sábado, 3 de setembro de 2011

Concurso Internacional de Trovas do Elos Cluibe de Londrina (Classificação Final)


VENCEDORES:

Amália Max (Ponta Grossa)
Edmar Japiassu Maia (Rio de Janeiro)
Izo Goldman (São Paulo)
Francisco Neves de Macedo (Natal)
Renata Paccola (São Paulo)

MENÇÕES HONROSAS:

Almira Guaracy Rebelo (Belo Horizonte)
Ademar Macedo (Natal)
Antônio Augusto de Assis (Maringá)
Deise Domingues Giannini (São Vicente)
Gilvan Carneiro da Silva ( São Gonçalo )
Hegel Pontes (Juiz de Fora)
Marilúcia Rezende (São Paulo)
Myrthes Mazza Masiero (São José dos Campos)
Nei Garcez (Curitiba)
Roza de Oliveira ( Curitiba )
Therezinha de Jesus Lopes (Juiz de Fora)
Wandira Fagundes Queiroz (Curitiba)

MENÇÕES ESPECIAIS:

Angélica Maria Vilella Rebelo Santos (Taubaté)
Dirce Montechiari ( Nova Friburgo )
Edmar Japiassu Maia (Rio de Janeiro)
Eduardo A. O. Toledo (Pouso Alegre )
Leonilda Yvonetti Spina (Londrina)
Lóla Prata ( Bragança Paulista )
Lucília A. T. Decarli (Bandeirantes)
Luiz Moraes Santos (São José dos Campos)
Maria Lúcia Daloce ( Bandeirantes )
Marilúcia Rezende (São Paulo)
Nei Garcez (Curitiba)
Relva do Egypto Rezende Silveira ( Belo Horizonte )
Renato Alves (Rio de Janeiro)
Rosa Maria G. Mendes (Rio de Janeiro)
Sonia Maria Ditzel Martelo (Ponta Grossa)
Thereza Costa Val (Belo Horizonte)
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)
Wandira Fagundes Queiroz.(Curitiba)

Fonte:
A. A. de Assis

Jogos Culturais de Montargil/Portugal (Resultado Final)


Tema: A Família

Na família, com abraços
Dos pais em sua paixão,
Os filhos são os pedaços
Que estalam do coração!
João Fernando Antunes Serrano (ERICEIRA)

A vida— quando criança-,
tanta família me deu!-
Agora, velho e sem esp rança,
Toda a família…sou eu!
Aníbal António de Lima Nobre (Pedreiras—Porto de Mós)

Na minha FAMÍLIA brilha
A mãe da minha mulher:
-Ela impõe regras à filha… …
E eu cumpro o que a filha quer!
Aníbal António de Lima Nobre (Pedreiras—Porto de Mós)

Ter família é ter riqueza
do tamanho do universo
feita de amor e certeza
de a poder cantar em verso
Maria Ruth Brito Neto (Lisboa)

A Família é Lar sagrado,
Ternura, Compreensão.
Forte Clã, irmanado,
no pulsar do coração.
Maria Ruth Brito Neto (Lisboa)

Há numa famílias unida
Um elo que lhe dá voz
É a nossa mãe querida
Que nos une a todos nós.
Celeste Maria da Silva Avó Charneca( S. Miguel de Machede)

Neste mundo em que vivemos,
Onde tudo parece valer
Na família nos socorremos
Pra que possamos sobreviver.
Miguel António B.Mendes ( Montargil)

Uma família completa
Tem sempre um pai e uma mãe,
Mas será muito incompleta
Sem ter muito amor também.
Fernando Máximo (Avis)

A alma fica viúva
Se família não se tem
Dos olhos tristes cai chuva
Que no peito se retém
Maria Cecília Sobral Santos Franco de Sousa (Lisboa)

Da família, o que se diz,
pode até ser tudo falso…
--Quanta vez o mais feliz
é aquele que anda descalço
Fernandes Valente Sobrinho( Vila das Aves)

Numa vida sem sentido,
A FAMÍLIA é ponto forte;
Quando parece tudo perdido…
Ela aponta-nos o Norte!...
Jorge Manuel Moreira de Castro (Montargil)

1º do Alentejo
Celeste Maria Charneca (S.Miguel de Machede)

1º Montargil
Miguel António Batista Mendes

1º EBI
Miguel António Batista Mendes

Fonte:
Resultado enviado por Lino Mendes

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Paulo Leminski (Escrevo. E pronto)


A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 10


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 322)


Uma Trova Nacional

Em sonhos ouço teus passos,
e numa ilusão só minha,
eu sinto até teu abraço,
acordo e choro sozinha.
NEOLY DE OLIVEIRA VARGAS/RS–

Uma Trova Potiguar

Quando o poeta se extasia,
nas asas, da inspiração,
faz do sonho, a poesia,
põe no verso, o coração.
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Amparo/SP
Tema: DESABAFO - M/H

é num desabafo mudo
Que muita gente se trai,
Deixando o olhar dizer tudo
Que com palavras não sai!
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Num devaneio qualquer,
feito de sonho e de imagem,
no seu corpo de mulher
fiz a mais linda viagem.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Sou jardineiro imperfeito,
pois no jardim da amizade,
quando planto um amor perfeito
nasce sempre uma saudade...
–ADELMAR TAVARES/PE–

Simplesmente Poesia

Saudade é uma Ficção...
–AUGUSTO MACÊDO/RN–

Chegaram a conclusão
que o cientista não mente,
está provado realmente:
Saudade é uma ficção.
Já existe outra versão
disse um grande pensador
que a saudade é uma dor
que a gente sente doer,
é oculta e ninguém “ver”
não tem perfume, nem cor!

Estrofe do Dia

Nunca tive a vida bela
mas mesmo assim não me queixo,
padeço a dor mas não deixo
outro participar dela,
nem sou daqueles que apela
depois da causa perdida,
não vou chorar na subida
nem rir quando estou descendo;
já me acostumei sofrendo,
pra que reclamar da vida?
-MÁRIO LOPES/CE-

Soneto do Dia

Teu Presente
–ERÁCLIO SALLES/BA–

Pensei que a terra, por demais escura,
Manchasse o alvor de teus formosos braços.
E arrojei-me, quixótico, aos espaços,
Sorvendo aos tragos a amplidão da altura.

Penetrei mundos de celeste alvura,
Cansando o olhar, multiplicando os passos.
Venci desertos, esmaguei cansaços,
De um presente trazer-te, indo à procura.

Fiquei cego de ver tanta miragem,
Fitando estrelas, no ansiar profundo.
Nem só uma escolhi - tantos cuidados ! -

Nada te posso dar dessa viagem.
Mas sei, no entanto, que te trouxe um mundo
Na memória dos olhos apagados.

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem obtida no Informe Os Trovadores da UBT Curitiba, setembro de 2011.

Hermoclydes S. Franco (Mulher)

Desenho a carvão por JB Xavier
Seja, sempre , a razão dos pensamentos
Que os meus sonhos perpassam de emoções...
Seja o brilho de todos os momentos
E a mais rara entre vivas sensações...

