quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Edmo Rodrigues Lutterbach (1931 – 2011)

Faleceu ontem no Hospital das Clínicas, de Niterói.
O corpo velado na sede da Academia Fluminense de Letras (prédio da Biblioteca Pública de Niterói, Praça da República s/n.

As 9 e meia, o corpo seguiu para Cantagalo, onde foi também velado.
O sepultamento em Macuco.

Filho de Sebastião Henrique Lutterbach e Liberalina Rodrigues Lutterbach, nasceu na Fazenda Mont Vernon, Município de Cantagalo, no dia 12 de outubro de 1931. Faleceu em Niterói, em 27 de setembro de 2011.

Antes de completar dois anos de idade, foi com os pais residir na Fazenda da Saudade (foto abaixo), conhecidíssimo berço do genial autor de Os Sertões, Euclydes da Cunha, nascido em 20 de janeiro de 1866. Tal fazenda foi também o solo de Aníbal Teixeira de Carvalho, nato em 19 de maio de 1864.

Fez-se advogado, promotor de justiça, juiz municipal, vereador, presidiu a Câmara Legislativa de Cantagalo. Exerceu o cargo de secretário de Finanças e de Interior. Elaborou Relatório apresentado ao Presidente do Estado do Rio (dois volumes). Deputado federal; representou o Estado do Rio de Janeiro em Congresso Jurídico Americano.

Edmo fez o Curso Primário na Escola Pública Mont Vernon; após, estudou em Santa Rita do Rio Negro, fazendo um percurso de dezesseis quilômetros a cavalo, de segunda a sexta-feira.

Admissão e Ginasial no Colégio Euclydes da Cunha, em Cantagalo. Ainda, a Escola Técnica de Comércio da mesma cidade, 1948/1953.

No ano 1954, trabalhando em Banco, requereu transferência para agência de Niterói, prestou vestibular de Direito, ingressou na Faculdade de Direito de Niterói em 1956, bacharelando-se em 1960. Três anos adiante, 1963/1964, fez o curso de Doutorado no referido Templo.

No quinto ano do Curso Jurídico, apresentou a tese: A Família, Divórcio, Desquite, Casamento no estrangeiro. Aprovada, em 10.9.1960 foi sustentá-la na Universidade do Rio Grande do Sul, debatida também na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, por ocasião da X Semana Nacional de Estudos Jurídicos.

No 1° ano do Curso de Doutorado, na referida Faculdade de Direito, já então integrada à Universidade Federal Fluminense, as teses exigidas versaram sobre Conceito de Crime Militar, Classificação dos Criminosos e Influência da Lei Mosaica no Direito Penal Moderno.. No 2° ano, O Valor do estudo da Personalidade do Delinqüente, A Noção de Causalidade no Código Penal Italiano, de 1930 e no Código Penal Brasileiro, de 1940; Filosofia e Histórico da Pena.

Tão logo concluíra o Curso de Direito, inscrevera-se na Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Estado do Rio de Janeiro, sob o número 2024. Advogou por alguns anos, inclusive para os extintos Banco Agrícola de Cantagalo, S/A. e Banco do Estado do Rio de Janeiro. Exerceu ao mesmo tempo o cargo de Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado, no Gabinete da Presidência de três Ministros.

No ano 1964 prestou concurso para ingresso no Ministério Público fluminense, concorrendo com 402 candidatos. Aprovado, teve lavrada sua nomeação em 24 de julho de 1965, posse e exercício a 9 imediato. Iniciou a carreira na Comarca de Niterói, como promotor substituto.

Foi promotor regional das Comarcas de Santo Antonio de Pádua, Miracema, São Fidelis, Cambuci, Itaocara, também de Bom Jardim, Campos, São Gonçalo.

Esteve afastado da Promotoria de 14 de abril de 1965 até 16 de julho de 1970, requisitado ao Procurador Geral da Justiça pelo General Atratino Cortes Coutinho, assessorando-o na Subcomissão de Investigações do Ministério da Justiça, (SCGI), no Estado do Rio de Janeiro; Membro da aludida Subcomissão, nomeado pelo Ministro da Justiça, Dr. Alfredo Buzaid e, ante a saída do General, foi eleito pelos pares, Presidente do mencionado Órgão, do qual foi dispensado (depois de vários pedidos), após a fusão dos Estados do Rio e Guanabara.

No período em que exercia a promotoria, fez CURSOS DE EXTENSÃO na ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA: Valorização do Homem Brasileiro; O Problema Demográfico; Modelo Político Brasileiro; O Problema do Menor; Desenvolvimento Agropecuário; Condições Gerais para o Estabelecimento de uma Democracia; O Problema Psicossocial da Opção pela Agricultura, anos 1977/1981

Livros publicados:

A Vida Universitária do Prof. Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes. Geraldo Bezerra de Menezes – Homem de Fé e Apóstolo Leigo. Presença de Uma Geração. A Eternidade de Euclides Cunha. Niteroienses Ilustres do Século XIX.

INSTITUIÇÕES CULTURAIS QUE INTEGRAVA: (Academias de Letras):

Acreana de Letras;
Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras; Brasileira de Ciências Morais e Políticas;
Brasileira de Ciências Sociais;
Brasileira de Literatura; Brasileira de Trova;
Cachoeirense de Letras;
Cantagalense de Letras;
Carioca de Letras;
de Bellas Letras del Cono Sur – Republica Oriental del Uruguay - Miembro Académico “Ad Honoren”;
de Estudos Literários e Lingüísticos;
de Letras da Fronteira Sudoeste do RGS;
de Letras, Ciências e Artes do Amazonas;
de Letras da Região do ABC;
de Letras Rio – Cidade Maravilhosa;
de Letras de Uruguaiana; Eldoradense de Letras;
Fluminense de Filosofia; Fluminense de Letras;
Friburguense de Letras;
Goianiense de Letras;
Gonçalense de Letras, Artes e Ciências;
Interamericana de Literatura e Jurisprudência; Internacional de Letras “3 Fronteiras”;
Itaboraiense de Letras, Ciências e Artes;
Itaocarense de Letras;
Niteroiense de Letras;
Petropolitana de Poesia Raul de Leoni;
Sobralense de Estudos e Letras;
Cenáculo Fluminense de História e Letras;
membro Honorário da Academia Internacional de Letras.

INSTITUTOS HISTÓRICOS:

Instituto Cultural do Vale Caririense; Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas; Instituto Histórico e Geográfico de Niterói (Membro fundador e seu presidente em três ocasiões); Instituto Histórico de Nova Friburgo (Membro fundador); Instituto Histórico e Artístico de Parati; Instituto Histórico e Geográfico de Uruguaiana; Instituto Histórico e Geográfico do Direito Brasileiro; Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal; Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro.

CONDECORAÇÕES: (Medalhas)

Medalha Luis de Camões (outorgada pela Casa Infante D. Henrique – Porto – Portugal);
Medalha Luis de Camões — conferida pela Comunidade Luso-Brasileira;
Medalha da Ordem do Mérito Araribóia, no Grau de Comendador;
Medalha Martins Afonso de Souza;
Medalha Mérito Della Dante Di Nova Friburgo;
Medalha José Cândido de Carvalho;
Medalha José Clemente Pereira;
Medalha Assis Chateaubriand;
Medalha Tiradentes;
Medalha do Mérito Comendador José Mastrângelo;
Medalha Especial de Honra ao Mérito Acadêmico;
Medalha do Mérito Della Intelectualitá;
Medalha Alda Pereira Pinto; Medalha Peregrino Júnior – Ano Novo;
Colar do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro;
Medalha 5OO Anos do Descobrimento do Brasil;
Medalha Comemorativa;
Medalha outorgada pela Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas;
Medalha comemorativa do bicentenário de Duque de Caxias.

Prêmio Cultural Cidade de Niterói;
Prêmio Cultural Martin Afonso de Souza;
Prêmio Cultural José Geraldo Bezerra de Menezes;

Fonte:
Prefeitura de Cantagalo

XXXI Concurso de Trovas da ATRN/NATAL (Programação da Premiação)


PROGRAMAÇÃO DA ATRN PREMIAÇÃO:

Caros confrades e amigos,

Envio-lhes a programação de nossa festividade dos dias 6 e 7 de outubro próximo, para premiação das trovas classificadas nos concursos nacional e estadual realizados neste ano de 2011.

Com a alegria da presença de todos vocês, nos dizemos ao embalo
das melhores expectativas.

Abraço.
Zé Lucas.

ACADEMIA DE TROVAS DO RIO GRANDE DO NORTE.

Festividade de premiação – concursos 2011.

PROGRAMAÇÃO:

Dia 6/10/2011
-Dia livre para receber os visitantes de outros Estados;

20h, no auditório da Academia Norte- Riograndense de Letras:

- Apresentação do Madrigal da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte;

-Solenidade de premiação;

-em seguida, coquetel, no salão de eventos da ANRL.

Dia 7/10/2011

-7h30, saída para Natal, dos poetas que se encontrarem em Pirangi;

-8h - Saída para Parnamirim, partindo da Praça Augusto Leite, em Natal;

-9h30 – Missa em Trovas, na Matriz de Nossa Senhora de Fátima;

– após a missa, visita à Prefeitura Municipal, em cujo auditório será realizada
uma rodada de trovas em agradecimento e homenagem à progressista cidade de Parnamirim, Trampolim da Vitória;

-11h30, partida para Caicó, com almoço previsto em Currais Novos;

-16h – previsão de chegada a Caicó, para a programação do Clube dos Trovadores do Seridó, nos dias 8 e 9/10/2011, com retorno programado para após o almoço de despedida (dia 9).

José Lucas de Barros – Presidente

Fonte:
Ademar Macedo

XXI Concurso Nacional/Estadual de Trovas UBT Seção de Natal/RN. (Prorrogação do Prazo)


Caros Irmãos Trovadores/as

Comunico-lhes que devido à greve dos Correios - nosso Concurso a nível nacional, tema SORTE, e a nível estadual, tema OUTONO, foi prorrogada para o 30/10/11.

Assim sendo, todos terão mais um mês para preparar e enviar suas trovas. Espero que, por favor, divulguem para os seus pares em suas unidades das UBTs de suas cidades.

Um forte e fraternal abraço a todos.

Joamir Medeiros
Presidente UBT Seção de Natal/RN.

