terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Lendas e Contos Populares do Paraná (Antonio Olinto – Arapoti – Balsa Nova – Campina do Simão)


ANTONIO OLINTO
Padre João


O Padre João Michalczuch, da Igreja ucraniana, tinha grandes atividades no município como médico, professor, lavrador, entre outras coisas. Ele obrigava os fiéis a colaborarem com três dias de serviço no plantio e na colheita, gratuitamente. Era muito famoso pelo seu atendimento como médico de crianças e idosos.

Relata-se que ele coletou entre os fiéis diamantes, pedras preciosas e ouro para a confecção do quadro, existente até hoje, da Nossa Senhora dos Corais. Contam que possuía muitas coisas valiosas, como objetos em ouro. Quando morreu, seus pertences de valor foram enterrados junto no caixão, guardado por uma cobra, que muitas pessoas dizem ter visto.

O achado

Certa noite de lua cheia, um homem chamado Sebastião Chaves saiu de sua residência para pegar água, era mais ou menos meia-noite. Aí começou a sair fumaça de um tronco. Ele começou a se apavorar, mas ficou por ali; de repente saiu uma mulher fumando cachimbo e falou:

– Tenho um Guardado para você.

Ele respondeu:

– O que você quer em troca?

Ela falou:

– Quero que mande rezar cem missas para mim, aí poderá pegar o seu Guardado.

Ele mandou rezar as missas. Numa outra noite de lua cheia, ele foi ver o seu Guardado. No local, começou a cavar onde a mulher aparecera. De repente, ouviu um barulho e olhou para trás, era um cavalo. Continuou a cavar e novamente ouviu o barulho, olhou era o cavalo que, em seguida, se transformou em mulher. Ela então perguntou ao Sebastião:

– Mandou rezar as missas para mim?

Ele respondeu:

– Sim, mandei como você me pediu.

A mulher disse:

– Pode pegar o seu Guardado.

Ele olhou no buraco que havia cavado e viu uma caveira, que era de seu tio.

O pote de ouro

Aconteceu no dia 22 de dezembro de 1991. Essa história tem como personagens o senhor Casimiro e Joacir. Esses dois homens acreditavam que nas redondezas de um rio, que divide as localidades de Lagoa da Cruz e Arroio da Cruz, existiam coisas de valor, como moedas de ouro ou pedras preciosas.

No dia 22 de dezembro, os dois homens beberam um pouquinho a mais da conta e resolveram partir em busca do tesouro que acreditavam que existia. Levaram de casa algumas
sacolas, ferramentas para cavar, um rosário e água benta. Chegando à beira do rio, começaram a cavar e, como estavam embriagados, encontraram coisas que afirmavam existir.

Contavam que tinham encontrado várias correntes e pedras de valor. Tudo o que eles tiravam, lavaram com água benta, antes de guardar na sacola. Em casa começaram a alardear, falando que eram ricos e não precisariam mais trabalhar. O povo, já atormentado com o discurso dos dois, abriu as sacolas para ver o que havia de tão valioso. Ao abrirem, encontraram pedras de cascalho e maços de capim. Os dois, sem saber o que falar e passando uma enorme vergonha em frente das pessoas, disseram que tudo aquilo era obra do demônio e que ao colocaram água benta nas pedras e correntes, esta as transformou em cascalho e capim.

ARAPOTI
O pote de ouro


Segundo antigos moradores da Fábrica de Papel, há muito tempo atrás alguém enterrou um pote de ouro próximo ao rio do Chico. Dizem que algumas pessoas recebiam as visões do local através de sonhos. Segundo as revelações que lhes eram feitas, deveriam ir à noite para desenterrar a fortuna.

Porém, cada vez que alguém se aventurava a arriscar a sorte dirigindo-se ao local, aparecia um esqueleto falante ordenando que o levasse a determinado lugar, e, sem a permissão da pessoa, montava em suas costas afirmando que, se fizesse isso, dar-lhe-ia em troca o pote de ouro. Muitas pessoas que por ali passam, à meia-noite, afirmam ouvir gemidos e barulho de ossos estalando.

Os mais antigos dizem que são os ossos do esqueleto que fazem barulho e que os ruídos são os gemidos das pessoas, que querem se libertar do fardo macabro que têm às costas. Ouvem-se, também, os gemidos desesperados pedindo socorro e os gritos de dor causados pelos ossos pontiagudos do esqueleto.

BALSA NOVA
Tesouro dos Carros


Na fazenda dos Carros, município de Balsa Nova, na parte que fica em baixo da serra havia uns pés de canela bem altos e diziam que lá havia dinheiro enterrado. Dizem que um tal de Avelino Louco foi lá procurar e apareceu um negrinho, que disse que se ele matasse o filho mais velho e levasse o corpo ele mostrava o enterro. Alguns dizem que ele chegou a levar o filho até a beira do capão, mas o piá desconfiou e fugiu; o homem ficou meio variado depois disso, e esta é a razão do seu apelido.

Com relação ao guardião do dinheiro dos Carros, contam que, quando o dono foi enterrar a panela, perguntou a um escravo se ele tomava conta do dinheiro e como o negro disse que sim, ele matou o homem e enterrou junto; o escravo é a visagem que cuida do tesouro enterrado

CAMPINA DO SIMÃO
Lenda do caixão branco


Conta-se que antigamente havia na região um senhor muito sovina. Ele economizava até na alimentação. Quando chegavam visitas em sua casa, recebia-as somente na varanda, não recolhendo-as ao interior da casa.

Não desejava correr o risco de ter que alimentá-las, não oferecia nem mesmo o costumeiro chimarrão.

Quando chegava o horário das principais refeições chamava sua esposa para conversar com as visitas, ia até a cozinha para comer e voltava rapidamente para continuar a conversa. As pessoas mais idosas contam que o sovina enterrava todo o dinheiro que recebia dos pinheiros que comercializava.

Ocorre que após o seu falecimento passaram a acontecer coisas estranhas. Conta-se que se alguém passar depois da meia-noite em frente à casa onde ele morava, aparece um caixão branco, que voa em direção onde ele enterrou o dinheiro. Atualmente, as terras que lhe pertenciam foram compradas. O novo dono não faz outra coisa, a não ser procurar o dinheiro enterrado.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 462)

Por-do-sol em Ouro Preto/MG
Uma Trova de Ademar

A lua, sem trocadilho,
na insensatez de um açoite,
de dia esconde o seu brilho
para ser a luz da noite.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

Cansei de crer tolamente
nos meus sonhos de menino.
Nem sempre o que agrada a gente
também agrada ao destino!
–ARLINDO TADEU HAGEM/MG–

Uma Trova Potiguar


Abrindo a linda cortina,
por onde o tempo esvoaça,
a vida é benção divina
em cada dia que passa.
–IEDA LIMA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Contigo um dia em meus braços,
perdi a calma, querida,
e agora sigo os teus passos,
buscando a calma perdida!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Uma Trova Premiada


2009 - Taubaté/SP
Tema: ALVORADA - M/H


Este poeta deduz
que Deus, vendo a obra acabada,
disse então: “Faça-se a luz”!
E eis a primeira alvorada!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Simplesmente Poesia

Os Velhos Tempos.
–OLGA AGULHON/PR–


Os velhos tempos,
há muito sepultados,
estão longe da memória de uns
e assombram a memória de outros.

O tempo, hoje, passa tão rápido...
mas os velhos tempos
escorriam lentamente
como as águas quase imóveis
do Lago Negro
do sul de minhas lembranças.

Estrofe do Dia

Poetas não são doutores
nem são peças de museus,
ricos sim por possuírem
a força dos dotes seus,
gênios das suas virtudes
exemplo e magnitudes
seguindo as ordens de Deus.
–MONTEIRO FIRMINO/PB–

Soneto do Dia

Lendo "Apelo".
“A Eno Teodoro Wanke”
–CAROLINA AZEVEDO DE CASTRO/PE–


Penso que estes apelos sucessivos,
todos cheios das mesmas intenções,
vão trazer resultados positivos,
eliminando o ódio entre as Nações.

Confiamos, refertos de emoções,
que cessem estes planos destrutivos;
não deviam pulsar os corações
que alimentam desejos negativos.

Que teu apelo traga paz à Terra,
atenuando os ímpetos de guerra,
que o homem bom, transforma num perverso!

Que Deus lhes mostre o luminoso trilho,
o mesmo que apontou para o seu Filho,
em prol da perfeição deste Universo!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Guerra Junqueiro (João e os seus Camaradas)


Era uma vez uma viúva com um filho único.

Ao cabo de um Inverno rigoroso, possuía apenas um gaio e meio alqueire de farinha) João resolveu-se a correr mundo, à busca de fortuna. A mãe coseu o resto da farinha, matou o galo, e disse-lhe:

– Que é que preferes: metade desta merenda com a minha bênção, ou toda com a minha maldição?

– Que pergunta! respondeu o pequeno. Nem por quantos tesouros há no mundo eu queria a tua maldição.

– Bem, meu filho, replicou a mãe carinhosamente. Leva tudo, e que Deus te abençoe.

E partiu. Foi andando, andando, até que encontrou um jumento, que tinha caído num atoleiro, de onde não podia sair.

– Oh! João, exclamou o burro, tira-me daqui, que estou quase a afogar-me.

– Espera, respondeu o João.

E, formando uma ponte com pedras e ramos de árvores, conseguiu tirar o quadrúpede do atoleiro.

– Obrigado, disse-lhe ele, aproximando-se do João. Se te posso ser útil, aqui me tens ao teu dispor. Aonde vais tu?

– Vou por esse mundo fora, a ver se ganho a minha vida.

– Queres tu que eu te acompanhe?

– Anda daí.

E puseram-se a caminho.

Ao passarem por uma aldeia, viram um cão perseguido pelos rapazes da escola, que lhe tinham atado ao rabo uma chocolateira velha. O pobre animal correu para o João, que o acariciou, e o jumento pôs-se a ornear de tal maneira, que os rapazes com o medo deitaram todos a fugir.

– Obrigado, disse o rafeiro a João. Se para alguma coisa te for prestável, aqui me tens às tuas ordens. Aonde vais tu?

