqui ao meu amigo Müller, que o vem reclamar. Vejo que tanto a senhorinha como os outros meninos já estão acostumados com o paquiderme. Infelizmente somos obrigados a levá-lo para o circo.

Emília empertigou-se mais ainda.

— Vamos por partes — disse ela. — Antes de mais nada, quero que o senhor doutor me prove que ali o Senhor Müller é mesmo o dono deste rinoceronte. Exijo provas, sabe? Eu não uso anel de advogado no dedo, mas acho que em direito o que vale são as provas.

Foi a vez de o advogado abrir a boca, de espanto. A tal bonequinha sabia discutir como um perfeito rábula.

— Toda gente deste país sabe que o rinoceronte pertence ao Senhor Müller — disse ele. — Os jornais deram mil notícias a respeito de sua fuga e da busca que os homens do detetive X B2 andaram fazendo pelo Brasil inteiro. É um fato de domínio público.

— Perfeitamente — replicou Emília. — Não nego que esse cara-de-cavalo-melado...

— Emília! — repreendeu Dona Benta. — Mais modos, hem?... — ... seja dono dum rinoceronte. Mas quero que prove que o rinoceronte dele é este, está entendendo?

O advogado deu uma risadinha amarela.

— Muito fácil provar, bonequinha. No Brasil não há rinocerontes. O Senhor Müller foi o primeiro homem que trouxe um para cá. Esse um fugiu. Em seguida aparece este rinoceronte por aqui. Logo, o presente rinoceronte é o mesmo rinoceronte do referido Senhor Müller.

— Isso nunca foi prova, nem aqui nem na casa do diabo — contestou Emília. — Quero prova de verdade. Alguma marca, algum sinal de nascença...

— A marca é aquele chifre único que ele tem na testa — disse o advogado, piscando o olho, como se Emília não soubesse que todos os rinocerontes daquela espécie possuem sempre um chifre só.

Emília não respondeu. Achou um grande desaforo querer aquele idiota fazê-la de boba. Em vez de responder, disse apenas:

— Espere aí.

O advogado esperou, com um sorriso nos lábios, certo de que a tinha vencido na argumentação. Enquanto esperava, ia trocando olhares velhacos com o Senhor Müller.

Emília foi mexer nos guardados de Pedrinho e trouxe uma pitada de pó de pirlimpimpim num pires.

— Vamos resolver esta questão dum outro modo — disse ela, ao voltar. — Tenho aqui este tabaco que vou dividir em duas porções. O senhor toma uma pitada e ali o “cara-melada...”

— Emília!... — repreendeu de novo Dona Benta.

— ... toma outra. Se não espirrarem, é que o rinoceronte é o mesmo que andam procurando.

O advogado e o alemão acharam muita graça naquilo e, sem desconfiança nenhuma, resolveram tomar a pitada de pó de pirlimpimpim, certos de que não espirrariam. Era dose pequena demais para fazer espirrar dois homões como eles, acostumados ao fumo forte. Tomaram a pitada, sorridentes e... fiunnn! — ninguém nunca soube onde foram parar! Sumiram-se no espaço...

A vitória da Emília foi saudada com berros e palmas. Até o rinoceronte aplaudiu com urros, contentíssimo do feliz desfecho do incidente.

Dona Benta deu um suspiro de alívio e voltou ao terreiro. Queria continuar o seu passeio no carrinho. Mas não pôde. Tia Nastácia já estava escarrapachada dentro dele.

— Tenha paciência — dizia a boa criatura. — Agora chegou minha vez. Negro também é gente, sinhá...

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Luiz Otávio (Declaração de Princípios da UBT) Acróstico São Francisco


Simplicidade – Sendo a Trova a expressão mais simples da poesia e, pois, um reflexo da alma do Trovador, devemos agir sempre com simplicidade na arte, nas palavras e nas ações.

Amor – Nosso padroeiro São Francisco de Assis – pregou o amor total. Assim, não nos devemos afastar deste ensinamento. Amor ao próximo, à nossa arte, mas também à UBT. Em outras palavras , fidelidade à nossa agremiação.

Ordem – Sem ordem, disciplina, responsabilidade – de dirigentes e sócios – não poderá haver processo, segurança e paz. Faremos tudo para manter esta ordem, a fim de que possamos atingir nossos objetivos, elevando culturalmente o meio social em que vivemos.

Fraternidade – Todas as religiões pregam a fraternidade. O “pobrezinho do Assis”, ao fundar a sua Ordem, denominou seus companheiros de “Irmãos”. Nós que recebemos de Deus o dom da Poesia, mais do que ninguém, devemos ser, verdadeiramente, Irmãos Trovadores. Mas se esquecer que a Bondade deve ser justa, o Perdão sem humilhações e a Tolerância sem fraqueza.

Renúncia – A Renúncia pode ser resumida em não querer tirar proveito da Associação para si, mas ao contrário, em dar algo de si para a mesma.

Autenticidade – Se desejamos fazer parte de uma comunidade devemos ser autênticos. E autenticidade exige lealdade, cooperação e trabalho.

Neutralidade – A UBT tem finalidades definidas. Dentro de nossa Associação, os sócios devem abster-se de debates políticos e religiosos. A neutralidade deve ser compreendida, também,no sentido de isenção e imparcialidade, em nossos trabalhos de direção e julgamento.

Comunicabilidade – Se a Trova é o gênero mais comunicativo, nós, Trovadores devemos cultivar a comunicabilidade não só entre nós da UBT, mas também, com a sociedade que nos cerca.

Idealismo – Temos um Ideal em comum, Ideal simples de espiritualidade e de beleza. Na conquista de Ideal devemos trabalhar com fé e, também, com dinamismo e perseverança.

Sinceridade – Se a todos os empreendimentos elevados é indispensável a sinceridade, nós, como artistas e Trovadores, em nossas atividades repudiamos a mentira, a deslealdade, a intriga e a má fé.

Controle – Os dirigentes devem saber controlar, com habilidade e segurança, o setor que lhes foi dado para dirigir, zelando pela disciplina, pois dessa atuação, é que decorrem a uniformidade, a unidade e força de nossa Agremiação.

Obediência – Obedecer não é humilhante. Há na vida de nosso Padroeiro a lição:- “Quem sabe obedecer, aprendeu a vencer-se e a triunfar”. A liberdade não afasta os princípios de ordem, disciplina e obediência. Aquele que sabe obedecer, que possui espírito de equipe, que acredita realmente na Lei, é o que poderá, com maior êxito, ser bom dirigente. A obediência aos nossos Estatutos, Regimentos e Declaração de Princípios é o que traz a ordem, a paz, a união, e faz a grandeza de nossa UBT – União Brasileira de Trovadores.

(Atualizado em 29/04/2010)

Fonte:
http://ubtsp.com.br/page2.aspx

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 260)

Stonehenge (por John Constable 1776 - 1837)
Uma Trova Nacional

Quando em meus braços te aperto
numa ternura sem fim,
eu sinto que mesmo perto
tu ficas longe de mim.
–CLÊNIO BORGES/RS–

Uma Trova Potiguar

Sei que deste mundo lindo
vou sair, só não sei quando,
mas quero morrer dormindo
para entrar no céu sonhando.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema: DESVELO - Venc.