O desejo de intensas vibrações
Que percorrem meu corpo como os ventos!
A esperança de suaves ilusões
E a certeza tranqüila dos intentos!

Seja o aroma mais puro e delicado
Que o das flores silvestres da campina
E a oração que embeleza a minha vida”!...

Seja o vulto sutil e iluminado,
Encanto da beleza feminina,
Seja o meu talismã, mulher querida!...

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Resultados dos Concursos Internos da UBT Curitiba Maio e Junho


Maio de 2011
- Tema: Fortaleza (L/F)


Vencedor -

Desde criança a Poesia
é a minha grande riqueza:
minha fonte de alegria,
minha eterna Fortaleza!
Roza de Oliveira

Menção Honrosa –

Teu charme, encanto e beleza,
dão aos poetas um tema,
ó encantada Fortaleza,
linda Terra de Iracema!
Maurício N. Friedrich

Menção Especial -

Crer, amar, doar, sofrer,
verbos de sabedoria.
Só com esses vamos ter
fortaleza todo dia.
Paulo Walbach Prestes

Menção Especial -

Embora não seja forte
e nem possua destreza
em Deus é que busco o norte
e também a fortaleza.
Paulo Roberto M. Gomes

Junho de 2011
Tema: Semblante (L/F)

Vencedor -

Por mais que eu sofra, querida,
com meus sonhos, sigo adiante:
- A iluminar minha vida
levo a luz do teu semblante.
Luiz Hélio Friedrich

Menção Honrosa -

Tuas palavras bonitas
eu recordo nesse instante:
promessas que estão escritas
nas linhas do teu semblante.
Janske Schlenker

Menção Especial

Na penumbra, o teu semblante,
doce e meigo, dá a ilusão,
de ativar, num só instante,
nosso fogo da paixão!
Maurício N. Friedrich

Junho de 2011
Tema: Deboche (H)

Vencedor -

Passa a vida debochando
acha que não vai ter troco -.
Estava rindo: Foi quando
nem viu de onde veio o soco!
Janske Schlenker

Menção Honrosa –

Toda coisa tem limite:
parafuso e até deboche!
Havendo graça que incite,
aperte, mas não arroche.
Mário A.J.Zamataro

Menção Especial –

Debochado, o “seu” capeta
diz no inferno a seu freguês:
Vais soltar uma gorjeta
ou vais ao fogo, de vez?
Maurício N. Friedrich

Fonte:
Informe Os Trovadores - Ano 20. Nº 67 - Setembro/2011

Projeto Releituras (Boletim de Setembro)

Encontros SESC Memórias

Clique sobre a imagem para ampliar
GEDES / SESC Memórias
Dr. Plínio Barreto, 285
CEP: 01313-020
TEL: (11) 3016-1689
(11) 3016-1687
sescmemorias@sescsp.org.br
sescsp.org.br

Monteiro Lobato (O Saci) XXIII - A Cuca; XXIV – O novelo de cipós


XXIII – A Cuca

Súbito o saci exclamou:

— É lá!

— É lá o quê? — perguntou Pedrinho.

— A caverna da Cuca, naquela montanha de pedras nuas. Conheço bem estes sítios.

Pedrinho olhou na direção apontada e só viu grandes massas de sombras. Apesar de ser noite de lua, havia névoas no céu, de modo que a claridade não dava para perceber mais que o vulto da montanha estendida à sua frente. Que a região era pedregosa, isso Pedrinho logo percebeu, tais faíscas tirava do chão o seu cavalinho pangaré. Entretanto, não tropeçava, o que seria naturalíssimo num animal acostumado a só trotar por bons caminhos ou campos livres de pedras.

— Estou estranhando este cavalo! — não pôde deixar de dizer o menino. — Positivamente não é o mesmo. Nem sequer tropeça...

— É que lhe dei a comer sete folhas de uma planta que só eu sei para que serve.

— Logo vi. Seria ótimo que me ensinasse o segredo dessa planta. Com ela a gente poderia até transformar um burro morto em Bucéfalo...

O saci, apesar das suas habilidades e espertezas de demoninho, ignorava a história dos cavalos célebres, e pois ficou na mesma com a citação do tal Bucéfalo.

— Que bicho é esse? — perguntou.

— Oh, era o cavalo de Alexandre, o Grande, um cavalo bravíssimo, que nenhum homem, fora Alexandre, jamais conseguiu domar. Um dia, quando estivermos sossegados, hei de contar a história dos grandes cavalos.

— Sim — interrompeu o saci — mas agora feche o bico. Estamos nos domínios da Cuca, onde qualquer imprudência nos pode custar caro. Essa horrenda bruxa tem ouvidos ainda mais apurados que os meus.

Pedrinho calou-se.

Nisto, a lua saiu de trás das nuvens e ele pôde ver melhor o sítio onde se achava. Bem à frente erguia-se a muralha duma montanha de pedras negras, com arvoredo retorcido brotando das brechas. Era uma paisagem diabólica, que punha nos nervos das criaturas os mais esquisitos arrepios. Lugar bom mesmo para morada de monstros como a Cuca...

— É ali! — murmurou baixinho o saci, apontando para uma abertura negra. — É ali a entrada da caverna da grande malvada.

— Como sabe? — perguntou Pedrinho tolamente.

— Que pergunta! — respondeu o saci com ironia. — Sei porque sei. Tinha graça que um saci não soubesse onde mora a Cuca... Mas, silêncio! Temos que entrar com mil cautelas, de arrasto, como se fôssemos cobras. Não! Não! O melhor é nos disfarçarmos em folhagem.

— Como isso?

— Nada de perguntas. Faça o que eu fizer, sem discutir — ordenou o diabrete, afastando-se dali para arrancar braçadas de folhas da árvore mais próxima.

Pedrinho fez o mesmo. Em seguida o saci lascou da mesma árvore umas embiras, com as quais amarrou a folhagem em redor do seu corpinho. O menino fez o mesmo.

Ficaram tal qual dois arbustos móveis e, assim disfarçados, dirigiram-se para a caverna do horrendo monstro, pé ante pé, tão devagarzinho que levaram vinte minutos para caminhar uns poucos metros.

Súbito, ao dobrarem uma curva, viram lá num canto a rainha. Estava sentada diante duma fogueira, de modo que a claridade das chamas permitia que as “folhagens” lhe vissem a carantonha em toda a sua horrível feiúra. Que bicha! Tinha cara de jacaré e garras nos dedos como os gaviões. Quanto à idade, devia andar para mais de três mil anos. Era velha como o Tempo.

— Estamos de sorte — disse o saci ao ouvido do menino. — A Cuca só dorme uma noite cada sete anos e chegamos justamente numa dessas noites.

— Como sabe? — indagou Pedrinho, cuja curiosidade não tinha limites.

O saci danou e ameaçou-o, se continuasse com tais perguntas, de deixá-lo ali sozinho para ser devorado pelo monstro. Em seguida queimou na brasa do pito uma misteriosa folha, que havia apanhado pouco antes sem que o menino o percebesse.