– Vou por esse mundo de Cristo, a ver se ganho a minha vida.

– Queres que te acompanhe?

– Anda daí.

Quando saíram da aldeia pararam junto de uma fonte. O pequeno tirou a merenda do alforje e repartiu-a com o cão. O burro pastou alguma erva que por ali havia. Enquanto jantavam, apareceu um gato esfaimado a miar lastimosamente.

– Coitado! exclamou o João. E deu-lhe uma asa de frango.

– Obrigado, disse o gato. Oxalá que um dia eu te possa ser útil. Aonde vais tu?

– Procuro trabalho. Se queres, anda conosco.

– De boa vontade.

Os quatro viajantes puseram-se a caminho. Ao cair da tarde, ouviram um grito dilacerante e viram uma raposa correndo a toda a brida com um galo na boca.

– Agarra! agarra! bradou o pequeno ao cão.

E no mesmo instante o cão atirou-se atrás da raposa, que, vendo-se em perigo, largou o galo para correr melhor. O galo pulando de contente, disse ao João:

– Obrigado. Salvaste-me a vida. Nunca me esquecerei. Aonde vais tu?

– Arranjar trabalho. Queres vir conosco?

– De boa vontade.

– Então anda. Se te cansares, empoleira-te no jumento.

Os viajantes continuaram a jornada com o seu novo companheiro. Sentiram-se todos fatigados e não avistaram à roda nem uma quinta, nem uma cabana.

– Paciência, disse o João, outra vez seremos mais felizes. Resignemo-nos hoje a dormir ao ar livre; além disso a noite está sossegada e a relva é macia.

Dito isto, estendeu-se no chão; o jumento deitou-se ao lado dele, o cão e o gato aninharam-se entre as pernas do burro complacente e o gaio empoleirou-se numa árvore.

Dormiam todos um sono profundíssimo, quando de repente o galo começou a cantar.

– Que demônio! disse o jumento acordando todo zangado. Porque estás a gritar?

– Porque já é dia, respondeu o galo. Não vês ao longe a luz da madrugada, que vem rompendo?

– Vejo uma luz, disse o João, mas não é do Sol, é de uma lanterna. Provavelmente há ali alguma casa, onde nos poderíamos recolher o resto da noite.

Foi aceite a proposta. Partiu a caravana, foi andando, andando, através dos campos até que parou junto da casa do guarda de um grande castelo, donde saiam gargalhadas, gritos confusos, cantos grosseiros e blasfêmias horríveis.

– Escutem, disse o João; vamos devagarinho, muito devagarinho, a ver quem é que está lá dentro.

Eram seis ladrões armados de pistolas e de punhais, que se banqueteavam alegremente, sentados a unta mesa principesca.

– Que rico assalto acabámos de dar, disse um deles, ao castelo do conde, graças ao auxílio do seu porteiro. Que bom homem este porteiro! À sua saúde!

– À saúde do nosso amigo! repetiram em coro todos os ladrões.

E de um trago despejaram os copos.

João voltou-se para os companheiros, e disse-lhes em voz baixa:

– Uni-vos uns aos outros o melhor que puderdes, e, assim que vos der sinal, rompei todos ao mesmo tempo numa gritaria diabólica.

O burro, levantando-se nas patas traseiras, lançou as mãos ao peitoril de uma janela, o cão trepou-lhe à cabeça, o gato à cabeça do cão e o galo à cabeça do gato. João deu o sinal, e estourou à uma o ornear do jumento, os latidos do cão, o miar do gato e os gritos estridentes do galo.

– Agora, bradou o João, fingindo que comandava um destacamento, carregar armas! Dai-me cabo dos ladrões: fogo!

No mesmo instante o jumento quebrou a janela com as patas, zurrando cada vez mais; os ladrões atemorizados refugiaram-se no bosque, saindo precipitadamente por urna porta falsa.

João e os seus companheiros penetraram na sala abandonada, comeram um excelente jantar, e deitaram-se em seguida. – João numa cama, o burro na cavalariça, o cão numa esteira ao pé da porta, o gato junto do fogão e o galo no poleiro.

Ao princípio os ladrões ficaram muito contentes, por se verem sãos e salvos na floresta. Mas depois começaram a refletir.

– Era bem melhor a minha cama, do que esta erva tão úmida, disse um deles.

– Tenho pena do frango que eu começava a saborear, disse o outro.

– E que rico vinho aquele! acrescentou o terceiro.

– E o que é mais lamentável, exclamou um quarto, é ficar-nos lá todo o dinheiro, que, com a ajuda do criado do conde, tínhamos tirado das gavetas.

– Vou ver se torno lá a entrar! disse o capitão.

– Bravo! exclamaram os ladrões.

E pôs-se a caminho.

Já não havia luz na casa; o capitão entrou às apalpadelas, e dirigiu-se para o fogão; o gato saltou-lhe à cara e esfarrapou-lha com as garras. Soltou um grito doloroso, correu para a porta, mas infelizmente pisou o rabo do cão, que lhe deu uma grande dentada. Gritou de novo, e conseguiu por fim transpor o limiar da porta. Mas quando ia a sair, o galo atirou-se a ele, rasgando-o com o bico e com as unhas.

– Anda o diabo nesta casa! exclamou o capitão, como poderei eu sair?

Julgou encontrar refúgio na estrebaria; mas o burro atirou-lhe uma parelha de coices, que o deixou quase morto no meio do chão.

Passado algum tempo veio a si; apalpou o corpo, viu que não tinha nem pernas nem braços partidos, ergueu-se e tornou para a floresta.

– Então? então? perguntaram-lhe os camaradas assim que o viram.

– Nada feito, exclamou ele. Mas antes de tudo arranjem-me uma cama para me deitar e cataplasmas de linhaça para pôr neste corpo, que o trago num feixe. Não podeis imaginar o que sofri. Na cozinha fui assaltado por uma velha que estava a cardar lã, e arrumou-me na cara com o sedeiro, deixando-me neste miserável estado. Quando ia a sair a porta, um demônio de um remendão atravessou-me as pernas com a sovela. Logo depois, Satanás em pessoa atirou-se a mim, despedaçando-me com as garras. Na estrebaria deram-me uma paulada que me ia matando. Se vocês me não acreditam, vão lá e experimentem.

– Acreditamos, disseram os companheiros, vendo-lhe a cara e o corpo todo ensanguentado. Não seremos nós que lá tornaremos.

Pela manhã, João e os seus camaradas almoçaram ainda excelentemente, e partiram em seguida para restituir ao conde o dinheiro que os ladrões lhe tinham roubado. Meteram-no cuidadosamente dentro de dois sacos, com que carregaram o jumento. Foram andando, andando, até que chegaram à porta do castelo. Diante dessa porta estava o malvado do porteiro com uma libré esplêndida, meias de seda, calções escarlates, o cabelo empoado.

Olhou com ar de desprezo para a pequenina caravana, e disse a João:

– Que vindes aqui buscar? Não há lugar para os recolher, vão-se embora.

– Não queremos nada de ti, respondeu João. O dono do castelo far-nos-á um bom acolhimento.

– Fora daqui, vagabundos, exclamou o porteiro enfurecido. Ponham-se a andar imediatamente, quando não atiro-lhes já às pernas os meus cães de fila.

– Perdão, só um instante, replicou o gaio empoleirado na cabeça do jumento; não me poderias dizer quem é que abriu aos ladrões na noite passada a porta do castelo?

O porteiro corou. O conde que estava à janela, disse-lhe:

– Ó Barnabé, responde ao que este galo te acaba de perguntar.

– Senhor, replicou Barnabé, este galo é um miserável. Não fui eu que abri a porta aos seis ladrões.

– Gomo é então, meu velhaco, tornou o conde, que tu sabes que eram seis?

– Seja como for, disse João, aqui lhe trazemos o dinheiro roubado, pedindo-lhe unicamente que nos dê de jantar e nos recolha esta noite, porque vimos cansados do caminho.

– Ficai certos que sereis bem tratados.

O burro, o cão e o galo, levaram-nos para a quinta. O gato ficou na cozinha. E enquanto a João, o conde reconhecido, vestiu-o dos pés à cabeça com um vestuário magnífico, deu-lhe um relógio de ouro e disse-lhe:

– Queres ficar comigo? És esperto e honrado, serás o meu intendente.

João aceitou a proposta e mandou vir a sua velha mãe para ao pé de si. Casou depois com uma linda rapariga, e viveu sempre felicíssimo.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) - Pena de Papagaio - V - Emília e La Fontaine


Narizinho sabia duas palavras em francês — bon jour e au revoir. Os outros não sabiam nenhuma. Em vista disso os outros a empurraram para falar com o fabulista. A menina atrapalhou-se já no começo, porque em vez de bon jour disse:

— Au revoir, senhor de La Fontaine! Acabamos de chegar do sítio de vovó e vimos a bengalada que o senhor pregou no focinho daquele lobo antipático. Muito bem feito. Queria aceitar os nossos parabéns. Bon jour.

O fabulista achou muita graça em tanta inocência e, erguendo-a do chão, deu-lhe um beijo na testa. Depois disse:

— Não precisa falar francês comigo, menina. Entendo todas as línguas, tanto a dos animais como a das gentes.

Os outros já o haviam rodeado — inclusive Emília, que deixou para brincar com o carneirinho depois. Estava ela muito admirada das roupas do fabulista. Homem de gola e punhos de renda, onde já se viu isso? E aquela cabeleira de cachos, feito mulher! Quem sabe se o coitado não tinha tesoura? — pensou a boneca.

O senhor de La Fontaine conversou com todos amavelmente, dizendo que era aquele o lugar do mundo de que mais gostava. Ouvia os animais falarem, aprendia muita coisa e depois punha em verso as histórias.

— Eu já li algumas das suas fábulas — disse Pedrinho. – O senhor escreve muito bem.

— Acha? — disse o modesto sábio, sorrindo. — Fico bastante contente com a sua opinião, Pedrinho, porque muitos inimigos em França me atacam, dizendo justamente o contrário.

— Não faça caso! — gritou Emília. — Eles não sabem o que dizem. Pedrinho quando diz uma coisa é porque é. Pode acreditar nele.