Quem dera a Justiça cega
pudesse ver, tão somente,
a falsa prova que entrega
- sem desvelo – um inocente!
–RENATA PACCOLA/SP–

Uma Trova de Ademar

Disse para minha amada
baseado num estudo:
todo amor nasce de um nada,
e morre, de quase tudo!!!
ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Bendigo a pessoa honrada
que guarda, na alma, a raiz
da humildade ilimitada
de São Francisco de Assis.
–JOSÉ MARIA M. ARAÚJO/RJ–

Simplesmente Poesia

Tenho que agir agora,
vou resolver a questão,
pra poupar meu coração
mandei a saudade embora;
agi logo sem demora
pois ela a paz me roubou,
quase até que me matou
e criou ódio de mim,
querendo ver o meu fim,
ela se foi mas voltou.
–MAJÓ/RN–

Estrofe do Dia

Calmamente por ti vou esperar
os trezentos e sessenta e cinco dias,
me distraio escrevendo poesias
pra depois em teus braços recitar.
Esse dia pra nós há de chegar
acendendo entre nós eterna chama,
nosso pranto que hoje se derrama
vai tornar-se em doçura de quimera;
um minuto é demais pra quem espera
e uma vida inda é pouco pra quem ama.
–MANOEL XUDU/PB–

Soneto do Dia

–CARMO VASCONCELOS/Portugal
Meu Novo Amor.

Chegas-me de surpresa neste Inverno!
Como me adivinhaste assim tão só,
Mordendo da saudade o amargo pó,
Roçando o cio nas grades deste inferno?

Quem te mandou?... Demónio ou zelo de anjos?
Trazes dos deuses, néctar nos teus beijos,
No mel da voz, hipnóticos harpejos,
Mescla de harpas e cítaras com banjos!

Mas... não sei se te quero ou mando embora,
Se me entrelaço ao róseo desta aurora
Ou se me solto às sombras do poente...

Somar bisado arco-íris na memória,
Dos tais que chuva intrusa rouba a glória?...
- Não sei, meu novo amor, sinceramente!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quinta-feira, 30 de junho de 2011

J B Xavier (O Bandolim e o Piano)

Bandolinistas Contemporâneos, por Mário Beltrame
13-04-2007 Dedicado a Mário Beltrame

Ainda ouço o bandolim,
e no céu também me irmano,
pois sempre terás de mim
os carinhos de um piano.

Em tuas pirogravuras,
nas cores de tuas telas,
cantavas tuas agruras
tornando-as coisas belas...

Vida é cristal que se parte,
que carece polimento,
E tu poliste com arte
da vida, cada momento.

A nota que sai ligeira
do mágico bandolim,
pela minha vida inteira
soará dentro de mim...

Chora a nota ressentida
que tua ausência nos traz,
embora nesta outra vida
saibamos que estás em paz.

Sendo do Choro um doutor,
deixaste triste, a cantar
em nosso peito uma dor.
O Chorinho está a chorar...

Mário se foi, nos deixou.
Quisera fosse um engano!
Alçou asas e voou:
Caiu finalmente o pano.

E enquanto se chora a ausência
de tua ida de nós,
meu piano, sem clemência,
transforma-se em tua voz.

Bem sabemos que és saudade,
que serás luz noutro plano.
Nasce uma nova amizade:
Um bandolim e um piano.

Fontes:
http://ubtsp.com.br/page2.aspx
http://www.bandolim.net/bandolinistas-na-contempor%C3%A2nea-pain%C3%A9-m%C3%A1rio-beltrame

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 259)

Domitila Borges Beltrame, da UBT São Paulo
(desenho com lápis e carvão, por J B Xavier)
Uma Trova Nacional

Desfeitas as esperanças
de alcançar felicidade,
vou vivendo de lembranças
e morrendo de saudade...
–JOÃO COSTA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Olhos fundos; enfadonhos,
tez crestada, mão ferida...
Só você, pai, por meus sonhos,
foi capaz de dar a vida...!
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada


2007 - UBT-Natal/RN
Tema: TEMPO - M/H.

Tempo – museu da lembrança,
que, entre relíquias saudosas,
tem nos sonhos de criança
as peças mais valiosas...
–EDMAR JAPIASSÚ MAIA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Eu quero ver retratada,
por sobre os meus cacarecos,
a minha vida encenada
num teatro de bonecos.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Nesta guerra entre nações,
onde o mundo se desfaz,
por que, em vez de aviões,
não usam pombas da paz?
–JORGE MURAD/RJ–

Simplesmente Poesia

–MÁRIO QUINTANA/RS–
Os Poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Estrofe do Dia

Nas paredes da casa que morei
só vi rato pardal e andorinha,
vi rachão na parede da cozinha
que com medo de cobra não entrei;
mesmo assim lá de fora eu avistei
a panela de mãe fazer coalhada
e num torno, sem pavio, pendurada
avistei uma velha lamparina
a coruja tornou-se a inquilina
dos escombros da casa abandonada.
–LUCAS CORREIA/CE–

Soneto do Dia

–EDMAR JAPIASSÚ MAIA/RJ–
Gota a Gota

Um pingo apenas, percorreu-me a face;
um pingo estranhamente caudaloso,
que, umedecendo o meu perfil nervoso,
mostrou-me um veio que no peito nasce...

A lembrança do tempo desditoso
permitiu à tristeza que afogasse
numa só gota, as rugas que encontrasse
em meu semblante austero, ainda ansioso...

Aquele pingo foi a gota d'água
que fez extravasar a intensa mágoa
há muito represada a contragosto...

E as lágrimas, vazadas do celeiro
de minha alma angustiada de guerreiro,
fluíram nas ruínas de meu rosto!

Fonte:
textos enviados pelo autor

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Paulo Bomfim (Antologia Poética)


BASTA DE SER O OUTRO

Basta de ser o outro... O herdeiro da terra,
O neto de seus avós!
Basta de ser
O que leu
E o que ouviu...
À terra devolvo
O cálcio, o ferro, o fósforo;
À nuvem devolvo a água rubra,
Aos mortos,
As angústias herdadas,
Aos vivos
Os gestos e as palavras recebidas...
Basta de ser o outro,
Colcha de retalhos alheios,
Cobrindo um frio verdadeiro.

SONETO L

No ramo a flor será sempre segredo
Moldando realidades no vazio,
Caminho de perfume, rosa e estio,
Crescendo além dos roseirais do medo.

História das raízes sem enredo...
Rolam frases de terra pelo rio,
As consoantes de luz tremem de frio
E as vogais orvalhadas morrem cedo.

No ramo a flor será sempre futuro,
Haste e corola nos confins do sonho,
Marcando de infinito a cor do muro...

Sempre a cor sobre a senda debruçada,
E o perfume crescendo onde reponho
O sentido da flor despetalada.

SONETO II

O livro que hoje escrevo foi escrito
Em outro plano estático e diverso,
Sei que morro no fim de cada verso
E renasço no início de outro mito.

Em cada letra tinta de infinito
Há um diálogo mudo que converso
Com nebulosas de meu universo
Onde nasceu a página que dito.

Sei que sou neste instante o que já fui,
E aquilo que recebo agora flui
De um campo superior onde me deito.

Durmo além, nessa plaga que recordo:
Só escrevo neste plano onde hoje acordo,
Aquilo que ainda sonho no outro leito.

SONETO IV

Não construo estes barcos, pois se fazem.
Cedro crescido em minha serrania,
Velas sugadas pela maresia,
E as âncoras, vocábulos que jazem

Em múltiplas jornadas que perfazem
Circuitos de hipocampos e euforia.
Sim, o leme nasceu em minha manhã fria
Da solidão das mãos que embora casem

No instante de criar, depois são fugas
Em corpos, em trajetos, em contactos,
Ou tripulantes percorrendo rugas.

Passam por mim as forças que se enfeixam
No cerne de estaleiros e do atos:
— Não construo estas naus, elas me deixam!

SONETO V

Alquimia do verbo. Em minha mente
Recriam-se palavras na hora vária,
A poesia se torna necessária
E as flores rememoram a semente.

É preciso que exista novamente
A aventura distante e temerária
De em ouro transformar a dor precária
E em nós deixar correr a lava ardente.

Que uma emoção profunda e mineral
Corra nos veios desta carne astral
E encontre em mim aquilo que procura.