— Esta fumaça vai fazer que o sono da rainha seja mais pesado do que todas as pedras desta gruta. Depois de estar completamente adormecida, temos de amarrá-la muitíssimo bem amarrada.

Logo que a fumaça alcançou o focinho da Cuca, esta, que já estava dando mostras de sono, pendeu a cabeça de lado e roncou.

— Já caiu no sono — disse o saci. — Podemos agora tirar nossa roupa de folhas e sair em busca de cipós. Conheço um cipó que vale por quanta corda existe — até parece cipó próprio de amarrar cucas...

Despiram-se das folhas e saíram da caverna muito satisfeitos, porque as coisas estavam correndo às mil maravilhas.

XXIV – O novelo de cipós

Cortado o cipó, trouxeram-no em dois grandes rolos, e sem receio nenhum, pois os roncos da Cuca mostravam que ela estava a dormir como quem não dormia há sete anos, começaram a amarrá-la dos pés à cabeça.

Mais uma vez teve Pedrinho de reconhecer como era hábil e arteiro o seu amigo saci. Amarrar parece coisa fácil, mas não é. Se Pedrinho houvesse amarrado a Cuca, o mais certo era que com dois safanões a bruxa se livrasse da cipoada num minuto. Mas com o saci deu-se coisa diferente. O diabinho parecia nunca ter feito outra coisa na vida. Amarrou-a com a mesma ciência com que as aranhas amarram as moscas nas suas teias, sem deixar um ponto fraco. O segredo, explicou ele, era estudar a amarração de modo que ao despertar a Cuca não pudesse fazer o menor movimento. Porque se a criatura amarrada puder fazer um pequeno movimento, por menor que seja, afrouxará um ponto no amarrilho; e depois afrouxará outro ponto — e assim irá até libertar-se duma vez.

Terminada a obra, em vez de Cuca viu-se no chão um verdadeiro carretel de cipó.

— Sim, senhor! — exclamou Pedrinho. — Aprendi mais hoje do que em toda a minha vida. Esta diaba pode ter a força de cem elefantes, mas duvido que escape da “nossa” amarração.

O saci sorriu daquele “nossa”, mas calou-se. Limitou-se a enxugar o suor da testa.

— Temos agora de acordá-la — disse depois.

— Deixe esse ponto comigo — pediu o menino. — Com um bom pau de guatambu, eu acordo-a bem acordada.

— Nada de paus! Você não conhece a Cuca. Um monstro de três mil anos, como ela, havia de rir-se das pauladas dum menino como você. À força, é impossível lutar com ela. Temos de usar da astúcia. A arma a empregar vai ser o pingo d’água.

— Lá vem o pingo d’água outra vez! — exclamou o menino. — Até parece caçoada, querer com um pobre pingo d’água dominar uma bruxa destas...

— Pois fique sabendo que é o único meio.

Pedrinho não entendeu, ficando de boca aberta a ver as manobras do saci. A engenhosa criaturinha trepou que nem macaco pelas estalactites gotejantes da gruta até alcançar a que ficava bem a prumo sobre a cabeça da Cuca. E lá, então, encaminhou um fiozinho d’água de modo que gotejasse lentamente bem no meio da testa da Cuca.

— Basta isso — disse ele. — No começo ela nem sente; mas com a continuação a dor vai ficando tamanha que há de dar-se por vencida.

— Sim, senhor! — murmurou o menino. — Está aí uma invenção que nunca imaginei, mas agora me lembro que vovó nos contou uma história assim...

— Pois é — disse o saci. — Ambos ouvimos essa história; mas só eu prestei atenção e já estou tirando partido do que aprendi. Sou dez vezes mais esperto que você, Pedrinho. Não acha?

O menino não teve remédio senão achar que era mesmo. Os pingos começaram a cair. Os cem primeiros nenhuma impressão fizeram na bruxa, cujo sono parecia dos mais gostosos. Daí por diante já esse sono não pareceu mais tão calmo. Começou a fazer caretas, como se estivesse sonhando algum sonho horrível. Por fim abriu um olho e depois o outro.

Por vários minutos permaneceu apatetada, vendo diante de si aquelas duas criaturas de mãos na cintura, a olharem para ela sem dizer coisa nenhuma. Depois a sua inteligência foi acordando e notou o pingo a lhe cair na testa. Quis mudar de posição. Não pôde. Só nesse momento viu que estava amarradinha como se fosse um carretel e condenada à mais absoluta imobilidade.
____________
continua... XXVI - O pingo d’água; XXV – A Iara
--------------
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ialmar Pio Schneider (Sedução)

Aquarela de Angela Ponsi
Procuro obter do verso o privilégio
que me faça seguir outras venturas,
porque lembrando teu semblante régio,
naufrago infausto em sendas tão obscuras.

Desejo conseguir o sortilégio
que te envolve total nas espessuras;
jamais cometerei o sacrilégio
de macular as tuas formas puras...

E vives qual a musa inatingível
que povoa meu cérebro todo dia
e me fazes viver em alto nível...

Pelo que representas de magia,
eu já me considero tão sensível
que te amo na tristeza e na alegria…

Fonte:
Soneto e imagem enviados pelo autor

Ângela Togeiro (Momento Poético)


JUNTANDO AS METADES

Sou mulher,
por mais que evitemos
ser o que somos,
por mais que nos cubram de panos
para nos esconder,
ou que nos dispam para nos admirar,
por mais que nos mutilem o físico,
ou a alma, para nos anular,
por mais que nos espanquem
para mostrar
a força bruta da inferioridade,
por mais que nos desvalorizem
em piadas grosseiras,
será apenas
quando nos respeitarmos,
como seres que se completam,
que evoluiremos.
Homem e Mulher, Mulher e Homem,
Nosso destino é um só.
Fora isso,
fingimos evolução,
reconhecimento de direitos
criando mais desigualdade,
na falsa igualdade.
Somos mulheres perdidas
nos descaminhos da humanidade
mas sempre
Mulheres.

MULHER

Sou mulher,
sou todas as mulheres:
sou Afrodite, Amélia, Angela, Eva, Diana, Joana,
Madalena, Maria, Raquel, Rita, Sara,
Salomé, Tereza, Vênus, Zênite...
Tenho na genética
a herança dos tempos,
que me dá todos os nomes,
que me tira todos os nomes,
quando me desdobro em outra mulher.
Nasci em todas as raças,
tenho todas as cores puras e miscigenadas.
Pratico todos os credos.
Nasci em todos os cantos deste planeta.
Vivi em todas as eras.
Registrei meus gritos em todos os rincões,
mesmo se expulsos da alma
no mais profundo silêncio.
Vim de todos os lugares,
nasci em berço de ouro, em choupana,
na rua, nas matas, hospitais, templos...
Fui vestida, fui enrolada,
despida, jogada.
Gerada num útero que me amou,
ou num que me recusou.
Pouco importa, se rica ou pobre,
se esculpida no Belo ou no Feio,
preciso cumprir meu destino,
meu destino de Mulher.