— Obrigado pelo consolo, bonequinha. Tua opinião e a de Pedrinho valem muito para mim, porque em ambas vejo grande sinceridade.

Emília não tirava os olhos da cabeleira do fabulista. O coitado morava sozinho naquelas paragens e com certeza nem tesoura tinha, pensava ela. De repente teve uma lembrança. Abriu a canastrinha e, tirando de dentro a perna de tesoura, ofereceu-a ao sábio, dizendo:

— Queira aceitar este presente, senhor de La Fontaine.

O fabulista arregalou os olhos, sem alcançar as intenções da boneca.

— Para que quero isso, bonequinha?

— Para cortar o cabelo...

— Oh! — exclamou o fabulista, compreendendo-lhe afinal a idéia e sorrindo. — Mas não vês que a tua tesoura tem uma perna só?

Emília, que não se atrapalhava nunca — respondeu prontamente:

— Pois corte o cabelo dum lado só.

Narizinho interveio. Puxou-a dali e disse ao fabulista que não fizesse caso visto como a boneca sofria da bola.

Nesse momento o menino invisível, que tinha estado longe, aproximou-se. Ao ver aquela pena flutuante no ar, o senhor de La Fontaine ficou intrigado. Pôs-se a olhar, com rugas na testa, sem poder descobrir o mistério.

Emília deu uma risada caçoísta.

— O senhor, que é um sábio da Grécia, adivinhe, se for capaz, que pena de papagaio é aquela, sem papagaio atrás...

O fabulista olhava, olhava e cada vez compreendia menos.

— Não posso — disse afinal. — É um perfeito mistério para mim.

— Pois eu sei — berrou Emília. — É a marca do menino invisível, o Peninha.

O fabulista ficou na mesma. Foi preciso que Pedrinho contasse tudo desde o começo para que o enigma se aclarasse. Mesmo assim o senhor de La Fontaine ficou de boca aberta e olhos arregalados porque nunca em sua vida tinha encontrado uma criatura invisível.

Pedrinho chamou-o de parte e disse-lhe ao ouvido:

— Ando desconfiado que esse menino é o mesmo Peter Pan.

Tem igual modo de falar e igual mania de cantar de galo. Que é que o senhor pensa disto?

O pobre fabulista, que não tinha a menor idéia de quem fosse Peter Pan, menino descoberto na Inglaterra muito recentemente, não pôde dar opinião a respeito.

— Não sei, Pedrinho. Vocês estão a falar de coisas muito novas para um homem tão antigo como eu.

Depois, vendo o sol já alto, propôs:

— Aproveitemos o tempo para mais uma fábula.

Disse e dirigiu os passos para o ponto onde havia uma árvore com cigarra cantando. Todos o acompanharam. Pedrinho ia rente.

Prestava a maior atenção aos menores movimentos do fabulista porque desejava aprender a escrever fábulas lindas como as dele. Até da marca e número do lápis que o senhor de La Fontaine usava Pedrinho tomou nota, para comprar um igual. Em certo momento Emília criou coragem e, colocando-se longe de Narizinho para evitar algum beliscão, disse para o sábio:

— Em troca da tesoura eu quero uma coisa, senhor de La Fontaine.

— Dize lá o que é, bonequinha.

— Quero uma fábula.

— Uma fábula duma perna só? — caçoou ele.

— Uma fábula onde apareça um carneirinho, uma boneca de pano e um tatu-canastra.

Narizinho agarrou-a e enfiou-a no bolso, dizendo:

— É demais. Parece que os ares deste campo lhe desarranjaram a cabeça duma vez.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – VI - A formiga coroca

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Trova Ecológica 70 – Antonio Juracy Siqueira (PA)

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 14a. Parte


" SONETINHO "

Não tenho jeito pra trova
apesar das que já fiz,
a quadra lembra uma cova
com a cruz dos versos em x...

Ainda estou vivo e feliz
e do que digo dou prova:
- tentei cantar numa trova,
e meu amor pediu bis.

Bem sei que é meu o defeito
mas uma trova é tão, pouco
que ao meu cantar não dá jeito

Só mesmo um poema é capaz
de conter o amor demais
que trago dentro do peito.

" SORRIO... "

Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial...

Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal...

Era sestro da idade essa existência...
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho... e pouca experiência...

Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
- sorrio... Um vão sorriso de indulgência...
...Sinal de muita vida... e pouco sonho…

" SORTE... "

Está aí, amor, uma coisa que às vezes me pergunto,
(naqueles dias de silenciosa ternura
naqueles momentos sem assunto,)
- uma coisa tola que eu penso
e que você não advinha:

- como podem os outros homens ser felizes,
se Você é uma só...
... e se Você é só minha ?…

" TEMPO PERDIDO "

Quanto tempo perdido, e como dói
pensar que nunca mais o reaveremos...
Vivemos longe um do outro, como extremos,
que o tempo, - um moinho - lentamente mói...

Quanto tempo perdido... Eu, já mudado,
sem aquele entusiasmo, aquelas ânsias
que ficaram perdidas no passado
e se vão diluindo nas distâncias...

Tu, sem aquela expressão ingênua e pura
aquela ar de menina, que pedia
proteção para um sonho de ventura
que seu olhar inquieto refletia...

Tanto tempo perdido... E houve um momento
quando nos vimos a primeira vez,
que o amor seria belo, como o vento
como o mar, como a terra, o sol, talvez !

" TEMPOS... "

I
E dizer
que eu não podia passar um segundo sequer
sem saber onde estavas...

Hoje,
nem sei se existes...

II
Houve um tempo, em que eras
o Presente, o Mais-que-Perfeito
o Infinitivo...

Hoje...
nem és Passado…

" TEREZINHA "

Terezinha
Terezinha,
que não é de Jesus
nem será minha...

De quem será?
De quem será?
Que inveja eu sinto
de alguém que está
não sei bem onde,
de alguém que um dia
certo virá
e levará
a Terezinha

É a Padroeira
de antigo sonho
que em minha alma
em vão se aninha...

Terezinha
Terezinha,
que não é de Jesus
nem será minha…

" TEUS CABELOS "

Estamos quietos amor, em bonança
esquecidos de nós
viajando por nós mesmos, sem nós mesmos...

Distraída e imprevidente
te recostas em meu peito
e estás leve e alheia como uma criança sem sono.

De repente, minha mão encontra teus cabelos
e como estranha aranha se esconde em tua nuca,
e meus dedos se entranham e se emaranham
como raízes profundas, silenciosas.

São teus cabelos, sim,
não posso mais tocá-los...

Tem estranhos eflúvios que me fazem estremecer
até o fundo de mim mesmo,
e... já não me reconheço...

Tua cabeça em minha mão acende-se como uma tocha loura,
e olhos em teus olhos as chamas que ardem, sopradas
por que misteriosos ventos?

Gosto de encher as mãos com os teus cabelos,
como um lavrador, a recolher, feliz,
as louras messes de uma farta colheita.

Ah, teus cabelos, amor,
são um incalculável tesouro...

Quero morrer sempre e cada vez mais
como um rei Midas afogado em ouro
perdido neles, como em mar de sonhos...

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 461)

Pôr-do-sol em Florianópolis/SC - Ponte Hercílio Luz
Uma Trova de Ademar

Muda-se a cor preferida,
troca-se a corda do sino,
muda-se tudo na vida
mas não se muda o destino...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Nos percalços dessa vida
já deixei muita pegada
como marca dolorida
dos revezes da jornada.
ELIANA JIMENEZ/SC–

Uma Trova Potiguar


Pago pesados tributos
ao cofre dos desenganos:
amei-te cinco minutos,
sinto saudade há dez anos!
–ORILO DANTAS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Quem ama jamais se emenda...
Eu, que por ti já chorei,
risquei teu nome da agenda,
mas a folha não rasguei!
–ALBERTINA MOREIRA PEDRO/RJ–

Uma Trova Premiada


2011 - Niterói/RJ
Tema: MEMÓRIA - Venc.


"Volta, amor!" - Esse é o chamado
da saudade, ao ver-te ausente -
"Em memória do passado,
eu te peço este presente."
WANDA DE PAULA MOURTHÉ/BH

Simplesmente Poesia

Mãos ao Alto
–MARIVA/PB–


Vai, me assalta, Princesinha!!!
Me assalta, antes que eu transborde,
Antes que a matina chegue,
Antes que o galo me acorde
Antes que o passado passe
Antes mesmo que eu discorde.

Estrofe do Dia

Admiro os passarinhos
que cantam com maestria,
fazendo lindos gorjeios
mostrando tanta harmonia;
sem nunca rever as pautas
nem estudar melodia...
–JOSÉ ACACI/RN–

Soneto do Dia

Luz
–DIAMANTINO FERREIRA/RJ–


Como caminha um cego e de bengala
apalpa seu trajeto, a não cair,
arrasto-me na vida e nem se fala
de quantos tombos mais estão por vir;

Apesar do infortúnio, é prosseguir
e na estrada da vida, qual na sala,
palmilhar como sempre; e no porvir
eu não perca a esperança de encontrá-la!

Nasci feliz, a luz dentro dos olhos;
mas cresci, tropeçando nos escolhos,
chegados tão somente por te amar!

Perdida a vista, mas... pior castigo:
nem a esperança de trazer comigo
o sonho de voltar a te enxergar!

Fonte:
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Aníbal Beça (Suíte para os Habitantes da Noite)


Suíte para os habitantes da noite é o sexto livro de Aníbal Beça, e faz parte da trilogia iniciada em 1987, com Noite desmedida, e a ser encerrada com A palavra noturna.

Anibal Beça é um poeta moderno por excelência, a partir do momento em que elege a linguagem como o referencial de seu fazer poético. Já fora assim em Filhos da Várzea, também em Itinerário Poético, livros anteriores. Suíte para o habitantes da noite traz um poeta mais amadurecido, não apenas pelo inevitável passar do tempo, o que em alguns escritores traduz-se por repetição ou enfado, mas por guardar no cerne da sua elaboração poética uma força renovada, que transforma a linguagem, de objeto, em sujeito do poema.