Na paisagem que for, já sou nascido:
Nas formas criarei o elo perdido,
e, em lucidez, serei minha loucura.

A VIDA

Sonhei existir
Quando o universo circulava ainda
No sangue dos deuses.
Em mim criei a forma
E fui árvore,
Idealizei o mar
E fui peixe,
Aspirei a nuvem
E fui pássaro.
Na boca dos oráculos
Sou a palavra sagrada
Que brota da terra,
No corpo dos amantes
A semente que nasce do beijo.
Expirada pelos deuses
Trouxe o formato de seus corpos múltiplos;
Agora sou o ar divino
Formando realidade,
Impulso gerando impulso.
Retorno aos pulmões da noite
Com rostos, árvores e oceanos gravados em mim:
- Nos caminhos do sangue, toco-me de eternidade.

DESCOBERTA

Deixa que as coisas te interpretem,
Que o vento sinta tua pele,
Que as pedras meditem teus passos,
E as águas criem tua realidade.
Vive o mistério da terra,
O segredo da semente,
O caminho da seiva,
O milagre do fruto.
Deixa que as coisas meditem sobre ti,
Que ventos, pedras e águas recriem tua imagem;
Entende a mão que te colhe,
A lâmina que te despe
E sangra teu silêncio,
Reflete o mundo branco que te mastiga,
Transforma-te em carne, e em galeras de sangue
Regressa.
A vida terá partido, com bicos noturnos,
A casca da palavra.

OS DIAS MORTOS

Os dias mortos, sim, onde enterrá-los?
Que solo se abrirá para acolhê-los
Com seus pés indecisos, seus cabelos,
Seu galope de sôfregos cavalos!

Os dias mortos, sim, onde guardá-los?
Em que ossário reter seus pesadelos,
Seu tecido rompido de novelos,
Seus fios graves, relva além dos valos.

Tempo desintegrado, tempo solto,
Fátuo fogo de febre e de fuligem,
Canteiro de sereia em mar revolto.

Em nossa carne, sim, em nossos portos,
Quando o fim regressar à própria origem,
Repousarão também os dias mortos!

CIMENTO ARMADO

Batem estacas no terreno morto,
No terreno morto surge vida nova,
As goiabeiras do velho parque
E os roseirais abandonados,
Serão cortados
E derrubados

Um prédio novo de dez andares,
Frio e cinzento,
Terá seu corpo de cimento-armado
Enraizado no velho parque
de goiabeiras
De roseirais

Batem estacas no terreno morto.
Século vinte...
Vida de aço...
Cimento-armado!

Batem as estacas
Um prédio novo, de dez andares,
Terraços tristes,
Pássaros presos,
Rosas suspensas,
Flores da vida,
Rosas de dor.

Paulo Bomfim (1926)


Paulo Lébeis Bomfim nasceu no dia 30 de setembro de 1926 em São Paulo (SP). Abandonou o curso de Direito, que havia iniciado por volta de seus 20 anos, preferindo continuar trabalhando como colaborador dos jornais “Diário de São Paulo”, “Correio Paulistano” e “Diário de Notícias”. Seu primeiro livro, “Antônio Triste”, lançado em 1946, com prefácio de Guilherme de Almeida e ilustrações de Tarsila do Amaral, recebeu o Prêmio Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras, em 1947.

Atuou como relações públicas da "Fundação Cásper Líbero" e fundador, com Clóvis Graciano, da Galeria Atrium. Produziu "Universidade na TV" juntamente com Heraldo Barbuy e Oswald de Andrade Filho; "Crônica da Cidade" e "Mappin Movietone". Apresentou na Rádio Gazeta, "Hora do Livro" e "Gazeta é Notícia". Entre 1971 e 1973 foi curador da Fundação Padre Anchieta, diretor técnico do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo e representante do Brasil nas comemorações do cinqüentenário da Semana de Arte Moderna, em Portugal.

Publicou, em 1951, "Transfiguração". Em 1952, "Relógio de Sol". Lança as primeiras cantigas, musicadas por Dinorah de Carvalho, Camargo Guarnieri, Theodoro Nogueira, Sérgio Vasconcelos, Oswaldo Lacerda e outros.

Publica, em 1954, "Cantiga de Desencontro", "Poema do Silêncio", "Sinfonia Branca" e depois, em 1956, "Armorial", ilustrado por Clóvis Graciano. Em 1958, lança "Quinze Anos de Poesia" e "Poema da Descoberta". Publica a seguir "Sonetos"(1959), "O Colecionador de Minutos", "Ramo de Rumos" (1961), "Antologia Poética" (1962), "Sonetos da Vida e da Morte" (1963). "Tempo Reverso" (1964), "Canções" (1966), "Calendário" (1968), "Poemas Escolhidos" (1974), "Praia de Sonetos" (1981), com ilustrações de Celina Lima Verde, "Sonetos do Caminho" (1983), "Súdito da Noite" (1992), "50 Anos de Poesia" e "Sonetos" pela Universitária Editora de Lisboa. Em 2000 e 2001 publicou os livros de contos e crônicas “Aquele Menino” e “O Caminheiro”. Publicou, em 2004, “Tecido de lembranças” e, em 2006, quando o poeta completou 80 anos de idade, “Janeiros de meu São Paulo” e “O Colecionador de Contos”.

Suas obras foram traduzidas para o alemão, o francês, o inglês, o italiano e o castelhano. No dia 23 de maio de 1963, passou a ocupar a cadeira 35 da Academia Paulista de Letras tendo sido saudado por Ibrahim Nobre. Presidente do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho Estadual de Honrarias e Mérito, na década de 70. O poeta é, ao completar 80 anos, o decano daquela Academia.

Em 1982, recebeu o título Personalidade do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores

Recebeu, em 1982, o Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores.

Em 1993, foi agraciado com o Prêmio pelo Cinquentenário de Poesia, concedido pela União Brasileira de Escritores.

Fonte:
Jornal de Poesia

J. B. Xavier (O Pedágio)


À minha frente, a luz baça dos faróis se ia esmaecendo, vencida pela claridade do dia que surgia.

Confuso com a súbita claridade, percebi vagamente o incêndio avermelhado que o sol fazia ao levantar-se das colinas distantes.

As faixas brancas do asfalto, no entanto, tomavam toda a minha atenção, enquanto eu maldizia ter que percorrer esse trecho todos os dias.

A paisagem passava ao meu redor como uma névoa verde que se contorcia deformada pela velocidade. Absorto, eu já estava a uma hora no futuro, pensando em tudo o que me esperava no escritório.

Como eu começaria? Pior! por onde eu começaria?

Um ar gélido penetrava por alguma fresta do veículo, e me fez perceber o quanto a temperatura havia caído. Irritado, fui obrigado a parar e vestir um casaco, logicamente inadequado para aquela queda de temperatura.

A parada me irritou ainda mais, de maneira que quando cheguei ao pedágio, eu já me sentia sufocado pelo colarinho apertado que insistia em marcar minha pulsação, estrangulando-me a jugular.

-Bom dia - disse a moça num sorriso como há muito eu não via.

-Oi? - respondi - retirando o fone de ouvido, enquanto me irritava procurando trocados, por não ter comprado passes.

-É bonita a música que está ouvindo?

Pela primeira vez, a olhei nos olhos. " O que ela tem com isso?" - pensei irritado, mas aqueles olhos me fitaram diretamente, e o sorriso que o acompanhou desarmou meu espírito e ficará para sempre gravado em minha memória. Quis responder, mas não consegui lembrar de música alguma. Olhei para o walk-man no banco ao lado e ele estava chiando, porque há muito a seleção de músicas já havia acabado.

- É, sim, é bonitinha - respondi meio sem graça.

- É ótimo iniciar o dia ouvindo músicas - respondeu ela. O senhor passa sempre por aqui?