Fonte:
Boletim Guatá

João Paulo Borges Coelho (Cidade dos Espelhos, lançamento no Instituto Camões, em Maputo)

artigo de Luís Carlos Patraquim
-----------------------------
Deixemos de lado a blague, para despistar, sobre a novela futurista, sub-título do autor a esta sua e nossa, por mérito dele, “Cidade dos Espelhos”

No princípio é a estranheza. Deixemos de lado a blague, para despistar, sobre a novela futurista, sub-título do autor a esta sua e nossa, por mérito dele, “Cidade dos Espelhos”. Como nos ensinou Sherlock Holmes, as primeiras evidências são, a mais das vezes, o engodo para a fulguração final da razão omnisciente que, sob a trama de enganos, falsas pistas, equívocos, repõe a ordem de um percurso, apazigua a intencional e prazeirosa perturbação de um mundo. Saudoso otimismo positivista que a incerteza apartou do nosso convívio.

Sobre os futurismos, russo, italiano à la Marineti, que custeou a sua publicação como publicidade redigida nas páginas do Figaro, à solitária aventura dos poetas do Orpheu, ficamos conversados. Maiakovski sucumbe aos seus Banhos; Marineti veste a camisa negra, e os poetas de Orpheu, de ouvido em concha para o ranger das máquinas quase inexistentes no país das uvas e estáticos ante a dramalogia em slow motion, deambulam pelos cafés da Baixa, fazem painéis, bravatas, sacodem a poeira e o cisco da Casa do Ser. Que às vezes é um galinheiro.

Mas é nessa sub-titulada designação que se revela a primeira subtil ironia de João Paulo Borges Coelho. Se ele fosse americano e andasse de casaco à banda pelos pubs de Greenwich Village, lia-se este livro e dizia-se: ora aqui está, o gajo está meio gótico, não te parece? Ou então convocava-se o Ray Bradbury: há uma poética; não, não se trata da particular ficção científica do autor de Farenheit e das Crônicas Marcianas, mas é amazing, meu, andar pela avenida Louise – um achado! – e afagar aquelas árvores de plástico, pressentir as aves agourentas, imaginar a insólita casa cor de mostarda. Será literatura fantástica? E as aves agourentas? E o “aerostato negro com as insígnias da República” que se desinfla e se estatela sobre os subúrbios? Será o colibri uma variação do corvo de Edgar Allen Poe? OMar de Sargaços, um dos capítulos, será uma homenagem ao reggae, uma alusão corsária, uma ondulada e ondulante meditação pós-colonial, uma paráfrase a Jane Rhys?

Devo dizer que não pretendo ter uma resposta nem julgo interessante essa cômoda classificação por gêneros ou atmosferas de alguma moda.

Este livro está cheio de sinais, de pontilhados exercícios de crueldade, a do mundo rarefeito onde estas personagens se movem. Alcandorado na irrevogável exigência de se demarcar de todas as antinomias, redutoras, enganosas, e alheio aos marcadores genéticos a que o câanon obriga para a jubilação identitária – moçambicaníssima, já se vê - João Paulo Borges Coelho prefere a cegueira dos sábios. No cabo do texto, avesso aos muitos ventos da História, conhecedor dela como é por ofício civil, olha o farol que, como dizia Sebastião Alba, “há séculos /que emite/ sinais indecifráveis”. Percebê-los, adivinhar-lhes ou inventar-lhes sentidos, vem sendo a empresa do autor de “As Visitas do Dr. Valdez”, desses majestosos Setentrião e Meridião onde um mesmo rio os une, masculino e feminino, como exemplarmente nos ensinou.

“Cidade dos Espelhos”. Côncavos? Convexos? Jogo de intersecções de refletidas imagens, floresta de enganos ou caminhos da floresta, os de Heidegger, recolhido na sua cabana depois da queda? Jogo e tensão do desejo como na sequência da Dama de Xangai, com um Orson Welles à procura da sua Rita Hayworth? Os espelhos…. Em Tlon, Uqbar, Orbis Tertius, de Jorge Luís Borges fala-se deles. “Devo à conjugação de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta de Uqbar”, confessa o autor de ficções, onde o texto se inclui. Estava o argentino com o amigo Bioy Casares. “Do fundo remoto do corredor, espreitava-nos o espelho. Descobrimos (a altas horas da noite esta descoberta é inevitável) que os espelhos têm algo de monstruoso. Então Bioy Casares – prossegue Borges – recordou que um dos heresiarcas de Uqbar havia declarado que os espelhos e a cópula eram abomináveis, porque multiplicam o número dos homens”. Também podia ir-se pela mão de Alice, mas deixemos Carroll e a sua dama de copas.

Porque tudo tem um começo, arregalamos os olhos, semi-cerramo-los, névoas e brilhos sucedem-se ante o insólito atentado às portas do Templo. Énoite, uma noite depois daquela, a antiquíssima, e deparamo-nos com o mais insólito atentado. Oautor descreve-o com alguma minúcia: umas bolinhas, que parecem de sabão, umas seringas e uma espécie de gosma, venenosa, presumimos, que três bradas – Caia, Laissone e Jeremias – sopram com uma cana. Terrorismo bacteriológico mas executado como se de uma brincadeira de crianças se tratasse. Em banda desenhada, com recorte ao fundo das colunas em sombra, veríamos a silhueta dos três da vida airada com as canas em pose e as bolinhas flanando – brilhantes ou brilhosas, como preferirem – em contraste com o escuro do mistério e o balão encimando o quadro com a onomatopeia “floc! floc!”. Éisto uma novela futurista?

E que cidade! Reduzida a si, sem topônimo, com uma parte alta, uma parte baixa, um subúrbio com paredes de chapas onduladas, ferinas, segundo o narrador. Um subúrbio assim descrito: “Os escanzelados candeeiros públicos delimitam no seu pé (o pé de Laissone) pequenas ilhas de luz sobre as quais esvoaçam, enlouquecidos, os insectos”.E, como se não bastasse, há ainda o som de um trompete. Énesta triangulação de percursos, com a sempre omnipresente avenida Louise – um achado, volto repetir – que as três personagens correm, fogem, deparam-se com gente estranha – não propriamente zombies – mas algo excêntricas, no sentido etimológico da palavra: avós desfiando o tempo, uma indefinida baba tecida agora de vazios, meninas e generais à varanda da sua obra de plástico. Caia, Laissne, Jeremias, são a única mobilidade acossada. E correm. Quando um deles é aprisionado e tropeça na palavra – para confessar, claro – a palavra é violentada. Apalavra não é da ordem da conotação. Querem-na confessional. O acontecimento tinha de ser com Jeremias. Ele faz, para si o filme breve da sua vida, mas, escreve o narrador, os torcionários “queriam dele uma torrente de palavras dóceis, que se dissolvessem numa certa lógica, mas o que o prisioneiro lhes entrega são palavras que engolem o acto, o transformam em algo que já não é acto mas uma qualquer delirante construção”. “Metáforas?”, pergunta ele, e a inquirição é-nos devolvida. Começamos a coçar a cabeça. Arre!, exclamariam, num certo antigamente da vida, os desaparecidos velhos de uma certa cidade que conhecemos. Mas Jeremias faz como Bartleby, embora o seu “preferia não… “ seja de outra ordem, porque impossível. Então, os “fragmentos de que falava – observa o narrador – são agora esquírolas que tomam conta das palavras, e as palavras são só letras soltas e sangue e guinchos e dentes e baba que excitam os torturadores, e por fim uma massa amorfa que flui devagar pelas comissuras dos lábios desfraldados, sem que seja necessário empurrá-la. Um cálido magma, quando muito um espaço mastigável”.