01) Âmbito Nacional - Tema: SORTE
Endereço: A/C de Joamir Medeiros
Av. Romualdo Galvão, 968 - Tirol
Cep: 59056-100 - Natal/RN

02) Âmbito Estadual - Tema: OUTONO
End. A/C de Ubiratan Queiroz
Rua Dr. Manoel Dantas, 423, ap. 402 - Petrópolis
Cep: 50012-270 - Natal/RN

Máximo: 2 Trovas lírico/filosóficas, por autor em cada tema.

Fonte:
Ademar Macedo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 347)


Uma Trova Nacional

Vai-se embora todo o orvalho
com o sol esfuziante
deixando o velho carvalho ...
Sem um único diamante.
–MARIA DE LOURDES REIS/SP–

Uma Trova Potiguar

É penosa a caminhada...
Mas, a vida me compraz,
em minha alcova orvalhada
de sonhos... e nada mais...
–SEBASTIÃO SOARES/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - ATRN-Natal/RN
Tema: INSPIRAÇÃO - 10º Lugar

Quando a inspiração palpita
nos meus dias mais risonhos,
cada trova é uma pepita
na bateia dos meus sonhos.
–JOSÉ ANTONIO DE FREITAS/MG–

Uma Trova de Ademar

Para você suportar
as mágoas do dia-a-dia,
não precisa se drogar,
use a Trovaterapia!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Neste amor, grande e bendito,
quando em teus braços me ponho,
o nosso espaço é infinito,
e é sem limite o meu sonho...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

Mensagem de Amor
–ROSA REGIS/RN–

Vendo a imagem de Cristo coroado
Com os espinhos da maldade humana
E vendo dos seus olhos que emana
O imenso Amor que foi, a nós, doado,
Eu lembro com tristeza que o pecado
É algo muito ruim! E eu conclamo
A todos os irmãos, gritando. E chamo:
- Busquemos, ao invés de guerra, Paz!
- Façamos que o amor que ora jaz,
Ressurja! E ao irmão, diga-se: O AMO!!

Estrofe do Dia

Perdi os meus ideais,
minha existência está finda,
apenas recordo ainda
tempos que não voltam mais;
me restam só os sinais
das chagas do desenganos,
machucado pelos danos
chocado, sentindo medo,
olhando para o rochedo
da serrania dos anos.
–JOSUÉ DA CRUZ/PB–

Soneto do Dia

Louvação Poética.
–RACHEL RABELO/PE–
(Ao poeta/companheiro Gilmar Leite)

O teu verso repleto de beleza,
decantando meu corpo com carinho,
tem a luz que fecunda sutileza
da brancura fantástica de um linho.

Nos detalhes, expõe graça e grandeza!
um soneto alegrando meu caminho,
perfumando com ares de certeza
os desejos libertos desse ninho.

O teu beijo faz nascer nova flor
e sepulta no chão seco da dor
o retrato sem cor da solidão.

O meu ser com o teu faz melodia;
um cantar soberano de magia
que nos cobre com plumas da união.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Poesias de Aniversário


Hoje, dia de meu aniversário. Todo escritor tem o seu dia especial, hoje é o meu.

Dou uma pausa nas postagens...mas, amanhã retorno com novidades: Hermoclydes S. Franco com o seu abecedário em trovas, as trovas ecológicas do Assis vingaram outras que me enviaram de outros trovadores. Amosse Mucavele com nova cronica, e muito mais.


Mas, para não deixar em branco, abaixo algumas poesias sobre aniversário.

José Feldman

VINICIUS DE MORAES
Soneto de Aniversário


Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

ELISA DIAS BATISTA
Aniversário


No dia do aniversário
A gente às vezes tem vontade
De se esconder dentro do armário
Mas aí vem um com um beijo
Outro realizando um desejo
E aquele que está sempre atrasado
Chega super animado
Estourando um champanhe
Mesmo que eu estranhe
E não entenda muito bem
Por que tantos parabéns
Fico feliz com os presentes
Agüento melhor os parentes
E não me pergunto na hora
O que há de mentirinha
Nessa anual história
Quem me dera tanto afeto
Duas vezes por semana
Pra derreter a couraça
Pra amenizar minha gana
Congelaria se possível
Muitos pedaços do bolo
Pra durante o ano carente
Come-los como consolo

ANONIMO
A Idade de Ser Feliz


Existe somente uma idade para a gente ser feliz,
somente uma época na vida de cada pessoa
em que é possível sonhar e fazer planos
e ter energia bastante para realizá-las
a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.

Uma só idade para a gente se encantar com a vida
e viver apaixonadamente
e desfrutar tudo com toda intensidade
sem medo, nem culpa de sentir prazer.

Fase dourada em que a gente pode criar
e recriar a vida,
a nossa própria imagem e semelhança
e vestir-se com todas as cores
e experimentar todos os sabores
e entregar-se a todos os amores
sem preconceito nem pudor.

Tempo de entusiasmo e coragem
em que todo o desafio é mais um convite à luta
que a gente enfrenta com toda disposição
de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO,
e quantas vezes for preciso.

Essa idade tão fugaz na vida da gente
chama-se PRESENTE
e tem a duração do instante que passa.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Poema de Aniversário


Procurei no dicionário,
Com paciência e cuidado,
O real significado
Da palavra aniversário.
Aquele livro pesado,
Mestre dos visionários,
"Pai dos burros" batizado,
Pareceu-me sectário,
Ao responder meu chamado.
Deveras decepcionado,
Joguei o meu dicionário
Na estante, empoeirado,
Para pregar, solitário,
O meu significado
Da palavra aniversário.
Diz assim, o verbete lendário,
Ontem, por mim criado:
"Aniversário: Espécie de relicário,
Muitíssimo bem guardado
Nas folhas do meu diário,
Dos versos que eu escrevi,
Com todo amor, e não li,
Durante o ano passado.”

Fontes:
http://pensador.uol.com.br/poemas_sobre_o_aniversario/

Silvia Araujo Motta (Só Porque o Dia é Teu)


Soneto enviado pela Dra. Silvia Motta, Ph.I. - Presidente da Academia de Letras do Brasil/MG

Soneto decassílabo-sáfico-heróico Nº 1578

Hoje o universo veste luz brilhante;
no coração a terra está florida!
Firme regente pede:-Grupo, cante
a canção bela em rima mui querida.

O sol espalha raios cada instante,
a natureza canta a pauta lida,
compassos marcam festa que é marcante,
farta comida, doces e bebida!

Em cada face o canto não reclama;
já não se lembra a dor que fez partida,
renova tudo e acende nova chama...

À mesa servem vinho, criam laços
e cada mão saúda, brinda a vida:
-Saúde e Paz, Amigo! Mil abraços!

PARABÉNS!

BELO HORIZONTE, 27 DE SETEMBRO DE 2011.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 23

Olavo Bilac (Alma Inquieta:poesias) 1


A AVENIDA DAS LÁGRIMAS

A um Poeta morto

Quando a primeira vez a harmonia secreta
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,
- Dentro do coração do primeiro poeta
Desabrochou a flor da lágrima primeira.

E o poeta sentiu os olhos rasos de água;
Subiu-lhe à boca, ansioso, o primeiro queixume:
Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa,
Que possui, como a rosa, espinhos e perfume.

E na terra, por onde o sonhador passava,
Ia a roxa corola espalhando as sementes:
De modo que, a brilhar, pelo solo ficava
Uma vegetação de lágrimas ardentes.

Foi assim que se fez a Via Dolorosa,
A avenida ensombrada e triste da Saudade,
Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa
Dos órgãos do carinho e da felicidade.

Recalcando no peito os gritos e os soluços,
Tu conheceste bem essa longa avenida,
- Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços,
Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida.

Teu pé também deixou um sinal neste solo;
Também por este solo arrastaste o teu manto...
E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo,
Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto.

Mas tua alma ficou, livre da desventura,
Docemente sonhando, às delícias da lua:
Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura,
Guardando na corola uma lembrança tua...

O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra,
Se imortalizará, pelas almas disperso:
- Porque purificou a torpeza da terra
Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso.

Inania verba

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!

Midsummer’s night’s dream

Quem o encanto dirá destas noites de estio?
Corre de estrela a estrela um leve calefrio,
Há queixas doces no ar... Eu, recolhido e só,
Ergo o sonho da terra, ergo a fronte do pó,
Para purificar o coração manchado,
Cheio de ódio, de fel, de angústia e de pecado...

Que esquisita saudade! - Uma lembrança estranha
De ter vivido já no alto de uma montanha,
Tão alta, que tocava o céu... Belo país,
Onde, em perpétuo sonho, eu vivia feliz,
Livre da ingratidão, livre da indiferença,
No seio maternal da Ilusão e da Crença!

Que inexorável mão, sem piedade, cativo,
Estrelas, me encerrou no cárcere em que vivo?
Louco, em vão, do profundo horror deste atascal,
Bracejo, e peno em vão, para fugir do mal!
Por que, para uma ignota e longínqua paragem,
Astros, não me levais nessa eterna viagem?

Ah! quem pode saber de que outras vida veio?...
Quantas vezes, fitando a Via-Láctea, creio
Todo o mistério ver aberto ao meu olhar!
Tremo... e cuido sentir dentro de mim pesar
Uma alma alheia, uma alma em minha alma escondida,
- O cadáver de alguém de quem carrego a vida...

Mater

Tu, grande Mãe!... do amor de teus filhos escrava,
Para teus filhos és, no caminho da vida,
Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava
À longe Terra Prometida.

Jorra de teu olhar um rio luminoso.
Pois, para batizar essas almas em flor,
Deixas cascatear desse olhar carinhoso
Todo o Jordão do teu amor.

e espalham tanto brilho as as asas infinitas
Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,
Que o seu grande clarão sobe, quando as agitas,
E vai perder-se entre as estrelas.

E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,
Fogem da humana dor, fogem do humano pó,
E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,
Que é como a escada de Jacó.

Incontentado

Paixão sem grita, amor sem agonia,
Que não oprime nem magoa o peito,
Que nada mais do que possui queria,
E com tão pouco vive satisfeito...

Amor, que os exageros repudia,
Misturado de estima e de respeito,
E, tirando das mágoas alegria,
Fica farto, ficando sem proveito...

Viva sempre a paixão que me consome,
Sem uma queixa, sem um só lamento!
Arda sempre este amor que desanimas!

Eu, eu tenha sempre, ao murmurar teu nome,
O coração, malgrado o sofrimento,
Como um rosal desabrochado em rimas.

Sonho

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!

Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.

Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, aparecer à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa...

