terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Biblioteca do Centro Integrado de Educação Pública, de Rio Grande/RS aceita doações

O Bibliotecário, de Giuseppe Arcimboldo
O CIEP do Bairro São João "Dr. José Mariano de Freitas Beck", inaugurado em 1993, atende em média cerca de 500 alunos desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. O corpo docente é formado por 22 professores.

A biblioteca do CIEP do Bairro São João na cidade do Rio Grande precisa da ajuda de pessoas voluntárias que se disponham a doar um pouco do seu tempo para organizar o seu acervo e desenvolver projetos que aproximem os alunos dos livros e da leitura.

Possui um diversificado acervo que precisa ser organizado e classificado de maneira a possibilitar que os alunos ali encontrem o que procuram para suas pesquisas escolares e leituras gerais.

A Biblioteca do CIEP aceita doações de livros, revistas, quadrinhos e audiovisuais.
Entre em contato com a escola:

Centro Integrado de Educação Pública – CIEP
“Doutor José Mariano dos Santos Becker”
Rua Eduardo Araújo,
Bairro São João
Rio Grande – RS
Brasil
CEP: 96.213-040

Telefone: (53) 32301612

E-mail:
bibliotecacieprg@gmail.com
Blog: http://bibliotecacieprg.blogspot.com/

Fonte:
Biblioteca CIEP Rio Grande

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Irmão de Pinóquio – III – O concurso

Achado o pau vivente, só restava fazer com ele um boneco para que surgisse no mundo o irmão do Pinóquio. Pedrinho, entretanto, por mais que o sacudisse e espetasse com o canivete, não conseguia que o pedaço de pau desse o menor sinal de vida.

— É esquisito isto! — exclamava. — O tronco gemeu de cortar o coração, mas este pedaço nem pia. É esquisitíssimo...

Emília, sempre com a pulga atrás da orelha de medo que seu estratagema fosse descoberto, disse logo, muito espevitadinha:

— Dona Benta falou outro dia que as grandes dores são mudas. Esse pau bem que sente, mas como a dor de se ver separado do tronco pai dele é muito grande, está assim mudo como peixe. De repente a dor diminui e ele começa a gemer que ninguém o pode aturar.

O Visconde tossiu e olhou para ela com o rabo dos olhos, admirado dos progressos “psicológicos” que Emília estava revelando.

Apesar da mudez do pau, Pedrinho resolveu fazer o boneco, na esperança de que de repente vivesse. Mas, fazê-lo como? Cada qual queria que o irmão de Pinóquio fosse de um jeito, e tanto disputaram que Pedrinho resolveu abrir um concurso. O desenho vencedor seria adotado para modelo.

— Concurso de desenho, gentarada! — gritou ele batendo palmas. — Pára tudo! Vovó, largue essa costura e pegue no lápis. Tia Nastácia, você também pare com esse fogão! Toca a desenhar!

Começou o concurso. Durante meia hora ninguém naquela casa cuidou de outra coisa senão de desenhar. Prontos que foram os seis desenhos, Pedrinho os pregou na parede para serem julgados. Que exposição mais engraçada! O desenho de tia Nastácia não tinha forma de gente; parecia um coisa-ruim de carvão, tão feio que todos se riram. O de Narizinho era bastante jeitoso, mas tinha o defeito de ser parecido demais com o Pinóquio.

— Foi de propósito — explicou a menina. – Fiz um irmão gêmeo.

O de dona Benta parecia um judas no sábado de aleluia. O de Pedrinho saiu o retrato de um menino opilado que às vezes aparecia no sítio, acompanhando sua avó, Nhá Veva Papuda. O do Visconde saiu tão científico que não se entendia. Era cheio de triângulos copiados da Geometria e tinha no nariz um X de Álgebra. O de Emília era um embrulho. Emília quis botar no boneco tanta coisa que o virou numa trapalhada. Fez cacunda de Polichinelo, boca de sapo, rabo de jacaré, orelhas de morcego, pés de bode e nariz ainda mais comprido que o de Pinóquio. Tinha também um olho arregalado nas costas, “para que ninguém o pudesse agarrar de surpresa” — explicou ela cheia de orgulho dessa lembrança que ninguém havia tido.

Por três vezes Pedrinho botou em votação os desenhos, sem o menor resultado. Cada qual achava o seu o mais bonito e votava em si próprio.

— Com votação não vai — disse ele. — O melhor é tirar a sorte.

Todos concordaram. Pedrinho escreveu o nome de cada concorrente num pedaço de papel, enrolou-os e botou-os no seu chapéu, pedindo a dona Benta, como mais velha, que tirasse um.

Emília, porém, protestou, erguendo a mão esquerda no ar e escondendo a direita no bolsinho da saia.

— Quem vai tirar a sorte sou eu! Dona Benta não sabe!

— Não é você, não! É vovó !— determinou Pedrinho.

— Sou eu! Sou eu! — insistiu a boneca.

— Já disse que é vovó. Não teime!

— Sou eu! Sou eu! — continuou a boneca, batendo o pé e sempre de mão no bolso.

Narizinho desconfiou da insistência daquela mão no bolso.

— Deixe ver a mão, Emília.

— Não deixo! — respondeu a boneca, corando até à raiz dos cabelos.

Narizinho agarrou-a e, tirando-lhe a mão do bolso à força, viu que havia nela um papelzinho do mesmo tamanho e enrolado do mesmo jeito dos que estavam no chapéu.