Grave circunstância nesta cidade futurada, a agrilhoada ou conspurcada condição das palavras. Talvez seja por isso que o som do trompete acentua a melancolia dos seres, enovelados numa espécie de tempo aracnídeo, onde há encarquilhadas mãos como raízes expostas segurando o fio, um fio de Ariadne que, suspeita-se, se perdeu.

Não obstante as vestes ditas futuristas, há nesta “Cidade dos Espelhos” a dimensão da catástrofe tal como a define Aristóteles na sua “Poética”. Cuja, consistia “numa acção perniciosa e dolorosa, como são as mortes em cena, as dores veementes, os ferimentos e mais casos semelhantes”. A catástrofe introduz a perturbação que prenuncia o desfecho, ou o desenlace. “O messias está exangue – escreve o narrador – sem condições para prosseguir o encantamento do mundo. A multidão murmura, relutante em dispersar.”

Desconfio que, no meio dela, anônimo e discreto, um certo poeta, tendo assistido ao julgamento dos personagens, percorrida a avenida Louise, constatado um inusitado frêmito nas estátuas perfiladas, escutado o “lamento sincopado das chapas onduladas”, percebida a seiva inquieta por dentro das árvores sintéticas da cidade alta, esse certo poeta com uma ideia de prosa, preferiu, apesar de tudo apiedar-se da “cidade dos espelhos”. “Por isso – condescende – ela ficará em suspenso, perdida neste jogo de reflexos, enquanto das falhas das paredes e dos passeios, dos frisos dos edifícios e dos castigados olhos das estátuas, não rebentarem novas ervas e destas surgirem as sementes de futuros personagens marchando lentamente em procissão até ao templo das colunas, com as suas cores e os seus rumores”.

Ele é a criança neotécnica, a pedamorfose, de que fala Giorgio Agamben, “a que pode dar atenção àquilo que não está escrito”. E prossegue: “Acultura e a espiritualidade genuína são aquelas que não esquecem esta originária vocação infantil da linguagem humana, enquanto uma cultura degradada caracteriza-se por tentar imitar um gérmen natural para transmitir valores imortais e codificados. (…) Em qualquer parte de nós o distraído rapazinho neotécnico continua o seu jogo real. (…) Só no dia em que essa originária não-latência infantil fosse verdadeiramente, vertiginosamente, assumida como tal, em que se recuperasse o tempo e o menino Aíon fosse distraído do seu jogo, os homens poderiam construir uma história e uma língua universais, já não diferentes, e pôr fim à sua errância nas tradições. Este autêntico apelo da humanidade em relação ao soma infantil tem um nome: o pensamento, ou seja, a política”.

Mas as crianças brincam e podem ser cruéis. Deste originalíssimo livro de João Paulo Borges Coelho, onde o puro jogo de muitos sinais mescla-se com a ironia, terna é ela, onde na rarefacção que o perpassa, a memória institui-se como ágon, e percebe-se uma visualidade que a arte da escrita nos oferece, entre a imobilidade misteriosa de certos quadros de Paul Delvaux e a convulsão interior da Cathédral Engloutie, de Débussy, deste livro pode-se dizer que é um dos mais originais da literatura moçambicana.

Razão tem Nazir Can quando observa que “ a chegada de JPBC produz um saudável abalo no universo literário moçambicano. Estamos certos que a sua escrita, como ocorre com todos os tremores, marcará uma época”.

O autor que me perdoe por citar e falar, não de livros e seus fazedores, mas, seguindo na esteira deste seu entusiástico e competente estudioso, o inclua onde ele, afinal, também está.

João Paulo Borges Coelho é hoje dono de uma obra que, como afirma Nazir Can, “faz da relativização ou mesmo da desmistificação de toda a certeza, principalmente das certezas históricas e causas ideológicas de sentido único, a sua pedra angular. Esta opção, de resto, permite ao autor projetar um olhar novo sobre a História de Moçambique, um olhar que transcende a fácil dicotomia (entre “bons” e “maus”, “colonizadores” e “colonizados”) e que, simultaneamente, evita a facilidade do “indiferenciado no diverso”. Finalmente, JPBC consegue encontrar um caminho original para desenvolver a sua escrita, sem ter que passar pelo filtro de justificações normalmente exigidas ao escritor africano: porta-voz autorizado do lugar; missão social e compromisso político, que sustentam e outorgam sentido à sua vida literária, etc.

Parafraseando Rimbaud, é na liberdade livre que está o compromisso do autor de “Cidade dos Espelhos”. Só me resta saudá-lo com admiração e amizade. E convidar-vos à leitura

Fonte:
Revista Literas (Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona). Maputo, 30 de agosto de 2011. ano 1. n.8. enviada por Amosse Mucavele (coordenador). Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa.

Bertold Brecht (Livro de Poemas)


Para se ler num primeiro dia de maio.

A EXCEÇÃO E A REGRA

Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.

NADA É IMPOSSÍVEL DE MUDAR

Desconfiai do mais trivial ,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

TEMPOS SOMBRIOS

Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes,
pois implica em silenciar
sobre tantos horrores.

PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO QUE LÊ.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis.
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros?

A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.

Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes?

Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas

Fonte:
Boletim Guatá

Bertolt Brecht (Se os Tubarões Fossem Homens)


Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não morressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas goelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as goelas dos tubarões.A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as goelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

Fonte:
Boletim Guatá.

Berthold Brecht (1898 – 1958)


Eugen Berthold Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955.

Ao final dos anos 1920 Brecht torna-se marxista, vivendo o intenso período das mobilizações da República de Weimar, desenvolvendo o seu teatro épico. Sua praxis é uma síntese dos experimentos teatrais de Erwin Piscator e Vsevolod Emilevitch Meyerhold, do conceito de estranhamento do formalista russo Viktor Chklovski, do teatro chinês e do teatro experimental da Rússia soviética, entre os anos 1917-1926. Seu trabalho como artista concentrou-se na crítica artística ao desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista.

Brecht nasceu no Estado Livre da Baviera, no extremo sul da Alemanha, estudou medicina e trabalhou como enfermeiro num hospital em Munique durante a Primeira Guerra Mundial. Era filho de Berthold Brecht, diretor de uma fábrica de papel, católico, exigente e autoritário, e de Sophie Brezing (em solteira), protestante, que fez seu filho ser batizado nesta igreja.

Suas primeiras peças, Baal (1918/1926) e Tambores na Noite (1918-1920), foram encenadas na vizinha Munique. Em sua participação no teatro Brecht conhece o diretor de teatro e cinema Erich Engel, com quem veio a trabalhar até o fim da sua vida.