- Todos os dias - respondi prestando um pouco mais de atenção à moça – Você é nova aqui - perguntei?

- Sim. Comecei há alguns dias! Estou muito contente, porque esse posto fica num dos trechos mais bonitos da rodovia. Se o senhor passar quinze minutos mais cedo, verá um grande milagre da natureza nas curvas adiante - disse ela - enquanto me oferecia o troco, antes mesmo que eu lhe desse o dinheiro. - Em dias claros o sol parece sair de dentro da terra, e em dias chuvosos formam-se cascatas na encosta dos morros. É muito bonito.

- Eu conheço cada centímetro dessa rodovia - disse-lhe, num risinho irônico. - Há anos passo por aqui...

- Mas o senhor “curte” o trecho? - perguntou ela inocentemente enquanto pegava o dinheiro que eu lhe oferecia.

Eu ia responder qualquer coisa, mas um businaço atrás de mim, me assustou e me fez arrancar quase instantaneamente: Outro apressado, como eu.

Em poucos segundos eu estava novamente em velocidade. Mas a frase da moça mudou a minha vida.

No silêncio do carro, enquanto o vento zunia no espelho retrovisor, eu fiquei pensando na falta de sentido que minha vida estava tomando. Repentinamente fui colocado diante de mim mesmo por uma frase fortuita, casual.

Girei o retrovisor interno e olhei-me nos olhos. Vi um homem ansioso, correndo para atingir uma meta mal definida, que se esfumaçava sempre que eu pensava tê-la atingido. Vi um olhar vago, inquieto, onde havia resquícios de medo. Um medo insidioso, muito bem disfarçado, mas latente e presente, gerando inseguranças.

Mas acima de tudo, vi um homem solitário, envolvido demais na corrida desenfreada em busca do sucesso para ter tempo de cultivar amizades fortes. Apressado demais, ocupado demais, para ter tempo de confraternizar.

Minha desatenção à estrada me levou para a outra pista de rodagem e por pouco não causo um acidente. E se o acidente tivesse acontecido? De que teria valido toda essa correria?

Então, a consciência do efêmero da vida atingiu-me em cheio!

Como eu pude ter tanta certeza de que teria o tempo à frente disponível para todos os planos que tracei? Quem foi que me garantiu isso, a não ser minha própria mania de pensar que o Universo está sempre à minha disposição para me servir?

Meu pensamento foi então para minha esposa e filhos. Teria eu o direito de fazê-los esperar mais pela atenção que nunca vinha? Eu já não tinha conquistado o suficiente para estar alegre, ao invés de estar sempre tenso pelo que ainda me propunha conquistar?

A voz da menina do pedágio voltou aos meus ouvidos: “O senhor curte o trecho?”
No silêncio do carro eu finalmente a respondi: Não, eu não curtia o trecho!

Nos dias que se seguiram eu acatei o seu conselho e saí um pouco mais cedo. Sem a pressa habitual, pude observar o maravilhoso espetáculo que a natureza nos oferece todas as manhãs. Um espetáculo diferente a cada dia.

Como pude praguejar contra a chuva, quando era ela que limpava e tornava brilhantes as flores das copas da floresta; se, graças a ela, desfilavam diante de mim imensos mosaicos coloridos, de formas insondáveis? Como pude me irritar com o sol batendo em meu rosto, se era ele que arrancava cintilâncias de diamante do regato que corria ao longo da rodovia e me lembrava a toda hora que eu era parte de tudo aquilo?

Em que momento eu parei de me extasiar diante da vida? Quando aconteceu de eu não prestar mais atenção ao momento presente? Quando foi que eu deixei de "curtir os trechos" das minhas várias jornadas pela vida? Como pude permitir que isso acontecesse?

E o meu trabalho no escritório? Ora! Calma! Ele ainda está a mais de uma hora no futuro!

Fontes:
JB Xavier
Imagem = Caldeira Motors

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 258)

Trovador Izo Goldman (desenho a lápis e carvão por JB Xavier)
Uma Trova Nacional

Amanhece... De repente,
tomando o corpo da terra,
o sol beija, ardentemente,
o rosto bruto da serra...
–DIVENEI BOSELI/SP–

Uma Trova Potiguar

Há na mente da criança
um ideal tão fecundo,
que toda desesperança
torna-se lenda no mundo.
–PAULO ROBERTO/RN–

Uma Trova Premiada


2010 - Curitiba/PR
Tema: MADRUGADA - Venc.

Madrugada. A lua sonda
minha rede e, sem vacilo,
entregue à exaustão da ronda,
se deita, para um cochilo...
–DARLY OLIVEIRA BARROS/SP–

Uma Trova de Ademar

Amar – verbo transitivo
que ao coração de nós dois
será sempre um lenitivo
hoje, amanhã e depois...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Seria a vida enfadonha
sem as dúvidas que tive.
Quem tem certeza não sonha,
e que não sonha, não vive...
–ORLANDO BRITO/MA–

Simplesmente Poesia

–DALINHA CATUNDA/CE–
Décima Final

Um dia eu fui cativa
De beijos que eram só meus.
Depois dissestes adeus
Fiquei mais morta que viva.
O gosto de tua saliva
Deixava-me alucinada
Virou saudade e mais nada
Vagando dentro de mim
Se já chegamos ao fim
Fique de boca calada!

Estrofe do Dia

Quem preserva a cultura do sertão,
a quadrilha, o forró, o violeiro,
tá zelando o folclore brasileiro
que não vai ao programa do Faustão;
que a mídia não quer dar proteção
ao poeta que vive do repente,
tá tirando do solo essa semente
que precisa nascer nos arraiais;
quem preserva as raízes culturais
eterniza o valor da sua gente.
–MARIVALDO GONÇALVES/PE–

Soneto do Dia

–PROF. GARCIA/RN–
Obstinação

Quando eu vejo no espelho a crueldade,
que o tempo indiferente me causou,
começo a perceber, que na verdade,
minha infância tão linda já passou!

Até hoje carrego com saudade
tudo aquilo que o tempo me levou,
dos feitiços banais da mocidade
a lembrança foi tudo que restou!

E por lembrar da infância tão querida,
nunca esqueço do amor de minha vida
que descobri na infância, certa vez;

pois este amor, tão lindo e tão sonhado,
inda vive comigo do meu lado,
a encher meu lar de paz e sensatez!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ialmar Pio Schneider (Inverno e Saudades)


Sempre quando chega o inverno eu me transporto aos tempos de criança, andando de pés descalços sobre a geada que cobria os campos da minha terra. Hoje, distante, a saudade me visita e eu leio o soneto que fiz há alguns anos, lembrando aquele pedaço de chão onde ensaiei os primeiros passos e de que me afastei, por contingências da vida, mas do qual conservo as mais gratas recordações da infância. Diz assim:

“SONETO A SERTÃO-(Minha terra natal)

– Oh! terra onde nasci, berço de minha infância,
que sempre levarei dentro do coração,
batendo com ardor, em serena constância,
lembrando os tempos bons que já bem longe vão !…

Teu nome a recordar saudades e distância,
flores silvestres e quem sabe solidão,
há de permanecer tal suave fragrância
cá dentro de minh’alma, oh! saudosa Sertão !