Primavera

Ah! quem nos dera que isto, como outrora,
Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
Que inda juntos pudéssemos agora
Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
E aos meus beijos de fogo palpitava,
Alquebrado de amor e de cansaço...

A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia a primavera... E eu te levava,
Primavera de carne, pelo braço!

Fonte:
BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a obra-prima de cada autor).

França Junior (Organizações Ministeriais)


A política é uma das mais sérias preocupações do Brasil, e especialmente desta mui leal e heróica cidade do Rio de Janeiro, onde a vida pública e privada dos homens de Estado é discutida em altas vozes nos botequins, confeitarias, lojas de charutos, armarinhos, praças e pontos de bondes.

A julgar pela parte afetiva que cada cidadão toma nos negócios oficiais, este país deveria ser uma - república de anjos.

Infelizmente, assim não é.

Os tais anjos brigam por dá cá aquela palha, e os negócios conservam-se sempre no mesmo estado.

Por que brigam? Pelas idéias, pelos princípios.

E quereis saber como, entre nós, se briga pelos princípios?

É assim:

- O Machado Pereira é conservador.

- Está enganado; é liberal.

- Nunca foi liberal; votou sempre com os vermelhos.

- Na última eleição votou conosco.

- Ele é tão conservador, como o Arruda.

- Quem? O Arruda da Guaratiba?

- Sim, senhor.

- Este era liberal, foi demitido por prevaricador...

- É verdade.

- Eu conheço-o como as palmas de minhas mãos. Depois passou-se para os conservadores, quando subiu o gabinete Quintanilha...

- Não foi no gabinete Quintanilha que ele virou casaca, mas sim no ministério do Luís Pereira.

- Ora, meu caro amigo, outro ofício. No ministério do Luís Pereira ele já era republicano, e escrevia na Espada de Dâmocles, um jornal democrata que aqui houve, aquelas célebres cartas contra o chefe do estado assinadas A sentinela.

- Por sinal que o governo, para calar a boca do tal marreco, nomeou-o cônsul para a Suíça.

- E fez mais ainda: deu-lhe o título de conselho.

- Foi uma grande bandalheira!

- Mas era preciso.

- Esses conservadores foram sempre assim.

- E os liberais são ainda piores.

- Sabe o que mais, meu amigo, fique com as suas idéias que eu ficarei com as minhas.

E eis aí o que são as idéias e os princípios, de que falam quase todos.

E pelas idéias e pelos princípios cometem-se injustiças, torce-se a lógica, abocanham-se reputações e quebram-se cabeças às portas das igrejas.

Este exórdio, com tiradas cheirando a artigo de fundo de jornal de oposição, foi-me sugerido pelo papel importante que representa a política em todos os altos da nossa vida.

Quem quiser ver o Rio de Janeiro com febre e perder a cabeça, basta dizer-lhe ao ouvido:

- Caiu o ministério!

A notícia circula de boca em boca, sai do Castelões, entra no Bernardo, pára na Gazeta de Notícias, volta para o Farani, estaca nos pontos dos bondes, embarca nos ditos e percorre um por um todos os arrabaldes.

No dia seguinte não fica ninguém em casa.

A rua do Ouvidor é pequena para conter os curiosos.

Formam-se grupos às portas das lojas, pelas esquinas, e em cada semblante lê-se o seguinte ponto de interrogação:

- Quem foi chamado?

Começam as versões:

- Já sei quem é o organizador.

- Quem é?

- O Soares da Silva.

- Ora, ora!

- Acabo de estar agora mesmo com ele.

- Se não estás caçoando conosco, estás mentindo.

- Quanto apostam?

- Mas como é isto possível, se o Soares partiu ontem com a família para Teresópolis?

- É verdade; porém ontem mesmo recebeu o telegrama e desce hoje.

- Aí vem o Goulart.

- Homem, o Goulart deve estar bem informado.

- Ô Goulart, quem foi o chamado?

- O Silveira de Assunção.

- O que estás dizendo?

- A pura verdade.

- Com os diabos, por esta não esperava eu!

- Estou aqui, estou demitido.

- E dois.

- Mas isto é certo?

- E até aqui já está organizado o ministério.

- Quem ficou na Fazenda?

- O Alberto da Rocha.

- E na Justiça?

- O Brandão. Para a guerra entrou o Felício; para a Agricultura o barão de Pitanga Vermelha...

- O barão de Pitanga Vermelha?!

- Sim. Pois não o conheces?! É o Ladislau de Medeiros.

- Ah! já sei.

- Para Estrangeiros o visconde de Pedregulho; para a pasta do Império o Serzedello e para a da Marinha o Lucas Viriato.

- Quem é o Lucas Viriato?

- Não o conheço.

- Nem eu.

- O que é ele?

- Não sei, mas dizem-me que é rapaz muito inteligente e muito honesto.

- Bom-dia, meus senhores.

- Ora viva, sr. comendador.

- Então, já sabem?

- Acabamos de saber agora mesmo. O presidente do Conselho é o Silveira de Assunção.

- Não há tal; foi chamado, é verdade, mas não aceitou.

- Mas sr. comendador, eu sei de fonte limpa...

- Também eu sei que o homem esteve no Paço cinco horas a conversar com o Rei, e que de lá saiu à meia-noite, sem se haver decidido coisa alguma.

- Ora aí está quem nos vai dar boas notícias frescas.

- Quem é?

- O conselheiro Anastácio, que ali vem.

- Chama-o.

- Senhor conselheiro, satisfaça-nos a curiosidade; quem é o homem que vai nos governar?

- Pois ainda não sabem?

- São tantas as versões...

- Pensei que estivessem mais adiantados. Ora, ouçam lá: presidente do Conselho, visconde da Pedra Funda; ministro do Império, André Gonzaga; da Marinha, Bento Antônio de Campos...

- Muito bem, muito bem! Ora, graças a Deus que já se fez alguma coisa que valha a pena.

- Ministro da Fazenda, barão do Bico do Papagaio.

- Para a Fazenda?

- Sim, senhor.

- Porém este homem nunca deu provas de si..., é pouco conhecido..., as circunstâncias em que se acha o país...

- Não diga isto. E aquele aparte que ele deu ao Ramiro na questão bancária?

- Não me lembro.

- Pudera não! O senhor não acompanha os debates parlamentares, não está enfronhado nos negócios do país!

- Vamos adiante.

- Ministro da Guerra, Antônio Horta...

- Magnífico!

- Da Agricultura, João Cesário; e fica na pasta de Estrangeiros o presidente do Conselho.

- Antes ele ficasse na da Fazenda.

- Assim se tinha combinado a princípio; porém depois reconheceu-se que ele andaria melhor como ministro de Estrangeiros: porque já esteve na Europa e fala muito bem diversas línguas.

Após o conselheiro aparece um barão, sucede a este um jornalista, vêm depois diversos empregados públicos, e cada qual traz o seu ministério em um pedacinho de papel, dizendo: - Este é o verdadeiro.

Os políticos da rua do Ouvidor são tipos dignos de sérios estudos.

Em primeiro lugar figura o político bem informado.

É aquele que sabe de tudo.

Exemplo:

- Este ministério devia infalivelmente cair.

- Está visto; ele não podia ficar governando o país eternamente.

- Há muito tempo que os sujeitos andavam brigados! Eu já fui oficial de gabinete e sei o que são essas coisas. Além disso pessoa fidedigna asseverou-me que o Pereira nunca mais pôde tragar o Almeida, desde o dia em que este não quis nomear-lhe o sobrinho para a alfândega da Bahia. O Ernesto Pessoa também não olhava com bons olhos para o Miguel Faria desde a questão do Matadouro, que, a meu ver, foi o que deu com o ministério em terra. O organizador do novo gabinete não é o Matias de Araújo, ou o Siqueira, como dizem por aí. Deixe-os falar; a coisa já está assentada.

- Quem é então?

- É segredo; não posso dizer por hora

Esses políticos bem informados são, em geral, grandes jogadores de voltarete.

Ora, os leitores não ignoram a influência que o voltarete exerce sobre a nossa política.

Segundo rezam as crônicas, até alguns ministérios têm sido organizados em partidas de voltarete, e muitos indivíduos devem ao codilho as posições que ocupam.

Os políticos bem informados, apenas sob um ministério, indicam logo os nomes dos presidentes de províncias, dos chefes de polícia, dos delegados, subdelegados, de todos aqueles, enfim, que vão erguer-se ufanos sobre os destroços da derrubada.

Tipo oposto é o do político que não sabe de coisa alguma, que nada lê, que no fundo é completamente indiferente aos negócios públicos; mas que afeta acompanhar a marcha dos acontecimentos, franzindo o sobrolho e dizendo sempre:

- Isto é uma grande bandalheira!

Quando se encontra com algum amigo, assume um ar misterioso e pergunta-lhe:

- O que há de novo?

- Não sei; fala-se que o ministério caiu e que já está organizado outro.

Então chama-o para um lado, encosta-lhe a boca ao ouvido, e exclama:

- Isto é uma grande bandalheira!

Na primeira esquina encontra-se com outro amigo, e repete-lhe a mesma frase.

Há ainda o tipo do político esperto, que é aquele que tem em cada partido um compadre - probabilidade de subir ao poder.

Os tipos dessa ordem estão sempre com o governo em casa.

É por ocasião das organizações ministeriais que eles sobem à tona d’água, para a pesca.

E no fim de contas não sabem ainda os leitores quais são os novos ministros.

- Nem eu!

Quem é aquele sujeito que ali vem, suando por todos os poros, esbarrando-se nos grupos, e que procura desvencilhar-se dos indivíduos que o perseguem, dizendo-lhes:

- Não sei o que há, senhores; deixem-me, deixem-me pelo amor de Deus!

É um repórter. Já embarcou em dez tilburis e em outros tantos bondes, não dormiu toda a noite, e daria, certamente, um ano de vida para saber aquilo que nem os leitores nem eu sabemos.

O belo sexo também toma parte ativa nesse movimento.

- Tomara já ver este ministério organizado.

- Eu estou pelos cabelos!

- E eu então?! Há dois anos que meu marido está desempregado, e que nós vivemos no...no...Como se chama aquilo, menina, que teu pai fala todos os dias lá em casa?

- No ostracismo, mamãe.

- É isto mesmo. Quando penso que aquele malvado demitiu o Luís por causa das eleições de Santa Rita...

- Meu marido também foi demitido por causa das tais malditas eleições. Eu, se fosse homem acabava com câmaras, com governo, com liberais, conservadores e republicanos, e reformava este país.