Foi um escândalo. Todos a criticaram, achando muito feio aquele procedimento; depois caíram na gargalhada, ao lerem o que estava no papelzinho. Emília, em vez de escrever o seu nome, havia escrito, na sua letrinha torta de boneca de pano — O MEU. Por isso insistia tanto em tirar a sorte. Já estava com o nome do vencedor na mão .. .

— Che, que fiasco! — exclamou tia Nastácia pendurando o beiço. — Nunca vi ação mais feia. Eu, se fosse Dona Benta, não deixava que essa cavorteiragem fosse passando assim sem mais nem menos. Dava umas palmadinhas nela, ah, isso dava mesmo! Onde se viu querer empulhar a gente dessa maneira? Credo!

Emília, cada vez mais furiosa, botou-lhe um palmo de língua

— ahn!

— Tia Nastácia tem razão, Emília — observou dona Benta. – O ato que você praticou é dos mais feios e só perdôo porque você é uma bobinha que não distingue o bem do mal. Fosse algum dos meus netos e eu o castigaria.

Era a primeira repreensão que Emília levava de dona Benta.

Sua vontade foi de também lhe botar um palmo de língua ainda mais comprido. Mas compreendeu que não devia fazer semelhante coisa e limitou-se a sair da sala, resmungando e batendo o pezinho com toda a força.

— Como está ficando! — comentou a negra. — Parece uma cascavelzinha. Credo!

Terminado o incidente, prosseguiram na tirada da sorte. Dona Benta meteu a mão no chapéu e pescou um dos papéis. Abriu-o e leu — “TIA NASTÁCIA”.

Foi um desapontamento geral. Ninguém esperou que a Sorte fosse tão burra de escolher justamente a autora do desenho mais feio. Mas a Sorte é a Sorte; o que ela decide está decidido e ninguém pode reclamar. Em vista disso a negra ficou encarregada de dar forma humana ao pedaço de pau vivente, pondo assim no mundo o irmão de Pinóquio.
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Continua… IV – A zanga de Emília

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Paraná em Trovas Collection - 34 - Emiliano Perneta (Pinhais/PR)


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 440)

Uma Trova Nacional

Poeta e mulher perdida
trazem sempre uma ilusão,
procurar por toda a vida
encontrar uma paixão.
–NEALDO ZAIDAN/PE–

Uma Trova Potiguar


As mulheres e as rosas,
partilham vida e costumes:
- Nascem belas, majestosas
e exalam finos perfumes...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada

1975 - Porto Alegre/RS
Tema: MULHER - 1º Lugar

Quando meu filho acalanto,
meu versejar rosicler
são preces, que a Deus eu canto,
por ter nascido mulher.
–WILMA MELLO CAVALHEIRO/RS–

Uma Trova de Ademar

Num Flerte a mulher revela
com seu olhar, o que sente...
Ela finca os olhos dela
dentro dos olhos da gente.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Não há poeta ou pintor,
nem outro artista qualquer,
que enalteça com rigor
a perfeição da Mulher.
–ALYDIO C. SILVA/MG–

Simplesmente Poesia

Meu Vício
–DJALMA MOTA/RN–


Na condição de dependente,
não encontro uma forma
de desembaraçar-me de tal vício.

Em verdade, bem melhor,
seria morrer viciado.

Quantas vezes
bebi e traguei o seu sabor?
Outras tantas
não exalei o seu cheiro?
Já nem sei a quantidade
de substância emotiva
adentrada em minhas veias,
fazendo pulsar mais forte
o meu coração!

Sou viciado, sim!
Pois, adoro seu beijo,
seu cheiro e o seu calor.

Saiba mulher:
Meu vício é você!

Estrofe do Dia

No delírio dos beijos sensuais
qualquer homem se entrega pra mulher,
vira um servo fazendo o que ela quer
fica louco por tudo o que ela faz,
no momento do ato ele é capaz
de esquecer-se do mundo e pensar nela,
quando passa o momento ele revela
as loucuras de amor que ele sente;
a mulher carinhosa faz da gente
um brinquedo de amor no colo dela.
–EDEZEL PEREIRA/PI–

Soneto do Dia

Oração de Poeta
–MIGUEL RUSSOWSKY/SC–


– Que me darás, Senhor, pela jornada
de dores, privações e misereres?
– Eu te darei a noite salpicada
de estrelas e silêncio. Que mais queres?

– E para a solidão da madrugada?
– Já fiz o mundo cheio de mulheres.
procura e encontrarás a tua amada.
Faz os mais lindos versos que puderes.

– Mas como irei, Senhor, reconhecê-la?
– Há no céu, entre todas, uma estrela
que apenas tu verás. Que mais perguntas?

– E este frio e esta angústia que ora sinto?
– quando ela penetrar em teu recinto
a primavera e a paz hão de vir juntas.
--
Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Affonso Romano de Sant'Anna (De Que Ri a Mona Lisa? )

Estou na sala Da Vinci, no Louvre. Aqui penetrei encaminado por uma seta que dizia "Sala Da Vinci". É como se fosse uma indicação para uma grande avenida no trânsito de uma cidade. Não que a seta seja apelativa ou extraordinária. Mas reconheço que nela está escrito implicitamente algo mais. É como se sob aquelas letras estivesse escrito: "Preparem o seu coração para um encontro histórico com a Gioconda e seu indecifrável sorriso". E tanto é assim que as pessoas desembocam nesta sala e estacionam diante de um único quadro - o da Mona Lisa.

Do lado esquerda da Gioconda, dezesseis quadros de renascentistas de primeiro time. Do lado direito, dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros. E na frente, mais dez Ticianos, além de Veroneses, Tintorettos e vários outros quadros do próprio Da Vinci.