Se assim Deus o quiser, em teu solo bendito
reviverei um dia o passado aos pedaços,
como o filho que volta ao lar: cansado, aflito…

Porém que, em retornando ao seu torrão natal,
lugar onde ensaiou os seus primeiros passos,
consegue um elixir pra curar o seu mal…”

No entanto, meus familiares já não residem mais lá. Estão espalhados pelo Paraná e Santa Catarina, também pelas citadas contingências da vida que os levaram à procura de melhores condições para enfrentar o dia-a-dia. Isto faz-me lembrar o romance Éramos Seis, de Maria José Dupré, que depois virou uma novela do SBT de grande audiência, protagonizada pela inigualável atriz Irene Ravache, entre outros não menos importantes atores. Só que nós éramos oito, os saudosos pai e a mãe (hoje falecidos), e seis irmãos (duas mulheres e quatro homens, um dos quais também falecido há pouco, meu saudoso mano Remi, para o qual escrevi umas palavras doridas aqui, quando do seu passamento, por assim dizer, prematuro, em consequência de cirurgia de vesícula mal-sucedida e hérnia, ao que me consta, tendo tido hemorragia e sua pressão baixado a zero. Tenho como um baque em minha vida esta perda, pois tratava-se de um irmão que também trilhava o caminho da poesia e se identificava comigo. Dir-se-ia fatalidade para justificar. Quem o sabe ?

Entrementes, os invernos foram se sucedendo, e agora fico recitando os versos do romântico Guilherme de Almeida:

“SAUDADE

– Só.
Para além da janela,
nem uma nuvem, nem uma folha amarela
manchando o dia de ouro em pó…
Mas, aqui dentro, quanta bruma,
quanta folha caindo, uma por uma,
dentro da vida de quem vive só !
Só – palavra fingida,
palavra inútil, pois quem sente
saudade, nunca está sozinho: e a gente
tem saudade de tudo nesta vida…
De tudo ! De uma espera
por uma tarde azul de primavera;
de um silêncio; da música de um pé
cantando pela escada;
de um véu erguido; de uma boca abandonada;
de um divã; de um adeus; de uma lágrima até !

No entanto, no momento,
tudo isso passa
na asa do vento,
como um simples novelo de fumaça…
E é só depois de velho, uma tarde esquecida,
que a gente se surpreende a resmungar:
“Foi tudo o que vivi de toda a minha vida !”
E começa a chorar…

Guilherme de Almeida”

Por outro lado, sabe-se que os invernos já não são os mesmos daqueles tempos, não obstante na serra gaúcha todos aguardem – residentes e turistas – a queda da neve que quase todos os anos acontece nesta época. Enquanto isto, os visitantes vão se deliciando com a gastronomia e os hotéis e pousadas ficam lotados, ainda mais que está para ocorrer o 31º Festival de Gramado – Cinema Latino e Brasileiro, a ser realizado de 18 a 23 de agosto.

Assim vou finalizando esta crônica em que mesclei inverno e saudade, ainda que me louvando no inigualável poeta romântico Guilherme de Almeida, para dizer do estado de minha alma no momento. Que tenhamos todos um salutar inverno do qual sintamos saudades amanhã !
Publicado em 12 de julho de 2003 – no Diário de Canoas.

Fontes:
Texto enviado pelo Autor
Imagem = geada em Canoas disponível em Metsul Meteorologia

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrino) XI – Inaugura-se a linha


A linha telefônica foi construída com todo o luxo, como é de costume nas obras do governo. Os postes foram até pintados! Era a mais curta linha do mundo: com cem metros de comprimento e dois postos apenas, um no terreiro da casa e outro no acampamento dos caçadores. Um poste foi pintado de verde, outro de amarelo. No dia da inauguração, porém, aconteceu um fato imprevisto: o rinoceronte não veio deitar-se à porteira na hora do costume. Nem apareceu no dia seguinte, nem durante toda a semana. Os caçadores tiveram de armar barracas e ficar ali esperando, pacientemente, que ele se resolvesse a voltar.

Por que isso? Porque ficava sem jeito inaugurarem a linha sem o rinoceronte atravessado na porteira. Sem rinoceronte poderiam entrar duma vez no terreiro e falar diretamente com a dona da casa. Mas precisavam justificar a construção da linha, e por isso resolveram esperar que o monstro voltasse.

Vendo as coisas assim encrencadas, Emília resolveu intervir. Foi à Figueira-Brava pedir ao rinoceronte que não desapontasse a gente do governo e continuasse a ir dormir na porteira. Não se sabe de que argumentos a boneca usou; o que se sabe é que no dia seguinte, exatamente às três da tarde, o rinoceronte veio de novo, pachorrentamente, deitar-se de atravessado na porteira.

Houve vivas de entusiasmo no acampamento dos caçadores. Podiam, enfim, inaugurar a linha.

Trlin, trlin... soou na varanda a campainha do aparelho.

— Vá atender — disse Dona Benta ao Visconde, que estava cochilando por ali.

— Eu atendo — gritou Cléu, que tinha muita prática em falar ao telefone. E numa vozinha muito clara e espevitada atendeu: — Alô! Quem fala?

— Fala aqui o detetive X B2, chefe do Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte — respondeu uma voz grossa. — E quem está falando aí?

— Aqui fala Cléu, por ordem da proprietária da casa, Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, avó de Narizinho, Pedrinho e Rabicó. Que deseja Vossa Rinocerôncia?

— Desejo participar à dona da casa que a linha telefônica está concluída e que agora podemos discutir as operações necessárias à caçada do rinoceronte, tendo o gosto de fazer com que as nossas palavras passem bem por cima dele sem que o bruto perceba, ah! ah! ah!...

— Mas por que não discutiu isso durante a semana em que o rinoceronte andou sumido e a passagem pela porteira estava completamente franca? Acho que Vossa Rinocerôncia perdeu um tempo precioso.

— Menina — respondeu, meio ofendido, o detetive X B2 —, não se meta no que não é da sua conta. O governo sabe o que faz. Quero falar com a dona da casa.

Cléu tapou com a mão o bocal do telefone e voltou-se para Dona Benta.

— Ele quer falar com a senhora mesma.

Mas a velha não estava pelos autos. Considerava aquela gente uma súcia de idiotas, um verdadeiro bando de exploradores.

— Diga-lhe que não me aborreça. Estou muito velha para andar servindo de instrumento a piratas.

Cléu deu o recado, com outras palavras para não ofender o governo, e então o detetive X B2 explicou que necessitava da autorização de Dona Benta para construir outra linha...

— Segunda linha telefônica? — indagou Cléu, admirada.

— Não, menina abelhuda. Agora será uma linha de transporte aéreo, que nos permita levar para aí as nossas armas e bagagens. Só assim poderemos assestar o canhão-revólver e a metralhadora na escadinha da varanda, de modo a abrir fogo de barragem contra o inimigo, sem dano para os vidros das vidraças de Dona Benta.

— E foi só para pedir tal licença que os senhores levaram tanto tempo construindo esta linha telefônica? — perguntou Cléu, admiradíssima.

— Não discuta os nossos processos, menina impertinente — disse com cara feia o detetive X B2. — O governo sabe o que faz, torno a dizer.

Cléu tapou de novo a boca do aparelho, enquanto consultava Dona Benta.

— Ele pede licença para construir uma nova linha — uma linha de cabos aéreos, como aquela do Pão de Açúcar...

Dona Benta respondeu que fizessem como entendessem e não a incomodassem mais.

Pedrinho estava assombrado da esperteza daqueles homens. Iam construir uma linha de cabos só para levar ao terreiro um canhãozinho e uma metralhadora!... Muitos rinocerontes já haviam sido caçados desde que o mundo é mundo, mas nenhum seria caçado tão caro e com tanta ciência como aquele. Apesar de nunca saídos daqui, tais homens bem que podiam mudar-se para a África, a fim de ensinar aos negros do Uganda como é que se caçam feras...

Tanto tempo levou a construção da linha de cabos aéreos que o rinoceronte se foi familiarizando não só com as pessoas do sítio, como ainda com o pelotão de caçadores. Várias vezes chegou até o acampamento onde farejava com curiosidade o canhão-revólver e a metralhadora, sem saber para que serviam. Numa dessas vezes ajudou os construtores da linha a arrancarem um poste que fora fincado torto, trabalhando tal qual um elefante manso da índia.