Ai! ai! É o que eu digo, muitas vezes. A minha desgraça é vestir saias.

Os sujeitos que alugam carros, e que são os únicos que não têm política, andam também de um lado para o outro à cata dos sete fregueses que são bons, e pagam à boca do cofre.

Os pretendentes roem as unhas, andam às tontas, e são os que mais perguntam.

Dias depois os jornais publicam a organização do gabinete.

O novo ministério é recebido com hosanas pelos correligionários, e a ferro e fogo pelos adversários.

A cidade volta ao seu estado habitual, e eis aí o que é a política.

Tinha razão um amigo meu, sujeito de vistas largas, quando dizia:

- Eu pertenço ao partido que tem por partido tirar partido de todos os partidos.

(Folhetins, 1878.)

Fonte:
Academia Brasileira de Letras.

Florbela Espanca (Mensageira das Violetas) III


VELHINHA

Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim: "Já ela é velha!
Como o tempo passa!..."

Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de ouro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente...
Já murmuro orações... falo sozinha...

E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos...

IMPOSSÍVEL

Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
"Parece Sexta-feira da Paixão.
Sempre a cismar, cismar, d´olhos no chão,
Sempre a pensar na dor que não existe...

O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por ´star contente! Pois então?!..."
Quando se sofre, o que se diz é vão...
Meu coração, tudo, calado ouviste...

Os meus males ninguém mos adivinha...
A minha dor não fala, anda sozinha...
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...

Os males d´Anto toda a gente os sabe!
Os meus...ninguém... A minha dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera!...

QUEM?...

Não sei quem és. Já não te vejo bem...
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...)
Sonho que um outro sonho me desfez?
Fantasma de que amor? Sombra de quem?

Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?...
- Não sei se tu, amor, assim me vês!...
Nossos olhos não são nossos, talvez...
Assim, tu não és tu! Não és ninguém!...

És tudo e não és nada... És a desgraça...
És quem nem sequer vejo; és um que passa...
És sorriso de Deus que não mereço...

És aquele que vive e que morreu...
És aquele que é quase um outro eu...
És aquele que nem sequer conheço...

SEM PALAVRAS

Brancas, suaves mãos de irmã
Que são mais doces que as das rainhas,
Hão de pousar em tuas mãos, as minhas
Numa carícia transcendente e vã.

E a tua boca a divinal manhã
Que diz as frases com que me acarinhas,
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sã.

Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes;
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada!

E nunca se amará ninguém melhor;
Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!...

QUE IMPORTA?...

Eu era a desdenhosa, a indiferente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violências de paixão,
Como bate no peito à outra gente.

Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de desejo ou de emoção,
Enquanto as asas louras da ilusão
Abrem dentro de mim ao sol nascente.

Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte,
Toda ela é riso, e é frescura e graça!

Nela refresca a boca um só instante...
Que importa?... Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes... quando passa?...

O MEU ORGULHO

Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera
Não lembrar! Em tardes dolorosas
Lembro-me que fui a primavera
Que em muros velhos faz nascer as rosas!

As minhas mãos outrora carinhosas
Pairavam como pombas... Quem soubera
Por que tudo passou e foi quimera,
E por que os muros velhos não dão rosas!

São sempre os que eu recordo que me esquecem...
Mas digo para mim: "Não me merecem..."
E já não fico tão abandonada!

Sinto que valho mais, mais pobrezinha:
Que também é orgulho ser sozinha
E também é nobreza não ter nada!

INCONSTÂNCIA


Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...

O NOSSO MUNDO

Eu bebo a vida, a vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Pousando em ti o meu olhar eterno
Como pousam as folhas sobre os lagos...

Os meus sonhos agora são mais vagos...
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno...
E a vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A vida, meu amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?...
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?...
O mundo, amor! ... As nossas bocas juntas!...

ANOITECER

A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente...
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora,
Tenho bênçãos de amor pra toda a gente!
E a minha alma, sombria e penitente
Soluça no infinito desta hora!

Horas tristes que vão ao meu rosário...
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Ó meu áspero e intérmino Calvário!

E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho...
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...

CREPÚSCULO

Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes
Borboletas de sol, de asas magoadas,
Pousam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes...

E os lírios fecham... Meu amor não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E a minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes...

O silêncio abre as mãos... entorna rosas...
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando...

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha.
Um coração ardente palpitando...

EXALTAÇÃO

Viver!... Beber o vento e o sol!...
Erguer Ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!

A chama, sempre rubra, ao alto a arder!...
Asas sempre perdidas a pairar,
Mais alto para as estrelas desprender!...
A glória!... A fama!... O orgulho de criar!...

Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos estáticos, pagãos!...

Trago na boca o coração dos cravos!
Boêmios, vagabundos, e poetas:
- Como eu sou vossa irmã, ó meus irmãos!...

Fonte:
ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).

França Júnior (Meia Hora de Cinismo)


Comédia em um Ato

(Representada sempre com extraordinário sucesso em todos os teatros do Rio de Janeiro e Estados do Brasil.)

Nota do Autor:
A Quem Ler

Duas palavras sobre aquelles que, na noite de 17 de Julho de 1861, tanto contribuíram para o bom acolhimento, e feliz successo de minha primeira composição.

Apresentando-me pela primeira vez perante uma platéa intelligente e ilustrada, dependia todo o meu futuro de artistas poderosos e eminentes, que podessem com o seu talento supprir o que a penna me negára.

Era assim que, depositando todas as minhas esperanças no Sr. Furtado Coelho e na Sr.a D. Eugênia Câmara, e nos Sr.s. Leal, Peregrino, Henrique e Joaquim Câmara, não fui iludido; e os applausos que obteve a “Meia Hora de Cynismo” vierão confirmar mais uma vez o talento brilhante dos dous primeiros artistas, e o merecimento dos outros.

Exceptuando o Sr. Furtado Coelho e a Sra. D. Eugênia Câmara, artistas superiores à todos os elogios, sem offender o merecimento dos outros, eu destacarei do grupo o Sr. Leal, que na parte de Frederico fez quanto pode fazer um actor de talento e dedicação pela arte. Oxalá receba sempre o Sr. Leal as lições d’aquelle que tanto tem contribuído para melhorar o theatro de S. Paulo, e o seu nome será em breve uma glória para o nosso palco.

O Sr. Peregrino, posto que lhe tocasse um papel de pequena importância, deixou comtudo entrever a habilidade de que é dotado.

Os Srs. Henrique e Joaquim Câmara identificarão-se perfeitamente com os typos que concebi.

Com taes soldados a victoria é certa.

Personagens Atores

Nogueira, estudante do segundo ano F. Coelho
Frederico, estudante de preparatórios Leal
Neves, estudante do terceiro ano Henrique
Macedo, dito do quarto ano Peregrino
Jacó, negociante J. Camara
Trindade, calouro Eugênia Camara
Um Oficial de Justiça não há registro

A cena passa-se em São Paulo – Atualidade.

Ato Único

O teatro representa o quarto de Trindade; ao fundo uma porta aberta e uma janela; duas portas laterais. Junto à janela um cabide com alguma roupa em desordem, uma estante com livros encostada à parede do fundo. À direita um piano, uma mesa no centro como livros espalhados, e a à esquerda uma cama com os lençóis e um cobertor encarnado em desalinho. Cadeiras, etc, etc.

Cena I
(Ao subir o pano ouve-se dentro uma gritaria infernal, na qual devem sobressair as palavras: ó calouro, ó burro, ó ladrão de galinha, ó desfrutável, etc.)

Trindade, só

Trindade (Entrando furioso pela porta do fundo.) – Berra, canalha!...Miseráveis!...Infames que assentam e desmoralizar um homem, qualquer que seja o lugar em que se ache. (Pausa: mudando de tom.) São gaiatices do Senhor Nogueira. (Voltando-se para a platéia.) Os senhores acham isto bonito? Quase todos os senhores são veteranos, pois bem; coloquem-se na minha posição, e façam idéia com que cara passa um homem pela rua sacudido por uma vaia com esta que acabo de tomar! Todas as janelas se abriram, milhares de caras às gargalhadas gritavam na minha passagem, ó burro, ó desfrutável, ó ladrão de galinhas!...Ora, senhores, chamarem burro a mim que fiz há dias uma sabatina brilhante em Direito Natural, sim, senhores, (Com expressão.) uma sabatina brilhante, brilhantíssima. Ao apelo de meu nome marcharei majestoso para o banco augusto dos eleitos, e então pela primeira vez elevei minha voz eloqüente no sagrado recinto do templo da ciência. Os senhores não foram à feijoada? Pois não sabem o que perderam. Mas ah! Qual não foi a minha desesperação, quando, depois dos parabéns e abraços dos meus colegas, vejo-me cercado nos gerais da Academia por um grupo de segundanistas que, atochando-me um barrete vermelho na cabeça, obrigaram-me a correr pelo Largo à guise de uma vítima do Santo-Ofício! Julguei-me no meio de uma horda de selvagens, de Cafres, de Hotetontes, de Antropófagos, sim, de Antropófagos, porque estava vendo a hora em que me comiam, em que me devoravam! Quis resistir; porém quatro valentes piúvas, e milhares de punhos fechados que surdiram como por encanto do grupo negro que e cercava, embargaram-me a voz na garganta, e então pela primeira vez em minha vida tremi; tremi, não o nego, mas foi de raiva. (Indo à porta do fundo, e falando para fora.) Hão de me pagar, miseráveis; hei de lhes mostrar que não se desmoraliza um homem impunemente.

Berra, canalha, que eu hei de a cacete
Rachar a cabeça de algum valentão,
Pregarem uma vaia, domingo, na rua
Num homem como eu que já tem posição!

Infames! Eu juro que a minha vingança
Cruel e terrível tremenda há de ser,
Quão pode um calouro ferido em seus brios
Eu juro, canalha, que em breve hão de ver.

Berra, canalha, que eu hei de a cacete
Rachar a cabeça de algum valentão,
Pregarem uma vaia, domingo, na rua
Num homem como eu que já tem posição!

Do sangue beber-lhes, de acre vingança.

Mas ah! Agora é que me lembro que ainda não almocei...(Puxando o relógio e vendo as horas.) Bem; ainda falta um quarto para as onze: hoje é domingo, e meus companheiros não almoçam senão lá para o meio-dia; provavelmente ainda estão dormindo, vou acordá-los. (Vai sair pela porta do lado direito na mesma ocasião em que entra Nogueira pela porta do fundo, olha meio atrapalhado para Nogueira, que ri às gargalhadas na ocasião em que ele sai.)