Mas não adianta, ninguém os olha.

Estou fascinado com este ritual, E escandalizado com o que a informação dirigida faz com a gente. Agora, por exemplo, acabou de acorrer aos pés da Mona Lisa um grupo de japoneses: caladinhos, comportadinhos, agrupadinhos diante do quadro. A guia fala-fala-fala e eles tiram-tiram-tiram fotos num plic-plic-plic de câmeras sem flash. Sim, que é proibido foto com flash, conforme está desenhado num cartaz para qualquer um entender.

E lá se foram os japoneses. A guia os arrastou para fora da sala e não os deixou ver nenhum outro quadro. E assim as pessoas vão chegando sem se dar conta de que sobre a porta da entrada há um gigantesco Veronese, Bodas de Caná. É singularíssimo, porque o veneziano misturou a festa de Caná com a "última ceia". Cristo está lá no meio da mesa, num cenário greco-romano. O pintor coloou a escravaria no plano superior da tela e ali há uma festança com a presença até de animais.

Entrou agora na sala outro grupo. São espanhóis e italianos. "Veja só os olhos dela", diz um à sua esposa, exibindo o original senso crítico. "De qualquer lado que se olha, ela nos olha", diz outro parecendo ainda mais esperto. "Mas, que sorriso!", acrescentou outro ainda. E se vão.

Ao lado esquerdo da Mona Lisa reencontro-me com dois quadros de Da Vinci. Mas como as pessoas não foram treinadas para se extasiar diante deles, são deixados inteiramente para mim. São A Virgem dos Rochedos e São João Batista. Este último me intriga particularmente. É que este São João assim andrógino tem uma graça especial. E mais: tem o rosto muito semelhante ao de Santa Ana, do quadro Santa Ana, a Virgem e o Menino, no qual Freud andou vendo coisas tão fantásticas, que se não explicam o quadro pelo menos mostram como o psicanalista era imaginoso.

Chegou um bando de garotos ingleses-escoceses-irlandeses, vermelhinhos, agitadinhos, de uniforme. Também foram postos diante da Mona Lisa como diante do retrato de um ancestral importante. Só diante dela. O guia falava entusiasmado como se estivesse ante o quadro de uma batalha. E ele ali, talvez, achando graça da situação.

Enquanto isto ocorre, estou enamorado da Belle Ferronière, do próprio Da Vinci, que embora possa ser a própria Mona Lisa de perfil, ninguém olha.

Chegou agora um grupo de jovens surdos-mudos holandeses. Postaram-se ali perplexos, o guia falou com as mãos e foram-se. Cheou um grupo de africanos. E repete-se o ritual. E ali na parede os vários Rafaéis, outros Da Vincis, do lado esquerdo os dezesseis renascentistas de primeira linha, do lado direito os dez quadros de Rafael, Andrea del Sarto e outros e na frente mais dez Ticianos, além dos Veroneses, Tintorettos etc., que ninguém vê.

O ser humano é fascinante. E banal. Vêm para ver. Não vêem nem o que vêem, nem o que deviam ver. Entende-se. Aquele cordão de isolamento em torno da Mona Lisa aumenta sua sacralidade. E tem um vigia especial. E um alarme especial contra rouba. Quem por ali passou defronte dela acionando sua câmera, pode voltar para a Oceania, Osaka e Alasca com a noção de dever cumprido. Quando disseram que viram a Mona Lisa, serão mais respeitados pelos vizinhos.

Mal entra outro grupo de turistas para repetir o ritual, percebo que Mona Lisa me olha por sobre o ombro de um deles e sorri realmente.

 Agora sei do que ri a Mona Lisa.

Lendas e Contos Populares do Paraná (Cidades de Cerro Azul/ Dois Vizinhos/ Itaipulândia/ Mamborê)

CIDADE DE CERRO AZUL
HERMÓGENES


Talvez o personagem mais conhecido do imaginário popular cerroazulense seja o “coronel” Hermógenes de Araújo, que viveu nos idos do século XIX, em tempos de coronelismo e voto de cabresto.

Hermógenes era figura muito conhecida na região, sua casa era a melhor e mais rica e ele tinha muita influência junto ao Governo do Estado, representado por Vicente Machado. Bastante conhecido pela sua dureza e crueldade, era o mandatário da região, vivendo cercado de jagunços encarregados de fazer o “serviço sujo”.

O episódio mais famoso envolvendo seu nome está relatado no livro “A Cruz do Alemão”, de Cid Destefani: é o assassinato, à tocaia, de um imigrante alemão chamado Henning. Henning foi executado por um bandido chamado Diomiro Furquim e capangas, a mando de Hermógenes, por razões políticas que envolviam nomes importantes do cenário paranaense da época, como Vicente Machado, Padre Alberto, Pároco de Curitiba e o Barão do Serro Azul.

Por ser uma figura tão peculiar, são controversas as muitas histórias a respeito dele. Conta-se que teria morrido de uma febre misteriosa que tomou seu corpo. Antes de morrer, agonizou durante vários dias e seus empregados se revezavam noite e dia, abanando o seu corpo na tentativa de aplacar o calor. Muitos diziam que era o fogo do inferno, castigando-o por seus pecados.

Conta-se, também, que depois da morte, seu túmulo vivia rachando, porque a alma não encontrava descanso. Para resolver o problema, o túmulo recebeu grossas correntes a sua volta. Mais tarde, estas correntes foram levadas para o antigo pátio da Prefeitura Municipal e conta-se que enquanto elas ali permaneceram, nada naquele local prosperou.