Temos na obra as mais diversas formas poéticas: da ode ao soneto, da balada ao auto, resgatados da tradição, até ousadias formais historicamente recentes, como o poema concreto e o poema-práxis, além do poema livre das amarras rítmicas, cuja musicalidade se constrói a partir da interação entre autor e leitor. Ao lado da elaboração formal múltipla e inquieta, nota-se a preocupação com o enriquecimento da linguagem, a partir do uso de palavras exiladas do coloquial, bem como a criação de inúmeros neologismos. Leitor de Dante, Camões e Pessoa, fato evidenciado no texto, Anibal sabe que o poeta é o guardião da língua.

Outra característica facilmente observável em Suíte para os habitantes da noite é a dicotomia em que ela se alicerça: noite-dia, loucura-razão, sem que se estabeleça uma predominância de valor, antes, procurando o equilíbrio. Esse embate constante se trava também, sem que o poeta tome partido, na tensão entre fé mística e erotismo, urbano e bucólico, paixão e humor, apolíneo e dionisíaco, onde os contrários não se negam: se completam, se complementam como parte de uma estética una. A definição de Dámaso Alonso, acerca da poética de Góngora, "intensa no pormenor, densa no conjunto", enquadra-se à perfeição na poesia de Anibal Beça. Despido dos vícios que distinguem o Barroco, o poeta toma para si o que há de positivo naquela escola, reinventando a tradição e inserindo-se em seu tempo, num movimento circular de intemporalidade.

Uma outra evidência do caráter intencionalmente neobarroco de Suíte para os habitantes da noite é o empréstimo que ela faz à música para intitular seus "movimentos". Enquanto forma musical, a suíte foi estabelecida no século XVII, reunindo os ritmos de dança então em voga (sarabanda, giga, alemanda, entre outros), caracterizando-se como uma sucessão de peças de caráter contrastante, porém escritas numa mesma tonalidade. Tendo o barroco Johann Sebastian Bach, na primeira metade do século XVIII, como seu mais notável criador, a suíte, com o passar do tempo, perdeu sua característica dançante, passando a designar trechos sinfônicos representativos de óperas, balés ou música incidental para teatro. É, pois, com o sentido original que Anibal Beça designa a Suíte.

A obra é composta de poemas que podem ser lidos, e entendidos, independentes entre si, porém há uma guia, a mão do poeta-condutor, que atravessa todo o poema, desde o "Prólogo" até a "Balada Como/Vida", com sua coda em pianíssimo, figurando o transitório da vida, até então cantada em outros tons, altos e bons.

Tendo como ponto de partida a tradição persa, através da desventura do poeta Majnun, que enlouqueceu por amor a Laila, despojando-se de suas riquezas para viver no deserto, a Suíte traça um movimento sinuoso até um provável presente amazônico e aqui se universaliza:

Um rio negro lava minha aldeia
leva meu silêncio


Os elementos do poema, entretanto, são refratários a qualquer análise de cunho sociológico. Neta obra de Anibal somos conduzidos por labirintos habitados por animais tão domésticos, como o gato, o galo, ou mesmo éguas mouras, para, num repente, confrontarmo-nos com um tigre de basalto ou com

Os lobos sempre esses lobos
assaltantes da memória
recorrências de mim mesmo
ou de um outro que me habita


Mas o poeta que nos conduz não esquece das musas ou da mulher de um sonho distante, a própria Noite-Laila, o inconsciente, a desrazão, a fúria criadora do Louco-Majnun, que, enquanto poeta, representa o limite da palavra, palavra que se multiplica em lua (luaura, lualcoólica, lualém, luasente, luamante) ou noite (noitensa, noitelúrica, noitestelar, noitemporal, noiterminal). Onde a Poesia?, o poeta se pergunta: num auto-novena, no verbo em desconstrução, na contramão do silêncio, ou na solidão do Poema?

A trajetória que a Suíte percorre, do extremo Oriente às barrancas do Amazonas, enveredando por esse tempo milenar e atual, é uma clarividência de seu caráter de obra permanente, não fosse pelo rigor estético de sua elaboração a partir de sutis intertextos, que o leitor descobrirá ao sabor da leitura-viagem (via linguagem), e que funcionam como fachos a alumiar a caminhada na noite escura do poemenigma.

Quanto ao seu longo poema "Suíte para os habitantes da noite", que dá título à obra, o autor o dedica exatamente aos que habitam as cavernas luarenses da Deusa Negra, sorridente e misteriosa. Mas o que tem a ver esse título e os correspondentes sub-títulos do livro com os habitantes da suíte imaginária que lhe serve, no entanto, para abraçar as múltiplas variações de um belo itinerário poético, sólido e raro? É a pergunta que nos ocorre no decurso da viagem através de suas páginas extensas e generosas.

Trabalho sereno, o poeta mobiliza a noite e seus habitantes como testemunhas da insônia criadora, da nuvem, do solo ausente, da curva estelária, do tigre e do chão. O livro todo, no fundo, é uma balada extraída da noite e dos habitantes de uma cidade imaginária, de um tempo de seres remotos, cujo resgate parece iminente.

Dignas de nota, por outro lado, são as referências, embora de passagem, às raízes dessa cultura das mil e uma noites ao som e à luz da herança andaluza, através do alfenim, da Laila (ou Laile), como já citado anteriormente, e daquele trecho de Garcia Lorca que encima o poema XVI ("Pastorália com duas leituras para solo de avena"). Estes ares, solenemente enraizados na metáfora dos bons cantadores de cepa lusitana, mergulham, também, na lembrança de um passado inexplicavelmente submerso nas trevas do esquecimento e da morte.

"Serpente furtiva", o poema ou os poemas deste livro de Aníbal Beça restabelecem a vontade de criar e dar à beleza das noites que trazemos dentro de nós o brilho inédito de uma transfiguração a que nunca devem falta os brindes nem os verdadeiros convivas da serenata. Amigos e autores prediletos recebem, também, a homenagem do autor na parte final do volume, "poemas dedicados".

Belíssima nave constelada por tantos sons e orquestras fartamente dotadas dos mais sofisticados instrumentos musicais.

Alguns poemas escolhidos (Extraídos da obra Suíte para os habitantes da noite)

(Suíte para os habitantes da noite) VI

EM TOM DE OLD-BLUES PARA PIANO, SAX,
CONTRABAIXO, GUITARRA E BATERIA

Quem saberia de mim
se me visse assim como estou
rendido ao aço das manhãs
pastoreando esse meu cão
por essas ruas tão tranqüilas

Que gemelar seria eu
linha paralela de vida
e tão parelha dessas ruas
fagulha dupla de mão única
bifurcada e sem retorno
nos afazeres do meu sonho

Em mim eu sou o que não fui
comigo fui o que não era:
derrotado nominado
o nominado vencedor
e resta só o testemunho
do cão que me acompanha agora
e dessas ruas que me sabem antes

(Suíte para os habitantes da noite) IX

CZARDAS PARA SERROTES COM ARCOS DE VIOLINO
E BERIMBAU DE LATA

Esta anábase é de hora aberta desnudada
tão desmedida como foi a minha vida
de nada me arrependo apenas me perdôo
porque meu vôo nem sequer se iniciou

E dessas nuvens que me espaçam esgarçadas
trapos e cordas dissonantes dessa lira
são acidentes de percurso em que recorro
como um Zenão o parafuso desse vôo

Assim nessa colméia em zíper me percorro
como um zangão no zigue-zague nos hexágonos
ando à procura de uma abelha desvairada

que me acompanhe na aventura pelos pântanos
exorcizando a desrazão desses escorços
essa não-ave desgarrada do meu nada

(Suíte para os habitantes da noite) XIII

ÁRIA PARA TENORINO E FLAUTIM

o gato aparece à noite
com seu esquivo silêncio
de passos bem calculados
num jogo de paciência
as garras bem recolhidas
na concha de suas patas

O gato passeia a noite
com seu manto de togado
como se fosse um juiz
de presas resignadas
a sua sentença de sombras
seu apetite de gula

O gato varre essa noite
facho de suas vassouras
vermelhas de olhos ariscos
E alcança nessa limpeza
movimento mais presto
o guincho mais desouvido

Mais que perfeito no bote
(tal qual Mistoffelees de Eliot)
do pulo que nunca ensina
tombam baratas besouros
peixes de aquário catitas
ao paladar sibarita

Nada à noite falta ao gato:
nem a presteza no salto
nem a elegância completa
do seu traje de veludo
para o baile dos telhados
roçando as fêmeas no cio

O gato é ato em seu salto
e a noite luz do seu palco
ribalta luciferina
lunária ária da lua
na réstia de seus dois gozos
é felix feliz felino

Guardei a sétima estrofe
para o canto do mistério
das sete vidas do gato
e seu tapete aziago
nas noites de sexta-feira
há provas de seu estrago

(Suíte para os habitantes da noite) XXXII

SONATA PARA IR À LUA

Desnudo já me dou de mim doendo
na doação das folhas da floresta
que vão caindo sem saber-se sendo
pedaços de nós na noite deserta

A lua imponderável vai ardendo
cúmplice em nossa luz de fogo e festa
Meus braços são dois galhos te dizendo
que o forte às vezes treme em sua aresta

Esta outra face frágil de aparência
que só aos puros é dado conhecer
no abraço da paixão e sua ardência

Mesmo cego de mim eu pude ver
e sentir no teu beijo a clara essência
que faz do nosso amor raro prazer

Samba-canção para ser acompanhado de regional

Mulher de um sonho distante
na névoa densa da noite
eu te sabia em mim
dispersa em minha canção

Eu te queria tão próxima
de luz e raio constante
pra te dizer tantas coisas
como o mais comum amante

Sussurrar no teu ouvido
palavras soltas ao vento
mas te vais sem deixar rastros
dona e senhora do tempo

Mulher de um sonho distante
não sei se existes de fato
sei da maneira que chegas
no clique de algum retrato

Mas teu rosto não me foge
nem teu riso enigmático
nesse mistério que explode
como um flash fotográfico

Mulher sem nome consomes
minha sede de ficar
nas asas de tua gruta
meu abrigo meu luar

Nesse instante és meu apelo
Aumentando esse tesão
só te quero verdadeira
se teu nome for paixão
--
Fonte:
http://www.passeiweb.com

Zélia Guardiano (Dia Irremediavelmente Triste)


Triste como um tigre
Cativo
Atrás de grades

Triste como a naja
Contida
Na vitrina
Do serpentário

Como o visionário
Mal vestido
Numa camisa
De força
Como o condenado
Rumo à forca

Como a transitoriedade
Da beleza
Como a falta de pão
Na mesa

Como a queda suicida
Do almiscareiro
Do Himalaia

Como o cardo
Em guerra
Contra o trigo

Como a partida
De um amigo
No domingo

Assim amanheceu
Meu dia

Como o lírio espetado
Na ikebana
Como a carta agourenta
Da cigana

Como o colibri
Ao ver seu ninho
Colhido pelo vendaval

Como o efeito
De um tsunami
Como o juízo final
--

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 2


ESPANHÓIS E PORTUGUESES

-No final do século 15, com o aperfeiçoamento da bússola, espanhóis e portugueses lançaram-se ao mar à procura de novas terras. Em 1492, o genovês Cristóvão Colombo, a serviço do rei de Espanha, desembarcou na América Central. Dois anos depois, em 1494, Portugal e Espanha, vizinhos e rivais na península Ibérica, assinaram o Tratado de Tordesilhas, dividindo entre si as terras descobertas e por descobrir no Novo Mundo, como se fossem herdeiros diretos de Adão e Eva. Em 1500, Pedro Álvares Cabral ancorou na costa brasileira, ficando ali a bandeira lusitana.