Cena II
Nogueira, só

Nogueira (Fumando um cigarro.) – Que impagável calouro! É pior do que uma barrica de pólvora inglesa. Não se me dá de apostar que se ele pilhasse uma pistola fazia-me alguma gracinha. Mas, coitado! Prescindindo do desfrute e de todas essas suceptibilidades próprias da posição que ocupa, é uma bela alma; fornece-me todos os dias cigarros, e ontem levou a bondade ao ponto de pagar-me um bilhete de platéia. Mas onde está essa gente? (Virando-se para a porta do lado direito.) Ó Macedo! (Voltando-se para o lado esquerdo.) Ó Frederico!

Cena III
O Mesmo, Frederico e Macedo

Macedo (De dentro.) – O que queres?

Nogueira – Vamos à prosa. (Macedo e Frederico entram pela porta do lado direito.)

Frederico (Palitando os dentes.) – Desconheci agora a tua voz: pensei que fosse o Araújo.

Macedo (Deitando-se na cama, também palitando os dentes.) – O que há de novo por aí, Nogueira?

Nogueira – O que há de novo? Pois vocês não sabem?

Macedo – Se soubéssemos não te perguntaríamos.

Nogueira (Sentando-se.) – Pois bem; vou contar-lhes. Há pouco estava eu na janela do meu quarto com o Albuquerque, o Inácio, o Martins, e mais uns quatro ou cinco colegas do Neves, que vão todas as manhãs filar-lhe o café de máquina, quando vejo sair do Largo do pelourinho, e dobrar a Rua da Glória a impagabilíssima figura do Trindade. O homem, apenas avistou-nos, veio cambaleando e tropeçando em quanta pedra encontrava pelo caminho. Descrever então o que se passou é impossível! Insensivelmente seguro em uma lata de folha que tinha debaixo de minha mesa...(Mudando de tom.) Mas entre parêntesis, vocês já almoçaram?

Frederico – Não nos vês de palito?

Nogueira (Rindo às gargalhadas.) – Que pagode: faço idéia como não estará o Trindade furioso.

Frederico e Macedo (Admirados.) – Pelo quê?

Nogueira – Pela tremendíssima hipótese de almoço que vocês lhe pregaram. O homem hoje faz um assassinato.

Frederico – O almoço estava marcado para as dez e meia horas; ele chegou depois da hora, a culpa não é nossa: queixe-se de si.

Macedo – Ora, o que é uma hipótese de almoço? Console-se comigo que já tenho tomado muitas de almoço, jantar e chá.

Frederico (Sentando-se em uma extremidade da cama em que se acha Macedo.) – Se eu contar a vocês o que se passou comigo há quatro anos, talvez não me acreditem. Estava eu nesse tempo no colégio do João Carlos, e estudava alguns preparatórios que me restavam para largar a maldita casca de bicho, casca que até hoje ainda possuo, e julgo possuirei per omnia saecula saeculorum, se Deus me der vida e saúde, quando em um belo sábado, saindo do colégio, deliberei lá não voltar senão daí a uma semana; por outra, resolvi ficar na pândega para entregar-me aos doces prazeres de uma tacada de bilhar no Lefebre, e respirar o ar puro e livre das ruas que eu só via aos domingos e dias santos. Mas desgraçadamente meus cálculos falharam, pois meti-me na noite em que saí do colégio em um malfadado lansquenet, e perdi, ainda me lembro com grande dor, uns magros dez mil réis com que procurava satisfazer todos os meus sonhos e ambições de cascabulho. Saí da tal casa leve como uma pena, sem um real no bolso, disposto já a vagar pelas ruas até que rompesse a aurora, quando encontrei-me com o Martins.

Nogueira – Quem? O Martins que é hoje meu colega?

Frederico – Mas, como ia dizendo, encontrei-me com o Martins, e conto-lhe imediatamente o ocorrido; ele solta uma risada, e diz-me que se achava nas mesmas condições, isto é, sem dinheiro, mas que entretanto morava já há dois dias (note-se que o Martins também estava fugido do colégio.) em uma casa que um estudante do 4º ano tinha deixado alugada nas férias. Introduzimo-nos na tal casa, e aí (Ah! Nem sei como o conte) passamos quatro dias a pêssegos verdes, que e ceroulas colhíamos com as nossas próprias mãos de um rafado pessegueiro que havia no quintal, como outrora a boa mãe Eva no estado primitivo colhia os frutos da árvore proibida. No quarto dia eu estava mais magro que um canivete do Capitão, e o Martins foi transportado para o colégio, por ordem do correspondente, com uma tremenda inflamação de intestinos. (Riem-se todos às gargalhadas.)

Nogueira – A poesia da nossa vida consiste nesses belos episódios. (Para Macedo.) Ó Macedo, dá-me um cigarro.

Macedo (Tirando um cigarro do bolso, e atirando para Nogueira.) – Tome, e sem exemplo. Na Rua de São Gonçalo há muito bons: mande comprar.

Nogueira (Prepara o cigarro, e tirando uma caixa de fósforos de cima da mesa, acende-o) Não duvido: porém eu prefiro os teus. (Mudando de tom.) Silêncio, que se não me engano aí vem o Trindade.

Cena IV
Os Mesmos e Trindade

(À entrada de Trindade todos olham para o teto, palitando os dentes. Trindade fica por algum tempo mudo, e para disfarçar a sua perturbação, segura em um livro que se acha em cima da mesa. Frederico, Nogueira e Macedo procuram abafar o riso.)

Nogueira (Dirigindo-se a Trindade.) – Bom dia, doutor.

Trindade – O senhor é bem ordinário, tão ordinário que não me abaixo a responder-lhe; e se não fosse atender à consideração de achar-se o senhor em meu quarto, já há muito lhe teria quebrado uma cadeira nas costas.

Nogueira – O doutor está realmente queimado! Quer que lhe vá buscar um copo com água? Sans façon, sem cerimônia.

Trindade – Senhor Nogueira, Senhor Nogueira, não me insulte que eu hoje perco-me.

Nogueira – Que mal lhe fiz eu, doutorzinho? Dar-se-á caso que, sem o saber, lhe tenha invadido a esfera jurídica?

Trindade – O senhor ainda se atreve a perguntar-me que mal me tem feito? Quando em plena rua se insulta um homem e o desmoralizam só pelo simples fato de se achar ele ainda no princípio de sua carreira; quando chama-se a um homem de burro e ladrão de galinhas, sem que ele tenha ainda revelado estupidez, nem atacado galinheiro de casa alguma, é preciso ter sangue de barata, Senhor Nogueira, para não calcar um miserável deste a pés, e encher-lhe a cara de bofetadas. (Avançando para Nogueira.)

Nogueira (Pondo uma cadeira de permeio.) – Não quer sentar-se, doutor?

Trindade – Miserável!

Frederico – Deixa-te de queimações estúpidas, Trindade, o Nogueira não tem culpa da hipótese que tomaste.

Trindade – Também você, sô gaiatão, quer divertir-se á minha custa? Vamos lá, não tem mais nada para dizer? Ora, que eu seja nesta casa debicado até por um bicho! Olhem por favor para aquela cara.

Frederico – Não é lá das piores, não é das mais feias.

Trindade – O senhor acha que eu sou o palito cá da casa?

Nogueira (Para os dois.) – Psica, psica: segura Minerva, (Para Trindade.) Pega Turbante. (Para Frederico.) Psica, psica.

Trindade – Psica, sô miserável, diz-se aos cães e cão é você que vem aqui todos os dias filar cigarros e mendigar muitas vezes objeções de Eclesiástico ao Macedo, para fazer, além de tudo, um papel ridículo na sabatina. Eu sou calouro, é verdade, porém a primeira vez que falei em público, não desonrei o meu nome nem salpiquei de lama a ilustre classe a que pertenço. Vá perguntar aos colegas que figura fez o Trindade na sabatina outro dia? E eles todos responderão – É a primeira que tem aparecido até o presente.

Frederico e Nogueira (Tocam o bitu e gritam.) – Viva o Trindade! Viva! Viva!

Macedo (Segurando no braço de Trindade, procura levá-lo para fora do quarto.) – Vai-te embora, Trindade, que tu estás te prestando à vista aqui destes senhores. (Apontando para a platéia.)

Nogueira – Deixa o calouro, Macedo, agora é que ele está começando a ficar impagável.

Trindade – Eu vou, Senhor Macedo, e acredite que se não quebro as ventas deste patife (Apontando para Nogueira.) é em consideração ao senhor. (Indo à direita.) Ó moleque, quando estes senhores saírem fecha a porta do meu quarto. (À parte.) Hei de acabar com o tal pagode.

Frederico (A Nogueira.) – Vamos para o meu quarto, antes que o Trindade quebre-nos as ventas. Além disso eu tenho que te falar.(Frederico e Nogueira saem pela porta da esquerda.)

Trindade (À parte.) – Já tenho minha resolução formada, hoje mesmo ponho-me no olho da rua, e ficarei livre dessas amolações contínuas. (Sai pela porta do fundo.)

Cena V
Macedo, só

Macedo – É hoje o dia em que tem de vencer-se essa maldita letra, e até o presente não sei o que fazer, não tenho um real, e nem sei mesmo onde buscar dinheiro para satisfazer esse compromisso de honra. Concordo que deixei-me arrastar por alguns momentos nesse turbilhão de loucuras que se me apresentou, sem pensar, nem refletir; porém quando a minha honra e o meu crédito podiam prejudicar-se, a razão falou mais alto, e então fugi. Não querendo comprometer a minha dignidade, assinei essa letra e não posso pagá-la. Oh! Malditos sejam todos esses credores! (Sai pela direita.)

Cena VI
Neves, só

Neves (Entrando pela porta do fundo, fumando um cigarro, com as mãos no bolso do chambre, passei por algum tempo distraído pela cena, senta-se em uma cadeira, e diz pausadamente.) – Que cinismo! (Sai lentamente pela porta da direita.)

Cena VII
Nogueira e Frederico (Entrando pela esquerda.)

Frederico – É o que te digo, Nogueira, hoje vence-se uma letra que o Jacó obrigou o Macedo a assinar – está portanto realmente encalacrado. Aquele maldito verdugo é capaz de fazer-lhe alguma, e eu antevejo um resultado bem funesto em tudo isso.