MAIS UMA DO HERMÓGENES

Isso foi nos tempos da primeira república. Hermógenes, o grandalhão, mandava em Cerro Azul. Sua fama é de um homem muito malvado. Era tão temido, que teve pai batizando filho com o nome de Hermógenes, como sinal de respeito e para aplacar a ira do “Sinhozinho Malta” daquele tempo.

Era um político muito vingativo, segundo a versão de alguns. Ele tinha o apoio do Governo Estadual, por ser o chefe político da região. Como “não havia” autoridade policial era ele que “fazia o serviço”, à sua maneira. Estava sempre rodeado dos seus capangas, que cumpriam religiosamente todas as suas ordens. Quando ordenava para prender alguém e este não obedecia à voz de prisão, os capangas tinham recomendação de matar.

Certa vez, conta-nos Chico Tiblier, Hermógenes teria mandado prender um camarada e disse que se não pudessem trazê-lo vivo, que trouxessem a cabeça dele. E não é que os desgraçados fizeram o serviço ao pé da letra! Trouxeram a cabeça do miserável e a colocaram na mesa. Hermógenes, ao vê-la, teria dito:

– Barbaridade! Que serviço vocês fizeram. Com o susto, o tirano desmaiou e nunca mais conseguiu ser o mesmo. A cabeça do homem foi enterrada nos fundos de sua casa, onde é hoje o bar do Jadir. Depois que Hermógenes morreu, contam muitas pessoas, a casa dele ficou assombrada. Dizem, por exemplo, que o assoalho da casa se erguia e formava um caixão.

CIDADE DE DOIS VIZINHOS
AS CAÇADAS NO GIRAU


Desde o surgimento do povoado, que deu origem ao município, o local tem dois centros: sul e norte. Quando ainda era distrito de Pato Branco, a parte sul foi denominada Girau Alto, devido à construção de um rancho

de madeira tosca, no qual os caçadores de anta colocavam-se na parte superior e ficavam de tocaia aguardando os animais selvagens que se aproximavam do lambedor, às margens do rio Girau.

Certa vez, o caçador Waldomiro Schirmer surrou uma onça com um cobertor. O animal invadira a parte baixa do galpão, promovendo um grande alvoroço. Schirmer, pensando inocentemente que se tratava de uma briga entre cães, armou-se de seu cobertor e deu algumas lambadas no lombo de um dos “cães”.

Só depois ficou sabendo pelos companheiros que o tal “cão” tinha pelo de onça, urrava como uma onça e parecia nada satisfeito, como é próprio das onças, e que, portanto, era uma onça. Testemunhas de seu susto, os companheiros afirmam que a onça ainda deve estar correndo de medo.

CIDADE DE ITAIPULÂNDIA
A ÁRVORE DA MORTE


Contam os mais antigos, que nos tempos das obragens vivia nas barrancas do rio Paraná um argentino, este contratava somente homens solteiros para trabalhar em sua propriedade. Quando o empregado pedia a conta para ir embora, o argentino fazia o acerto; depois mandava capangas executar o empregado, enforcando-o na árvore e tirando todo o seu dinheiro. Todos os mortos tinham seus nomes entalhados na árvore.

CIDADE DE MAMBORÉ
PALA BRANCA


O conhecido Pala Branca veio da região de Caçador, Santa Catarina, após um tiroteio com a polícia daquele lugar. Passou a residir na região de Pensamento e possuía um documento com o nome de Fermino Caneveze, outro com o nome de Augusto Cela e havia, ainda, um terceiro documento. Era chamado de Pala Branca, pois sempre usava um pala desta cor, para cobrir as armas de fogo que carregava presas ao seu corpo.

Ele tinha três filhos e três filhas, todos muito educados. Todos os membros de sua família eram muito acolhedores, segundo contam os antigos. Ao chegar, à noite, na casa de alguém, por mais que fosse conhecido, não incomodava. Dormia próximo à cerca e só pela manhã chamava os donos da casa.

O Pala Branca era temido por aqueles que o conheciam ou sabiam de sua fama. Ao mesmo tempo, para os amigos, era um bom homem e estes usufruíam de sua proteção. Não era difícil para ele tirar a vida de alguém. Bastava que este o provocasse, ou prejudicasse um amigo seu. Numa festa em Pensamento, um bêbado o provocou e o ameaçou com uma faca. Pala Branca afastou-se até os limites dos galhos de uma árvore. Aí o bêbado o feriu na cabeça. Pala Branca sacou sua arma e o matou. Entre os integrantes de sua gangue, destacavam-se Pé Grande, Cabeça de Tigre e Camisa de Couro.

Numa ocasião chegou a entrar a cavalo num bar em Mamborê à procura de alguém.

Alguns proprietários de cavalos procuravam fazer amizade com Pala Branca; assim, ficavam mais tranqüilos e os animais não seriam roubados. Para alguns que o conheceram, ele não era um “ladrão de cavalos”, propriamente dito. Houve casos nos quais ele e seus homens retiraram animais de propriedades, só com a intenção de prejudicar o proprietário, inimigo seu. Estes animais não eram para ser vendidos nem utilizados por Pala Branca. Ele, porém, era envolto num grande mistério. Ninguém explicava como Pala Branca desaparecia nos momentos em que sua liberdade parecia ameaçada. Casos como o de uma festa com os amigos, numa residência em Mamborê. Lá pelas tantas, apareceu a polícia à procura de Pala Branca. Simplesmente ele desapareceu, voltando ao meio dos amigos algum tempo mais tarde.

Numa ida a Pensamento com um amigo, à noite e a cavalo, após aproximadamente cinco quilômetros da cidade, Pala Branca avistou dois Jeeps da polícia vindo em sentido contrário; disse ao amigo para que seguisse adiante. Assim ele fez. Passando a ponte, os policiais perguntaram ao amigo por Pala Branca. Este disse não saber. Os policiais seguiram em frente. Minutos mais tarde Pala Branca alcançou o amigo. Acontece que naquele trecho a estrada se transformava num verdadeiro corredor, com mato e cerca dos dois lados, não havendo a mínima possibilidade de se esconder.

Numa outra feita, Pala Branca e os amigos estavam numa zona do baixo meretrício, que se localizava nas proximidades da esquina da atual Av. Paulino F. Messias e rua Pirai. A polícia apareceu de repente na porta. Pareceu ser automático: entrou a polícia, Pala Branca sumiu. Os amigos disseram aos policiais que ele estava ali e que não sabiam para onde tinha ido. Apenas sua mula foi levada para a delegacia. Uma hora mais tarde, mais ou menos, Pala Branca já estava novamente entre os amigos e as mulheres.

Quando saiu de mudança para Pinhão foi ferido e escondeu-se em Pensamento, por um certo tempo. Veio a morrer mais tarde em uma briga com seus capangas, em Laranjeiras do Sul. Nesta, morreram, além de Pala Branca, mais duas pessoas.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Ari Bandeira (Cordel: Homenagem ao “Rei do Baião” Luiz Gonzaga)

I
Ó senhor da poesia
Meu bom Deus da criação
Derramai sabedoria
E a luz da inspiração
Vou fazer uma homenagem
Ao nosso rei do baião
II
Gonzaga e sua sanfona
Cruzou sertões e agreste
E mostrou para o sulista
Que existe o nordeste
Retirante do baião
Foi um bom cabra da peste
III
Do caboclo nordestino
Sempre foi um defensor
E cunpriu o seu destino
Como Deus determinou
Mostrando que no Nordeste
Tem riqueza e tem valor
IV
Gonzaga foi alegria
Para o povo do sertão
Animando as quadrilhas
Nas noites de São João
E no forró, na vaquejada
Xaxado, xote e baião
V
Na sombra do juazeiro
Gonzaga então cantou
E voou com a aza branca
Pra mostrar o seu valor
E no baião cintura fina
O mundo se encantou
VI
Pro caboclo lá da roça
Gonzaga foi cidadão
Denunciou as injustiças
Que imperava no sertão
Com música, fé e coragem
Cumpriu a sua missão
VII
E no santo São Francisco
Gonzaga lhe tinha fé
E cantou a natureza
Na estrada de Canindé
Sob a luz da lua cheia
No sertão andando a pé
VIII
Gonzaga logo mostrou
A magia do baião
Que encantou o padre Ciço
Um homem que era São
E deixou enlouquecido
Os cabras do lampião
IX
Gonzaga e sua sanfona
Viajou por todo o mundo
Um humilde sertanejo
Nos deu orgulho profundo
E cantou pra Santidade
Papa João Paulo Segundo
X
Saiu lá do pé da serra
Lá da terra de Exu
Esse humilde sanfoneiro
Que partiu foi para o sul
E mostrou que o Nordeste
Não é só seca e céu azul
XI
O triângulo e a zabumba
Dá o ritmo e a marcação
O folejo da sanfona
Dá beleza e emoção
Quem não dança agarradinho
Não sabe dançar baião
XII
Esse tal de pancadão
Tá deixando o jovem louco
Eu prefiro o meu baião
Numa sala de reboco
Pra falar do Gonzagão
Um cordel ainda é pouco
XIII
Gonzaga o Rei do Baião
Sanfoneiro de primeira
Ele nasceu em Exu
Eu nasci foi em Barreira
Receba essa homenagem
Do poeta Ari Bandeira.
-
Fonte:
Cordel enviado pelo autor
Apoio Cultural
- Ponto de Cultura
- AESCRIBA – Ass. Dos Escritores da Região do Maciço de Baturité – CE.

Ari Bandeira (Autobiografia)

Ari Bandeira, poeta escritor e professor; sou natural da cidade de Barreira – CE.

Sou formado em Ciências pela UECE. Pós-Graduado em e Química e Biologia pela Universidade KURIOS. E sou professor da Escola José Pereira no município de Ocara – CE.

Atualmente sou Presidente da AESCRIBA – Associação dos Escritores da Região do Maciço de Baturité – CE.

Esse é meu 36º trabalho, e foi um imenso prazer escrever esta homenagem ao “Rei do Baião” este patrimônio da cultura e da musica brasileira. espero que vocês leiam, gostem e aguardem o próximo trabalho.

OBRAS

01 - A Historia de Barreira – 1998.
02 - Amor e Poesia – 2000.
03 - Vida de Estudante – 2001.
04 - Chorozinho sua Historia e devoção ao menino Jesus – 2001.
05 - Vida de Cachaceiro- 2002.
06 - Hoje Barreira tem Prefeito-2002.
07 - Mãos ao alto – 2003.
08 - Versos Contra Dengue – 2003.
09 - S.O.S Meio Ambiente – 2004.
10 - Meu Verso Maior – 2004.
11 - A Menina e a Gatinha -2005.
12 - Danisio Correa “21 anos de Historia” – 2005.
13 - Barreira e suas Barreiras – 2005.
14 - AESCRIBA – 2005.
15 - O Liceu do Horizonte – 2005.
16 - A partida - 2005
17 - Deficiência não é falta de Eficiência – 2006.
18 - Vida de Sertanejo – 2006.
19 - Salvem o planeta – 2007.
20 - O analfabeto e o alfabetizado – 2007.
21 - Santa Paulina e o Santuário em Barreira – 2007.
22 - Boca rica, arte e alegria – 2007.
23 - Uma Escola e sua historia – 2007.
24 - Antologia, II poetas do Brasil (participação) – 2007.
25 - Preserve a água – 2008.10
26 – Cidade Sem Prefeito -Abril – 2008.
27 – Cearense Fala é Assim - 2008
28– O mundo é um jardim e mamãe é uma flor – 2008
29 – A gaiola não é morada a gaiola é uma prisão – 2008
30 – Cem Anos de Patativa - 2009
31 – Danisio Correa: Escola Arvore do Saber 2008
32 – ABC da Poesia – 2009
33 – Homenagem a São Pedro Jun 2009
34 – O que é Cultura 2009
35 – O ponto de Cultura Julho de 2009

Fonte:
Autobiografia enviada pelo autor

Guerra Junqueiro (Contos para a Infância: O Malmequer)

Ouvi com atenção esta pequenina história:

No campo, junto da estrada real, havia uma casinha muito bonita, que deveis ter visto muitas vezes. Há na frente um jardinzinho com flores, rodeado por uma sebe verdejante. Ali perto, nas bordas do vaiado, no meio da erva espessa, floria um pequenino malmequer. Desabrochava a olhos vistos, graças ao Sol, que repartia igualmente a sua luz tanto por ele como pelas grandes e ostentosas flores do magnífico jardim. Uma linda manhã, já inteiramente luminosa, com as folhinhas alvas e desabrochando, parecia um sol em miniatura circundado de raios. Pouco se lhe dava que o vissem no meio da erva e não fizessem caso dele, pobre florinha insignificante. Vivia satisfeito, aspirando deliciado o calor do Sol, e ouvindo o canto da cotovia, que se perdia nos ares.

Nesse dia o malmequer, apesar de ser numa segunda-feira, sentia-se tão feliz como se fosse um domingo. Enquanto as crianças sentadas nos bancos da escola estudavam a lição, ele, sentado na haste verdejante, estudava na formosura da natureza a bondade de Deus, e tudo o que sentia misteriosamente, em silêncio, julgava ouvi-lo traduzido com admirável nitidez nas canções alegres da cotovia. Por isso, pôs-se a olhar com uma espécie de respeito, mas sem inveja, para essa avezinha feliz que cantava e voava.

– Eu vejo e ouço, ponderou o malmequer; o Sol aquece-me e o vento acaricia-me. Ora, adeus! não tenho razão de me queixar.

Dentro da sebe havia muitas flores altivas, aristocráticas; quanto menos aromas rescendiam, mais orgulhosas se aprumavam. As dálias empertigavam-se, para fingir maior tamanho que o das rosas; mas não é o volume que faz a rosa. As túlipas davam-se ares pela beleza das cores, pavoneando-se pretensiosamente. Nem se dignavam lançar os olhos ao pequenino malmequer, enquanto que o pobrezinho as admirava exclamando: – «Que ricas e que bonitas! A cotovia irá certamente visitá-las. Graças a Deus, poderei assistir a este belo espetáculo». – E no mesmo instante a cotovia dirigiu o voo, não para as dálias e túlipas, mas para a relva, junto do triste malmequer, que morto de ventura nem sabia o que havia de pensar.

E o passarinho, saltitando em roda alegremente, cantava: – «Que erva tão macia! ai! que bonita flor, com um coração de ouro, vestidinha de prata!»

Não pode imaginar-se a felicidade do malmequer!

A ave acariciou-o com o bico, gorjeou de novo, e perdeu-se depois no azul do firmamento. Durante mais de um quarto de hora não pôde o malmequer reprimir a sua comoção. Meio envergonhado, mas todo contente, olhou para as outras flores do jardim, testemunhas da grande glória que ele acabava de alcançar; mas a haste vermelha e pontiaguda das túlipas manifestava o despeito. As dálias tinham a cabeça toda inchada. Se falassem, diriam coisas bem desagradáveis ao pobre malmequer. A florinha viu isto, e ficou melancólica.

Daí a pouco entrou no jardim uma rapariguita com uma grande faca afiada e brilhante, aproximou-se das túlipas, e cortou-as uma a uma.

– Que desgraça! disse o malmequer suspirando; é horrível; foram-se todas.

E, enquanto a rapariga levava as túlipas, o malmequer alegrava-se por ser apenas uma florinha simples escondida entre as ervas. Agradecido à bondade de Deus, cerrou as folhas ao cair da tarde, e sonhou toda a noite com a luz do Sol e a cotovia.

No outro dia de manhã, assim que o malmequer abriu as folhas reconheceu a voz do passarinho, mas o seu canto era triste, muitíssimo triste. Pobre cotovia! Tinham-na encerrado numa gaiola, suspensa entre uma janela aberta; prisioneira, cantava a alegria da liberdade, a beleza dos campos e as suas antigas viagens luminosas através do espaço ilimitado.

O pequenino malmequer bem desejaria acudir-lhe: mas como? Era difícil. A compaixão pela desventurada cotovia fez-lhe esquecer as belezas que o cercavam, o doce calor do Sol e a alvura resplandecente das suas próprias folhas.

Nisto dois rapazinhos entraram no jardim. O mais velho trazia aberta uma navalha comprida e afiada como a da pequerrucha, que cortara as túlipas. Encaminharam-se para o malmequer, que não lhes compreendia as intenções.