Emília tornara-se amiga íntima do animalão. Ia sempre à Figueira-Brava vê-lo pastar arbustos, e com ele entretinha-se horas a ouvir casos da vida africana. Era um rinoceronte de boa paz, já velho, com a ferocidade nativa quebrada por longos anos de cativeiro no circo. Só queria uma coisa: sossego. Por isso fugira do circo e viera esconder-se ali, no silêncio do capoeirão dos Taquaruçus.

— Eles querem matar você — disse-lhe Emília certa manhã. — Trouxeram para esse fim um canhão-revólver e uma metralhadora.

O rinoceronte arrepiou-se todo. Jamais supusera que a atividade daqueles homens e toda a trapalhada das linhas, que andavam assentando, tivessem por fim dar cabo da sua vida.

— Mas por quê? — indagou, em tom magoado. — Que mal fiz eu a essa gente?

— Nenhum, mas você é o que os homens chamam “caça” — e o que é caça deve ser caçado. Quando os homens encontram no seu caminho uma lebre, uma preazinha, um inambu, um pato selvagem ou o que seja, ficam logo assanhadíssimos para matá-lo — só por isso, porque é caça. Mas você não tenha medo que não será caçado. Hei de dar um jeito.

— Que jeito?

— Não sei ainda. Vou ver. Mas não se incomode. Sou jeitosíssima! Dou um jeito de afugentar os homens e você ficará morando toda a vida neste sítio. Já temos em nosso bandinho um quadrúpede, o Marquês de Rabicó, que é leitão, conhece?

— Não tenho a honra.

— Pois é um senhor muito importante, apesar da sua covardia e gulodice (Emília não teve a coragem de contar que Rabicó era seu marido). Tem quatro pés, como você, mas nem um pingo de chifre. Com mais um companheiro, e este de formidável chifre na testa, havemos de pintar o sete pelo mundo...

Emília estava radiante com a idéia de ver o rinoceronte incorporado à família de Dona Benta. Tia Nastácia é que iria ficar tonta de susto...

— E que tenho de fazer nesse bando? — perguntou o rinoceronte, comovido com o oferecimento.

— Nada, por enquanto. Mais tarde, veremos. O pelotão dos caçadores já está com a linha aérea pronta. Breve farão o transporte do canhão-revólver, da metralhadora e do resto. Vão assestar essas armas na escadinha da varanda.

— Devo então continuar a deitar-me na porteira, não é?

— Está claro. Para que eles possam utilizar-se da linha de cabos aéreos é indispensável que você esteja atravessado na porteira.

O rinoceronte não entendia aquilo.

— Mas por que já não transportaram esse tal canhão no tempo que passei sem ir deitar-me à porteira?

— Não sei — respondeu Emília, que de fato não sabia. — Dona Benta também não sabe, nem Cléu, que foi quem conversou com o detetive X B2 pelo telefone, nem Narizinho, nem Pedrinho, nem o Visconde, nem Rabicó — ninguém sabe. Diz Cléu que são “coisas do governo”, um puro mistério.

O rinoceronte ficou pensativo. Devia ser uma bem estranha criatura esse tal governo, que fazia coisas acima do entendimento até da Emília!

Às três da tarde apareceu o animalão no terreiro, indo deitar-se no seu lugarzinho do costume. Grande alegria entre os caçadores. Podiam, afinal, fazer o transporte das armas e bagagens, e também de si próprios, utilizando-se da linha de cabos aéreos, e em seguida dar começo ao ataque à fera. Um entusiasmadíssimo telegrama foi passado para o Rio, nestes termos: “Trabalhos linha aérea brilhantemente concluídos ponto iniciaremos hoje transporte armas e bagagens ponto vitória segura ponto saúde e fraternidade”.

Os jornais publicaram a notícia com grandes elogios aos heróicos caçadores do rinoceronte, que tão bravamente arrostavam os maiores perigos a fim de limpar o solo da pátria daquele perigosíssimo animal. O detetive X B2 foi chamado “impertérrito”, e outros lindos adjetivos que a imprensa só usa para homens de pulso e tremendos heróis do mais alto calibre. Choveram telegramas de parabéns pela beleza dos trabalhos realizados.

Às três da tarde, logo que o rinoceronte se atravessou na porteira, a linha de cabos foi posta a funcionar. Primeiro passou, pendurado em carretilhas, o canhão-revólver. Depois a metralhadora. Depois passaram as munições, a bagagem, as violas e, por fim, os caçadores.

Dona Benta viu, com má cara, toda aquela gente encher o terreiro. Já andava enjoada deles, e quando Tia Nastácia falou em lhes oferecer um café com bolinhos, não consentiu.

— Nada de comedorias — disse ela. — Do contrário esses heróis nunca mais me abandonam o sítio.

— É isso mesmo, sinhá — tornou a preta. — O meu cafezinho parece que tem visgo.

Enquanto os homens descansavam, um tanto desapontados de não aparecer o café com bolinhos, Emília foi secretamente à caixa das munições e trocou a pólvora que lá havia por farinha de mandioca. Em seguida, mandou pelo Visconde um recado muito comprido ao rinoceronte, o qual terminava assim: “... e quando eu soltar um assobio, você levanta-se e dá uma investida de rinoceronte selvagem contra esses homens”.

— E se o rinoceronte errar e investir também contra algum de nós? — objetou com muita sabedoria o Visconde. — Porque aqui da casa ele só conhece você.

Emília refletiu um bocado. Depois:

— Diga-lhe para só chifrar os que não tiverem uma rodela de casca de laranja no peito.

Enquanto o Visconde dava o recado, Emília foi ao pomar com uma faca e trouxe meia dúzia de rodelas de casca de laranja, que colocou no peito de cada morador da casa sem perder tempo em explicar para que era. Só Tia Nastácia insistiu em saber as razões.

— Ah, não quer? — disse Emília. — Sua alma sua palma. Depois não se queixe — e deixou-a sem rodela no peito.

Nisto soou a voz do detetive X B2, dirigida aos seus homens.

— Tudo pronto? — indagava ele.

— Tudo pronto! — responderam os perguntados.

— Então, fogo!

— Parem! Parem! Não ainda! — berrou Tia Nastácia lá de dentro. — Estou procurando algodão para botar nos meus ouvidos e nos de Dona Benta. Onde já se viu dar tiro de peça na escadinha da varanda sem a gente estar com um bom chumaço de algodão nos ouvidos? Credo!

Os artilheiros esperaram que os ouvidos das duas velhas ficassem perfeitamente enchumaçados. Depois, ouvindo de novo a ordem de “Fogo!”, fecharam os olhos e bateram na espoleta.

A decepção foi completa. Em vez dum terrível Bum! que atroasse os ares, o que saiu do canhãozinho foi pirão de farinha de mandioca. O grande tiro falhara da maneira mais vergonhosa. Nesse momento Emília, imitando Pedrinho, meteu dois dedos na boca e tirou um assobio agudíssimo.

O rinoceronte ouviu lá longe. Levantou-se de cara feia e veio, que nem uma avalancha de carne, contra os seus perseguidores.

Soou um berro de pânico misturado com a ordem do detetive X B2 de “salve-se quem puder”. Todos puderam, porque todos se salvaram, como veados, pelos fundos do quintal, imperterritamente. Naquela velocidade, em menos de uma hora estariam no Rio de Janeiro.

Ao alcançar a escadinha, o rinoceronte não encontrou um só inimigo, isto é, uma só pessoa sem rodela de casca de laranja no peito. Minto. Encontrou uma: Tia Nastácia, e ao vê-la sem rodela pensou que fosse cozinheira da gente do governo. Abaixou a cabeça e investiu. A pobre preta mal teve tempo de trancar-se na despensa, onde fez, no escuro, mais pelo-sinais do que em todo o resto de sua vida.