Nogueira – Deixa o negócio por minha conta, e verás como se trata um credor de estudante. Acredita, Frederico; um credor de estudante é o animal mais covarde que pisa o solo de São Paulo: com quatro gritos e meio abranda-se e humilha-se como o mais inocente cordeirinho. E então este que foge de um estudante atrevido, como o diabo da cruz! Além disso o Macedo é filho-família, e em face da nossa legislação não é responsável pelas dívidas que contrai; se quiser pagar é somente para salvar a sua dignidade.

Frederico – E tu sabes qual é a Ordenação que trata disso para lermos ao Jacó, quando ele vier?

Nogueira – Não, porém é o mesmo: improvisa-se qualquer Ordenação, e ele engolirá a pílula com a mesma facilidade com que qualquer de nós engole uma das do Etchecoin. Deixa o negócio por minha conta e verás.

Frederico – Não faças alguma das tuas costumadas pagodeiras, que podes comprometer o Macedo. Eu falo-te com experiência; estou aqui há mais tempo que tu, e em uma ocasião quase fui fazer companhia ao Taborda por uma brincadeira desse gênero.

Nogueira – Por falar em Taborda: lembras-te daquela noite em que o Vilares foi encontrado pela patrulha nos degraus da Igreja da Sé mais bêbado do que um marinheiro inglês em terra, e que daí foi levado em braços para a cadeia?

Frederico – Se me lembro! Nessa noite tomei eu uma carraspana de conhaque que deu-me para quebrar quantos lampiões encontrava pelas ruas. É que a claridade me fazia mal.

Nogueira – O pagode não termina aí: o melhor foi sair o Vilares no dia seguinte pelo Largo da Cadeia de chambre e gorro bordado. Com que cara amarrotada vinha o pobre coitado; isso, porém não o impedia de marchar avante e pretensioso como um sultão. Está hoje formado, casado, e dizem que é um excelente pai de família.

Frederico – Ó tempora! Ó mores! Que belos tempos! (Suspirando.) Tens aí...

Nogueira – Um cigarro? Ia te fazer o mesmo pedido.

Frederico – Pois deixa de ser filante, que é coisa muito ridícula.

Nogueira – Qual, isto é boato espalhado pelos vinagres. Mas, mudando de assunto, já sabes por quem o Trindade está solenemente apaixonado?

Frederico (Sentando-se na cadeira.) – É moléstia de cabeça, não faças caso.

Nogueira – Não, é real: é pela filha do Juca do Braz. Passa por lá todas as tardes, e é raro o dia que não venha para casa meio triste e meio alegre.

Frederico – Explica-te.

Nogueira – Alegre, porque vê a bela, e triste, porque lhe dão vaias. A vaia parte da casa do Martins, e amanhã convido-te para apreciarmos de lá o pagode. É uma paixão de Otelo!

Frederico – Qual, isto é um gracejo teu, porque realmente a Desdemonda é uma lambisgóia.

Nogueira – É uma paixão diabólica que o levou à loucura de empenhar um fraque! Isto deu lugar a que o Martins parodiasse esta poesia do Furtado Coelho – Quero fugir-te, mas não posso, ó virgem.

Frederico – E sabes a paródia?

Nogueira - Lá vai (Sentando-se ao piano.) – Quando pretendem vocês mandar levar este piano lá para a casa? Vocês souberam mandar buscá-lo para o pagode, mas...

Frederico – Recita a poesia, e deixa-te de maçadas.

Nogueira (Acompanhando o recitativo.)

Quero fugir-te, mas não posso, ó fraque,
Ah! Sou levad pela onça ingrata!
Quero fugir-te, mas fatal ataque
Me lança em terra, me desgraça e mata!

Lançado ao prego és meu vedado pomo,
Ninguém no mundo minha dor compreende,
Quero fugir-te, quero, sim, mas como?

Para enganar-me digo muitas vezes,
Que és velho, infame que é loucura amar-te:
Então me lembro que não há dois meses,
Que eu fui à casa do Fresneau buscar-te.

Oh! Quantas vezes eu passava as horas,
Mirando as graças de teu talhe airoso,
Hoje perdido para mim tu choras,
Pendido ao prego, ferrugento, idoso.

Fraque querido...

(Representando.) – Ó diabo, não me lembro do resto.

Frederico – Bravo, bonito, sim senhor.

Cena VIII
Os Mesmos e Neves

Neves (Entrando pela direita.) – Que cinismo! Meus senhores, estou-os cumprimentando. (Tira do bolso um canivete e, deitando-se na cama, começa a aparar as unhas.)

Frederico – Que furioso cínico! É capaz de levar todo o dia ali naquela cama, aparando unhas,e contando as tábuas do teto. Em São Paulo há duas classes de vadios: uns que, parecendo ter o do da ubiqüidade,s e apresentam em toda a parte, em bailes, teatros, festas de igreja, leilões do Joly, novenas, etc, menos na Academia; outros que, inimigos do progresso e da atividade, passam onde deixam à vontade crescer o abdômen. Tu pertences à primeira seita, e cá o senhor, que está deitado, à última.

Nogueira – Fechaste a porta do meu quarto quando saíste, Neves?

Neves (Pausadamente) – Sim, fechei. (Muda de posição na cama.)

Frederico – Tens um companheiro de casa assaz divertido!

Nogueira – Há dias que não diz uma palavra; no entretanto é o homem que mais aprecia uma prosa, deitado em uma boa cama, já se sabe, sem nada dizer, mas pronto para tudo ouvir. E sabes qual é a especialidade de prosa que ele mais aprecia?

Frederico – Sem dúvida caçada de veados ou cruzamento de raças de cavalo?

Nogueira – Nada, coisa mais séria; é a tese das teses – a vida alheia. Respeita-o como uma das primeiras rabecas de São Paulo: toca admiravelmente variações sobre motivos de qualquer tema; tem arcadas de Paganini. Também não respeita ninguém: é um verdadeiro pagão!

Frederico – E qual é o sistema da rabequeação que ele mais aprecia? Sim, porque há diversos sistemas de rabequear.

Neves – Falem mais alto que eu também vim para a prosa.

Nogueira – Falamos dos diversos sistemas de rabequeação, e o Frederico tem a palavra.

Frederico (Em atitude magistral.) – Pois, meus amigos, pela experiência que tenho, atrevo-me a oferecer-lhes uma brilhante preleção sobre este assunto. Querem?

Nogueira – Sim, venha lá isso.

Neves – Topo.

Frederico (Com dignidade cômica.) – Há sujeitos que rabequeiam de uma maneira insinuativa: eu me explico melhor – há sujeitos, por exemplo, que nas suas arcadas dizem: “O Nogueira é um tratante, um canalha, um miserável, um caloteiro, mas no entretanto é bom moço, cumpre as suas obrigações, tem boa alma, toma regularmente a sua carraspana, por divertimento, já se vê, desmoraliza-se em lugares públicos, mas não é mau rapaz, tem bons sentimentos”. Este é o sistema aristocrático, rabeca de salão, e que tem grande número de sectários. O segundo é o sistema dos ronhas. O ronha é o homem que exerce a ronha. A ronha pode-se estender a todos os atos humanos: assim é, por exemplo, ronha o beato ou o hipócrita que, acabando de bater nos peitos na igreja, vem cá fora entregar-se religiosamente às delícias de Cápua. Parece-me que não há estudantes dessa natureza; no entretanto, se é que há, sou de opinião que andem de mantilha para se distinguir dos outros. Mas a ronha, aplicada especialmente à hipótese vertente, é um certo desprezo e mesmo rancor que alguns sujeitos parecem afetar em uma prosa de vida alheia, mas que entretanto extasiam-se às mais pequenas notas de instrumento divino, como o poeta se expande diante do belo. Estes entram somente de ouvido, e são tantos os sectários como os admiradores do Padre Pereira.

Nogueira – A comparação é mesmo de bicho.

Frederico – Não me interrompa. O terceiro sistema é o dos que falam mal de tudo e de todos e não encontram nos homens senão defeitos: é o exclusivismo, e peca como todos os sistemas exclusivistas.

Nogueira – É o sistema do Neves.

Frederico – Justamente.

Neves – Não tanto.

Frederico – O quarto sistema é o dos que rabequeiam por mero passatempo, para suavizar as horas de cinismo. É este o sistema que quase todos nós seguimos, é o menos nocivo, e o que produz menos males, porque não é o ódio nem o rancor que preside a prosa, mas apenas um desejo de pagode. Tais são, senhores, as observações que tenho colhido de minha longa vida de bicho, e que procurarei ir aperfeiçoando com o correr dos tempos.

Nogueira – Bravo! Falas com a experiência de um velho: és um alcorão; entretanto esqueces o sistema dos mitras, que tecem os maiores panegíricos a um sujeito pela frente e por detrás não são rabecas, são rabecões.

Frederico – Cada dia aparecem novos sistemas, e eu ultimamente não estou muito a par do progresso da ciência, porque os credores não me deixam pôr o nariz na rua.

Neves – Vocês estão muito cínicos.

Nogueira (Rindo-se.) – Este desgraçado ainda acaba tocando realejo para se distrair.

Frederico – Ó Neves! Diz alguma coisa para animar a prosa: estás mesmo de neve.

Neves – Vocês estão estupidamente cínicos: eu me retiro. (Levanta-se da cama e sai pela porta do fundo.)

Frederico – Ó Neves! Amanhã aparece mais cedo para prosearmos. (Nogueira e Frederico riem-se às gargalhadas.)

Cena IX
Frederico, Nogueira e Trindade

Trindade (Entrando com dois negros, aponta para as canastras.) – Rapaz , segura ali. (Virando-se para o outro negro.) – Rapaz, ajuda ali teu parceiro. Irra! Hoje acaba-se o pagode, mudo-me, e está tudo decidido.

Nogueira (Para Frederico.) – É preciso abrandarmos o homem. O Macedo, quando souber que fui eu a causa da mudança do calouro, queima-se comigo, e eu não estou para indispor-me com ele. Não quero ser o ponto de discórdia desta casa. Vou fazer as pazes com o calouro. (Para Trindade, batendo-lhe no ombro.) Não sejas criança, Trindade, foi uma brincadeira própria de rapazes.

Trindade – Vá-se embora, senhor, não me aborreça.

Frederico – Você também cavaqueia com qualquer coisa, encordoa por uma bagatela.