Depois da primeira grande guerra mudou-se para Berlim, onde o influente crítico, Herbert Ihering, chamou-lhe a atenção para a apetência do público pelo teatro moderno. Trabalha inicialmente com Erwin Piscator, famoso por suas cenas Piscator, como eram chamadas, cheias de projeções de filmes, cartazes, etc. Em Berlim, a peça Na Selva das Cidade, protagonizada por Fritz Kortner e dirigida por Engel, tornou-se o seu primeiro sucesso.

Com a eleição de Hitler, em 1933, Brecht exila-se primeiro na Áustria, depois Suíça, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Inglaterra, Rússia e finalmente nos Estados Unidos. Recebeu o Prêmio Lênin da Paz em 1954.

Seus textos e montagens o fizeram conhecido mundialmente. Brecht é um dos escritores fundamentais deste século: revolucionou a teoria e a prática da dramaturgia e da encenação, mudou completamente a função e o sentido social do teatro, usando-o como arma de consciencialização e politização.

As suas principais influências foram Constantin Stanislavski, Vsevolod Emilevitch Meyerhold, Erwin Piscator e Viktor Chklovski.

Algumas de suas principais obras são: Um Homem é um Homem, em que cresce a ideia do homem como um ser transformável, Mãe Coragem e Seus Filhos, sobre a Guerra dos Trinta Anos, escrita no exílio, no começo da Segunda Guerra Mundial, e A Vida de Galileu.

Além dessas, escreveu também Seu Puntila e seu Criado Matti, A Resistível Ascensão de Arturo Ui, O Círculo de Giz Caucasiano, A Boa Alma de Setzuan, A Santa Joana dos matadouros e A Ópera dos Três Vinténs.

Teatro Épico

Não é simples falar sobre o conceito que Brecht tinha do teatro, apesar de ao longo de 30 anos haver escrito ensaios e comentários sobre este tema. Este autor era mais um pensador prático, que sempre recriava suas peças ou "experimentos sociológicos", como as preferia chamar, no intuito de aperfeiçoá-las. Pois era através delas que toda sua teoria, crítica e pensamento seriam expostos.

Além de dramaturgo e diretor, Brecht foi responsável por aprofundar o método de interpretação do teatro épico, uma das grandes teorias de interpretação do século XX. Uma das grandes influências no desenvolvimento desta forma de interpretação foi a arte do ator Mei Lan-Fang, que Brecht acompanhou numa representação em Moscou em 1935.

Descreve Brecht em Escritos sobre Teatro um relato deste ator chinês que informa muito sobre a forma de interpretação no teatro épico, ao representar papéis femininos. Mei Lan-Fang repetira várias vezes numa palestra, por seu tradutor, que ele representava personagens femininos em cena, mas que não era imitador de mulheres. Continua Brecht, descrevendo uma demonstração das técnicas deste ator num encontro, que este ator, de terno, executava certos movimentos femininos, ressaltando sempre a presença de duas personagens, um que apresentava e outro que era apresentado. Brecht sublinha que o ator chinês não pretendia andar e chorar como uma mulher, mas como uma determinada mulher (pg40, vol2).
[editar] Interpretação épica

Segundo Rosenfeld, "Foi desde 1926 que Brecht começou a falar de ‘teatro épico’, depois de pôr de lado o termo ‘drama épico’, visto que o cunho narrativo da sua obra somente se completa no palco" (ROSENLD, 1965, p. 146), é possível inferir, portanto, a importância que a encenação tem para os textos brechtianos. É só através da atitude dos atores, do cenário, da música, dos sons e até do silêncio que seu pensamento se completa, só através destes elementos que seu texto causará o efeito desejado, caso o contrário seu não causará o impacto devido.

No início de sua carreira Brecht estabelece os elementos de uma nova forma de interpretação para o ator. Em, a propósito dos critérios de apreciação da arte dramática, defende o ator Peter Lore de críticas negativas dizendo que uma interpretação gestual levará o público a exercer uma operação crítica do comportamento humano. Afirma que cada palavra deve encontrar um significado visual e através do gesto o espectador pode compreender as alternativas da cena (Peixoto, 1974, 2. edição, pg; 68).

Peixoto descreve que para Brecht a interpretação gestual deve muito ao cinema mudo, principalmente a Chaplin, que elaborara uma nova forma de figuração do pensamento humano (Peixoto, 1974, 2. edição, pg; 68). Esta preocupação levará a que Brecht defina o conceito de gestus na interpretação e montagem de suas peças.
[editar] Influências

Conforme destaca Fredric Jameson, em seu Método Brecht, algumas das inovações propostas pela cena brechtiana são similares àquelas propostas por importantes artistas modernistas no teatro ou em outras artes. Destacam-se entre eles a dramaturgia de Frank Wedekind, influência reconhecida pelo próprio Brecht, o romance Ulysses de James Joyce, as propostas cubo-futuristas de Maiakovski, ou construtivistas no cinema de Sergei Eisenstein e, principalmente, os postulados do diretor de teatro Meyerhold e os procedimentos de colagem nos trabalhos de Picasso.

Willet, por outro lado, reforça o aspecto da construção narrativa em seu trabalho: Com Brecht os mesmos princípios de montagem espalham-se ao teatro pois a forma narrativa do teatro épico seria mais adequada para se lidar com temas sócio-econômicos, evidenciando Willet que a montagem foi a técnica estrutural mais natural na prática artística brechtiana (1978, 110).

Algumas de suas Peças de teatro

Baal 1918/1923
Tambores na Noite 1918-20/1922
Os mendigos 1919/?
O Casamento do Pequeno Burgues 1919/1926
Na Selva das Cidades 1921-24/1923
A Vida de Edward II da Inglaterra 1924/1924
O Homem é um Homem (Mann ist Mann) 1924-26/1926
O Elefante Calf 1924-6/1926
Mahagonny 1927/1927
A Ópera dos Três Vinténs 1928/1928
O Vôo no Oceano 1928-29/1929
A Peça de Baden-Baden 1929/1929
Happy End 1929/1929
Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny 1927-29/1930
Aquele que diz Sim, Aquele que diz Não 1929-30/1930-?
A Decisão 1930/1930
Santa Joana do Matadouros 1929-31/1959
A Exceção e a Regra 1930/1938
A Mãe 1930-31/1932
Os Sete Pecados Capitais 1933/1933
Cabeças Redondas, Cabeças Pontudas 1931-34/1936
Horácios e Curiácios 1933-34/1958
Terror e Miséria no Terceiro Reich 1935-38/1938
Os Fuzis da Senhora Carrar 1937/1937
Galileo Galilei 1937-9/1943
Quanto Custa o Ferro 1939/1939
Mãe Coragem e seus Filhos 1938-39/1941
O Julgamento de Lucullus 1938-39/1940
O Sr Puntila e seu criado Matti 1940/1948
A Boa Alma de Sezuan 1939-42/1943
A Resistível Ascensão de Arturo Ui 1941/1958
As Visões de Simone Machard 1942-43/1957
Schweik na Segunda Guerra Mundial 1941-43/1957
O Círculo de Giz Caucasiano 1943-45/1948
Antígone 1947/1948
O Tutor 1950/1950
Coriolanus 1951-53/1962
O Julgamento de Joana D'Arc, 1952/1952
Turandot 1953-54/1969
Don Juan 1952/1954
Trompetes e Tambores 1955/1955

Fonte:
Wikipedia

Projeto irá Incentivar Livro e a Leitura


Objetivo é lançar livros a R$ 10 e elevar a leitura entre a população de renda menor.