-Onde ficavam exatamente as fronteiras?

-O Tratado de Tordesilhas baseou-se numa linha imaginária que passava onde está hoje Belém do Pará e descia numa reta até Laguna, no litoral catarinense. O que houvesse a oeste da linha demarcatória seria da Espanha; o que existisse a leste seria de Portugal.

-Mas assim o Brasil ficaria pequeno...

-E foi justamente por isso que portugueses e espanhóis brigaram tanto, por muitos e muitos anos, até chegar-se à definição das fronteiras atuais.

-O Paraná era da Espanha?...

-Correto. Aqui onde nós estamos era território espanhol, até as encostas da serra do Mar, aos cuidados de um governador sediado em Assunção do Paraguai, que por sua vez era subordinado ao vice-rei do Peru.

-Que confusão!

-Creio ser necessário dar-lhe um resumo da história da América do Sul, para que você entenda melhor o contexto.

-Estou anotando.

-Pois bem: no início do século 16, enquanto os portugueses começavam a colonizar o Brasil, os espanhóis desciam da América Central e expandiam seu domínio na banda ocidental da América do Sul. Em 1532, numa expedição chefiada por Francisco Pizarro, chegaram ao Peru. Os incas, na época, estavam envolvidos numa tremenda guerra civil e os espanhóis aproveitaram para esmagá-los.

-Destruíram toda aquela antiga civilização?

-Quase toda. Restaram apenas algumas ruínas, que hoje constituem a maior atração turística do Peru. Pizarro estabeleceu-se primeiramente em Cuzco. Em 1535, fundou a cidade de Lima, perto do mar, instalando ali o ponto de partida para outras expedições. Em 1542, foi criado o vice-reinado do Peru, com a capital em Lima e jurisdição desde o Equador até os confins do Chile e da Argentina. O Peru tornou-se logo uma das “meninas dos olhos” do rei de Espanha: pela existência de numerosa mão de obra indígena (com os incas passando de senhores a escravos) e, sobretudo, pela fartura de minerais preciosos, a exemplo das minas do Potosi (hoje em território boliviano).

-Se entendi bem, o Paraná fazia parte desse vasto vice-reinado...

-O Paraná sim, como extensão do Paraguai. Daqui a pouco voltaremos a conversar sobre isso.

-Prossiga.

-Os espanhóis continuaram avançando em duas direções: de norte para sul, a partir de Lima; de sul para norte, a partir do rio da Prata, que eles haviam descoberto em 1516. Em 1536 já haviam fundado o núcleo inicial de Buenos Aires. Ao mesmo tempo, no lado brasileiro, os portugueses firmavam suas raízes, agora sob o sistema de capitanias hereditárias. Em 1580, um fato novo: o soberano português Dom Sebastião morreu na célebre batalha de Alcácer-Quibir. Filipe II, rei de Espanha, herdou o trono de Portugal. Houve assim a união dos dois reinos, até 1640.

-Significa que, nesse período, o Brasil ficou sendo colônia espanhola...

-Exatamente. Portugal, porém, embora sujeito ao trono espanhol, continuou como estado mais ou menos autônomo, de tal forma que os portugueses e seus descendentes permaneceram donos do Brasil, em constantes escaramuças com os colonizadores castelhanos.

-Até quando eles brigaram?

-Até 1777. Nesse ano Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Santo Ildefonso, que retocou o Tratado de Madri de 1750, reconheceu finalmente a expansão da fronteira oeste da América Portuguesa e fixou novos limites. Mas ainda falta anotar alguns fatos importantes.

-Diga.

-Um ano antes do Tratado, em 1776, havia sido criado o vice-reinado do rio da Prata, com a capital em Buenos Aires e abrangendo a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o território que mais tarde viria a ser a Bolívia. Com isso Buenos Aires assumiu a liderança política e econômica da região, enquanto o Chile, por sua vez, passou a ser uma capitania geral, subordinada ao vice-reinado do Peru.

-E aí, ao que me consta, começaram as lutas pela independência...

-Perfeito. Os ideais de liberdade que inspiraram a independência dos Estados Unidos em 1776 e deflagraram a Revolução Francesa em 1789 sacudiram a América do Sul a partir do início do século 19. Em 1810, os dominadores espanhóis já haviam sido expulsos da Argentina e do Uruguai. Iniciaram-se assim as lutas pela libertação de todo o hemisfério. Em 1811, o Paraguai conquistou a independência em campanha chefiada por José Gaspar Rodrigues Francia, o famoso Dr. Francia. Em 1817, o general argentino José de San Martin atravessou os Andes a cavalo, libertou o Chile em 1818 e proclamou a independência do Peru em 1820. Encontrou-se ali com o líder venezuelano Simón Bolívar, que em 1819 libertara a Venezuela e os territórios onde estão hoje a Colômbia e o Equador. Juntos, San Martin e Bolívar prosseguiram a luta até 1824, quando, vitoriosos na histórica batalha de Ayacucho, determinaram o fim do domínio espanhol na América do Sul. Dois anos antes, em 1822, Dom Pedro I havia proclamado a independência do Brasil, rompendo os laços com o trono português.

-E a Bolívia?

-A Bolívia é a antiga região do Alto Peru, que se separou do governo de Lima em 1825. O nome “Bolívia” é uma homenagem ao libertador Simón Bolívar.

-O senhor sabe das coisas!

-Leitura, seu moço. Leitura e boa memória.

A PROVÍNCIA DO GUAIRÁ

-Conversa vai, conversa vem, parece que perdemos o fio da meada. Falávamos do seu avô Catu...

-Voltemos então ao final do século 16. Estas terras, como lhe disse, pertenciam à Espanha, aos cuidados do governador de Assunção, compondo o imenso vice-reinado do Peru. Os colonizadores espanhóis, no ano de 1554, decidiram fundar povoações na margem leste do rio Paraná e após paciente trabalho diplomático firmaram um acordo de “convivência pacífica” com o grande cacique Guairá, a quem se deve o nome da região. Os castelhanos
enviados pelo governador Martínez de Irala fundaram primeiramente um vilarejo provisório, Ontiveiros, pouco abaixo do salto das Sete Quedas. Em 1556, o povoado foi transferido por Ruy Dias Malgarejo para três léguas acima, ode o Piquiri deságua no rio Paraná, ganhando o nome solene de Ciudad Real del Guairá. Vinte anos depois, em 1576, o mesmo Ry Malgarejo fundava na confluência dos rios Corumbataí e Ivaí a povoação denominada Villa Rica del Espiritu Santo, o mais avançado estabelecimento espanhol em sua expansão rumo ao Atlântico. No ponto onde existiu Villa Rica está atualmente a cidade de Fênix, assim chamada justamente por haver ressurgido das cinzas, como a ave mitológica. Fênix é a nova Villa Rica.

-Restam vestígios daquelas cidades espanholas?

-Umas poucas ruínas. Adiante explico.

-Vamos lá...

-Os castelhanos tinham fartos motivos para se fixarem na região do Guairá. Um desses motivos era barrar o avanço dos portugueses, que vinham de São Paulo pelo “Caminho do Peabiru” e sonhavam alcançar as minas do Potosi, descobertas nos Andes em 1545. Os espanhóis pretendiam também, por sua vez, estender seu domínio até o litoral leste, visando a assegurar uma saída pelo Atlântico. Outra razão ainda era a oportunidade de explorar a agricultura, principalmente a erva-mate, naquelas terras tão férteis, usando a mão de obra indígena em regime de escravidão. Havia aqui cerca de 200 mil índios...

-Era esse o acordo de “convivência pacífica” firmado com cacique?...

-Os espanhóis traíram o acordo, no que se refere à escravização dos nativos. Os guaranis, valentes e rebeldes, resistiram tanto quanto possível. Poucos deles aceitaram a escravidão. A maioria continuou enfrentando os invasores, chegando em várias ocasiões a atacar as povoações espanholas. Foi por isso que o rei de Espanha, na época Filipe III, acolhendo sugestão do governador de Assunção, decidiu confiar aos missionários jesuítas a pacificação dos índios.

-Quando foi isso?

-No comecinho do século 17. Os jesuítas já trabalhavam no Paraguai desde o final do século 16. Em 1602, chegaram ao Guairá para os primeiros contatos. A esperança do rei era que os missionários convertessem e serenizassem os guaranis, facilitando assim a penetração espanhola. De sua parte, os padres traziam o projeto de nuclear os nativos em aldeias fixas, onde lhes pudessem dar assistência material e religiosa, orientá-los para um tipo mais sofisticado de sociedade e defendê-los contra os que pretendiam escravizá-los.
-Seriam as famosas “reduções”, de que o senhor falava?

-Exatamente. Já chegaremos lá. A Carta Régia de 1608 criou oficialmente a “Província do Guairá”, cujos limites eram, ao norte, o rio Paranapanema; ao sul, o rio Iguaçu; a oeste o rio Paraná e, a leste, a serra do Mar.

-O atual estado do Paraná, quase todo...

-Ficavam de fora apenas a faixa litorânea e as terras entre o rio Iguaçu e a divisa de Santa Catarina. Pois bem: dentro da Província do Guairá os colonizadores espanhóis permaneceriam nas suas povoações (Ciudad Real e Villa Rica), e os jesuítas, com os índios, nas reduções, uns e outros acumulando a incumbência de assegurar para a Espanha o domínio do território.
–––––––––––-
continua…

O e-book completo pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011
.

Pedro Malasartes (Malasartes Rouba as Jóias de uma Família)


E foi dar no castelo de um ricaço que era casado e tinha uma filha, e ofereceu-se para empregado. E foi aceito.

Como era tempo de chuva, o chiqueiro estava que era mesmo um lameiro. E Malasartes teve logo uma idéia. De noite tocou para longe a porcada do ricaço e, voltando, espetou no lameiro as caudas dos porcos. E, quando de manhã o dono da casa veio ver a porcada, Malasartes lhe apontou o lameiro e disse-lhe que os porcos estavam atolados, apenas com os rabos de fora.

O dono da casa mandou-o logo que fosse em casa buscar duas enxadas a ver se podiam desenterrar os animais.

Pedro Malasartes foi numa corrida e, lá chegando, viu a dona e a filha passeando no jardim e lhes disse:

-O patrão mandou que as senhoras me acompanhem. Elas duvidaram, mas Malasartes gritou, perguntando ao patrão que estava lá embaixo:

-As duas, patrão?

-Sim, as duas, e sem demora! As duas, pateta!

E, então, as senhoras não puseram mais diferença e acompanharam Pedro que tomou com elas outra direção. Já longe o velhaco amarrou-as numa árvore, tirou-lhes todas as jóias que eram de grande preço, fugiu e foi tocar a porcada que tinha ocultado no dito retiro.

E, quando o ricaço, cansado de esperar, foi a casa e não encontrou a mulher e a filha, bateu a procurá-las até que as achou amarradas onde Malasartes as havia deixado.

Quando voltou é que viu que dos porcos só havia os rabinhos, que ele é que era um pateta de marca.

A muitas léguas dali, o Malasartes negociou a porcada, recebeu o cobre, comprou um bom terno de roupa e foi parar em certa cidade, onde, logo na entrada, havia uma bonita chácara que era do dr. Juiz de Direito.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 460)

Por-do-sol em Belo Horizonte/MG - Torre do Hard Rock Café
Uma Trova de Ademar

Eu oculto as tristes cenas
dentro da minha poesia...
É mais um disfarce apenas
dos que eu uso todo dia...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Declarar-me... não me atrevo
com palavras mais ousadas...
E assim os versos que escrevo
são propostas camufladas !...
–ELIZABETH SOUZA CRUZ/RJ–

Uma Trova Potiguar


Respeito, amor, lealdade,
temor a Deus sem medida,
eis a família, em verdade,
núcleo maior desta vida!
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Essas cruzes que deparo,
ao longo do meu caminho:
são de amigos que, não raro,
vão me deixando sozinho!
–CONRADO DA ROSA/RS–

Uma Trova Premiada


2000 - Nova Friburgo/RJ
Tema: INSTANTE - 1º Lugar


A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica...
Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica!
–EDUARDO TOLEDO/MG–

Simplesmente Poesia

Fatalidade
–J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC–


Há muitos anos eu te escrevia
sem por endereços em meus versos.

Tu lias,
compreendias,
e esperavas... que o meu caminho
atravessasse o seu

Era uma fatalidade
o que se deu…

Estrofe do Dia

É candidato a finado
quem do fumo é sempre fã,
porque esse tabagismo
é o próprio Vietnan;
e transforma um vivo hoje
num esqueleto amanhã...
–IVANILDO VILA NOVA/PE–

Soneto do Dia

Fumaça Inútil
–FRANCISCO MACEDO/RN–


Fumar... Fantasia, cruel ilusão,
efêmero gosto com gosto de morte.
Fugir deste vício será grande sorte,
palavras de alerta, ao seu coração.

O lábio da amada tem mais emoção,
cigarro envenena o caminho do esporte.
Vencê-lo é mister de um valente, de um forte,
capaz de escutar sua voz...A razão.

Fumaça, não mais, que fumaça na vida,
cigarro em verdade, uma marca dorida,
inútil, vazio, um charme, talvez!

Reflita seu gosto, desgosto futuro,
não seja tão fraco, covarde, inseguro,
chegou seu momento, chegou sua vez!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Lendas e Contos Populares do Paraná (Cândido de Abreu – Curitiba – Faxinal – Ipiranga – Morretes – Virmond)


CÂNDIDO DE ABREU
Lendas da Colônia Tereza Cristina


A lenda mais conhecida do lugarejo é a da panela de ouro. Segundo contam, algumas pessoas sonham com falecidos da família que relatam onde está enterrada uma panela de ouro. A pessoa tem que procurá-la sozinha, sem poder contar a ninguém. Se a pessoa não for em busca do tesouro ela não terá paz, os falecidos ficam aparecendo em sonho, não dando sossego à pessoa. Quando a pessoa se recusar ir em busca da panela, pois sente medo; considera-se que isto não é “coisa de Deus” e ela deve passar a missão em sonho para outra.

Mais panelas de ouro

Muitas pessoas da região contam que ainda existem sinais de buracos feitos por pessoas que cavaram para encontrar panelas com moedas de ouro. Segundo uma lenda local, uma assombração aparece e diz para a pessoa que em tal lugar existe uma panela de ouro. Aí, então, a pessoa se prepara com velas e água benta para benzer o local, pois só assim pode cavar e tirar o ouro. Ela não pode, assim que encontrar o ouro, pegá-lo logo em seguida, porque ele pode desaparecer. Ou seja, a pessoa gasta tudo facilmente, perdendo logo toda a fortuna. Também dizem que o “bafo” do ouro faz mal e a pessoa pode ficar doente. Deve-se esperar e benzer o ouro com a água benta para que a pessoa não perca seu tesouro rapidamente.

Conta-se, ainda, que certa feita vieram algumas pessoas de Ponta Grossa para procurar uma panela. Quando a encontraram, o amigo com a intenção de roubar todo o ouro, mandou que o homem descesse no buraco para retirar o tesouro. Nesse momento, ele pegou uma marreta para matar o amigo. Em instantes, o dinheiro desapareceu e foi parar à beira do rio e eles não conseguiram mais encontrá-lo, pois o ouro não chega às mãos de pessoas mal intencionadas.

CURITIBA
O fantasma do pirata do Bairro Mercês


Atenção, pois vou contar para vocês...
A lenda do pirata do bairro das Mercês!
Em 1840, um misterioso inglês...
Soturno e nada cortês...

Veio morar num lugar,
De um jeito misterioso para danar,
Chamado Sítio do Mato, que é o atual Bairro das Mercês...
Que abrigou este foragido inglês!

O nome desta pessoa era Zulmiro...
Ele tinha perna de pau e dentes de vampiro!
Por isto, vivia se isolando de tanta gente...
Ele era uma criatura estranha simplesmente!

Este pirata fez maldade na Inglaterra...
E por isto, foi parar na nossa linda terra!
Ele foi um pirata violento...
Sem nenhum sentimento!

Porém, ele tinha um mapa do tesouro,
Que levava ao caminho do ouro!
Dizem que ele escondeu este tesouro de um jeito cortês
Bem num misterioso túnel subterrâneo do bairro das Mercês!

Falam que toda sexta-feira..
Em noite de lua cheia...
Na alta e calada madrugada...
O fantasma do pirata aparece do nada...

Com toda a insensatez...
Bem no bairro das Mercês.

FAXINAL
Marca dos três coqueiros


Os antigos contam que debaixo da queda da cachoeira Chicão Três existe uma pequena caverna; dentro dela havia um caixão de ouro, amarrado por uma corrente. O local era mal assombrado e encantado para o céu; era protegido por seres encantados e ninguém conseguia se aproximar do tesouro. Para marcar o lugar exato onde foi escondido o tesouro foram plantados três coqueiros, que estão lá até hoje.

IPIRANGA
Serra do Caixão


Anos atrás, um homem muito estranho e ambicioso resolveu conhecer a tão famosa Serra do Caixão. Diziam que lá havia um caixão com muitos utensílios como garfos, facas, jarros, cálices, todos de ouro. Ele levou ferramentas ao local e deu início ao plano de exploração. Nesse dia os moradores da região ouviram um ruído muito estranho, mas ninguém se arriscou a ver de onde ele vinha.

Depois de um tempo, acharam falta do senhor Urubu, assim chamado por usar somente roupas pretas. Como sabiam do tal plano de exploração dele para resgatar o caixão e, também, de uma história de que havia uma enorme fera na serra, à espreita, chegaram à conclusão de que ele fora atacado por ela. Por fim, consagrou sua alma a cuidar do ouro, juntamente com a fera que o matara, e sacrificaria quem quer que tentasse explorar a Serra do Caixão.

MORRETES
O caso da vela


Conta-nos o senhor Custódio Pereira Cunha, morador do Porto de Cima, que todas as noites aparecia na reta do Porto de Cima uma vela acesa e que ao aproximar-se alguém, apagava-se e aparecia mais adiante. Seu Custódio diz que uma vez dois homens blasfemaram e tentaram apagá-la, com um guarda-chuva, que imediatamente se incendiou, tendo a vela perseguido-os até tombarem no chão desfalecidos. Segundo a lenda, era uma alma procurando seu dinheiro enterrado. Após algum tempo, a vela desapareceu, porque o tesouro foi encontrado por uma moradora que ficou rica.

O negrão do caixão

Conta-se que na época da mineração no litoral do Paraná tinha-se o costume de matar um escravo e enterrá-lo junto a um baú de ouro, para marcar o local onde a riqueza foi escondida. Ocorre que em um desses assassinatos o baú não foi encontrado, forçando o escravo que o guardava a carregá-lo pela eternidade.

Esse escravo foi enterrado na região de Barreiros, município de Morretes, e até hoje busca alguém que lhe tire o fardo de carregar o caixão eternamente. Se você o encontrar faça a seguinte pergunta: “o que você tem aí nesse baú?” Ele responderá que tem ouro e que para tê-lo você deverá vencer um sacrifício. Se a pessoa conseguir cumprir o sacrifício, fica com o ouro, com um senão: se não gastar a fortuna até o final de sua vida, também ficará penando, como o “negrão do caixão”.

VIRMOND
O tesouro da caverna


Conta-se que numa caverna, embaixo de uma linda cachoeira do rio Cavernoso, havia um enorme caixão, amarrado com fortes correntes. Quem quer que fosse pescar próximo deste lugar ouvia barulho de correntes se arrastando; os que se aproximavam da caverna viam uma linda mulher, que fazia guarda do caixão.

Acreditavam que no caixão deveria existir um grande tesouro, mas nunca ninguém teve coragem para tentar abri-lo. Mais tarde a queda d’água foi submersa pelo alagamento da usina de Salto Santiago.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Francisco Cândido Xavier (Trovadores do Além) Parte 7, final


301
Fantasias? Realidades?
Quanto sonho em que te viras!...
Há dores-felicidades,
Felicidades-mentiras...
LUIS PISTARINI

302
Depois da morte é que vi,
Nas cenas de toda hora,
Muita tristeza que ri,
Muita alegria que chora.
SEBASTIÃO RIOS

303
Saudade – felicidade
Que chorando se entretém...
Ninguém sabe o que é saudade
Enquanto a morte não vem.
LAURO PINHEIRO

304
O berço lembra capaz
Da escuridão no apogeu,
A morte parece a luz
Do dia que amanheceu.
RAIMUNDO DE AREIA LEÃO

305
Amores desencarnados,
Quantos deles esquecidos!
Notando sem ser notados,
Ouvindo sem ser ouvidos!...
FRANCISCO OTAVIANO

306
Sobre a Terra, há muita gente
Que vaga sem diretriz,
Trabalhando ativamente
Para viver infeliz.
CARLOS FERREIRA

307
Quem coma, coma com jeito,
Quem beba, beba água pura;
Se a boca não tem preceito,
A vida não é segura.
LUÍS PAROLA

308
Esclarecer nunca pude
Esta nota incontroversa:
Muito silêncio – virtude,
Muita virtude – conversa.
EMÍLIO DE MENEZES

309
Não depende da pessoa
Padecer a tentação,
Mas depende da vontade
Dizer que sim ou que não.
SOUZA LOBO

310
Casamento – obra de Deus,
Obrigação para dois:
Encanto chega primeiro,
Serviço chega depois.
DELFINA BENIGNA DA CUNHA

311
O ensejo da caridade,
Para quem luta e melhora,
Não é breve, nem mais tarde,
O tempo chama-se agora.
REGUEIRA COSTA

312
Cartazes, anúncios, planos,
O maior deles – a cruz –
Permanece há dois mil anos
Na promoção de Jesus.
ÁLVARO MARTINS

Fonte:
Francisco Candido Xavier (psicografia)– Trovadores do Além.

Valmir Jordão (Do Tricentenário de Zumbi)


Quilombo,Angola-Janga,
guerreando pra viver em paz,
igualdade direito de todos
salvaguardado pelos Orixás.

N'zambi,Zombi,Zumbi grande chefe
engravidou a Serra da Barriga,
de negritude,coragem,resistência
quilombola guerreiro bom de briga.

Mombaça,Congo,Camarões,Daomé
África oceânica palmarina,
enfrentando o amargo do açúcar
escravidão,tortura,má-sina.

Malungos nas várias Senzalas
Quimbundo,Mandinga,Jeje,Yorubá
em fuga,derrubam paus mandados,
pra ter tempo de jogar o Caxangá.
--

Guerra Junqueiro (A Alma)


– Mamã, nem todas as crianças que morrem vão para o Paraíso. O outro dia vi levar para o cemitério um menino que tinha morrido; o seu papá e as duas irmãzinhas acompanhavam o caixão e choravam tanto que me fazia pena. Iam a chorar porque aquele menino tinha sido mau, não é verdade?

– Não; naturalmente foi sempre bom, e a sua alma, enquanto choravam seus pais e suas irmãs, já estava vivendo feliz no Paraíso.

– A alma? mamã; não sei o que é; não compreendo bem.

– Maria, acabas de me dizer que tiveste pena de ver chorar as duas pequerruchas.

– Tive, sim, mamã, tive muita pena.

– Ora bem, o que é que no teu corpo estava desconsolado e triste? eram os braços?

– Não, mamã.

– Eram as orelhas?

– Oh! não, mamã, era cá dentro.

– Esse lá dentro, Maria, é a tua alma que se alegra ou se entristece, que te repreende quando fazes o mal, e que está satisfeita quando praticas o bem.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) - Pena de Papagaio - IV - O Senhor de La Fontaine


— Que lindo lugar! — exclamou Pedrinho. — Aqui é que devia ser o sítio de vovó.

A menina também se mostrou maravilhada. Mas Emília fez cara de pouco caso. Tinha tido uma decepção. Que pena não terem começado a viagem pelo Mar dos Piratas! Emília andava com a secreta esperança de ser raptada por algum famoso pirata, que comesse Rabicó assado e se casasse com ela. O sonho de Emília era tornar-se mulher de pirata — para “mandar num navio”.

— Mas será mesmo que os animais desta terra são falantes, ou faz de conta que falam? — perguntou Narizinho.

— Falam pelos cotovelos! — respondeu Peninha. — Falam para que possa haver fábulas. Vamos andando por este rio acima que logo encontraremos algum.

Nisto viram um homem de cabeleira encaracolada, vestido à moda dos franceses antigos. Usava fivelas nos sapatos, calções curtos e jaqueta de cintura. Na cabeça trazia chapéu de três pontas, e renda branca no pescoço e nos punhos. Apoiava-se em comprida bengala e vinha caminhando pausadamente, como quem está pensando.

— Parece uma figura que vi naquele leque de dona Benta — disse Emília. — Com certeza é o dono do carneirinho.

— Não! — afirmou Peninha. — Aquele homem é o senhor de La Fontaine, um francês muito sábio, que passa a vida nesta terra a observar a vida dos animais.

— Conheço-o muito — disse Pedrinho. — Tenho em casa um livro dele.

O senhor de La Fontaine aproximou-se do rio e, escondendo-se atrás duma moita, ficou por ali a espiar. O carneirinho estava com sede. Foi se chegando ao rio, espichou o pescoço e — glut, glut, glut, — começou a beber. Nisto, outro animal, de cara feroz e muito antipático, saiu da floresta, farejou o ar e dirigiu-se para o lado do carneirinho. Vinha lambendo os beiços.

— É o lobo! — cochichou Peninha. — Vai devorar o cordeirinho da fábula.

— Que judiação! — exclamou a menina com dó. — Não deixe, Pedrinho. Jogue uma pedra nele.

— Psiu! — fez Peninha. — Não atrapalham a fábula. O senhor de La Fontaine lá está, de lápis na mão, tomando notas.

O lobo chegou-se para junto do carneirinho e disse, com a insolência própria dos lobos:

— Que desaforo é esse, seu lanzudo, de estar a sujar a água que vou beber? Não vê que não posso servir-me dos restos dum miserável carneiro?

O pobrezinho pôs-se a tremer. Conhecia de fama o lobo, de cujas garras nenhum carneiro escapava. E com a voz atrapalhada pelo medo respondeu:

-Desculpe-me, senhor lobo, mas Vossa Lobência está do lado de cima do rio e eu estou do lado de baixo. Assim, com perdão de Vossa Lobência creio que não posso turvar a água que Vossa Lobência vai beber.

— E falam mesmo! — exclamou Emília. — Falam tal qual uma gente...

O lobo parece que não esperava aquela resposta, porque engasgou e tossiu três vezes. Depois disse:

— E não é só isso. Temos contas velhas a ajustar. O ano passado o senhor andou dizendo por aí que eu tinha cara de cachorro ladrão. Lembra-se?

— Não é verdade, Lobência, porque só tenho três meses; o ano passado eu ainda estava no calcanhar de minha avó.

— Toma! — exclamou Narizinho em voz baixa. Por esta o lobo não esperava. Quero só ver agora o que ele diz.

O senhor de La Fontaine, lá na moita, escrevia, escrevia...

Aquela resposta atrapalhara o lobo, que além de mau era curto de inteligência, ou, para ser franco, burro. Tossiu mais umas tossidas e por fim achou a resposta.

-Sim — rosnou ele — mas se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá na mesma.

— Como pode ser isso, Lobência, se sou filho único?

Vendo que com razões não conseguia vencer o carneirinho, o lobo resolveu empregar a força.

— Pois se não foi seu irmão, foi seu pai, está ouvindo? – e avançou para ele de dentes arreganhados. E já ia fazendo — nhoc! quando o senhor de La Fontaine pulou da moita e lhe pregou uma bengalada no focinho.

Mestre lobo não esperava por aquilo. Meteu o rabo entre as pernas e sumiu-se pela floresta a dentro.

Grande alegria na meninada. Emília correu a brincar com o carneirinho, enquanto os outros se dirigiam para o lado do senhor de La Fontaine.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – V - Emília e La Fontaine

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

domingo, 29 de janeiro de 2012

Trova Ecológica 69 – Darly O. Barros (SP)

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 459)

Chuva no Pico Alto, o ponto culminante da serra. Baturité/CE
Uma Trova de Ademar

A sonhar eu me proponho,
e no sonho eu me desnudo...
Aquele que tem um sonho
já tem metade de tudo!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Um mistério faz a vida
que parece insensatez:
destrói sonhos e, atrevida,
nos faz sonhar outra vez...
–DÉSPINA PERUSSO/PR–

Uma Trova Potiguar


O sabiá, na ternura
do som que é somente seu,
canta pela partitura
que a mão de Deus escreveu.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Neste abandono, menino,
toda ternura lhe cabe:
Você é Deus pequenino!
- Pena que o mundo não sabe!...
–ADELIR MACHADO/RJ–

Uma Trova Premiada


2003 - Belém/PA
Tema: PRAÇA - M/E


Vejo em frente, ali na praça,
só lixo, trapos e panos;
e, para a minha desgraça,
no meio - seres humanos!
–SELMA PATTI SPINELLI/SP–

Simplesmente Poesia

Saudade...
–ANTONIO ROBERTO FERNANDES/RJ–

+++

...Quem diz que a saudade é roxa,
quem diz que a saudade é triste
e quem diz que não existe
quem a possa definir,
não sabe o que é saudade.
Saudade é mais do que isso.
Saudade é como um feitiço,
Saudade é falta de ti...

Estrofe do Dia

Quando Deus me levar pra eternidade
ficará nesta terra a minha cruz,
juntamente com todos meus pecados
pois pecados pra lá não se conduz;
agradeço ao bom Deus por esta vida
e eu não quero que chorem na partida,
porque vou para o céu, pra ver Jesus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Silêncio em Casa
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–

Quando eu a beijava timidamente
ela fremia o rosto, emocionada,
e dizia uma frase delicada
para o nosso namoro adolescente.

Depois o nosso amor ficou frequente
e ela, com a voz ávida e molhada,
falava-me em dialeto diferente
malícias de mulher apaixonada.

Um dia veio um tempo de descrença,
deixando em nossa casa a indiferença,
e o amor não teve mais razão de ser...

Restou-nos um silêncio reticente...
E sempre que nos vemos frente a frente
não temos nada mais a nos dizer.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte I


A gente nova do Paraná precisa conhecer a história desta terra.
Bento Munhoz da Rocha Neto


Toda história é feita de muitas histórias, a partir de uma pré-história. Para contar, portanto, a história do Paraná, é preciso revirar as raízes remotas da América do Sul, recordar as origens da Província do Guairá, rever enfim, pelo menos em parte, a formação da comunidade paranaense.

Aqui se tenta fazê-lo, sucinta e descontraidamente, em forma de hipotética entrevista com um contador de histórias. Primeiro fala-se dos índios, dos colonizadores europeus e das reduções jesuíticas; em seguida entram em cena os mineradores e os tropeiros; finalmente aparecem os pioneiros do café, que se instalaram no norte e noroeste do Paraná a partir dos anos 1930.

Com exceção de Bartolomeu Torales, que comprovadamente existiu, os demais Torales citados neste relato são fictícios, convivendo com personagens e fatos da história real.

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Calçadão em frente à prefeitura, Maringá, 1982, num domingo, manhã de sol. O velhinho caminhava sem pressa, enrolando um cigarro de palha. Abordou-me perguntando as horas. Mas queria mesmo era puxar conversa.

-Gosto muito desta praça, disse. Ela se compôs de tal modo que pode ser considerada uma homenagem aos primeiros habitantes da região.

-O senhor fala dos pioneiros da cidade?

-Falo dos índios que viveram aqui por perto, nas reduções implantadas pelos jesuítas no início do século 17. Repare bem: este conjunto é uma réplica daquelas antigas reduções.

Eu estava, sem dúvida, diante de um contador de histórias. Alto, magro, olhos de filósofo, cabelos lisos e negros com raros fios grisalhos, pele tostada. Apresentou-se:

-Meu nome é Rodrigo Antônio Torales, seu criado. Tenho um sítio no município de Ivatuba, que agora os filhos tocam. Acho que com 83 anos nas costas já posso descansar. Moro naquele prédio ali, com uma filha.

-Muito prazer. Mas o que tem a praça a ver com as reduções?

-O amigo já deve ter ouvido ou lido a respeito. As reduções (do verbo “reduzir”, que na “gíria” dos missionários significava “reunir para catequizar”) eram aldeias nas quais os jesuítas nucleavam os índios. Em cada redução havia uma grande praça, como esta em que agora estamos. No centro, a área de festas e esportes. Em torno, a igreja, a escola, o gabinete do alcaide, a corregedoria, a casa de hóspedes, e os grandes pavilhões residenciais em que cada família indígena tinha o seu aposento.

-Começo a perceber a semelhança.

-Observe: temos ali a catedral, com uma escola ao lado (o Instituto de Educação); temos também a prefeitura (gabinete do alcaide), o fórum (que corresponde à corregedoria), a área de lazer (centro de convivência) e nas imediações temos os hotéis e os prédios de apartamentos. O quadro é o mesmo, apenas com uma diferença: agora é tudo de cimento.

-O senhor tem imaginação fértil...

-Meu mais antigo avô, o índio Catu, nasceu numa redução jesuítica, não muito longe daqui.

-O senhor é paranaense?

-Nasci paulista, em Sorocaba. Cheguei ao Paraná em 1932, exatos 300 anos depois que o índio Catu deixou estas paragens. Fiquei 10 anos em Londrina; em 1942 me instalei em Maringá e fui abrir o sitiozinho de que lhe falei, nas margens do rio Ivaí. Em Sorocaba fui oficial de farmácia.

-O senhor me parece um homem instruído.

-Leitura e tarimba de vida. Escola mesmo foi pouca. Sempre gostei muito de ler e de conversar com os mais velhos. Meu avô João Afonso, que era o dono da farmácia, tinha a estante cheia de livros e me ensinou a ser curioso. Foi também ele quem me contou as histórias de nossa família.

-Mas o senhor falava de outro avô, o índio Catu...

-Vou-lhe contar. Se o amigo tiver paciência e disposição, pode tomar nota e até depois escrever um livro.

-Pois então me conte tudo, desde o começo.

-Para contar desde o começo, eu teria que recitar o Gênesis... a história ficaria muito comprida. Podemos partir do século 15, um pouco antes do descobrimento do Brasil.

Percebendo que a prosa iria longe, sugeri ao velho Rodrigo que nos sentássemos num dos bancos da Avenida Getúlio Vargas. Ele tomou fôlego, pediu a um passante que lhe acendesse o cigarro, acendeu junto a memória. E que memória!

NAQUELE TEMPO...

-Naquele tempo, esta região toda era habitada pelos índios: guaranis e outros grupos. Viviam da caça, da pesca, da colheita de frutos nativos e de algumas formas de agricultura. Um paraíso, com a natureza lhes servindo permanente banquete. Nas “horas vagas”, divertiam-se com alguns esportes, dizem que até com um jogo parecido com o futebol de hoje. Dedicavam-se também a diversas modalidades de arte, no que, aliás, suponho que só
perdessem para os incas, os mais adiantados da América do Sul.

-Ah, os incas do Peru... Fale-me deles.

-Se você quer, vamos lá: o fabuloso império inca desenvolveu-se nas grimpas dos Andes durante o século 15, com sede em Cuzco. Dominavam toda a cordilheira, desde o Equador até o Chile. Praticavam intensa agricultura, com eficiente sistema de irrigação e outras técnicas surpreendentes para a época. Exploravam minas, produziam excelente artesanato, sabiam tecer, tinham noções de medicina e astronomia. Realizaram também notáveis trabalhos de engenharia e arquitetura: edificações gigantescas, pontes, além de muitas estradas... cerca de 20 mil quilômetros de estradas. Alcançaram nível de tecnologia semelhante ao dos astecas do México e dos maias da América Central.

-E qual era o sistema de governo?

-Eram governados por uma espécie de imperador, tido como “descendente do Sol”, e um conselho de nobres. A sociedade era dividida em classes, que podemos chamar de nobres, militares, plebeus e escravos.

-Escravos?!

-Tinham escravos, sim. Não eram tão “anjinhos” como se poderia imaginar. Iam abrindo estradas e submetendo as tribos menos fortes. Punham os vencidos a seu serviço nas minas e nas lavouras.

-Chegaram a escravizar guaranis?

-Os guaranis eram valentes e muito numerosos. Os incas não ousariam atacá-los. Há, porém, evidências de que os dois povos se comunicavam e mantinham relações comerciais e culturais. Pode ter sido graças a esse intercâmbio que os guaranis aprenderam a trabalhar com cerâmica e a construir estradas.

O CAMINHO DO PEABIRU

-Já li alguma coisa sobre um tal “Caminho do Peabiru”...

-Bem lembrado. Mas não era, na verdade, uma trilha única. Era uma rede de caminhos, ligando o interior ao litoral atlântico. O tronco principal, a partir das proximidades do salto das Sete Quedas, passava perto de Campo Mourão, continuava até onde está hoje Fênix, chegava a Castro e ali se bipartia: um ramo se dirigia ao litoral de Santa Catarina; outro, o mais movimentado, seguia rumo a São Paulo de Piratininga e descia a serra para alcançar São Vicente. Na direção oeste, do outro lado do rio Paraná, o caminho passava por Assunção do Paraguai e chegava às encostas dos Andes, fazendo conexão com a rede viária dos incas.

-Até o oceano Pacífico?

-Veja que proeza: uma “ponte” transcontinental ligando o Atlântico ao Pacífico!

-E por que se chamava “Peabiru”?

“Peabiru” significaria “Caminho da Montanha do Sol”, aludindo, certamente, às serras andinas, descritas como “resplandecentes” pela existência ali de muito ouro e prata. Outra versão diz que “Peabiru” vem de “Tapé Aviru”, significando “Caminho Fofo”. Os índios abriam a picada (com oito palmos de largura) e plantavam sobre o leito uma relva macia que assegurava a conservação, impedindo que naquele espaço crescessem árvores ou espinhais. Dessa forma, coberto de relva, o caminho ficava realmente fofo, atapetado. Imagine o trabalho deles: só de São Vicente até as barrancas do rio Paraná eram cerca de 200 léguas...

-Utilizando machados de pedra, devem ter levado anos nessa obra...

-Mas existe outro detalhe deveras interessante: os guaranis referiam-se àquelas trilhas chamando-as também “Caminho do Sumé”, ou “Zumé”. Segundo os jesuítas, era uma alusão ao apóstolo São Tomé, que teria andado por aqui.

-E aí então...

-Bem... não demorou muito e chegaram os europeus...

-E o paraíso perdeu a virgindade.
–––––––––––-
continua…

O download do livro completo pode ser feito no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.