Trindade – Pois é qualquer coisa, é bagatela ser um homem constantemente amolado, não poder dizer uma palavra que não lhe respondam com quatro gargalhadas não poder sair à rua sob pena de lhe gritarem: ó burro, ó sandeu, ó calouro? Isto é bonito? É próprio de moços decentes e civilizados que freqüentam os bancos de uma Academia?

Nogueira – Concordo com tudo que quiseres; mas dá-me um abraço e façamos as pazes. (Trindade deixa-se abraçar um pouco friamente.) Manda os pretos embora, e continua a viver com os teus companheiros que te estimam como um bom menino que és. Deixa-te de criançadas, e viva a pândega!

Trindade – Pois bem, se juram doravante tratar-me como um companheiro de casa, e não como um cão, fico.

Nogueira e Frederico – Juramos.

Trindade (Virando-se para os negros.) – Ponham-se fora. (Os negros saem.)

Nogueira (Abraçando a Trindade.) – Viva a conciliação! Se tivéssemos uma boa garrafa de vinho, poderíamos tornar mais solene este tratado de paz.

Trindade – Se prometem cumprir o juramento, isso é o que menos custa. Tenho ali na canastra duas garrafas de vinho que me restaram do pagode que dei no dia de minha sabatina...

Nogueira (À parte.) – Sempre desfrutável.

Frederico (À parte.) – Lá vem a sabatina.

Trindade (Continuando.) – E podemos esvaziá-las.

Frederico e Nogueira – Prometemos.

Nogueira – Eu ainda levo a minha promessa mais longe: prometo que de hoje em diante serei o teu mais fiel e dedicado amigo.(À parte.) Ó mágico poder do vinho.

Trindade – Pois bem, viva a rapaziada e vamos à pândega. (Enquanto Trindade tiras as garrafas da canastra, Frederico e Nogueira fazem-lhe gaifonas pelas costas.) Aqui estão, rapaziada. (Dá uma garrafa a Nogueira e fica com a outra.)

Cena X
Os mesmos e Macedo

Macedo (À parte.) – Aproxima-se o momento fatal: é quase meio-dia, e o verdugo não tarda a aparecer. (Reparando para o grupo.) Pois quê, já fizeram as pazes?

Nogueira – Não há copos nem saca-rolha.

Frederico – Saca-rolha há um aqui em cima da mesa. (Tira o saca-rolha e dá a Nogueira.) Quanto a copos dispensa-se perfeitamente, podemos beber pela garrafa – é mais clássico.

Trindade – Está dito, vai-se ao gargalo. (Recebe o saca-rolha e abre a garrafa.)

Nogueira – Viva o Trindade. (Bebe.)

Frederico (Tirando-lhe a garrafa.) – Alto frente: ainda não bebi. À saúde de sua brilhante sabatina, Senhor Trindade. (Vira a garrafa.)

Trindade – Meus senhores, um brinde: à saúde da emancipação do primeiranista, e à morte de todos esses prejuízos acadêmicos que herdamos da velha Coimbra. À saúde de todas aquelas por quem nossos corações palpitam.

Nogueira (Para Frederico.) – Percebo. A filha do Juca do Braz.

Trindade – Viva a mocidade inteligente e briosa que abandonando, que abandonando, que...

Frederico (À parte.) – Temos cabeleira.

Nogueira – Não se engasgue, dê-me o caroço.

Trindade - ...as afeições mais caras, o lar doméstico e a terra que lhe deu o ser, vêm, longe de tudo isso, conquistar os louros que engrinaldaram a fronte de Homero, Tasso, Petrarca, Dante e Camões que, cantando as ações heróicas dos Lusitanos, enxergava um horizonte de glórias no futuro.

Frederico – E assim mesmo não via pouco; olhe que tinha só um olho.

Nogueira – Pelo menos assim o diz a história.

Trindade (Pulando em cima da cadeira com entusiasmo.) – Vou arrematar este brinde, senhores, bebendo à saúde daquelas idéias que mais se harmonizam com o estado de perfectibilidade e civilização dos povos: à saúde das idéias republicanas. (Vira a garrafa toda.)

Viva o Porto,
Viva o Madeira,
Não é tolice
Uma cabeleira.

(Todos, menos Macedo.)

Viva o Porto,
Viva o Madeira,
Não é tolice
Uma cabeleira.

Nogueira (À parte.) – O vinho já começa a fazer efeito antes de tempo. (Para Trindade.) Passa-me a garrafa.

Trindade (Descendo da cadeira.) – Já não há mais nada. (Vira a garrafa de boca para baixo.)

Macedo (Que durante esse tempo passeia pensativo.) – Entretanto esqueceram-se de mim.

Nogueira – Pois também estás hoje tão cínico! Não sei o que tens.

Trindade (Mal podendo suster-se em pé.) – Que diabo, anda-me tudo à roda...o tal vinho é forte. Ó Nogueira, tu estás meio fardado, fala franco. Está-me tudo a andar à roda... Ó Nogueira anda cá, dá-me ali aquela vela para acender um cigarro. (Mete a mão no bolso, e tira da algibeira um lápis que põe na boca, julgando ser um cigarro.) que diabo tem este fumo? (Olhando para o lápis.) Está furado. (Atira o lápis no chão.)

Frederico (Encostando-se à mesa.) – Furada está a tua cabeça.

Nogueira – De que cor é esta linha, Trindade?

Trindade – Que pagode, minha comadre. Vem cá, Mariquinha, não fujas; olha que é teu benzinho quem fala.

Nogueira (Segurando em Macedo, e puxando Frederico.) – Não sejam cínicos, vamos formar aqui uma pândega, e apreciar o Trindade enquanto está impagável. Dance-se o cancan, e viva o pagode.(A orquestra toca a última quadrilha da – Corda Sensível -; Frederico e Nogueira dançam em cancan desesperado, e Trindade sempre cambaleando embrulha-se no cobertor encarnado, trepa em cima da cama, e aí dança um cancan infernal, no meio do qual Jacó aparece no fundo, e o cancan continua.)

Cena XI
Os mesmos e Jacó

Jacó (Entrando.) – Com licença, meus senhores. (Macedo e Frederico escondem-se na porta da esquerda. Nogueira pára espantado, olhando para Jacó, obriga-o a valsar pelo meio da cena, e largando-o de repente, atira-o de costas.) É desta maneira (Levantando-se e sacudindo a roupa.) que os senhores recebem as pessoas? (À parte.) Se não viesse buscar dinheiro...é preciso humilhar-me para ver se o pilho. (Alto.) Não sabem dizer se o Senhor Doutor Macedo está em casa?

Nogueira – Julgo que não. O senhor deseja alguma coisa? É sem dúvida dinheiro que vem buscar?

Jacó (Risonho.) – Como o senhor doutor adivinha; é isso mesmo. Vossa Senhoria é muito pitoresco. Vence-se hoje uma letra que o Senhor Doutor Macedo assinou, e eu vim buscar os 300$000 por que ele se obrigou.

Nogueira – Queira sentar-se. (Na ocasião em que Jacó vai sentar-se, Trindade puxa-lhe a cadeira, e atira-o de costas.)

Jacó (Furioso.) – O senhor não me deixará! (À parte.) Este sujeito está bêbado.

Trindade (Batendo-lhe no ombro.) – Excelso vinagrão, eu te saúdo.

Jacó (Risonho.) – Isso é lisonja, senhor doutor.

Nogueira (Vai buscar o violão, e vem sentar-se em cima da mesa ao pé de Jacó.) – Tenha a bondade de explicar-se pausadamente para que eu o entenda.

Jacó – Eu já disse ao que vim. (Nogueira acompanha-lhe a frase a violão.)

Nogueira – Pode continuar.

Jacó – O Senhor Doutor Macedo deve-me já há dois anos 300$000 (Nogueira acompanha-o a violão.) e para garantia dessa dívida pedi-lhe que me assinasse uma letra...(Acompanhamento de violão.) Senhor Doutor, olhe que falo sério: deixe-se de caçoadas. (Acompanhamento de violão.)

Nogueira – Senhor Jacó, tenha a bondade de falar outra vez e repetir o recitativo, para ver como é sonoro este acompanhamento. (Fere o violão.)

Jacó (Levantando-se.) – Eu não vi, aqui para ouvir música, senhor doutor; quando quero vou às retretas.

Nogueira – Está incomodado, Senhor Jacó? A retrete é no fundo do corredor à esquerda. (Indicando a porta da direita.)

Jacó – S ó o que desejo é falar com o Senhor Doutor Macedo. (Acompanhamento.)

Frederico (Para Macedo.) – O Nogueira com aquele debique é capaz de comprometer-te.

Macedo – Haja o que houver eu não apareço.

Nogueira (Continuando a tocar.) – Ora, Senhor Jacó, esqueça-se disso: o Macedo está sem dinheiro, e ainda mesmo que tivesse é filho-família, e não é responsável pelas obrigações que contrai.

Jacó (Furioso.) – Não é responsável, senhor doutor! Não me diga isso: a letra está assinada por ele, e em nome de sua dignidade deve pagá-la.

Trindade (Dando uma encapelação em Jacó.) – Está queimado! Viva o rei dos Vinagres!

Jacó – Olhe que o senhor está me fazendo chegar a mostarda ao nariz. (Faz menção de avançar para Trindade.)

Nogueira (Empurrando-o) – Ponha-se fora.

Frederico (Entrando em cena.) – Fora! Fora! (Trindade dá uma porção de encapelações em Jacó, Nogueira dá-lhe com o violão nas costas, e Frederico ri-se às gargalhadas.)

Macedo (Entrando.) – O homem queima-se e é capaz de fazer alguma.

Jacó (Sai pela porta do fundo aos empurrões, e voltando, pára na porta.) – Isto é um estorpício, é um vandalismo. Por terem força julgam-se uns Rockchilles. Hei de mostrar o que é um negociante ofendido em sua dignidade! Eu já volto acompanhado. (Sai.)

Cena XII
Frederico, Nogueira, Macedo, Trindade e depois Neves

Trindade (Ainda envolvido no cobertor encarnado, deita-se de barriga para baixo em cima da cama.) – Que pagodeira!

Neves (Entrando com toda a fleuma.) – Que algazarra foi esta que vocês fizeram?

Nogueira – Foi uma pequena correção doméstica em um credor.

Macedo – Vocês com o seu pagode acabam de comprometer-me. O homem saiu desesperado.

Frederico – Ele é incapaz de queimar-se: aquilo foi fogo de cavaco.

Nogueira – Eu responsabilizo-me pelo resultado.