A Fundação Biblioteca Nacional (FBN) será responsável pela execução do Programa Livro Popular, iniciativa do Governo Federal que irá destinar 36 milhões para estimular e fomentar o mercado editorial no pai. O objetivo é tornar o livro mais acessível a todas as camadas da população e ampliar o número de leitores no país.

O projeto, divulgado pela Presidente Dilma Roussef, durante o a solenidade de abertura da Bienal, é que os livros selecionados pelas editoras possam custar, no máximo, R$ 10 em qualquer localidade do território nacional. O edital programa terá dotação de R$ 36 milhões.

O primeiro edital será destinado aos editores para que inscrevam os livros que se enquadram na categoria livros populares. Além das livrarias, estão sendo convidados pontos de venda, como bancas de jornais e revistas, e outros pontos alternativos, para que façam a adesão ao programa. Ao mesmo tempo, está sendo aberto outro edital voltado às bibliotecas municipais, rurais e comunitárias, para que elas também se inscrevam no programa e digam se querem receber recursos do Livro Popular.

Com a ação, serão as próprias bibliotecas que escolherão os livros que desejam para seus acervos, entre uma lista grande do programa, que terá um portal na internet, para o acompanhamento e fiscalização das etapas do projeto. O Programa Livro Popular prevê que as publicações cheguem às classes C, D e E da estratificação social

A primeira etapa do programa está marcado para a próxima semana, com o cadastramento, por edital, dos livros populares indicados por editores. As livrarias, bancas de jornal e outros estabelecimentos de varejo que queiram vender livros mais baratos serão convidados a se inscrever no programa.

As bibliotecas já estão sendo cadastradas pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e convidadas a aderir ao projeto. Elas receberão um cartão-livro com créditos que vão de R$ 300,00 a R$ 15 mil para a compra dos livros que elas próprias escolherão.

O primeiro edital, a ser lançado ainda este ano, destinará R$ 35 milhões do Fundo Nacional de Cultura para a compra de quatro a cinco milhões de exemplares para as bibliotecas.

Fonte:
Boletim Guatá. setembro de 2011.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 9


Lima Barreto (Uma Noite no Lírico)


Poucas vezes ia ao antigo Pedro II, e as poucas em que lá fui, era das galerias que assistia ao espetáculo.

Munido do competente bilhete, às oito horas, entrava, subia, procurava o lugar marcado e, nele, mantinha-me, durante a representação. De forma que aquela sociedade brilhante que eu via formigar nos camarotes e nas cadeiras, me aparecia distante, colocada muito afastada de mim, em lugar inacessível, no fundo de cratera de vulcão extinto. Cá do alto, debruçado na grade, eu sorvia o vazio da sala com a volúpia de uma atração de abismo. As casacas corretas, os uniformes aparatosos, as altas toilettes das senhoras, semeadas entre eles, tentavam-me, hipnotizavam-me. Decorava os movimentos, os gestos dos cavalheiros e procurava descobrir a harmonia oculta entre eles e os risos e os ademanes das damas.

Nos intervalos, encostado a uma das colunas que sustentam o teto, observando os camarotes, apurava o meu estudo do hors-ligne, do distinto, com os espectadores que ficavam nas lojas.

Via correrem-se-lhes os reposteiros, e os cavalheiros bem encasacados, juntarem os pés, curvarem ligeiramente o corpo, apertarem ou mesmo beijarem a mão das damas que se mantinham eretas, encostadas a uma das cadeiras, de costas para a sala, com o leque em uma das mãos caídas ao longo do corpo. Quantas vezes não tive ímpetos de ali mesmo, com risco de parecer doido ao polícia vizinho, imitar aquele cavalheiro?

Quase tomava notas, desenhava esquemas da postura, das maneiras, das mesuras do elegante senhor...

Havia naquilo tudo, na singular concordância dos olhares e gestos, dos ademanes e posturas dos interlocutores, uma relação oculta, uma vaga harmonia, uma deliciosa equivalência que, mais do que o espetáculo do palco, me interessavam e seduziam. E tal era o ascendente que tudo isso tinha sobre o meu espírito que, ao chegar em casa, antes de deitar, quase repetia, com o meu velho chapéu de feltro, diante do meu espelho ordinário, as performances do cavalheiro.

Quando cheguei ao quinto ano do curso e os meus destinos me impuseram, resolvi habilitar-me com uma casaca e uma assinatura de cadeira do Lírico. Fiz consignações e toda a espécie de agiotagem com os meus vencimentos de funcionário público e para lá fui.

Nas primeiras representações, pouco familiarizado com aquele mundo, não tive grandes satisfações; mas, por fim, habituei-me.

As criadas não se fazem em instantes duquesas? Eu me fiz logo homem de sociedade.

O meu colega Cardoso, moço rico, cujo pai enriquecera na indústria das indenizações, muito concorreu para isso.

Fora simples a ascensão do pai à riqueza. Pelo tempo do governo provisório, o velho Cardoso pedira concessão para instalar uns poucos de burgos agrícolas, com colonos javaneses, nas nascentes do Purus; mas, não os tendo instalado no prazo, o governo seguinte cassou o contrato. Aconteceu, porém, que ele provou ter construído lá um rancho de palha. Foi para os tribunais que lhe deram ganho de causa, e recebeu de indenização cerca de quinhentos contos.

Encarregou-se o jovem Cardoso de me apresentar ao "mundo", de me informar sobre toda aquela gente. Lembro-me bem que, certa noite, me levou ao camarote dos Viscondes de Jacarepaquá. A viscondessa estava só; o marido e a filha tinham ido ao buffet. Era a viscondessa uma senhora idosa, de traços empastados, sem relevo algum, de ventre proeminente, com um pince-nez de ouro trepado sobre o pequeno nariz e sempre a agitar o cordão de ouro que prendiaum grande leque rococó.

Quando entramos, estava sentada, com as mãos unidas sobre o ventre, tendo o fatal leque entre elas, o corpo inclinado para trás e a cabeça a repousar sobre o espaldar da cadeira. Mal desmanchou a posição em que estava, respondeu maternalmente aos cumprimentos, e interrogou o meu amigo sobre a família.

— Não desceram de Petrópolis, este ano?

— Meu pai não tem querido... Há tanta bexiga...

— Que medo tolo! Não acha doutor? dirigindo-se a mim.

Respondi:

— Penso assim também, viscondessa.

Ela ajuntou então:

— Olhe, doutor... como é a sua graça?

— Bastos, Frederico.