— Toma! — gritou a diabinha da Emília. — Quis ser muito sabida, não é? Pois toma…
––––––––––––-
continua ... XII – Rinoceronte familiar
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 28 de junho de 2011

José Tavares de Lima (Vozes do Coração) Parte VI – final


A mulher cresce e domina
seu desejo, seu temor;
porém volta a ser menina
quando vive um grande amor!

Aos fariseus não parece,
mas quem crê sabe e sustenta:
- quanto mais humilde a prece,
mais alta a Deus se apresenta!

Aquela canção que outrora
encheu nosso amor de encanto,
depois que te foste embora
serve de fundo ao meu pranto! ...

Busco-a com toda ansiedade
porém o destino estreito
não deixa a felicidade
ter espaço no meu peito! ...

Cada vez mais terno e amigo,
na verdade o nosso amor
tem muito do vinho antigo
que o tempo apura o sabor!

Chegaste... E a tua chegada
me trouxe o deslumbramento
de uma estrela inesperada
surgindo em céu nevoento!...

Cheia de graça e feitiço
ela diz: "Vê se me esquece";
sem saber que para isso
em vão já fiz muita prece!...

Desconfia precavido,
até de quem te aconselha,
que há muito lobo escondido
sob o disfarce de ovelha!

Desfez-se o sonho... Partiste ...
Fiquei num desgosto infindo ...
Mas o que me fez mais triste
foi que partiste... sorrindo...

De volta à minha cidade,
na emoção que me domina,
posso ver uma saudade
me acenando em cada esquina !...

Enquanto entre alguns se expande
a descrença a fé me alcança;
porque esta Pátria tão grande
cabe na minha esperança!

Eu tento, sem pranto ou queixa
tua ausência suportar..
Mas a saudade não deixa
que eu te lembre sem chorar!

Mesmo que a vida aos meus passos,
seja um caminho sem glória,
eu não percebo os fracassos
porque só penso em vitória!

Meu coração se afigura
um triste barco no mar,
carregado de ternura...
mas sem porto onde ancorar!

Não choro a mágoa, a desdita,
que trazem tristeza a tantos,
porque a vida ainda é bonita
mesmo com seus desencantos!

Não volto, orgulhoso, digo,
quando que eu volte ela insiste...
Mas, saudade, ao teu castigo
orgulho nenhum resiste! ...

Na vida sou barco ousado
cheio de sonhos e planos,
que sempre acaba encalhado
na praia dos desenganos!

No verde imenso, a cascata
de brancura cristalina,
lembra um caminho de prata
unindo o vale à colina !

Num mundo injusto é mister
que esta justiça se faça:
sem a graça da mulher
nada mais teria graça.

O mundo é enganoso e vão,
porém não deixo de crer
na esperança - esta ilusão
que ajuda a gente a viver!

Para o tormento em que vivo
desde o teu adeus confesso
que só tem um lenitivo:
o teu mais breve regresso!

Partiste... E o pranto que invade
o meu peito dolorido
tem suspiros de saudade,
tem tristezas de gemido! ...

Quem diz, na sua cegueira,
que reza em vão, desconhece
que Deus tem sua maneira
de atender à nossa prece...

Quem já venceu nos ensina
que a vitória é mais de quem,
mesmo por entre a neblina,
descobre um sol mais além! ...

Quem sofre mas, constrangido
retém a lágrima, ignora
que o tormento é mais dorido
no peito de quem não chora.

Quem sonha as mágoas olvida,
não perde a fé, nem fraqueja,
porque o sonho adoça a vida
por mais amarga que seja....

Riu-me um dia... Desde então,
com seu jeitinho suave,
entrou no meu coração
e deu sumiço na chave!...

Se a luta é penosa, inglória,
não percas a confiança,
que o segredo da vitória
está na perseverança!

Seja um minuto somente,
a ser feliz não me furto;
pois, dos caminhos da gente,
o da ventura é o mais curto!

Se o pranto fosse alegria,
se fosse festa a desdita,
a minha vida seria
uma risada infinita!...

Ser teu príncipe, não digo...
Tais honras nunca sonhei;
mas, nos momentos contigo,
tenho venturas de rei!

Se te aflige um desencanto
recorre à ilusão e sonha,
que a quem sonha não dói tanto
uma verdade tristonha !

Tão forte amor nos enlaça,
e de forma tão perfeita,
que a cada dia que passa
nossa união mais se estreita!

Tendo a graça como tema
e o encanto que o amor requer,
Deus escreveu um poema
que nós chamamos: - Mulher.

Tua ausência me faz ver
a vida tão sem motivo,
que eu vou teimando em viver
mas sem saber porque vivo!...

Vazia de explicação
foi a tua despedida,
mas encheu de solidão
as horas de minha vida!

Volta logo, antes que a espera
transforme, longa demais
meus sonhos de primavera
em suspiros outonais! ...

Vou sair de teu caminho...
Percebi que não compensa
dar tanto amor e carinho
em troca de indiferença

Fonte:
Colaboração de Darlene A. A. Silva
LIMA, José Tavares de. Vozes do Coração.

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Canoas)

Município criado em 27 de junho de 1939

Altaneira cidade do progresso
rumo ao destino imenso te projetas;
das indústrias, fenomenal complexo,
exemplo de trabalho em tuas metas !

E irás rompendo curvas pelas retas
do amanhã promissor e do sucesso,
a fim de proclamarem os poetas
que em teu avanço não terás regresso...

Jovem ainda, contas com o vigor
de teus filhos natos e adotivos,
cada qual dedicado ao seu labor

para te verem mais engrandecida
em teus empreendimentos e atrativos;
e onde transcorra normalmente a vida.

Fontes:
Soneto enviado pelo autor
Imagem obtida em http://cathy.spaceblog.com.br

Canoas (Rio Grande do Sul)


Etimologia

Durante a construção da estrada de ferro que ligava Porto Alegre a São Leopoldo, inaugurada em 1874, uma timbaúva (Enterolobium contortisiliquum) foi aproveitada na antiga fazenda de Gravataí para construir embarcações. O lugar passou a ser chamado de Capão das Canoas, e deu origem ao nome do povoado. Ela também é a árvore símbolo do município

História de Canoas


A área onde hoje se localiza o município de Canoas era habitada pelos índios Tapes, quando em 1725 chegaram à região os tropeiros lagunistas e com eles o povoador e conquistador Francisco Pinto Bandeira. Em 1733 ele ocupou as terras e criou a Fazenda Gravataí, que foi herdada por Rafael Pinto Bandeira e mais tarde por Josefa Eufália de Azevedo (A Brigadeira). Posteriormente essas terras foram repartidas e vendidas.

Em 1871 a construção da estrada de ferro que ligaria São Leopoldo a Porto Alegre tem início. O primeiro trecho da ferrovia foi inaugurado em 1874 e na atual área de Canoas foi construída uma estação. O povoamento da região tem início em torno desta estação férrea, que ficava no centro da Fazenda Gravataí.

Os homens da guarda da estação utilizaram uma grande árvore na construção de uma canoa para o serviço da sede, situada às margens do rio dos Sinos. Outras canoas foram feitas com árvores do mato que havia no local que, por esse motivo, ficou conhecido como Capão das Canoas, o que originou o nome da estação, do povoado e, posteriormente, do município.
Estação férrea de Canoas em 1874.

O major Vicente Ferrer da Silva Freire, proprietário da Fazenda Gravataí na ocasião, aproveitou a viação férrea para transformar suas terras em um lote de chácaras de veraneio, que ele pôs à venda. Ponto de referência obrigatório, o local passou a ser designado como Capão das Canoas. Logo, as grandes fazendas foram perdendo espaço para as pequenas propriedades, chácaras e granjas.