Trindade (Levantando-se da cama.) – Esteve riquíssima a pagodeira. Ó Nogueira! Tu viste a cara com que saiu o Jacó? O homem saiu vraiment indignado! Ó Frederico! Passa a garrafa, e vamos beber à saúde do Jacó. Ora esta, homem, quem me vir é capaz de apostar que estou bêbado.

Frederico – Qual, não tens nada: estás somente com um fardão de grande gala.

Macedo (Passeando.) – Vejamos qual é o desfecho desta tragédia.

Nogueira – Eu já te disse que não te maces; deixa correr o negócio por minha conta.

Neves – Mas que diabo de cinismo: eu não os entendo.

Trindade – Nem eu tão pouco, meu amigo.

Nogueira – Pois eu lhes explico, meus amigos. O Macedo deve 300$000 ao Jacó, ele veio cobrá-los, e nós tocâmo-lo a cachações pela porta fora. É uma coisa muito natural, e que nada tem de extraordinário: seria extraordinário se o Macedo pagasse a dívida e o deixasse sair impunemente.

Trindade – Lá isso é; tem toda a razão. Mas que diabo tenho eu que está tudo a andar-me à roda? E esta? Parece-me que tenho tanta gente na minha frente; dar-se-á o caso que e esteja em aula? Ó Araújo! Dá-me o compêndio, e passa-me uma lição que eu estou in albis.

Frederico (Segurando em Trindade e procurando levá-lo para a cama.) – Vai-te deitar, Trindade, que tu estás meio incomodado.

Trindade – Quem? Eu incomodado? Ó Frederico! Não me insultes; olha, eu vou aqui à república vizinha, e vê só a certeza com que ando. (Vai cambaleando para o fundo da cena, e encontrando-se com Jacó, que entra com um oficial de justiça, atira-o ao chão.)

Cena XIII
Os mesmos, Jacó e um Oficial de Justiça

Jacó- Não há dúvida – este sujeito está tocado.

Trindade – Levante-se, que eu não brigo com homem deitado.

Jacó (Levantando-se.) – Pois, meus senhores agora espero obter um melhor resultado, porque trouxe uma boa carta de recomendação de pessoa influente, a quem os senhores não podem deixar de servir. (Tira do bolso uma citação, e entrega a Macedo.)

Macedo (Lendo.) – É uma citação; eis o desfecho terrível que eu esperava de tudo isso.

Nogueira – Uma citação!

Jacó – Quando vim pela primeira vez já a tinha comigo; pois sabia perfeitamente que o Senhor Macedo havia de esquivar-se ao pagamento da dívida; porém o acolhimento benévolo que aquele senhor (Apontando para Trindade.) prodigalizou-me e obrigou-me a ir pedir o auxílio da justiça para fazer valer o meu direito: é a razão por que volto agora com este senhor.

Macedo – E julga o senhor que vem fazer valer o seu direito quando usa de uma infâmia?

Frederico (Batendo o pé.) – Sim, é uma infâmia.

Trindade (Cambaleando para ele, e dando-lhe um arroto na cara.) É um desaforo; é uma vinagreira.

Jacó – Será tudo o que os senhores quiserem.

Nogueira – Pois bem, se eram os seus desígnios comprometer a reputação sem mancha de um moço, fazendo-o comparecer perante uma autoridade por um motivo que o difama e extorquir depois, abrigado à sombra da lei, o dinheiro que lhe roubou, se eram estes os seus desígnios, Senhor Jacó, fique convencido que nunca os realizaria. Eu já volto. (Sai precipitadamente.)

Cena XIV
Trindade, Jacó, Frederico, Macedo, Neves, depois Nogueira

Jacó (À parte.) – Eles todos falam em dignidade, em vinagreira e dizem tudo o que lhes vem à boca, mas quando têm de bater o cobre, vêm com desculpas, quando não dão para atrevidos.

Macedo – Então com que o senhor esperava que eu havia de esquivar-me ao pagamento da dívida? (Com furor.) O senhor é bem ordinário.

Jacó – Ora, senhor doutor, isto não vai a zangar.

Frederico( À parte.) – O que iria fazer o Nogueira em casa?

Trindade – Estes credores são temíveis!

Macedo – É bem triste a minha posição, porém a sua ainda é mais, é degradante. Diga-me, finalmente, Senhor Jacó, o que pretende fazer?

Nogueira (Entrando apressado.) – Coisa nenhuma. (Para Macedo.) Aqui tens o dinheiro que te devo.

Macedo – Dinheiro que me deves?

Nogueira (Em voz baixa.) – Cala-te e aceita. Senhor Jacó, a sua dívida vai ser satisfeita, mas antes de tudo há de ouvir-me. Há ladrões que, embrenhando-se pelas matas, assaltam os viandantes de pistola e faca; há outros que roubam de luva de pelica nos salões da nossa aristocracia, estes têm por campo de batalha uma mesa de jogo; há outros, finalmente, os mais corruptos, que são aqueles que, arrimados a um balcão, roubam com papel, pena e tinta. O senhor faz honra a esta última espécie: é um ladrão e um ladrão muito mais perigoso do que os outros. Dê-me essa letra, documento autêntico de sua infâmia e tome o seu dinheiro. (Tira o dinheiro da mão de Macedo, e esfrega-lhe na cara.)

Jacó – Ora, senhor doutor, não se zangue; deixe-se de brincadeiras.

Macedo (Abraçando Nogueira.) – Obrigado, meu amigo, obrigado. Acabas de provar que tens uma alma grande e generosa, que, no meio dos risos e folguedos próprios da nossa idade, não olvidas esses sentimentos sagrados, que tanto enobrecem o coração do bom amigo. Obrigado, obrigado.

Jacó (Que durante esse tempo está contando o dinheiro.) – Está exato. Agora vamos fazer outra visita. O dia está feliz.

Nogueira – Ponha-se fora. (Todos tocam Jacó pela porta fora.)

Trindade – Viva a pândega! (Cai na cama.)

Neves (Olhando ao redor da cena.) – Que cinismo!

(Toca a orquestra a última quadrilha da Corda Sensível; dançam todos o cancan.)

(Cai o pano.)

Fonte:
FRANÇA JÚNIOR, Joaquim José da. Teatro de França Júnior. Rio de Janeiro : Funarte, 1980. p. 51-73 : Meia hora de cinismo. (Clássicos do Teatro Brasileiro). Texto-base digitalizado por Claudia de Moura Leite Ribeiro – São Paulo/SP

França Júnior (1838 – 1890)


França Júnior (Joaquim José da F. J.), jornalista e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18 de março de 1838, e faleceu em Poços de Caldas, MG, em 27 de setembro de 1890. É o patrono da Cadeira n. 12 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Urbano Duarte.

Filho de Joaquim José da França e de Mariana Inácia Vitovi Garção da França.

Cursou humanidades no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e formou-se em direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1862.

Como estudante deu os primeiros passos como autor teatral. De volta ao Rio, estreou no jornalismo no periódico de caricaturas Bazar Volante (1863-67) e como colaborador eventual do Correio Mercantil.

Após exercer a advocacia, reside por um período na Bahia, onde é nomeado secretário de governo do presidente daquela província.

Por volta de 1880 retorna ao Rio de Janeiro e aprende a desenhar com o aquarelista Benno Treidler. Entusiasmado com a descoberta da nova arte, frequenta como assistente a Academia Imperial, onde lecionava Georg Grimm. Desligando-se este da academia, acompanha o mestre que acabara de formar o Grupo Grimm para pintar ao ar livre e ao natural. Mas pouco durou esta ligação com o grupo do paisagista alemão. Concentra-se mais na sua vocação jornalística e literária.

Começou a carreira de dramaturgo em 1861 com duas "comédias de costumes acadêmicos", A república modelo e Meia hora de cinismo, sobre as relações entre um calouro e um grupo de estudantes veteranos. Revelou-se um continuador de Martins Pena. Em 1862, estreou no Ginásio Dramático (RJ) Tipos da atualidade, comédia mais conhecida como O barão de Cutia, graças à extrema popularidade do personagem do mesmo nome, um fazendeiro rico que uma viúva interesseira deseja ardentemente ter por genro. Dando à peça o título "Tipos da atualidade", o comediógrafo faz da mediocridade e do interesse as molas-mestras das relações interpessoais na sociedade fluminense de então. Utilizando-se de enredos aparentemente anedóticos, França Júnior fez de suas comédias pequenas caricaturas de aspectos variados do cotidiano e da família fluminense. Outro alvo de suas comédias é o "estrangeiro", sobretudo o "inglês", e os privilégios que obtém do governo brasileiro, como em O tipo brasileiro e Caiu o ministério, comédias representadas em 1882.

Importante como painel crítico do Rio de Janeiro no fim do século, a obra de França Júnior reforça a tradição cômica do teatro brasileiro e se caracteriza pela agilidade das falas curtas, das peças em um ato, com linguagem coloquial, jogo cênico rápido, ambigüidades e grande noção de ritmo teatral.

Além de comediógrafo, França Júnior foi promotor público e curador da Vara de Órfãos no Rio de Janeiro, secretário do Governo da Província da Bahia e, como jornalista, autor de folhetins bastante populares à época, publicados em O País, O Globo Ilustrado e Correio Mercantil (reunidos em Folhetins, em 1878, com prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira).

Foi considerado pelos historiadores o principal seguidor de Martins Pena, o que o tornou, cronologicamente, o segundo mais importante autor do teatro brasileiro. Como seu mestre, escreveu para o palco comédias de costumes e sátiras políticas de grande sucesso, algumas hoje infelizmente desaparecidas.

Obras

A República Modelo (1861)
Meia Hora de Cinismo (1862)
Tipos da Atualidade (ou O barão de Cutia) (1862)
Amor com Amor se Paga (1870)
Direito por Linhas Tortas (1870)
O Defeito da Família (1870)
O Tipo Brasileiro (1882)
Como se Fazia um Deputado (1882)
Caiu o Ministério! (1883)
Dois Proveitos em um Saco (1883)
Entrei para o Clube Jácome (1887)
Maldita Parentela (1887)
As Doutoras (1889)
Ingleses na Costa (1889)
Os Candidatos (1889)
A Lotação dos Bondes
Bendito Chapéu
O Carnaval do Rio

As peças de França Júnior foram reunidas em 1980 em O teatro de França Júnior, em dois volumes.

Fontes:
Wikipedia
Academia Brasileira de Letras
Fundação Biblioteca Nacional