— Olhe, doutor Frederico; lá em casa, havia uma rapariga... uma negra... boa rapariga...

E, por aí, desandou a contar a história vulgar de uma pessoa que trata de outra atacada de moléstia contagiosa e não apanha doença, enquanto a que foge, vem a morrer dela.

Depois da sua narração, houve um curto silêncio; ela, porém, o quebrou:

— Que tal, o tenor?

— E bom, disse o meu amigo. Não é de primeira ordem, mas se o pode ouvir...

— Ah! O Tamagno! suspirou a viscondessa.

— O câmbio está mau, refleti; os empresários não podem trazer notabilidades.

— Nem tanto, doutor! Quando estive na Europa, pagava por um camarote quase a mesma cousa que aqui... Era outra cousa! Que diferença!

Como houvessem anunciado o começo do ato seguinte, despedimo-nos. No corredor, encontramos o visconde e a filha. Cumprimentamo-nos rapidamente e descemos para as cadeiras.

Meu companheiro, segundo a praxe elegante e desgraciosa, não quis entrar logo. Era mais chic esperar o começo do ato... Eu, porém, que era novato, fui tratando de abancar-me. Ao entrar, na sala, dei com o Alfredo Costa, o que me causou grande surpresa, por sabê-lo, apesar de rico, o mais feroz inimigo daquela gente toda.

Não foi durável o meu espanto. Juvenal tinha posto a casaca e cartola, para melhor zombar, satirizar e estudar aquele meio.

— De que te admiras? Venho a este barracão imundo, feio, pechisbeque, que faz todo o Brasil roubar, matar, prevaricar, adulterar, a fim de rir-me dessa gente que tem as almas candidatas ao pez ardente do inferno. Onde estás?

Disse-lhe eu, ao que ele me convidou:

— Vem para junto de mim... Ao meu lado, a cadeira está vazia e o dono não virá. E a do Abrantes que me avisou disso, pois, no fim do primeiro ato, me disse que tinha de estar em certo lugar especial... Vem que o lugar é bom para observar.

Aceitei. Não tardou que o ato começasse e a sala se enchesse... Ele logo que a viu assim, falou-me:

— Não te dizia que, daqui, tu poderias ver quase toda a sala?

— E verdade! Bela casa!

— Cheia, rica! observou o meu amigo com um acento sarcástico.

— Há muito que não via tanta gente poderosa e rica reunida.

— E eu há muito tempo que não via tantos casos notáveis da nossa triste humanidade. Estamos como que diante de vitrinas de um museu de casos de patologia social.

Estivemos calados, ouvindo a música; mas, ao surgir na boca de um camarote, à minha direita, já pelo meio do ato, uma mulher, alta, esguia, de grande porte, cuja tez moreno-claro e as jóias rutilantes saíam muito friamente do fundo negro do vestido, discretamente decotado em quadrado, eu perguntei:

— Quem é?

— Não conheces? A Pilar, a "Espanhola".

— Ah! Como se consente?

— E um lugar público... Não há provas. Demais, todas as "outras" a invejavam... Tem jóias caras, carros, palacetes...

—Já vens tu...

— Ora! Queres ver? Vê o sexto camarote de segunda ordem, contando de lá para cá! Viste?

—Vi.

— Conheces a senhora que lá está?

— Não, respondi.

— E a mulher do Aldong, que não tem rendimentos, sem profissão conhecida ou com a vaga de que trata de negócios. Pois bem: há mais de vinte anos, depois de ter gasto a fortuna da mulher, ele a sustenta como um nababo. Adiante, embaixo, no camarote de primeira ordem, vês aquela moça que está com a família?

— Vejo. Quem é?

— E a filha do doutor Silva a quem, certo dia, encontraram, em uma festa campestre, naquela atitude que Anatole France, num dos Bergerets, diz ter alguma cousa de luta e de amor... E os homens não ficam atrás...

— És cruel!

— Repara naquele que está na segunda fila, quarta cadeira, primeira classe. Sabes de que vive?

— Não.

— Nem eu. Mas, ao que corre, é banqueiro de casa de jogo. E aquele general, acolá? Quem é?

— Não sei.

— O nome não vem ao caso; mas sempre ganhou as batalhas... nos jornais. Aquele almirante que tu vês, naquele camarote, possui todas as bravuras, menos a de afrontar os perigos do mar. Mais além, está o Desembargador Genserico...

Costa não pôde acabar. O ato terminava: palmas entrelaçavam-se, bravos soavam. A sala toda era uma vibração única de entusiasmo. Saímos para o saguão e eu me pus a ver todos aqueles homens e mulheres tão maldosamente catalogados pelo meu amigo. Notei-lhe as feições transtornadas, o tormento do futuro, a certeza da instabilidade de suas posições. Vi todos eles a arrombar portas, arcas, sôfregas, febris, preocupados por não fazer bulha, a correr à menor que fosse...

E ali, entre eles, a "Espanhola" era a única que me aparecia calma, segura dos dias a vir, sem pressa, sem querer atropelar os outros, com o brilho estranho da pessoa humana que pode e não se atormenta...

Fonte:
BARRETO, Lima. A Nova Califórnia - Contos. São Paulo: Brasiliense, 1979.
Texto proveniente da Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 321)


Uma Trova Nacional

Partiste... eu sonho... tu sonhas
e nós seguimos mentindo:
nós somos dois sem-vergonhas
que vivem se despedindo.
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Uma Trova Potiguar

Mandaram-me “ouvir estrelas”.
Comecei a contemplá-las...
Apenas consegui vê-las,
não consegui escutá-las.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - Venc.

Não julgue alguém pela imagem,
pois muitos fazem de tudo
para esconder na “embalagem”
a falta de conteúdo.
–GERSON CÉSAR SOUZA/PR–

Uma Trova de Ademar

Ao partir, causaste um drama
e, em estado de demência,
finjo ter você na cama...
E nem sinto a sua ausência.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Eu creio em Deus com profundo
sentido de lucidez,
mas no Deus que fez o mundo,
não no Deus que o mundo fez!
–ALFREDO DE CASTRO/MG–

Simplesmente Poesia

Nossas almas como rios caudalosos,
Fundem-se a desaguarem no amor.
Vão recebendo de afluentes preciosos
As delícias deste sentir acolhedor!
Ser livre é não ser escravo das culpas
do passado nem das preocupações do amanhã.
Ser livre é ter tempo para as coisas que se ama.
É abraçar, se entregar, sonhar, recomeçar tudo de novo.
É desenvolver a arte de pensar e proteger a emoção.
Mas, acima de tudo, ser livre é ter um caso de amor
com a própria existência e desvendar seus mistérios.
–AUGUSTO CURY/SP–

Estrofe do Dia

Sabe o que ficou pra mim
de mamãe que não me esqueço,
um retrato do começo
e o retrato do fim,
ambos agradam a mim
embora os veja sem gosto,
um mostra rugas no rosto
e o outro tão diferente;
um parece o sol nascente
outro parece o sol posto.
–ZÉ DE CAZUZA/PB–

Soneto do Dia

Contradição
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor