quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte III


BRANCO.

Em caso de dar branco, procure relaxar e tente escrever qualquer coisa, desde que dentro do assunto e com um mínimo de sentido.

CABEÇALHO.

Não há pontuação após os dados do cabeçalho.

Faça o cabeçalho de sua redação completo, com todos os dados indispensáveis, dentro da estética, ou seja, organizado, perfeitamente alinhado um embaixo do outro e no centro do papel.

CACOFONIA OU CACÓFATO.

É o encontro de sílabas que formam palavras de sentido ridículo ou obsceno, com a produção de som desagradável.

ORAÇÕES COM CACÓFATOS .......ESCREVA-AS ASSIM
Meu coração por ti gela............................Meu coração gela por ti.

Vou-me já para casa................................Já estou indo para casa.

O noivo beijou a boca dela. ....................O noivo beijou-a na boca.

Nunca gaste dinheiro com bobagens.....Jamais gaste dinheiro com bobagens.

CALIGRAFIA.

Escreva com capricho e nitidez, procurando tornar sua grafia clara, uniforme e bem legível.

Se tiver a grafia ruim, faça de tudo para melhorá-la, porque uma redação escrita com capricho e grafia bonita impressiona favoravelmente.

Não invente traços novos nas letras e não enfeite demais as maiúsculas, pois o leitor do texto pode não compreender o que você está escrevendo.

CARACTERÍSTICO.

Observe os seres no que têm de mais característico. Procure traduzir essas impressões ou os fatos sem se alongar em considerações desnecessárias, que nada acrescentem de importante à cena ou ao fato.

Ombros curvados, cabelos escuros que o pente mal vira, passos arrastados – um homem ainda moço, levando consigo a carga de uma pesada e infeliz vida.

Em um canto, calada, estava Maria, com seus grandes olhos negros, cabelos que caíam em cascata pelos ombros, dona de uma beleza intrigante e misteriosa. Para ela tudo era novo e assustador.

CARTA.

É uma das formas de comunicação da língua escrita, usada desde a antiguidade. Por meio dela você (remetente) pode dizer às pessoas (destinatários) o que faz, o que pensa, o que deseja.

A primeira carta de que se tem registro foi escrita há 4 mil anos, na Babilônia e se tratava de uma correspondência amorosa.

CENA.

Para descrever aspectos de uma cena, veja se deve empregar pronomes indefinidos ou adjuntos adverbiais, de modo a ordená-la.

A escada já lhe era conhecida. No entanto, uma passadeira nova cobria os degraus desgastados, tentando trazer um pouco de claridade e alegria ao ambiente envelhecido e quase sem vida.

Uma mulher ainda jovem procurava o endereço que trazia nas mãos. Seu olhar vagava aflito. Quem a observasse poderia confundir aquela expressão ansiosa... Na verdade, o que ela esperava é que, realmente, o tal endereço não existisse.

CHAVÕES, CLICHÊS, FRASES FEITAS, JARGÕES, LUGARES COMUNS, MODISMOS.

Evite-os, pois empobrecem o texto e demonstram a ausência de originalidade, falta de imaginação e de bom gosto.

A inflação galopante, rigoroso inquérito, vitória esmagadora, astro-rei.

Caixinha de surpresas, nos píncaros da glória, encerrar com chave de ouro, nos primórdios da humanidade.

Não é fácil falar a respeito de… Bem, eu acho que… A esperança é a última que morre. …um dos problemas mais discutidos da atualidade.

CLAREZA.

Redija frases curtas e, portanto, use ponto à vontade.

Escreva com toda a simplicidade e clareza, sem embolar o assunto. Ser claro é ser coerente, conciso, não se contradizer.

São inimigos da clareza: a desobediência às normas da língua, os períodos longos e o vocabulário difícil, rebuscado ou impreciso.

O segredo está em não deixar nada subentendido, nem imaginar que o leitor sabe o que se quer dizer. Evidencie todo o conteúdo da escrita. Lembre-se de que está dando uma opinião, desenvolvendo idéias, narrando um fato. O mais importante é fazer-se entender.

TEXTO EMBOLADO—CONFUSO
Participei de um campeonato tirei segundo lugar em ping-pong e ganhei medalha de prata.
CORREÇÃO
Participei de um campeonato de “ping-pong”, no qual tirei segundo lugar, tendo ganhado uma medalha de prata.

NOTA: “Ping-pong”, entre aspas, por ser estrangeirismo.

TEXTO EMBOLADO—CONFUSO
Comemoramos o aniversário de meu pai que foi uma surpresa para ele, fizemos um churrasco com muitas bebidas.
CORREÇÃO
Comemoramos o aniversário de meu pai e, como surpresa para ele, fizemos-lhe um churrasco com muitas bebidas.

TEXTO EMBOLADO—CONFUSO
Na hora de ir embora nós fomos pela canoa, a mesma começou a balançar, eu na ponta da canoa fazendo a danada balançar, teve uma vez que a canoa quase emborcava, eu tomei um choque.
CORREÇÃO
Na hora de voltarmos, viemos numa canoa que começou a balançar, sendo que eu, que estava na ponta da canoa, fi-la balançar mais ainda. Houve um momento em que ela quase emborcava, quando tomei um grande susto.

ATENÇÃO: “Tomar um choque” é receber uma descarga elétrica. Portanto, a expressão está usada indevidamente. No caso, a expressão adequada é “tomar um susto”.

COERÊNCIA.

A coerência entre todas as partes do texto é fator primordial para se escrever bem. É necessário que elas formem um todo, ou seja, que estabeleçam uma ordem para as idéias, se completem e formem o corpo da narrativa. Explique, mostre as causas e as conseqüências.

Em muitas redações fica patente a falta de coerência. O candidato apresenta um argumento e o contradiz mais adiante. As idéias contidas no texto devem estar interligadas de maneira lógica. O vestibulando não pode expor uma opinião no início do texto e desmenti-la no final. Deve-se ter cuidado redobrado para não se cometer esse tipo de erro.

Em vestibular da FUVEST, o candidato saiu-se com a seguinte frase: “...a palidez do sol tropical refletia nas águas do rio Amazonas”. Convenhamos que o sol tropical pode ser acusado de muitas coisas, menos de palidez. O riso provocado pela leitura do texto poético é derivado de um caso de incoerência no uso da imagem.

COESÃO.

A falta de coesão provoca a redundância. Fica-se dando voltas num assunto, sem acrescentar-lhe nada de novo. É típico de quem não tem informação suficiente para compor o texto.

Em lugar de: Comprei sorvetes. Dei os sorvetes a meus filhos.

Deve-se usar: Comprei sorvetes. Dei-os a meus filhos.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

Paraná em Trovas Collection - 17 - Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 16


GLÓRIA

Ao I. Serro Azul

Quando um dia eu descer às margens desse lago
Estígio, onde Caron, mediante uma parca
Moeda de estanho vil ou cobre, que eu lhe pago,
Há de me transportar numa sombria barca…

Quando sem um sinal, sem uma prova ou marca
De afeição, eu me for por esse abismo vago,
Vendo que sobre mim funebremente se arca
O céu, e junto a mim esse Caron pressago…

E envolvido na mais completa obscuridade,
Abandonado, e só, e triste, e silencioso,
Sem a sombra sequer do orgulho e da vaidade,

Eu tiver de rolar no olvido, que me espera,
Que ao menos possa ver o palácio radioso,
Feito de louro e sol e mirto e ramos de hera!
Curitiba, 1909

OH QUE ÂNSIA DE SUBIR HOJE MESMO A MONTANHA!

I

Sangue e lodo
E podridão,
O mundo torcia-se todo
No meio da imundície e da dissolução...
Carnificina,
Crimes os mais vis,
Com Messalina
Feita imperatriz.
Por toda a cidade
Eram vozes roucas,
Uivando, por milhões de bocas,
Os uivos tristes da ferocidade.
Dentro desse horizonte,
Sem uma linha ideal,
Sem uma ponte
Para passar além daquela bacanal,
Todo o mundo entendia que viver
Era gozar apenas a nudez
Dessas mulheres nuas,
Aquele vampirismo,
Aquele sodomismo,
Aquela fúria doida de beber,
De se torcer de bêbado nas ruas,
De se enterrar no lodo d’uma vez.
A imundície foi tal
Que os dois eram irmãos, o bem e o mal...

Mas no meio daquela escuridão
Em que andavam todos de rastros,
Olhando para o chão,
Sem poderem erguerem os olhos para os astros,
Almas sentimentais,
Misérrimos galés
Dessas prisões da Vida,
Imundas enxovias,
Tinham ânsias brutais,
Desesperos cruéis, loucas melancolias
De inda poder achar uma saída...
E no meio da mágoa que sobrevinha,
Os corações se abriam de repente,
Como janelas se abrem à noitinha,
Silenciosamente,
Na esperança de ver bruxulear,
De longe, embora, ao menos,
Mais doce do que Vênus,
A luz crepuscular...

Mas sem parar, os anos iam por aí,
E não chegava nunca a hora desse prazer
Que cada qual sentia dentro em si,
Porém sem poder ver...
E danos e gemidos
Cresciam cada vez mais;
E o ódio dos feridos
Era como se fossem uivos de animais...

II

Um pastor, porém,
Com o olhar profundo,
Como todo o mundo,
Que andava em Belém,
Tocando o rebanho
Com o seu bastão,
Uma noite olhou,
E viu, de repente,
Um brilho tamanho,
Um brilho tão doce,
Tão suavemente,
Que ele imaginou,
Que nada mais fosse
Do que uma ilusão.
Mas, quanto mais via,
Quanto mais olhava,
Mais lhe parecia
Que a luz aumentava,
Maior que uma estrela,
E de tal maneira,
Que ele deslumbrado,
Doido para vê-la,
Saiu de carreira
Por aquele lado.

Vendo-o partir, os vales e as montanhas,
Ó que suave música falaz!
E as árvores e as flores mais estranhas,
Tudo saiu logo correndo atrás...
Dentro daquela noite assim tão erma,
Daquela noite doce de luar,
A velhice esqueceu de que era velha,
A enfermidade, de que estava enferma,
E todos com o ar de quem se ajoelha,
Iam como a sorrir e a sonhar...

Era uma glória, um lírio, o encantamento,
A embriaguez, o gozo, a essência rara,
Cada vez mais formoso o firmamento,
A noite, a noite cada vez mais clara...

Era o milagre e o sonho entrelaçados,
Como se fossem rosas, como palma:
Erguiam-se do leito os entrevados,
Os cegos viam com os olhos d’alma...

A natureza, estremecida e bela,
Despertava com essa languidez,
Com esse olhar macio d’uma donzela
Que amasse enfim pela primeira vez...

Era um sussurro harmonioso em tudo:
Os astros eram como um sorvedouro,
Nos caminhos, mais doces que veludo,
Caíam folhas como se fosse ouro...

O mundo quase que a rolar de podre,
O mundo todo cheio de piolhos,
Transbordando de vinho como um odre,
Coberto de gafeira até os olhos,

Levado pelos ventos da esperança
Aos serros ínvios e aos alcantis,
Tinha sorrisos leves de criança,
Exaltações, e sonhos infantis...

Dentro daquela túnica estrelada,
Da túnica de prata do ideal,
Ia sorrindo sem pensar em nada,
Sem se lembrar do bem e nem do mal...

No meio das estradas infinitas,
Dentro daquele manto azul infindo,
De umas nervosidades esquisitas,
Ia como num sonho, ia sorrindo...

Podiam atirá-lo sobre brasas,
Às bestas-feras, aos leões, d’um salto;
Que lhe importava, se agarrado às asas
Ele voava cada vez mais alto?

Que lhe importava, a ele, o horror da mágoa,
A agonia da forca e a própria cruz,
Se através dos seus olhos cheios d’água
Via se abrir o céu banhado em luz?

Que lhe importava a lama e o ódio profundo
Com que o feriam, se ele tinha fé,
Se ele sabia desprezar o mundo,
Se ele, caindo, ia cair em pé?...

III

No meio do furor e do meu desengano,
Quando será também que há de romper-se o véu,
Para mim, que sou, mais do que o povo romano,
O homem luxurioso, e o verdadeiro incréu?

Quando essa luz virá, que às vezes, como um beijo,
Como o frêmito azul d’uma invisível asa,
De uma ânsia, que sei eu, d’um secreto desejo,
Eu sinto palpitar e quase que me abrasa?

Quando ouvirei dizer: – É por ali o caminho!
P’ra o subires, porém, é uma luta vã,
Tens de sangrar as mãos e os pés naquele espinho,
E acreditar de tarde e descrer de manhã!

Nessa estrada não há, não há senão pesares,
Uivos de fome e dor, e feras, e ladrões,
Que depois de arrancar-te o ouro que carregares,
Hão de rir-se de ti e dessas ilusões...

E é além daquele mar, e além daquele abismo,
E dos ódios brutais, e ainda talvez
Além daquele horror, e daquele egoísmo,
E ainda além, e ainda além de tudo quanto vês...

Terás de recurvar, às vezes, como um vime,
Essa espinha dorsal tão dura e inflexível,
Para poder subir a escada do Sublime,
Para poder chegar até o Inexprimível.

Terás de te bater com o máximo denodo,
Tomado de paixão, de cólera, de fúria,
Gládio nas mãos, assim como um artista doido,
Contra o Pecado vão e a incoercível Luxúria...

Tens de arrancar do seio o esplêndido Desejo,
Sem piedade e sem um suspiro sequer,
Como um troféu, como uma glória, como um beijo
Calcando sob os pés o amor dessa mulher...

Tens de vencer, escuta, as cóleras mais cegas,
O Nojo, e o Pavor, teu camarada antigo,
O Desânimo e a Dor, a que tanto te entregas,
E a Dúvida, por fim, teu pior inimigo...

Tens de arrastar na lama o manto de veludo,
E esgotar d’uma vez essa taça de fel,
E ver cair por terra o teu orgulho, e tudo,
A púrpura, e a lança, e a espada, e o broquel...

Se o puderes vencer, porém, chegando lá,
Tua alma há de fulgir, mas d’uma luz tamanha,
Batendo de prazer, teu coração crerá!... –

Oh que ânsia de subir hoje mesmo a Montanha!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 15)


MISSA DO GALO
Diferentemente do que possam pensar as galinhas com egos inflados, não é para elas que os galos cantam. É para demarcar seu território e dar conta disso aos outros galos. O cocorocó começa aí por volta das três, quatro horas da madrugada ou, antes disso, em edição extraordinária, para alguma notícia muito importante, o que só teria acontecido faz muitos, muitos séculos.
A missa do galo, celebrada na noite de 24 para 25 de dezembro, assim se chama em razão da crença de que um galo teria cantado à meia-noite anunciando o nascimento de Jesus.
O galo, como arauto da luz do dia, aparece na Bíblia. Quando Jesus caminha, com seus seguidores, fazendo a digestão da Última Ceia, vira-se para Pedro e o fulmina com estas palavras: "Em verdade te digo que esta noite, antes que o galo cante, me negarás três vezes!" (Mateus, 26, 34).
E assim foi. Pouco depois, enquanto Jesus é julgado, ofendido e agredido no sinédrio, a assembléia judia de anciãos, Pedro nega Jesus três vezes, dizendo que não o conhecia. Pedro poderia ter escolhido a trilha do cinismo e alegar que estava apenas cumprindo ordens de um superior.
Escolheu o arrependimento e o pranto, o que lhe restituiu a dignidade.

MUNDOS E FUNDOS
A expressão original era "mundo e fundo" e queria dizer "limpo e profundo". Mundo, como adjetivo (em desuso), significa puro (antônimo de imundo). Fundo pegou do francês o sentido de dinheiro, recursos. E, assim, mundos e fundos ficou com o sentido de quantidade ou quantia muito grande, como em "prometer mundos e fundos".

NÃO TER PAPAS NA LÍNGUA
É falar com total franqueza, sem rodeios. A questão é que diabos "papas" está fazendo aí. A expressão resultou de uma confusão na tradução do
espanhol "no tener pepita en la lengua", em que pepita faz sentido porque é um tumor que as galinhas têm na língua e que as impede de cacarejar. Quer dizer, confundiu-se pepita com papita ou papa, quando a tradução correta poderia ser "não ter pevide na língua", o problema é que pouca gente entenderia o sentido (em português, pevide, além de semente de fruta, também é uma película mórbida que aparece na língua de algumas aves e que não as deixa beber).
Em espanhol, pepita veio do latim pipita (origem do português pevide) - forma alterada de pituita, resina das árvores - e também tem os seguintes significados:
(a) semente de fruta, provavelmente em razão do líquido espesso, parecido com uma resina, em que se encontram as pevides;
(b) grão de metal (daí o português pepita).

NONATO
O sujeito chamado nonato é a negação do próprio nome. Nonato significa não nascido e veio do latim non natu.
Para não ficar mal com os Nonatos, o autor esclarece que nonato também é o nascido por meio de operação cesariana.
Conclusão: se você se chama Nonato e nasceu de parto natural, você não existe.

OMBUDSMAN
A PALAVRA É SUECA E SIGNIFICA originalmente representante. Veio do escandinavo antigo umbothsmathr, formado de umboth, comissão (da preposição um, em torno de + both, comando) + mathr, pessoa.
Em 1809, a palavra ganhou seu sentido moderno de investigador movido a queixas em razão da legislação sueca que criou o cargo de agente parlamentar de justiça com o objetivo de limitar os poderes do rei. No século seguinte, a palavra passou para o inglês e daí veio para cá, mantendo sua forma em sueco, o que confere uma dignidade enorme a quem exerce a função. Pode não ser a profissão mais importante do mundo, mas é a de nome mais imponente. Tem, entretanto, o inconveniente de ser mal entendida por quem não conhece a palavra: parece um motorista de ônibus metido a besta.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – VII – Vem Vindo o Socorro


Pedrinho suava na maior aflição. O socorro que pedira não vinha nunca. Quando chegasse, talvez Rabicó já estivesse estrangulado pelo monstro. O que estava retardando isso era a curiosidade do polvo. Parecia divertir-se em olhar para o focinho aterrorizado do mísero marquês de língua de fora, que revirava os olhos para todos os lados em procura da salvação. Pedrinho, que espiava a cena por uma fresta do camarote, fazia-lhe sinais para que não morresse antes da chegada do socorro. Quanto ao Visconde, estava, por ordem de Pedrinho, trepado à gávea do mastro grande para dar aviso logo que avistasse as tropas do príncipe. Mas foi coisa que nada adiantou. O Visconde era um verdadeiro sábio e os sábios são muito distraídos. Logo que chegou ao alto do mastro, distraiu-se com uma baratinha do mar que andava por ali, ficando a parafusar que nome científico poderia ela ter. Por isso não viu a chegada dos couraceiros, nem pôde dar o aviso. Eram os tais couraceiros uns terríveis caranguejos rajados, de casca rija como a da tartaruga e armados de pinças piores que boticão de dentista. Por serem muito vagarosos, vinham montados em peixes-elétricos. Chegaram, apearam. O comandante perguntou ao menino onde estava o senhor Marquês.

— No camarote número 7, bem no fundo – respondeu Pedrinho em voz baixa para que o polvo não ouvisse.

Os couraceiros foram avançando, pé ante pé. Foram avançando e, de repente, deram um pulo, todos ao mesmo tempo, e “fulminaram” o polvo. Sim, fulminaram. Como viessem montados em peixes elétricos, tinham ficado carregadíssimos de eletricidade, como pilhas, e assim, mal seus ferrões tocaram o polvo, produziu-se o terrível choque elétrico que o fulminou. E não fulminou Rabicó também? Não. Rabicó tinha-se agarrado por acaso a um pára-raio que havia ali. Isso o salvou. E mal escapou do monstro, correu, coin, coin, coin, para onde estava o menino. Mas apesar de salvo continuava, coin, coin, coin, como se ainda estivesse sofrendo alguma coisa. Pedrinho examinou-o. O pobre marquês estava com um siri ferrado na pontinha da cauda!

— Escapei dum mas caí noutro! — gemia o mísero. – Este polvinho que me está agarrado à cauda é duas vezes mais doído que o grande...

Em vez de livrá-lo do siri, Pedrinho achou graça no caso.

— Você fica lindo assim, marquês! Esse siri na cauda vai muito melhor que o laço de fita vermelha — e deixou-o como estava.

Pedrinho foi dali examinar o polvo moribundo, naquele momento rodeado dos valentes couraceiros. Nisto viu o Visconde que vinha descendo do mastro com a baratinha dentro da cartola.

— Acho que esta baratinha deve ser um Balabera gigantea das Índias Ocidentais, começou ele a explicar.

O menino ficou danado.

— E eu acho que o senhor Visconde é um perfeito palerma. Foi para pegar baratinha que eu o mandei subir ao mastro?

— É verdade! — exclamou o Visconde batendo na testa. — Esqueci-me completamente da sua recomendação. Mas não faz mal, volto para lá outra vez e assim que as tropas do príncipe apontarem ao longe darei sinal.

— Vai voltar mas é para o palácio, isso sim. Não vê que as tropas do príncipe já vieram e Rabicó já está salvo? — e pondo o marquês em marcha tomou rumo do palácio.

O Visconde seguiu atrás, com a baratinha na mão. “Será uma Balabera ou uma Stylopyga? Que pena estar tão longe aquele livro de dona Benta...” — ia pensando ele, todo rugas na testa.

Chegando ao palácio encontraram as portas fechadas. O porteiro disse-lhes que o casamento já havia começado. Pedrinho aborreceu-se.

— Essa é boa! Será que terei de assistir ao casamento de Narizinho aqui da rua? Abra a porta! — ordenou ao porteiro.

— Só com ordem do príncipe — respondeu este. Pedrinho armou o bodoque; mas mudando de idéia disse a uma minhoca do mar que estava de prosa com o porteiro:

— Senhorita, faça-me o favor de passar pelo buraco da fechadura e ir dizer ao príncipe que mande abrir a porta incontinenti, pois estou esperando aqui na rua...

Partiu a minhoca e Pedrinho, ansioso por saber o que estava se passando, trepou a uma das janelas para espiar lá dentro. E viu tudo.

Viu Narizinho deslumbrante no seu vestido cor do mar com todos os seus peixinhos. Na cabeça trazia um diadema feito das mais raras pérolas dos sete mares, e na mão um cetro de nácar todo esculpido.

Ao lado dela caminhava o príncipe no seu maravilhoso manto de rei, feito das mais raras escamas. Atrás vinha a Emília, de vestido de cauda, braço dado a um soleníssimo Bernardo Eremita. Este senhor trazia nas mãos uma salva de escama onde repousava a coroa com que o príncipe ia ser coroado. Firmando a vista, Pedrinho viu que a coroa era a tal rosquinha que a menina lhe havia mandado de presente.

— Esta Narizinho é de muita sorte! — murmurou ele consigo.

— Apanhou um marido que além de príncipe tem idéias muito felizes...

Chegados aos primeiros degraus do trono, os reais noivos principiaram a subir passo a passo, ao som das mais belas músicas que se possam imaginar. Eram cantos de sereias vindas de todos os pontos do oceano. Pedrinho, que jamais vira sereia, arregalou bem arregalados os olhos pensando lá consigo : “E a boba da vovó que não acredita em sereia?” Súbito, o príncipe parou, como se alguém estivesse a lhe mexer no pé. Olhou para baixo. Viu a minhoca com o recado. Entendeu muito bem o que ela disse e, voltando-se para Narizinho, explicou:

— É Pedrinho, o Visconde e o marquês que acabam de chegar.

— Que bom! — exclamou a menina batendo palmas. — Mas agora temos de recomeçar a festa desde o começo, se não Pedrinho fica danado.

Quem mandava no reino já era Narizinho. Um desejo seu valia por ordem terminante, de modo que o príncipe fez parar a festa para começar novamente.

Cada qual foi para o seu posto, todos muito compenetrados, à espera de que Pedrinho, o marquês e o Visconde entrassem e tomassem as poltronas que lhes estavam reservadas. As portas do palácio abriram-se afinal e os três aventureiros surgiram. Emília incontinenti notou qualquer coisa estranha na ponta da cauda do marquês.

— Que é que Rabicó tem na cauda? — interrogou ela firmando a vista. — Parece que o laço de fita virou siri... e correu para ver bem.

Verificando que era siri mesmo, desmaiou de vergonha — Ah!...

Houve grande rebuliço. Toda a corte correu para ampará-la.

Veio à pressa o doutor Caramujo, que lhe tomou o pulso demoradamente.

— Não está morta, não! — disse ele por fim. – Apenas desacordada.

— E como há de ser para acordá-la? — perguntou Narizinho ansiosa. — Não haverá éter por aqui?

— Há coisa melhor — declarou o doutor Caramujo. — Há siris. Para acordar uma criatura desmaiada, não conheço nada melhor do que botar um siri em cima. Tragam-me um siri!...

O príncipe gritou:

— Um siri! Meu reino por um siri!...

— Aqui está um — disse Rabicó voltando-se de costas para o doutor Caramujo, muito contente de ter aparecido aquele jeito de se livrar do incômodo brinco da cauda.

O doutor agarrou no siri, tirou-o da cauda de Rabicó e aplicou-o no nariz da Emília. A boneca imediatamente deu um suspiro.

— Onde estou eu? — murmurou abrindo os olhos, ainda apalermada.

— Sente-se melhor? — indagou o médico.

— Um pouco... Mas tenho a vista turva. Vejo tudo atrapalhado, como se o mundo estivesse cheio de pernas...

Eram as pernas do siri ainda penduradas no nariz dela! O doutor riu-se e, afastando-lhe do nariz aquele pernudo “éter”, guardou-o no bolso para outra emergência, dizendo:

— Um médico deve andar sempre prevenido...

Terminado o incidente, ia a festa começar de novo. Chegou o casamenteiro — outro Bernardo Eremita, muito respeitado no reino pelas suas manhas. Fora convidado não só para fazer o casamento como também para coroar o príncipe com a famosa coroa de rosquinha engastada de diamantes.

— Começa tudo de novo desde o principio! — foi a ordem do príncipe.

E tudo recomeçou desde o princípio. As sereias repetiram os lindos cantos que já haviam cantado e os noivos repetiram a marcha a passos lentos em direção ao trono nupcial! Enquanto caminhavam, uma chuva de pérolas em pó caía sobre eles. Subiram ao trono. Sentaram-se. O venerando Bernardo Eremita pronunciou as palavras sacramentais e os casou, bem casadinhos. Palmas romperam, e gritos, e hurras. Narizinho estava princesa, finalmente! Restava a coroação.

O venerando Bernardo pronunciou outras palavras sacramentais e concluiu pedindo a coroa.

Mas... que é da coroa? Havia desaparecido.

— A coroa sumiu! — murmurou o fidalgo que segurava a salva de escama, mais pálido que uma folha de papel. — Alguém furtou a coroa!...

— Miserável! — rugiu o príncipe, avançando para ele, tomado de súbito acesso de cólera. — Como deixou perder-se a mais rica jóia de meu tesouro? — e deu-lhe uma cetrada na cabeça.

Foi um rebuliço. A corte debandou apavorada. Todos sabiam que quando o príncipe surrava alguém com o cetro era sinal de fim do mundo, pior que tempestade em alto mar. Narizinho e seus companheiros acharam melhor debandarem também. Saíram dali correndo e chegaram pingando ao sítio de dona Benta. Assim que pararam para tomar fôlego, Emília voltou-se para a menina e disse:

— Eu vi, Narizinho! Juro que vi! Foi Rabicó quem comeu a coroa do príncipe!...

––––––––
Continua... Aventura do Príncipe – I – O Gato Félix

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Alerta aos Assinantes do Blog



Por uma falha minha de digitação, faço uma errata no Trovia do Assis

Ao final da postagem onde se lê
Visite e participe da Trova-Legenda de Eliana Jimenez - http://poemaemtrovas.blogspot.com

No endereço do blog da Eliana, o correto é http://poesiaemtrovas.blogspot.com

Na postagem abaixo, já foi corrigido.


Perdoem-me a falha.
José Feldman

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Trova Ecológica 55 - Prof. Garcia (RN)

A. A. de Assis (Lançamento da Revista Virtual Trovia n. 144 - dezembro de 2011)

Jogos Forais de Porto Alegre – 2011
Flávio Stefani e Maurício Friedrich
Trovadores de Balneário Camboriú


INESQUECÍVEIS

Na conquista de troféus,
um só quero merecer:
chegar às portas dos céus
e a mão de Deus me acolher.
Aurolina de Castro

Gostar de ti, quem não há de?
Inspiras tal simpatia,
que a gente sente saudade
se deixa de ver-te um dia.
Colombina

Meus irmãos, tenham piedade
do infeliz que, sem talento,
na muleta da vaidade
tem seu único sustento.
Ernesto Machado

Miséria de pão maltrata...
Mas quanta gente, Senhor,
sabeis que morre ou se mata
quando há miséria de amor!
Lilinha Fernandes

Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto !...
Luiz Otávio

Senhor, escuta os cicios
dos excluídos, sem teto...
Troca seus ninhos vazios
por ninhos cheios de afeto!
Milton Nunes Loureiro

Parabéns, presidente Luiz Carlos Abritta.
A trova e os trovadores esperam muito de você.

BRINCANTES

Vendia colchões... vendia,
porque em nova “profissão”
ganha mais grana hoje dia
usando o mesmo colchão...
Darly O. Barros – SP

Eu vivo numa sinuca
por causa de uma vizinha:
ela desarma a arapuca
sempre que eu solto a rolinha...
Divenei Boseli – SP

O pobre do pipoqueiro
não escapa da fofoca:
faz pipoca o dia inteiro,
mas, de noite, só... “pipoca”...
Izo Goldman – SP

Ao homem muito ciumento
há um dilema que emperreia:
ou esquece o casamento,
ou casa com mulher feia!
Josa Jásper – RJ

– Preciso falar contigo...
E eu, que o conheço tão bem,
lhe disse: – Prezado amigo,
vamos falar mal de quem?...
José Fabiano – MG

Sobre o colo da visita
pula logo a cadelinha
e a visita, mesmo aflita,
tem que dizer: - Que gracinha!...
Marina Bruna – SP

Enquanto conta lorota
cantando as gatas na rua,
em casa vira chacota,
por não dar conta da sua...
Osvaldo Reis – PR

A pulga e o “pulgo” a brigar...
Foi enorme a confusão!
A pulga deixou o lar
e... foi morar noutro cão!
Renato Alves – RJ

LÍRICAS E FILOSÓFICAS

No meio da multidão,
pode ocorrer-lhe o imprevisto:
alguém, que lhe estenda a mão,
ser de novo Jesus Cristo.
A. A. de Assis – PR

Nossa cultura se entende
nas lições que eu mesmo tive;
o saber a gente aprende,
a cultura a gente vive.
Ademar Macedo – RN

Eu vi crianças brincando
junto de lindas roseiras
como aves cantarolando
nos ninhos todas faceiras
Agostinho Rodrigues – RJ

Este amor que é meu tormento
bate em casa abandonada;
responde, na voz do vento,
somente o eco – mais nada!
Amaryllis Schloenbach – SP

Sem fazer-me de rogada,
só persiste uma verdade:
a trova em mim fez pousada,
trazendo a felicidade.
Andréa Motta – PR

Tudo em ti pede carinho,
pela graça que tu és...
– Amo o teu corpo inteirinho,
beijável da testa aos pés!
Bruno Pedina Torres – RJ

No amor o tempo se gasta
com medidas desiguais:
se estás longe, ele se arrasta;
se perto, corre demais”
Carolina Ramos – SP

Eu queria ser feliz,
Deus me deu sabedoria;
era simples aprendiz,
virei mestre da alegria.
Carmem Pio – RS

Enganar que sou feliz
é coisa inútil, porque
meu sorriso triste diz
quanto sofro por você!
Conceição de Assis – MG

Um coração que se isola
cava a própria solidão
e não há melhor escola
que o convívio com o irmão.
Dáguima de Oliveira – MG

Tua amizade é tão bela
que confrange o coração.
Por isso me lembro dela
no momento da oração!
Diamantino Ferreira – RJ

Poeta mantém acesa
a chama do amor fecundo,
minimizando a tristeza
e as dores cruéis do mundo.
Djalma Motta – RN

Procure espalhar, na vida,
alegria em sua estrada,
que a alegria dividida
é sempre multiplicada!
Domitilla B. Beltrame – SP

A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica...
Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica!
Eduardo A. O. Toledo – MG

Eu não preciso de ajuda!
Quem essa frase repisa,
meu amigo, não se iluda,
é o que dela mais precisa...
Élbea Priscila – SP

Abra a porta, deixe a luz
resgatar seu coração.
Vá sem medo, faça jus
a viver nova paixão.
Eliana Jimenez – SC

Feito internauta voraz,
tu clicas minha paixão,
e eu não sou sequer capaz
de deletar a intenção!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Gerador de paz e calma,
que dispensa cerimônia,
o livro é o jantar da alma
nas noites claras de insônia.
Flavio Stefani – RS

Ao longo deste ano distribuímos trovas à mão-cheia.
Ajudamos o mundo a sonhar, pensar, sorrir. Missão cumprida.

Toda tarde o passarinho
bate as asas, quando canta.
Quanto mais longe do ninho,
mais afinada a garganta!
Francisco Garcia – RN

Espremam o coração
deste vate trovador,
e vocês conhecerão
o doce suco do amor!
Francisco Macedo – RN

Os sonhos da mocidade
são diferentes dos meus...
O jovem quer liberdade
e eu quero estar preso a Deus!
Francisco José Pessoa – CE

Um mundo melhor... queria,
para deixar aos meus netos,
onde imperasse a alegria
numa transfusão de afetos!
Gislaine Canales – SC

Nesta terra que volteia
sob ditames divinos,
somos meros grãos de areia,
transitórios inquilinos.
Humberto Del Maestro – ES

A velhice, meu irmão,
não é uma questão de idade.
É quando vai-se a ilusão
e vem chegando a saudade.
Jaime Pina da Silveira – SP

A falsa humildade é feia,
raramente é uma façanha;
geralmente é um grão de areia
se dizendo uma montanha.
J.B. Xavier – SP

Transformou nosso destino
uma pequena criança,
pois junto a Jesus menino
nasceu no mundo a esperança!
Jeanette De Cnop – PR

Grato por sua amizade,
pelo incentivo e carinho;
ter amigo é, na verdade,
jamais caminhar sozinho.
Jessé Nascimento – RJ

Na saliência do seu ventre
quanta promessa...esperança...
Que a luz do amor se concentre
na vida dessa criança!
João B. X. Oliveira – SP

Os meus versos se calaram,
à saudade sucumbi;
minhas lágrimas secaram
de tanto chorar por ti...
João Costa – RJ

Ontem... florestas... encanto...
flores a desabrochar.
Hoje... pinheiros em pranto,
grito parado no ar!
José Feldman – PR

Depois que ela me deixou,
foi pra longe e não mais veio;
a saudade atravessou
meu coração pelo meio!
José Lucas de Barros – RN

Alma serena... e que abriga
velho sonho que vagueia...
parece varanda antiga,
onde a saudade passeia!
José Messias Braz – MG

A idade, a chegar de manso,
respeitando o meu cansaço,
põe cadeiras de balanço
nas tardes por onde eu passo!
José Ouverney – SP

Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós...
A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.
José Valdez – SP

Enquanto a chuva, lá fora,
escorre pela vidraça,
choro meu pranto que, embora
passando a chuva, não passa.
Laérson Quaresma – SP

Na pouca pressa que tens
de aliviar minha saudade,
enquanto espero e não vens,
transcorre uma eternidade!
Lucília Decarli – PR

Não foi perto, nem distante
o nosso amor ideal;
nasceu da luz de um instante
e se tornou imortal!
Luiz Carlos Abritta - MG

Um abraço a todos os divulgadores de trovas.
Graças a eles os nossos versos rodam mundo.

A cada dia que passa,
muda minha realidade,
meus sonhos viram fumaça,
amores viram saudade.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Zune o vento – na janela...
Zumbe a abelha – no jardim...
Zarpa a nau – rumo à procela...
- Zomba a saudade... de mim!...
Ma. Madalena Ferreira – RJ

A saudade é um bem guardado
que nos volta, de repente,
num presente do passado,
quando o passado é presente.
Maria Nascimento – RJ

Não há fronteira na vida
que separe um grande amor,
quando a ponte foi erguida
pelas mãos do Criador.
Olga Agulhon – PR

Oferecendo a miragem
de uma vida sem escolta
o vício vende passagem
para a viagem sem volta.
Olympio Coutinho – MG

De que estranho ingrediente
será a saudade composta,
que maltrata tanto a gente
e assim mesmo a gente gosta!
Pedro Ornellas – SP

Dos instantes devotados
a cada luta vencida,
todos estão retratados
no painel da minha vida.
Roberto Acruche – RJ

Embora livre, sozinho,
não conheço liberdade...
– Fui presa do teu carinho,
hoje estou preso à saudade!
Rodolpho Abbud – RJ

Prestigie sempre os novos trovadores.
Deles depende muito a trova para ter futuro.

Minha infância – que linguagem!
Se no céu relampejava,
eu sentia, nessa imagem,
que Deus me fotografava!
Roza de Oliveira – PR

Se a realidade me abate,
jamais me dou por vencida:
vou à luta, entro em combate
e, com fé, enfrento a vida!
Thereza Costa Val – MG

Meu coração não se expande.
Chora sozinho e sem queixa...
Sabe quando o amor é grande
pela saudade que deixa.
Therezinha Brisolla – SP

É tão vazia a paisagem,
e nem um vulto se vê...
Mas, sem ver qualquer imagem,
consigo enxergar você!
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Vence valores, de fato,
quando em meio à discussão,
se revolta de imediato,
mas, na ofensa... dá o perdão!!!
Vânia Ennes – PR

Palavras, rica mistura
que o livro sempre nos traz,
em direção à cultura,
com a leveza da paz.
Vidal Idony Stockler – PR

Somos velhos caminhantes...
a doçura nos invade;
namoricos vão distantes,
fica o flerte da saudade!
Wagner Lopes – MG

Sem outra opção que a rotina
de esperar-te sempre em vão,
minhas noites de neblina
só gotejam solidão...
Wanda Mourthé – MG

Nós, os trovadores, felizes somos, e a todos
queremos ver felizes também. Neste Natal e sempre.

Visite e participe da Trova-Legenda de Eliana Jimenez - http://poesiaemtrovas.blogspot.com

Faça uma visitinha aqui → http://aadeassis.blogspot.com/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 411)


Uma Trova Nacional

Com essa boca molhada
e esse aroma de hortelã,
mal disfarças a noitada,
ao beijar-me de manhã...
–LOURDES PAIVA/SP–

Uma Trova Potiguar

A saudade é um trem alado
que transporta, inconsciente,
a bagagem do passado
para o vagão do presente.
–RENATO CALDAS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Rio de Janeiro/RJ
Tema: CONVITE - M/E

O convite amarelado,
que o envelope resguardou,
traz lembranças do passado
que nem o tempo apagou.
–SÔNIA MARIA SOBREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Um sonho que me extasia
e me traz muita esperança,
é ver livros de poesia
nas mãos de toda criança.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Buscando a calma na vida,
nos meus roteiros tristonhos,
achei a calma perdida,
perdido em meus próprios sonhos!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

A Luz da Lua Branca.
–MIFORI/SP–

A luz da lua branca me fascina
espreitando nossos beijos.
Sua chuva de prata me alucina
aumentando meus desejos.
Amor! Quando a luz da Lua
em sua janela bater,
lembre-se de que sou só sua
e sua serei até morrer!

Estrofe do Dia

A poesia está na reta
da estrada, em cima da ponte,
está na luz das auroras
que nascem por trás do monte,
está no calor das fráguas
e no soluço das águas
que se despedem da fonte.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Realidade e Sonho
–CONCEIÇÃO A. C. DE ASSIS/MG–

Sonho contigo e penso em casamento,
pois sou “certinha” para uma aventura
e voa o sonho nesse encantamento
pensando num futuro de ternura.

E ponho endeusamento em tua figura,
querendo ser real meu sentimento,
mas esse meu desejo não perdura
se volto à realidade o pensamento.

A vida a dois... Amar ... Mas que trabalho!
Fogão e pia; as mãos cheirando a alho...
Camisa limpa, com botões, passada...

Casa arrumada, tudo a tempo e hora...
E a liberdade, nela já não mora...
Melhor sonhar, sonhar não custa nada!

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Paraná em Trovas Collection - 16 - Mafalda de Sotti Lopes (Irati/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 15


CORAÇÃO LIVRE

Ao Augusto Rocha

Ah que enfim se rompeu o ergástulo sombrio,
Onde estiveste preso, ó pássaro erradio!

Rompeu-se o espesso véu dessa brutal prisão,
Onde choraste, mas de dor, mas como um cão.

Livre agora, porém, de tudo, sim, de tudo,
A esse cárcere azul, cárcere de veludo,

Mas cárcere cruel, que te fez tanto mal,
Não tornes nunca mais, ó vagabundo ideal.

Não tornes nunca mais, e nunca mais te iludas,
Ao trágico furor dessas cóleras mudas,

A esse nojo, afinal, que tanto ódio te fez,
O incoercível horror banal da fixidez.

Livre. É poder fugir por esse mundo afora...
Quem mais feliz que tu, meu coração, agora?

Livre. O espaço é teu, é teu todo esse ar:
É somente bater as asas e voar...

Segue essa curva azul. É o caminho mais reto,
Ó nômade febril, ó trovador inquieto!

Livre por condição e por índole, tu
Nasceste para ser como um selvagem nu.

Um selvagem, porém, que tem paixão por astros,
Estátuas, capitéis, colunas e alabastros...

Quanto me sinto bem, e como é bom saber
Fugir assim, batendo as asas de prazer!

Ser livre para mim é tudo quanto eu amo:
Não há como poder saltar de ramo em ramo.

Não há gozo melhor, seja lá como for,
Do que esse de voar de uma para outra flor.

Nem orgulho maior e nem glória tamanha
Que o delírio de andar de montanha em montanha!

Olha. Não pares no teu caminho, a não ser
Só para olhar o que for digno de se ver.

O que tiver o dom soberbo de arrancar-te
Numa explosão sincera as lágrimas com arte.

Segue. Na fonte em que beber a ovelha, em paz,
Com as tuas próprias mãos, tu também beberás.

E a árvore sob a qual dormires o teu sono,
Há de dar-te abundante os seus frutos de outono.

E que perfume bom! Que embriaguez assim
Por esse vasto céu, por esse azul sem fim!

O dia é uma canção de luz maravilhosa,
Que se pudesse ouvir cantar por uma rosa...

Segue pois, segue pois, sem saber onde vais...
Nômade, o teu destino é esse e nada mais!

LIED

Ao Júlio Prestes

Num cavalo branco, vales e barrancos,
Caminha p’ras guerras em tempos de paz
Plumas todo verdes, lírios todo brancos...
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro andante (fulgem armaduras!)
Galopa, galopa, sob estrelas más.
Vai correr o Mundo pelas aventuras...
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro fino como um argueiro,
Com espada d’ouro, rico falbalás,
Cabelos ao vento – Palmas! – Cavaleiro!...
– Cavaleiro, não vás!

Cavaleiro triste (ceifa a lua nova)
– Que é da sua dama? Que é do seu gilvaz? –
Entra p’los salgueiros caminho da cova...
– Não direi que não vás!
1899

A FOME DE ERISÍCTON

Meu coração é como esse infeliz que um dia
Ceres, p’ra o castigar, deu-lhe fome voraz,
Deu-lhe uma fome tal que quanto mais comia,
Mais queria comer e não ficava em paz.

Era a fome canina, era o horror e a fúria,
De tal maneira que todos os bens vendeu,
E reduzido enfim a uma extrema penúria,
Vendeu o que era seu o que não era seu...

Desesperado até veio a vender a filha
Metra, que era, porém, uma estrela polar,
Tinha a virtude ideal, possuía a maravilha,
O dom de se poder metamorfosear...

Logo, logo que o pai conseguia vendê-la,
Mal se via nas mãos do seu possuidor,
Transformava-se em flor, ou então em cadela,
Em pássaro, em veado, em boi ou em pescador.

Mas a fome cruel daquele esfaimado
Uivava como os cães, os lobos e os chacais,
Nem bem tinha engolido o último bocado,
Sangrando de desejo, ela pedia mais...

Davam-lhe de comer, porém, doentia e louca,
Queria devorar o mundo de uma vez,
O olhar como um demônio, escancarada a boca,
Tomada de um furor bestial de embriaguez.

E tanto desejou, afinal, e tanto ela
Pediu, e soluçou, e ambicionou, e quis,
Que não havendo mais com que satisfazê-la,
Deu em se devorar a si próprio, o infeliz!
Março – 1906

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte II


REDAÇÃO ANULADA

A redação poderá ser anulada, ou receber nota zero, se:

Estiver ilegível.

Fugir do assunto.

For escrita a lápis.

For escrita com rasuras e sem título.

For apresentada sob a forma de verso.

Não obedecer ao espaço e ao número de parágrafos determinados.

Não seguir as instruções relativas ao tema escolhido.

Tiver menos ou mais linhas do que a quantidade preestabelecida.

Contiver cópias das idéias do texto de motivação, quando este for dado.

Contiver elemento que identifique o candidato (como letra de forma ou de imprensa, por exemplo).

APOSTO.

Use o aposto — explicação sobre um termo ou expressão da frase — quando, ao mesmo tempo que caracterizar, você pretender explicar a própria atitude da personagem.

Mariana, enfurecida, arremessou o valioso colar no rio.

A Universidade pública deve ser defendida por todos, ricos ou pobres.

O estudo do Romeno, língua neolatina como o Português, pode ser bastante facilitado com o uso de uma gramática comparativa.

ARGUMENTAR.

Não comece a redação com períodos longos. Exponha logo suas idéias.

Não fundamente seus argumentos com fatos que não sejam de domínio público.

Os argumentos do desenvolvimento da redação devem surpreender o leitor. Suas idéias precisam ser saborosas para atrair sua atenção.

Dê sua opinião, argumentando. Não use expressões como eu acho, eu penso, para mim ou quem sabe, pois denotam imprecisão em suas ponderações. É preciso mostrar conhecimento e domínio sobre o tema que está escrevendo.

ARTIGO, PREPOSIÇÃO: A, À, PARA, PARA A.

A (artigo): Fui a Salvador (fui e voltei logo).

PARA (preposição). Fui para Salvador (fui e vou passar alguns dias ou morar lá).

À (craseado): Fui à fazenda (fui e voltei logo).

PARA A (preposição + artigo): Fui para a fazenda (fui e vou passar alguns dias ou morar lá).

ASPAS.

Vêm entre aspas:

Os estrangeirismos (as palavras estrangeiras): “Pizzaria”, “mobylette”, “show”, “vídeo game”. Observação: Matinê, buate e pingue-pongue, no entanto, não vêm entre aspas, por serem estrangeirismos aportuguesados.

Os apelidos: “Zezinho”, “Juca”, “Nice”.

As citações que não sejam de sua autoria:
Oxalá não se me fechem os olhos sem que o queira Deus”. (Rui Barbosa).

“Se viveres com dignidade, não melhorarás o mundo, mas uma coisa é certa, haverá na terra um canalha a menos” (Confúcio).


Observação: As citações, quando não colocadas entre aspas, constituem plágio, o que é errado e desonesto. Plagiar, segundo o dicionário do Aurélio, é “assinar ou apresentar como seu obra artística ou científica de outrem” (de outro autor).

As gírias. Isto é, as palavras usadas em sentido figurado. A festa foi um “barato” (ótima, “legal”). Não “saquei” (entendi) nada. Aliás, evite usar gírias.

ASPECTO VISUAL.

Qualidade da letra, margem, espaços entre as palavras, legibilidade, limpeza, pontuação, facilidade de leitura, parágrafos (espaços), períodos (se não deixou períodos longos).

ASSÍNDETO.

É a ausência de conjunções coordenativas no período composto.

Cheguei, vi, venci.

O barco veio, chegou, atracou, chegamos.

AVALIAÇÃO.

A autocrítica pode ser essencial quando se deseja melhorar o texto.

Avalie o texto. Verifique se as frases soam bem, se não contêm cacófatos ou rimas. Começou bem a redação e terminou-a melhor ainda?

A avaliação de uma redação segue um critério rigoroso, pois está relacionada à norma culta da língua portuguesa. Além da parte específica de gramática, muitas vezes recorre-se à grafologia para verificar-se o perfil psicológico e pendores vocacionais do candidato à função que pleiteia.

BARBARISMO OU ESTRANGEIRISMO.

É a utilização de palavras ou construções estranhas à língua portuguesa. Evite usá-lo.

Estrangeirismo ... Prefira
Show……......……………espetáculo
Jeans …………......……..calça de brim

BATE-PAPO.

Evite a projeção de bate-papo, ou seja, escrever com estilo coloquial numa redação.

A Guerra do Iraque foi duramente criticada, vai daí que os americanos tiveram abalado seu conceito de democracia.

A expressão “vai daí que” é da fala coloquial, devendo ser substituída por uma construção mais adequada:

A Guerra do Iraque foi duramente criticada e, em função de sua postura, os americanos tiveram abalado seu conceito de democracia.

Ele repetia tudo o que dizia, que nem um papagaio de madame.

A palavra adequada é como; “que nem” desmerece o texto em que está inserido, a não ser que represente a fala popular da personagem.

BILHETE.

É uma forma de comunicação da língua escrita, bastante simples e breve.

BOM SENSO.

Evite construções complexas. Leia o texto várias vezes para ter certeza de que ficou claro e preciso.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

Pedro Nogueira (O Trovador em Versos Diversos)


CADA MINUTO DE TODO DIA

Sobre o verde vestido
Eu te falo um outro dia
Vais saber após ter lido
A minha ultima poesia.

Que já estou elaborando
Composta de muita verdade
E todas elas só falando
Sobre essa meiga beldade.

Inclusive o sorriso dela
E os cabelos em desalinho
A cor de neblina fica bem nela
E deixa esse trovador doidinho.

Mas vamos falar outra hora
Qualidades bem detalhadas
De lembranças que vem agora
Daquela fada emcantada.

A regente da singela poesia
Que jorra da minha mente
Cada minuto de todo dia
Visando o eternamente.

ANTES QUE O ASSUNTO TERMINA.

Tomara que ela ouça
Essa vóz tão fraquinha
Do coração que não é de louça
E que acha ela uma gracinha.

Vê se de atenção a ele
Não vais se arrepender
E saiba que o sonho dele
É de bem de pertinho te ver.

Se você achar que deve
Pode lhe perguntar tambem
Pra quem é que ele escreve
E pode ir ainda mais alem.

Encoste ele na parede
Tente tirar dele,mistério
Pergunte sobre o vestido verde
Mas sobre isso fale bem sério.

Com esse coração atrevido
Que faz germinar poesia
De modo ansioso e atrevido
Mas sem nenhuma ironia.

E antes que o assunto acabe
E correndo ele vai embora
Pergunte do sorriso cor de neblina
Por que ele ainda tanto chora

POR ISSO A SAUDADE.

Uma tarde chuvosa
A imaginação voando
Minha alma ansiosa
Noticias esperando.

O corção em brasas
Uma taça de vinho
O pensamento bateu asas
O trovador está sozinho.

As rosas molhadas
Parecem gostando
Sem noite enluarada
Eu acordado sonhando;

Tentando uma trova
Bem diferente agora
Tambem queria uma prova
Que ela lê meu verso que chora.

E ao mesmo tempo sorri
Ao pensar na beldade
Que eu nunca esqueci
Por isso a saudade.

NA MENTE FICOU O RETRATO

Nos campos da minha terra
Eu quero de novo correr
E a chuva branca na serra
Outras vezes eu quero ver.

O cantar de um sabiá
A flor branca da laranjeira
Um perfume que só tem lá
Na terra do Pedro Nogueira.

A DEUS eu sou muito grato
Porque ali foi nascido
O trovador mais pacato
E de coração tão atrevido.

Recordo a bela italianinha
Dela eu gostei de verdade
Belos olhos azuis ela tinha
Até hoje eu tenho saudade.

Na beira do manso regato
Eu ia perseguir borboleta
Na mente ficou o retrato
Da estradinha florida e estreita.

MEU SONHAR E MEU MEDO

O lago mansinho
Um espelho da lua
A flor do caminho
Traz saudade tua.

A noite tão calma
Uma taça de vinho
Pra alegrar a alma
De quem está sozinho.

É alta madrugada
Já vai amanhecer
E a saudade da amada
Me obrigando escrever.

O lindo nome dela
Meu tesouro,o segredo
Razão da poesia singela
Meu sonhar e meu medo.

Assim vai seguindo
O cotidiano da vida
E te percebe sorrindo
A minha alma atrevida.

COMPOR POESIA QUE CHORA

O luar do fim de noite
Misturado com lembrança
E o estalo de um açoite
Fé e muita esperança.

Se torna embriagador
Me faz sair fora do sério
Ai eu me vejo trovador
Querendo desvendar mistério.

Escrevo coisa sem nexo
Tentando me encontrar
No emaranhado complexo
Da despedida do luar.

Me sinto um rouxinol
Admirando um pardal
Tentando prender um raio de sol
No topo de um pedestal.

Já que o luar foi embora
É válido um improviso
Compor poesia que chora
Por um amor que eu preciso.

BUSCANDO A PAZ QUE EU TINHA
.
A madrugada está fria
E a saudade judiando
Vai virando poesia
O meu verso sonhando.

Com a beleza dessa mulher
A ternura do meu amor
Que meu coração tanto quer
Pureza e essencia de flor.

Essa caneta que desliza
Parece ter sentimento
E rabiscar ela precisa
Registrando cada momento.

As batidas de um coração
Que ama dioturnamente
Fazendo da vida a emoção
De arrancar versos da mente.

Como petálas,só pra ela
Sentir a presença minha
Em cada poesia singela
Buscando a paz que u tinha.

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=10626&categoria=J

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 14)


SER O LANTERNA
Lanterna veio do latim lanterna, archote, lampião.
Lanterna também é o último colocado numa competição. A palavra ganhou esse sentido na França.
A mais importante corrida de ciclistas em todo o mundo é promovida pelos franceses: a Volta da França, que dura 22 dias e tem um percurso de aproximadamente 3.400km, passando por várias cidades. A prova é disputada desde 1903* e, pelo menos no início, era cheia de trapaças, com os concorrentes pegando trens, sendo rebocados por carros ou dando outros jeitinhos franceses.
Foi nessa competição que os franceses passaram a chamar o último colocado de lanterne rouge, em associação com as luzes vermelhas que brilham no último vagão das composições ferroviárias, avisando ao mundo que ali acaba um trem.
A expressão, com esse sentido de último competidor, foi parar em Portugal assim mesmo, "lanterna vermelha", mas no Brasil se reduziu simplesmente a lanterna ou lanterninha.
* Anualmente, é claro (em julho). Ou você estava imaginando um bando de velhinhos pedalando até hoje?

LERO-LERO
Do Qicongo (grupo de línguas faladas no Congo e em Angola) lelu, boca.
É sinônimo de blablablá, que veio do francês blablabla, uma onomatopéia, provavelmente influenciada pelo verbo blaguer, dizer coisas ridículas. O verbo é derivado de blague, farsa, origem de blague em português. O francês blablabla veio depois do inglês blah, que também se usa repetido (blah-blah-blah), com o mesmo sentido de papo enfadonho. Em espanhol, também existe a palavra blablablá. Como se vê, os chatos têm um som universal.
O lero-lero é uma conversa fiada, em que fiada, enganosa, é o particípio do verbo fiar com o sentido de tramar para iludir. Aliás, fiar e tramar são palavras que passaram do mesmo sentido concreto (associadas a fio) para o mesmo sentido abstrato (engendrar para enganar). Fiar veio do latim filare, formado defilu, fio; tramar é derivado de trama, do latim trama, fio, trama.

LHAMA
O gracioso bichinho ganhou esse nome por engano. Quando os invasores espanhóis viram aquele estranho animal na América do Sul, perguntaram aos índios "eComo se ilama?" (Como se
chama?). Os índios não entenderam nada e ficaram repetindo a última palavra da pergunta: "Liama". Os espanhóis tomaram a perplexidade por resposta e assim batizaram o animal.
Interessante, não? Pois, o prezado leitor acaba de conhecer mais um caso de etimologia fantasiosa que ganhou fama. Infelizmente a verdade é outra, sem a menor graça: o português lhama e o espanhol llama vieram do quíchua (língua indígena dos Andes) ilama, nome dado pelos índios ao animal.
O lhama é uma variante de outra espécie, o guanaco, do espanholguanaco, que veio do quíchuawanáku. O espanhol guanaco também é usado para designar uma pessoa tola, em razão da comovente estupidez do bicho.

FAZER OUVIDOS DE MERCADOR
Mercador veio do latim. mercatore, comerciante. Fazer ouvidos de mercador é fingir que não ouve.
O mercador não escuta nada, só quer mesmo berrar as qualidades e o preço do produto e vender. Uma ligeira variante dessa explicação fala de mercadores agiotas, surdos às súplicas dos devedores.
Há duas outras teorias, pouco prováveis, para a origem da expressão, ambas calcadas em deturpações populares.
A primeira sustenta que mercador seria uma corruptela de "mau credor".
A segunda, mais inventiva, refere-se ao tempo em que os escravos eram marcados a ferro quente, como as reses. O marcador exercia sua função, indiferente aos gemidos da vítima.
Assim, "fazer ouvidos de marcador" teria sido corrompido pelo uso popular para fazer ouvidos de mercador.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – VI – o Vestido Maravilhoso

Enquanto a tragédia de Rabicó se desenrolava no camarote do navio afundado, Narizinho e Emília escolhiam figurinos em casa de dona Aranha Costureira. Depois passaram a escolher fazendas. Dona Aranha tirou dos seus armários de madrepérola um vestido cor do mar com todos os seus peixinhos; e com o maior pouco caso, como se fosse de alguma cassinha barata, desdobrou-o diante das freguesas assombradas.

— Que maravilha das maravilhas! — exclamou Narizinho, de olhos arregalados, sentindo uma tontura tão forte que teve de sentar-se para não cair.

Era um vestido que não lembrava nenhum outro desses que aparecem nos figurinos. Feito de seda? Qual seda nada! Feito de cor — e cor do mar! Em vez de enfeites conhecidos — rendas, entremeios, fitas, bordados, plisses ou vidrilhos, era enfeitado com peixinhos do mar. Não de alguns peixinhos só, mas de todos os peixinhos — os vermelhos, os azuis, os dourados, os de escamas furta-cor, os compridinhos, os roliços como bolas, os achatados, os de cauda bicudinha, os de olhos que parecem pedras preciosas, os de longos fios de barba movediços — todos, todos!... Foi ali que Narizinho viu como eram infinitamente variadas a forma e a cor dos habitantes do mar. Alguns davam idéia de verdadeiras jóias vivas, como se feitos por um ouvires que não tivesse o menor dó de gastar os mais ricos diamantes e opalas e rubis e esmeraldas e pérolas e turmalinas da sua coleção. E esses peixinhos-jóias não estavam pregados no tecido, como os enfeites e aplicações que se usam na terra. Estavam vivinhos, nadando na cor do mar como se nadassem n’água. De modo que o vestido variava sempre, e variava tão lindo, lindo, lindo, que a tontura da menina apertou e ela pôs-se a chorar.

— É a vertigem da beleza! — exclamou dona Aranha sorridente, dando-lhe a cheirar um vidrinho de éter.

Emília espichou a munheca para apalpar a fazenda; queria ver se era encorpada.

— Não bula! — murmurou Narizinho com voz fraca, ainda de olhos turvos.

O mais lindo era que o vestido não parava um só instante. Não parava de faiscar e brilhar, e piscar e furta-cor, porque os peixinhos não paravam de nadar nele, descrevendo as mais caprichosas curvas por entre as algas boiantes. As algas ondeavam as suas cabeleiras verdes e os peixinhos brincavam de rodear os fios ondulantes sem nunca tocá-los nem com a pontinha do rabo. De modo que tudo aquilo virava e mexia e subia e descia e corria e fugia e nadava e boiava e pulava e dançava que não tinha fim... A curiosidade de Emília veio interromper aquele êxtase.

— Mas quem é que fabrica esta fazenda, dona Aranha? — perguntou ela, apalpando o tecido sem que Narizinho visse.

— Este tecido é feito pela fada Miragem — respondeu a costureira.

— E com que a senhora o corta?

— Com a tesoura da Imaginação.

— E com que agulha o cose?

— Com a agulha da Fantasia.

— E com que linha?

— Com a linha do Sonho.

— E... por quanto vende o metro?

Narizinho, já mais senhora de si, deu-lhe uma cotovelada.

— Cale-se, Emília. Os peixinhos podem assustar-se com as suas asneiras e fugir do vestido.

Nesse instante a porta abriu-se assustadamente e o príncipe apareceu, mais assustado ainda.

— Uma grande desgraça! — foi ele dizendo. — Acaba de chegar uma sardinha mensageira com aviso do senhor Pedrinho, comunicando que o marquês de Rabicó está nas garras dum polvo!...

Narizinho empalideceu de susto e exclamou:

— É preciso salvá-lo, custe o que custar, príncipe! Se Rabicó for comido pelo polvo, vovó vai ficar danada!...

— Já mandei em seu socorro o meu melhor batalhão de couraceiros. Só resta que cheguem a tempo...

— Quem são eles?

— Os caranguejos rajados.

— Mas caranguejo anda tão devagar, príncipe! — murmurou a menina com cara de desconsolo.

— Sim, mas partiram montados em velocíssimos peixes elétricos. Tenho esperança de que tudo acabe bem.

— Os anjos digam amém! — suspirou a menina, ainda com o pensamento no pito que poderia levar de dona Benta.

Emília aproveitou a oportunidade para perguntar ao príncipe que tal achava o figurino que escolhera para o seu vestidinho de cauda.

— Muito bonito — respondeu ele maquinalmente, pensando noutra coisa.

— Pois está às suas ordens — disse amavelmente a boneca.

Narizinho chamou-a de parte e cochichou-lhe ao ouvido:

— Não se meta a conversar com o príncipe. Você diz sempre o que não é para dizer.

Emília amarrou um pequeno burrinho, certa de que era de ciúmes que a menina não queria que ela falasse com o príncipe.
––––––––
Continua... Vem vindo o socorro

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Trova Ecológica 54 - Wagner Marques Lopes (MG)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 410)


Uma Trova Nacional


Beija a mãe, filho querido,
convocado para a guerra!
Não há adeus mais doído
em toda a face da Terra!...
–HÉLIO DE CASTRO/PR–

Uma Trova Potiguar

No pôr-do-sol comovente,
que de tristeza me invade,
rezo, enternecidamente,
uma oração de saudade.
–REINALDO AGUIAR/RN–

Uma Trova Premiada

1987 - Resende/RJ
Tema: ABANDONO - M/E

Se vejo um roto menino,
desvalido, pela praça,
no abandono, sem destino,
estranha culpa me abraça.
–JOSUÉ VARGAS FERREIRA/SP–

Uma Trova de Ademar

Quem faz da vida um tatame
e da família um penhor,
não tem ninguém por quem chame
nos seus momentos de dor.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Numa calma que revolta,
ele chega, de repente;
e eu aceito a sua volta,
para sofrer novamente...
–NYDIA IAGGI MARTINS/RJ

Simplesmente Poesia

Desejo
–MANOEL RODRIGUES DE LIMA/SP–

Queria muito,
saber tudo sobre as flores.

Saber
sentir seu perfume.

Saber
ver suas cores.

Assim,
saberia qual lhe ofertar.

Estrofe do Dia

Poesia é a minha paz,
meu mundo, meu universo;
um mar de sabedoria
onde eu vivo submerso;
é minha alimentação,
é meu sustento, é meu pão
feito de rima e de verso.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Caminhada do Tempo
–JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA/BA–

Idade dos noventa. Aqui do alto
Faço um apelo ao sonho, à fantasia:
Não me deixe jamais, eu tornaria,
Ao insignificante e triste asfalto.

Para chegar aqui, de salto em salto,
Medindo passos e horas, noite e dia,
A fé me conduziu e mais, diria,
A vontade de ser hino em contralto.

Não me arrependo do que fiz. Se errei,
É que o destino humano marca a lei
Do certo e errado, alvorada a alvorada.

Resta levar o tempo que me sobra,
Seguindo firme, refazendo a obra
Que produzi durante a caminhada.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Célio Simões de Souza (A Triste Sorte de um Pinto sem Dono)


Moleque do meu tempo, em Óbidos, não dispensava em casa ou na rua uma brincadeira de bola, de pião, jogo de carteira de cigarro, belário, camonha, empinar papagaio ou simplesmente jogar pedra nas frondosas mangueiras que existiam na cidade, que o tempo e o desleixo das administrações foram deixando acabar.

Todo o time da minha faixa etária era por completo integrado nesse fuzuê, cujos mestres perlustravam os bancos das escolas municipais e ali concebiam as brincadeiras, algumas de duvidoso bom gosto, como aquela de jogar bomba de São João, comprada nas barracas dos marreteiros da Praça de Sant’Ana, em cima dos cães vira-latas só para vê-los correr sem rumo, latindo em desespero pelo açoite dos estampidos. Coisa de moleque espora, com certeza...

Vez por outra a adrenalina aumentava. Era quando eu resolvia subir a Serra da Escama para passarinhar lá no alto, inicialmente armado de baladeira e com o passar dos anos, com rifle calibre 22 de repetição e ferrolho na culatra. Perdi a conta das piaçocas abatidas no Lago Pauxis (que me perdoe o IBAMA, na época chamado IBDF), das cobras venenosas ou não que atravessavam o meu caminho e das saborosas “santa cruz”, uma espécie pouco maior que a codorna, que no Nordeste é conhecida como “avoante”, a exemplo daquelas, degustadas nos espetos de improvisadas fogueiras.

Quando não apareciam as minhas imbiaras prediletas, ficava eu sentado em um dos canhões Armstrong lá no alto da serra, desfrutando a bela visão da curva estreita do Rio Amazonas, com os telhados da cidade servindo de pano de fundo ao intenso verde da paisagem, compondo um quadro contraposto, naquilo que os poetas chamam de harmonia dos contrastes, até hoje registrada em minha memória.

Nesse dia não foi diferente. Atravessei a ponte de madeira sobre o Laguinho, inspecionei suas margens atrás de uma que outra piaçoca e, a míngua de pássaros que não pipiras e bem-te-vis, subi a serra pela tortuosa trilha que eu conhecia como a palma da mão. Lá do alto, recuperado o fôlego (ufa!!), fiquei maravilhado com a frondosa mangueira recheada de frutos amarelos, no ponto de serem consumidos. Com a ajuda da faca que sempre portava, deliciei-me com aquela iguaria presenteada pela natureza, o suficiente entretanto para não ser vítima de indigestão.

Tudo parecia estranhamente calmo à minha volta. Aliás, deliciosamente calmo. Um silêncio convidativo me impedia de empreender o caminho de volta, apesar do velho jargão de que “pra baixo todo santo ajuda...”. Demorei-me o que pude, desfrutando daquela paz só encontrável no elevado das montanhas. Quem já esteve nas serras gaúchas, cariocas ou cearenses ou em Campos do Jordão que o diga. Só que tudo tem um limite, a tarde ia se findando - soava a hora do regresso.

Redobrei a cautela por causa das cobras. Já adulto, esse sobrosso levou-me a procurar pelo “mestre” curandeiro Didico Assis, que, após um ritual de iniciação, tornou-me imune a sua peçonha. Isto porque desde criança, sempre tive medo delas. Tanto medo, que quando via uma, preferia matá-la primeiro e depois verificar se era ou não venenosa. Dessa regra não escapavam nem as inofensivas jibóias ou as mal humoradas pepéuas. Cheguei ao sopé do morro sem qualquer atropelo. Bastava agora vencer uma largura de uns duzentos metros, driblando as terríveis touceiras de juquirís e jurubebas, para atingir a cabeceira da ponte. E foi o que fiz, olho pregado no murizal, atento ao menor movimento do capim.

Foi quando ouvi o piado característico e insistente. Apurei o ouvido para vencer o barulho do vento, assim identificando o rumo daquele ruído familiar. A aproximação foi lenta. Ergui com o cano da arma o tufo de capim e para minha surpresa, lá estava um pinto pedrês praticamente saído do ovo, piando de fome ou com saudades da mãe. Fiz uma busca ao redor na tentativa de encontrar a galinha e nada; ele estava mesmo sozinho no meio do mato e com a noite caindo, morreria de fome ou devorado pelas serpentes.

Segurei-o nas mãos colocando-o dentro do bornal que eu trazia atracado no boldrié e assim cheguei em casa com aquela preciosidade, despertando a curiosidade da família, que queria saber onde e como eu conseguira aquele inusitado troféu. Explicações dadas e aceitas, foi o pequeno animal solto em nosso quintal, uma espécie em miniatura de Arca de Noé, onde proliferavam patos, galinhas, galos, porcos e outros bípedes e quadrúpedes, sempre lembrados às vésperas de algum aniversário ou no dia de Natal.

Ocorre que o pinto passou a desfrutar de mordomias. Para início de conversa, comia milho moído na minha mão, pelo menos uma vez ao dia. Eu aparecia no quintal e lá vinha ele atrás de sua porção de comida fosse ou não hora da chepa. Não satisfeito com esse tipo de tratamento diferenciado, deu de andar atrás de mim pela casa e pelo quintal, tal qual um cachorro anda atrás do dono. E de tanto comer na hora ou fora de hora, cresceu precocemente e virou um frangão robusto, enfrentando nosso galo “Argentino” em renhidas disputas pelo escancarado amor das galinhas, que o cortejavam abertamente. Situação complicada essa, que estava a merecer uma solução, que ainda não se poderia vislumbrar qual era.

Nessa época eu tinha uma bicicleta comprada na “Casa Gina”, que ficava bem ao lado da “A Pernambucana” e nela eu fazia miséria nas ladeiras da Cidade Presépio, sempre em alta velocidade. A sucessão de tombos era uma conseqüência natural dessa imprudência; meus braços e pernas viviam permanentemente feridos e quando estavam sarando, outra queda me impunha novas cicatrizes, inclusive no rosto, uma das quais torna até hoje incômoda a prosaica tarefa de fazer a barba. Quando esse fato aconteceu, eu estava me recuperando de uma derrapagem que sofrera na ladeira do mercado, que fez desaparecer a pele do meu joelho direito.

Minha mãe se queixou que uma quantidade exagerada de urubus vivia à espreita em nosso quintal, pousados na cerca de pau-a-pique, esperando a hora de brigar pelos rebotalhos de carne que eram descartados por nossa empregada doméstica, a bondosa Eulália. Um deles, inclusive, de maneira acintosa e precipitada, entrou voando dentro de casa, na tentativa de saciar a fome, quase fazendo minha querida irmã Edna (que tinha medo até dos filmes do Drácula), desmaiar de pavor. Foi a gota d’água! Chegou-me o apelo materno para que eu desse um jeito naquela insustentável situação, de vez que os vizinhos também se queixavam do mesmo abuso da urubusada, mas não tomavam nenhuma iniciativa.

Urubu de Óbidos é igual a urubu do Ver-o-Peso ou de qualquer outra parte. Adora uma bagunça. E com autorização de dona Lady, decidi solucionar aquele aflitivo problema. Combinei com a Eulália que ela me avisaria o dia em que cuidaria da carne, para atrai-los. E assim foi feito. Ela começou seu trabalho como se nada de anormal fosse ocorrer, cantarolando baixinho “Coração de Papel”, música de sua predileção; esgueirei-me por trás de um tambor de água que ficava bem próximo, empunhando o rifle e dali pude enquadrar na alça de mira o urubu mais vistoso e ousado, que vivia aporrinhando a rotina da minha casa.

Não obstante, antes do tiro fatal, senti uma dor lancinante no bendito joelho esfolado, cuja pele eu perdera na ladeira do mercado. Olhei e vi que era o desgraçado do frangão, de quem nem estava lembrando, que pelo vício de andar atrás de mim, dera uma senhora beliscada no ferimento, arrancando parte dele e fazendo o sangue jorrar com abundância, impondo-me uma dor que me fez gritar, para a sorte daquela revoada de corvos que simplesmente bateu asas, sumiu, como que fazendo gozação da minha cara.

A juventude é uma fase de impulsos, por isso julgo dispensável contar os detalhes do final dessa história. O almoço do dia seguinte foi um suculento frango, que eu particularmente comi com um misto de fome e de desforra, porque o ferimento infeccionou (“arruinou”, como diria o mestre Bereco), obrigando-me a recorrer aos inestimáveis serviços da Zuraia, a zelosa enfermeira da Santa Casa de Misericórdia, até sua completa cicatrização.

Jamais senti remorso pelo que fiz, pois o próprio pedrês não soube valorizar as regalias que desfrutou no seu privilegiado espaço. Ademais, faltou-lhe o necessário instinto para assimilar uma lição básica nas regras de sobrevivência no mundo dos animais, isto, sem qualquer eiva de duplo sentido: pinto que trai o dono tem mais é que levar o farelo.

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