– Levemos daqui um pedaço de erva para a cotovia, disse um dos rapazes.

E começou a fazer um quadrado profundo à volta da florinha.

– Arranca a flor, disse o outro.

A estas palavras o malmequer estremeceu de medo. Ia morrer e nunca abençoara tanto a existência, como no momento em que esperava entrar com a relva na gaiola da cotovia.

– Não; deixemo-la, tornou o mais velho. Está aí muito bem.

Foi por conseguinte poupado, e entrou na gaiola da cotovia.

O pobre passarinho, queixando-se amargamente do cativeiro, batia com as asas sangrentas nos arames da gaiola. E o malmequer, se não falava, como é que o havia de consolar em tamanha dor?

Correu assim a manhã.

– Água! exclamou a prisioneira. Saiu toda a gente, e não me deixaram ao menos uma gota de água. A garganta escalda-me, ardo em febre. Ai! Não há remédio senão morrer, longe do sol esplêndido, longe da fresca verdura e de todas as maravilhas da criação!

Depois mergulhou o bico na relva húmida, para se refrescar um pouco. Viu então o malmequer; fez-lhe um sinal de cabeça amigável, e disse-lhe afagando-o:

– Também tu, pobre flor, morrerás aqui! Em vez do mundo inteiro, que já foi meu, deram-me a tua companhia e este pedacito de relva. Nada mais! Oh! que saudades das belas coisas que perdi!

– Se eu te pudesse consolar! cismava o malmequer, incapaz do mais ligeiro movimento.

No entanto o seu hálito perfumado tornou-se mais intenso que de costume; a cotovia sentiu-o, e, apesar da sede devoradora que a obrigava a arrancar a erva, teve o máximo cuidado em não bulir, nem de leve, na pequenina flor.

Caiu a noite; e não voltara ninguém, que enchesse o bebedouro à desventurada cotovia. Então ela abriu as suas lindas asas, agitou-as angustiadamente, e pôs-se a cantar uma cançãozinha melancólica; e o seu coração, quebrado de penas, enfim, deixara de bater. O malmequer, diante disto, não pôde já, como na véspera, cerrar as folhas e dormir; curvou-se para o chão, doente de mágoa e de tristeza.

Os rapazitos só no outro dia voltaram, e, dando com o passarinho morto, debulhados em lágrimas, fizeram-lhe uma cova. Meteram o cadáver numa caixa vermelha, lindíssima, e celebraram-lhe um enterro grandioso, juncando-lhe a sepultura com folhas de rosas e madressilvas.

Pobre passarinho! Enquanto viveu e cantou, esqueceram-se dele deixando-o morrer à sede na gaiola; depois de morto é que o choraram, prestando-lhe homenagens bem inúteis.

A relva e o malmequer, deitaram-nos à poeira do caminho; a flor, que tão extremosamente amara a cotovia, dessa é que ninguém se lembrou.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Irmão de Pinóquio – II – O pau vivente

A grande idéia de Emília não deixou mais a cabeça de Pedrinho. Só pensava em ir à Itália, ver se no quintal do homem que fez o Pinóquio não existiria ainda um resto do tal pau. Mas ir como? A pé não podia ser, porque era muito longe e teria de atravessar o oceano. De navio também não, porque dona Benta tinha um medo horrível de naufrágios e jamais consentiria que ele embarcasse.

Como resolver o problema? Desta vez foi o Visconde quem teve a melhor idéia. Esse sábio estava ficando cada vez mais sabido, depois da temporada que passou atrás da estante, entalado entre uma Álgebra e uma Aritmética. Por isso só falava cientificamente, isto é, de um modo que tia Nastácia não entendia.

— Eu acho — observou ele cuspindo um pigarrinho – que não é preciso ir à Itália para descobrir madeira com “propriedades pinoquianas”. A Natureza é a mesma em toda parte; e se lá há disso, não vejo razão plausível para que não o haja aqui também. Logo, se você procurar, bem procurado, é possível que descubra em nossas matas algum “exemplar esporádico da mirífica substância”.

Tia Nastácia, que naquele momento ia passando de trouxa de roupa à cabeça, parou, escutou o discurso, de olhos arregalados, e lá se foi, resmungando: “Que mania essa do Visconde de só falar inglês agora! Credo!” Para a boa negra, tudo que ela não entendia era inglês. Mas Pedrinho compreendeu perfeitamente e até se entusiasmou com o que o sábio disse.

— Boa idéia, não há dúvida. Vou amolar meu machadinho e amanhã cedo começarei as “investigações”.

E assim fez. No dia seguinte, logo depois do café botou o machadinho ao ombro e partiu para a floresta disposto a picar todos os paus por lá existentes até encontrar um que desse sinais de vida.

A semana inteira passou naquilo. Não deixava escapar uma só árvore. Golpeava-as todas, e aplicava o ouvido ao tronco para ver se gemia. Muitas choraram lágrimas de resina, mas gemer nenhuma gemeu durante todo aquele tempo.

— Acho que estou fazendo papel de bobo — disse ele um dia ao voltar. — Pau de Pinóquio só mesmo na Itália. A idéia do Visconde está me parecendo como o nariz dele.

Ouvindo-o dizer aquilo, Emília ficou de pulga atrás da orelha. Pôs-se a refletir que se o menino não achasse pau vivente, era capaz de lhe tomar o cavalinho, alegando que sua idéia também era como o nariz de alguém. Pensou, pensou, pensou e por fim concebeu um plano. Foi procurar o Visconde e disse-lhe:

— Largue esse livro (era uma álgebra) e diga-me uma coisa: o senhor Visconde sabe gemer?