Em 1908, Canoas foi elevada a Capela Curada. No mesmo ano vieram os irmãos Lassalistas e criaram uma escola agrícola, de ensino primário e de ensino secundário no centro da cidade. Em 1937, foi criada o 3º Regimento de Aviação Militar (RAV), hoje o 5º Comando Aéreo Regional (V Comar), isto foi decisivo para que ocorresse a emancipação do município. Victor Hugo Ludwig levou ao general Flores da Cunha, interventor federal no estado, as razões da emancipação.

A emancipação de Canoas ocorreria somente em 27 de junho de 1939. No dia 20 de março de 1992, a cidade perdeu seu 2º Distrito que, emancipado, se tornou o município de Nova Santa Rita.

A partir dos anos 1970, a economia e a população cresceram muito rapidamente. Pouco tempo depois a cidade já era grande, e hoje é a segunda maior economia do estado.

GEOGRAFIA

A geografia de Canoas é bem diversificada. A paisagem dominante é a da zona urbana, mas em alguns pontos isolados do município podem-se encontrar florestas, grandes bosques e um cenário parecido com os semidesertos.

O solo é pobre devido ao alto desgastamento e ao alto nível de poluição, por isso apenas plantas nativas sobrevivem, sendo que as demais plantas precisam de um tipo especial de terra. Canoas é banhada por dois rios, o rio dos Sinos e o rio Gravataí, além de estar na zona do Delta do Jacuí. O município também é banhado por diversos arroios e lagos, alguns poluídos e outros intactos. Na agricultura é dado o incentivo à produção de hortifrutigranjeiros, mas também são produzidos leite, lã, ovos e mel no município.

CULTURA

A cultura vem se desenvolvendo a pouco tempo na cidade. As atividades culturais ocorrem principalmente no sábado e no domingo. Cada bairro, com exceção da Ilha das Garças, tem seu próprio monumento ou uma praça simbólica, às vezes feitas até por moradores locais. O movimento cultural mais popular do município é a festa de Nossa Senhora do Caravaggio quando se reúnem milhares de fiéis nas ruas para comemorar o dia da santa.

Outros acontecimentos do município também atraem muitos visitantes, como o Carnaval, o Encontro dos corais, a Feira do Livro, o Festival de Ginástica e Dança

A Fundação Cultural de Canoas foi criada para preservar e promover a cultura no município e resgatar a cultura do povo canoense. Com a criação da Trensurb, a perda da identidade histórica do município era iminente por isso no dia foi 20 de novembro de 1984 ela foi criada. O prédio foi cedido em conseqüência de um contrato entre a Prefeitura Municipal e o Trensurb. A partir desta data começaram as atividades nas áreas de Literatura, Artes Plásticas, Teatro e Cinema, Folclore, Música e Dança. Na nova Lei Orgânica, a prefeitura cedeu verbas para que um capítulo importante do município não fosse perdido. Mas em 15 de abril de 2009 foi extinta dando lugar a Associação Cultural de Canoas-ASCCAN que tem por finalidade preservar e promover a fruição cultural através do apoio de associados, comunidade e parcerias com o público e privado. Hoje a ASCCAN realiza cursos de pintura e desenho, aulas de violão, guitarra, cavaquinho, danças entre outras atividades. O município promove Concurso de Literatura, que têm como objetivo premiar autores do município de outras regiões do Brasil e dos países que falam a língua portuguesa. O concurso abrange temas como conto, crônicas e poesias. Também ocorre a Feira do Livro.

Canoas também dispõe de algumas bibliotecas para pesquisas, sendo três as mais importantes: Biblioteca Pública Municipal João Palma da Silva (localizada em novo endereço desde maio de 2009, Rua Ipiranga, 105), Biblioteca Martinho Lutero (Ulbra) e a Biblioteca da Unilasalle. Existem no município nove CTGs, que incentivam a prática das tradições do Rio Grande do Sul no município. Os principais centros de tradições são o CTG Brasão do Rio Grande, a GPF Aldebarã, o CTG Mata Nativa, a DTG Morada de Guapos, a DTG Periquitos Amadores do Chasque, a GAG Piazitos do Sul, o CCT Rancho Crioulo, o CTG Raízes da Tradição e o CTG Sentinela do Rio Grande.

O teatro ainda vem se desenvolvendo lentamente, apesar de Canoas abrigar a AGTB (Associação Gaúcha de Teatro de Bonecos). A Fundação Cultural promove a Amostra de Cine-Vídeo de Canoas, com o objetivo de estimular o talento e a criatividade de profissionais e amadores que produzem cinema e vídeo no município. Dos filmes da última edição da amostra podem-se citar a Casa do Poeta de Canoas, de Maria Riggo; Os Donos da Ladeira, de Cláudio Piedras; Summertime, de Cláudio Piedras; Não Tem Preço, de Marcos Vinícius Cardoso Ribeiro; Siglas do Golpe, de Antônio Jesus Pfeil e Perturbação, de Cláudia Ávila.

O município oferece vários museus, que abrangem diversas áreas e assuntos, para pesquisa e visualização. Na semana nacional do museu o evento atrai um grande número de pessoas ao Museu Municipal do município e a atração mais procurada é a História do município. O público também se interessa pelo município desde sua urbanização até os dias atuais. Eis alguns museus presentes no município: Museu do Automóvel da ULBRA, Museu da Tecnologia da ULBRA, Museu de Ciências Naturais (Unilasalle), Museu e Arquivo Histórico La Salle, Museu Dr. Sezefredo Azambuja Vieira (Museu Histórico de Canoas)

O projeto Canta Brasil, no Mathias Velho, promove a dança e a música para jovens do bairro e sem nenhum custo. O projeto cultural já está sendo reconhecido na região.

O Carnaval de Canoas é um evento bastante conhecido na região e a partir de 2008 será um evento oficial e com o apoio da prefeitura.[22] O carnaval sempre atrai um grande número de pessoas do município. Canoas município possui ainda um sambódromo, localizado no Parque Esportivo Eduardo Gomes, onde as escolas do município se reúnem para o desfile. São onze as escolas de samba que participam do desfile no município: Acadêmicos da Grande Rio Branco, Acadêmicos de Niterói, Estado Maior da Rio Branco, Guardiões do Bom Sucesso, Imperatriz da Grande Niterói, Império da Mathias, Nenê da Harmonia, Nossas Raízes, Os Tártaros, Rosa Dourada e a Unidos do Guajuviras.

Canoas possui um número razoável de áreas de lazer para oferecer a seus habitantes. O município possui grandes parques e muitas praças (cerca de 113), mas nos bairros mais pobres ainda existe uma necessidade muito grande de locais que proporcionem lazer a sua população. O feriado municipal de Canoas é em Janeiro e é comemorada a Nossa Senhora dos Navegantes.

Entre os principais centros de lazer do município, estão os seguintes: Parque Municipal Getúlio Vargas (Capão do Corvo), Parque Esportivo Eduardo Gomes (Parcão), Canoas Country Club (somente para associados), Centro Olímpico Municipal e outros diversos. No interior do Parque Getúlio Vargas se localiza o Jardim Zoológico Municipal de Canoas (Minizôo).

Hino de Canoas

Em 24 de junho de 1965, a Lei Municipal 986 oficializou o hino composto por Wilson Dantur e Pedro Reinaldo Klein como o Hino do Município de Canoas.

Brava gente, canoense
Sob o sol tu surgirás
Pela grandeza do teu esforço
Só vitórias nos darás.

Teu escudo é a ordem
Tua força a união
O teu lema é o progresso
Pela grandeza da nação.

(Estribilho)
Canoas minha terra
Município de valor
Coração que dentro encerra
Tanta bravura tanto amor.

O teu povo, altaneiro
Vem cumprindo a sua missão
No caminho de luta e glória
Vem honrando a tradição.

São Luís, padroeiro
Deste povo varonil
Abençoai e protegei
Este pedaço do Brasil.

Fontes:
Wikipedia
Prefeitura de Canoas