— Nunca gemi — respondeu o sábio, estranhando a pergunta — mas não creio que seja muito difícil.

— Então gema um pouquinho para eu ver.

O Visconde, com uma careta muito feia, gemeu em vários tons o melhor que pôde.

— Muito bem — aprovou a boneca. — Sabe gemer, sim, e nesse caso preciso que me preste um grande serviço, Presta?

O velho sábio parece que tinha alguma paixão oculta pela boneca, pois se apressou a fazer uma mesura e a declarar, todo deslambido:

— Dona Emília manda, não pede.

— Pois então venha comigo.

E Emília, sem mais cerimônias, levou-o a certo lugar no campo, para lá da porteira, onde havia um velho tronco de pau caído à beira da estrada. Parou naquele ponto e disse:

— Pedrinho tem o costume de passar por aqui quando volta da mata onde anda procurando o pau vivente. E como está que não pode passar por perto de pau nenhum sem dar um golpe, já estou vendo o jeitinho dele: chega, pára e — pá! machadada neste tronco. Pois bem, vosmecê vai ficar escondido aqui neste oco de pau; assim que ele chegar, parar e der o golpe, vosmecê vai gemer – mas gemer bem gemido, com voz rouca de pau velho, está entendendo?

— Mas para que isso? — atreveu-se o sábio a perguntar.

— Não é da sua conta, Visconde. Faça o que estou dizendo e não discuta.

Nisto Pedrinho apontou lá longe, de machadinho ao ombro.

— Depressa! Depressa, Visconde! — disse Emília, empurrando o sábio para dentro do oco. — Ele vem vindo!...

O Visconde sumiu-se no oco e ela correu para casa antes que o menino a visse por ali e desconfiasse.

Pedrinho chegou e fez como fora previsto. Parou e — machadada. Mas fez aquilo por fazer, pela força do hábito, porque já não tinha a menor esperança de encontrar pau vivente nenhum. Com imensa surpresa sua, porém, o tronco gemeu. — ai! ai! ai! o que o fez dar um pulo para trás como se tivesse pisado em uma cobra.

— Homessa! — exclamou, arregalando os olhos. — Será possível que este tronco tenha gemido ou foi ilusão minha?

Para certificar-se deu novo golpe, mas de longe, meio ressabiado.

— Ai! ai! ai! — gemeu novamente o tronco. Embora andasse já por uma semana a procurar aquilo, Pedrinho ficou seriamente impressionado com o milagre e sem ânimo de meter o machado no pau para cortar o pedaço necessário à fabricação do boneco. Teve de ir ao riacho que corria perto beber uns goles d’água, que lhe acalmassem a agitação e lhe dessem coragem. A água fez efeito.

Pedrinho criou ânimo e, apesar do pau continuar a gemer, cortou dele um bom pedaço, voltando para casa a correr, na maior alegria de sua vida.

Ao penetrar no terreiro deu com a boneca sentadinha na soleira da porta, assobiando o “Pirulito que bate bate” com a cara mais inocente deste mundo.

— Achei, Emília! — gritou o menino de longe.

E ela, com a maior indiferença:

— Que é que você achou, Pedrinho?

— O pau vivente, ora essa! Que é que havia de achar se é só isso que ando procurando?

— Nesse caso, bom proveito! — murmurou a sonsa, sem erguer os olhos e a fingir que estava cavoucando o chão com um pauzinho.

O menino danou. Disse-lhe um desaforo e entrou em casa como um pé-de-vento, ansioso por contar a história dos gemidos.

— Vocês não imaginam que coisa mais espantosa! — gritou quase sem fôlego logo que todos o rodearam. — O pau gemia que nem gente de carne e osso — ai! ai! ai! numa voz que lembrava um pouco a do Visconde. Gemia de cortar o coração! Nunca imaginei que pudesse haver uma coisa assim no mundo! Um assombro!...

Pedrinho teve de repetir a história uma porção de vezes, enquanto o maravilhoso pedaço de pau corria de mão em mão, apalpado, cheirado, provado com a ponta da língua. Só tia Nastácia não teve coragem de chegar perto. Espiou de longe — e nunca fez tantos pelos-sinais nem murmurou tantos credos.

Todos comentavam, menos o Visconde e a boneca. O Visconde fingia-se absorvido na leitura do seu livro de Álgebra, mas na realidade estava observando a cena com o rabo dos olhos; de vez em quando dava sua risadinha. E Emília, essa espiava pelo vão da porta; depois saiu tapando a boca para abafar o riso, indo conversar com o seu cavalinho. Botou-o ao colo e disse-lhe ao ouvido:

— Pedrinho caiu como um pato e com certeza agora não se lembra mais de tomar você de mim. Viva! Viva! Você é meu e bem meu, e tem que brincar comigo o dia inteiro. Antes de mais nada, preciso consertar Vossa Senhoria, pois onde já se viu um cavalo sem rabo? Vou arranjar para Vossa Cavalência um lindo rabo de galo, muito mais na moda que esses rabos de cabelo com que os cavalos nascem, está ouvindo, Senhor Barão Cavalgadura Cavalcanti Cavalete da Silva Feijó?

Estava aberta a célebre torneirinha das asneiras — e aberta ficou durante todo o tempo em que Emília deu voltas pelo terreiro em procura duma boa pena de galo que servisse de cauda para o novo barão.
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Continua... O Irmão de Pinóquio – III – O concurso

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa