domingo, 29 de janeiro de 2012

Guerra Junqueiro (O Fato Novo do Sultão)


Era uma vez um sultão, que despendia em vestuário todo o seu rendimento.

Quando passava revista ao exército, quando ia aos passeios ou ao teatro, não tinha outro fim senão mostrar os seus fatos novos. Mudava de traje a todos os instantes, e como se diz de um rei: Está no conselho, dizia-se dele: está-se a vestir. A capital do seu reino era uma cidade muito alegre, graças à quantidade de estrangeiros que por ali passavam; mas chegaram lá um dia dois larápios, que, dando-se por tecelões, disseram que sabiam fabricar o estofo mais rico que havia no mundo. Não eram só extraordinariamente ricos os desenhos e as cores, mas além disso, os vestuários, feitos com esse estofo, possuíam uma qualidade maravilhosa: tornavam-se invisíveis para os idiotas e para todos aqueles que não exercessem bem o seu emprego.

– São vestuários impagáveis, disse consigo o sultão; graças a eles, saberei distinguir os inteligentes dos tolos, e reconhecer a capacidade dos ministros. Preciso desse estufo.

E mandou em seguida adiantar aos dois charlatães uma quantia avultada, para. que pudessem começar os trabalhos imediatamente.

Os homens levantaram com efeito dois teares, e fingiram que trabalhavam, apesar de não haver absolutamente nada nas lançadeiras.

Requisitavam seda e ouro fino a todo o instante; mas guardavam tudo isto muito bem guardado, trabalhando até à meia-noite com os teares vazios.

– Necessito saber se a obra vai adiantada.

Mas tremia de medo, lembrando-se de que o estofo não podia ser visto pelos idiotas. E por mais que confiasse na sua inteligência, achou em todo o caso prudente mandar alguém adiante.

Todos os habitantes da cidade conheciam a propriedade maravilhosa do estofo, e ardiam em desejos de verificar se seria exato.

– Vou mandar aos tecelões o meu velho ministro, pensou o sultão; tem um grande talento; ninguém melhor do que ele pode avaliar o estofo.

Entrou o honrado ministro na sala em que os dois impostores trabalhavam com os teares vazios.

– Meu Deus! disse ele para si arregalando os olhos, não vejo absolutamente nada! Mas no entanto calou-se. Os dois tecelões convidaram-no a aproximar-se, pedindo-lhe a opinião sobre os desenhos e as cores. Mostraram-lhe tudo, e o velho ministro olhava, olhava, mas não via nada, pela razão simplíssima de nada lá existir...

– Meu Deus! pensou ele, serei realmente estúpido? É necessário que ninguém o saiba!... Ora esta! pois serei tolo realmente! Mas lá confessar que não vejo nada, isso é que eu não confesso.

– Então que lhe parece? perguntou um dos tecelões.

– Encantador, admirável! respondeu o ministro, pondo os óculos. Este desenho... estas cores.., magnífico!... Direi ao sultão que fiquei completamente satisfeito.

– Muito agradecido, muito agradecido, disseram os tecelões, e mostraram-lhe de novo as cores e desenhos imaginários, fazendo-lhe deles uma descrição minuciosa. O ministro ouviu atentamente, para ir depois repetir tudo ao sultão.

Os impostores requisitavam cada vez mais seda, mais prata, e mais ouro; precisavam-se quantidades enormes para este tecido. Metiam tudo no bolso, é claro; o tear continuava vazio, e apesar disso, trabalhavam sempre.

Passado algum tempo, mandou o sultão um novo funcionário, homem honrado, a examinar o estofo, e ver quando estaria pronto. Aconteceu a este enviado o que tinha acontecido ao ministro: olhava, olhava e não via nada.

– Não acha um tecido admirável? perguntaram os tratantes, mostrando o magnífico desenho e as belas cores, que tinham apenas o inconveniente de não existir.

– Mas que diabo! Eu não sou tolo! dizia o homem consigo. Pois não serei eu capaz de desempenhar o meu lugar? É esquisito! mas deixá-lo, não o deixo eu.

Em seguida elogiou o estofo, significando-lhes toda a sua admiração pelo desenho e o bem combinado das cores.

– É de uma magnificência incomparável, disse ele ao sultão.

E toda a cidade começou a falar desse tecido extraordinário.

Enfim, o próprio sultão quis vê-lo enquanto estava no tear. Com um grande acompanhamento de pessoas distintas, entre as quais se contavam os dois honrados magnatas, dirigiu-se para as oficinas, em que os dois velhacos teciam continuamente, mas sem fios de seda, nem de ouro, nem de espécie alguma.

– Não acha magnífico? disseram os dois honrados funcionários. O desenho e as cores são dignos de Vossa Alteza.

E apontaram para o tear vazio, como se as outras pessoas que ali estavam pudessem ver alguma coisa.

– Que é isto! disse consigo mesmo o sultão, não vejo nada! É horrível! serei eu tolo, incapaz de governar os meus estados? Que desgraça que me acontece! Depois, de repente, exclamou: É magnífico! Testemunho-vos a minha real satisfação.

E meneou a cabeça com um ar prazenteiro, e olhou para o tear, sem se atrever a declarar a verdade, Todas as pessoas do séquito olharam do mesmo modo, uns atrás dos outros, mas sem verem coisa alguma, e no entanto repetiam como o sultão:

«É magnífico!» Deram-lhe de conselho que se apresentasse com o fato novo no dia da grande procissão. «É magnífico! é encantador! é admirável!» exclamavam todas as bocas; e a satisfação era geral.

Os dois impostores foram condecorados e receberam o título de fidalgos tecelões.

Na véspera do dia da procissão passaram a noite em claro, trabalhando à luz de dezasseis velas. Finalmente fingiram tirar o estofo do tear, cortaram-no com umas grandes tesouras, coseram-no com uma agulha sem fio, e declaram, ao cabo, que estava o vestuário concluído.

O sultão com os seus ajudantes de campo foi examiná-lo, e os impostores levantando um braço, como para sustentar alguma coisa, disseram:

– Eis as calças, eis a casaca, eis o manto. Leve como uma teia de aranha; é a principal virtude deste tecido.

– Decerto, respondiam os ajudantes de campo, sem ver coisa alguma.

– Se Vossa Alteza se dignasse despir-se, disseram os larápios, provar-lhe-íamos o fato diante do espelho.

O sultão despiu-se, e os tratantes fingiram apresentar-lhe as calças, depois a casaca, depois o manto. O sultão tudo era voltar-se defronte do espelho.

– Como lhe fica bem! que talhe elegante! exclamaram todos os cortesãos. Que desenho! que cores! que vestuário incomparável!

Nisto entrou o grão-mestre de cerimónias:

– Está à porta o dossel sob o qual Vossa Alteza deve assistir à procissão, disse ele.

– Bom! estou pronto, respondeu o sultão. Parece-me que não vou mal.

E voltou-se ainda uma vez diante do espelho, para ver bem o efeito do seu esplendor. Os camaristas que deviam levar a cauda do manto, não querendo confessar que não viam absolutamente nada, fingiam arregaçá-la.

É, enquanto o sultão caminhava altivo sob um dossel deslumbrante, toda a gente na rua e às janelas exclamava: «Que vestuário magnífico! Que cauda tão graciosa! Que talhe elegante!» Ninguém queria dar a perceber que não via nada, porque isso equivalia a confessar que era tolo. Nunca os fatos do sultão tinham sido tão admirados.

– Mas parece que vai em cuecas, observou um pequerrucho, ao colo do pai.

– É a voz da inocência, disse o pai.

– Há ali uma criança que diz que o sultão vai em cuecas.

«Vai em cuecas! vai em cuecas!» exclamou o povo finalmente.

O sultão ficou muito aflito, porque lhe pareceu que realmente era verdade. Entretanto tomou a enérgica resolução de ir até ao fim e os camaristas submissos continuaram a levar com o máximo respeito a cauda imaginária.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Francisco Cândido Xavier (Trovadores do Além) Parte 6


251
Muita dor que nos abraça
É ventura calma e rica...
Muita alegria que passa
É mágoa que chega e fica.
GODOFREDO VIANA

252
João queria terra em monte,
Não tinha momentos calmos,
Um dia se viu defronte
De um trecho com sete palmos.
JUCA MUNIZ

253
Trabalho lembra a subida
Que se faz de luz acesa;
Dor é parada de emenda
Na forja da Natureza.
SOUZA LOBO

254
Ninguém recusa a verdade
Desta norma incontroversa:
Muita gente escova os dentes
Mas não escova a conversa.
ARTUR CANDAL

255
Como cresce o bem-querer
No tormento da agonia!...
O que dói não é morrer,
É deixar a companhia.
FÓCION CALDAS

256
Há muita gente perdida,
Sem que o mundo a reconforte,
Nas fantasias da vida,
Nas patacoadas da morte.
EUGÊNIO RUBIÃO

257
Amor – nos sonhos em bando,
Às vezes – note você -,
É o bem que se faz pensando
No amor que nunca nos vê.
ULISSES BEZERRA

258
Na Terra, em qualquer idade,
Faze o bem guardando fé.
Se a morte é fatalidade,
A vida também o é.
BATISTA CEPELOS

259
Entre as mágoas do caminho,
Não te esqueças, coração:
A rosa é bênção no espinho,
A fonte serve no chão.
MILTON DA CRUZ

260
Doce o termo que transponho!
Sempre me deste, Senhor,
O peito cheio de sonho,
O sonho cheio de amor.
COLOMBINA

261
Ideias, sonhos, anseios...
Serve sempre, alma sincera,
Quem espera, trabalhando,
Alcança tudo o que espera.
REGUEIRA COSTA

262
Verdade – rio fecundo;
Mentira – pedra a rolar.
A pedra fica no fundo,
O rio chega no mar.
ÁLVARO MARTINS

263
Querendo conformação,
Deus já pôs de sobreaviso
Sete letras na saudade,
Sete letras no sorriso.
LUCÍDIO FREITAS

264
No Além, a saudade mora,
Com todo o fel que ela tem,
Nas dores da alma que chora
O afeto que nunca vem.
MACIEL MONTEIRO

265
Talento, dinheiro e graça
Querem ação sem loucura.
Toda glória brilha e passa
No crívo da sepultura.
AMÉRICO FALCÃO

266
Muita aflição nos visita
Porque, na estrada onde vamos,
Pensamos que os outros pensam
Naquilo que nós pensamos.
ARTUR CANDAL

267
Virtude que não trabalha
Para que o vício se esfume,
Parece linda mortalha
Com garbos de vagalume.
VIRGÍLIO BRANDÃO

268
Há muita palavra triste
Que fica bem aos museus.
Orfandade – não existe
No dicionário de Deus.
MARIA CELESTE

269
Ser mãe!... Que golpes extremos
Na trilhas por onde vamos!...
Dor dos filhos que perdemos,
Dor dos filhos que deixamos!
CELESTE JAGUARIBE

270
Vida além da sepultura
Não é cinza, nem descanso.
A morte só quer dizer:
Fechada para balanço.
CARLOS CÂMARA

271
Perdão não é desprezar
O débito que se fêz.
É dar a quem perde o bem
O dom de achá-lo outra vez.
SOUZA LOBO

272
Quem queira fazer o bem,
Espere a dor no caminho.
Candeia queima a si mesma
Alumiando o vizinho.
ARTUR CANDAL

273
Trazes, mulher, no destino.
Sejas frágil, sejas forte,
O lume do amor divino
Que brilha na própria morte.
JULINDA ALVIM

274
Na carne, há dias risonhos...
Existem, mas hoje vejo
Que o sonho melhor dos sonhos
Jamais passou do desejo.
ALBERTO FERREIRA

275
Que longa a saudade minha!
Quanta falta de teus zelos!...
Beija o meu rosto, mãezinha.
Põe as mãos nos meus cabelos!...
MEIMEI

276
Toda criatura sincera,
Ante as bênçãos do Criador,
Sente o céu da primavera
No inverno da própria dor.
OSCAR BATISTA

277
Ação – vontade no tempo;
Resultado vem após.
A vida nasce de Deus;
Destino nasce de nós.
LOBO DA COSTA

278
Se o serviço é pouco e falho,
O remédio em todo clima
É persistir no trabalho,
Pois a lima lima a lima.
ADERBAL MELO

279
Por teres casa e tesouro,
Não te faças de anjo à frente.
Doente num leito de ouro
Não deixa de ser doente.
ANÍSIO DE ABREU

280
“Dorme, dorme, meu filhinho!”
Nessa cantiga de luz,
A Terra segue caminho
Na direção de Jesus.
ANTONIETA SALDANHA

281
Verdade – mágoa bendita
Sobre dons renovadores.
Lisonja – serpente linda
Guardada em cesto de flores.
LOPES FILHO

282
Morrerá o orador letrado
Que punha trevas no estudo...
E reencarna-se, coitado!
Na prova de surdo-mudo.
AMÉRICO FALCÃO

283
Aprendi que Deus nos fêz
Irmãos para o amor igual.
Quando vi meu chuchuzeiro
Dar chuchus noutro quintal.
JOSÉ NAVA

284
Feliz quem luta e padece,
Porque a Justiça é assim:
Se a grande prova aparece,
O débito está no fim.
ALCEU WAMOSY

285
Deus tece lírios em véu
Na lama em que o charco avança,
Para dizer que no céu
Nunca se extingue a esperança.
ARTUR RAGAZZI

286
No mundo, de porta em porta,
Há muita gente cativa.
Que anda viva, sendo morta,
Que anda morta, sendo viva.
ANTÔNIO SALES

287
Grandezas terrestres... Nada...
Felicidade é assim:
Uma cruz bem suportada
E a glória que vem no fim.
LINDOLFO GOMES

288
Ninguém cometa a loucura
Que até hoje inda me abafa.
Coisa triste é a sepultura
Com lembrança da garrafa.
EMÍLIO DE MENEZES

289
A evolução é assim:
O berço... O lar... A afeição...
O sonho... O labor... O fim...
Depois – a reencarnação.
GODOFREDO VIANA

290
Injustiças, desacatos...
Não guardes pretextos vãos.
Na bacia de Pilatos
Muita gente lava as mãos.
HENRIQUE DE MACEDO

291
Oração – luz que levanta,
Êxtase – névoa que embala...
Deus põe a fruta na planta,
Mas nunca vem descascá-la.
IVAN ALBUQUERQUE

292
Muitas vezes tenho visto
Maioria para trás;
A massa, julgando o Cristo,
Deu razão a Barrabás.
HENRIQUE DE MACEDO

293
O espírito reencarnado
Lembra em tronco viridente
De raiz presa ao passado,
Plantando o futuro à frente.
BERNARDO DE PASSOS

294
Natal! O Mestre Divino
Não nos pede adoração,
Roga um canto pequenino
Num canto do coração.
BELMIRO BRAGA

295
Vejo sóis, mas ouço longe...
Uma viola ponteia...
Quero ver a minha terra
Nas noites de lua cheia!...
LUCÍDIO FREITAS

296
Nos mundos da evolução
A história é assim resumida:
A vida prepara a morte,
A morte refaz a vida.
MOISÉS EULÁLIO

297
Menina de olhos risonhos,
Esquece o engano da praça.
A ilusão é igual ao sonho,
O sonho é ilusão que passa.
AMÉRICO FALCÃO

298
Saudade!... O “S” do início
Já tem dores a contento...
Sonho, sede, solidão.
Sacrifício, sofrimento...
FRANCISCO FERNANDES BASTO

299
Onde a mulher se encastela
Simplesmente no prazer.
Toda a vida, em torno dela,
Começa logo a descer.
RITA BARÉM DE MELO

300
Quando a morte o olhar nos cerra,
Não sei, efetivamente,
Se a gente fica na Terra,
Se a Terra fica na gente.
TONINHO BITTENCOURT
Fonte:
Francisco Candido Xavier (psicografia)– Trovadores do Além.

Norália de Mello Castro (A Chuva é Bela!)


Hoje, amanheceu com sol e algumas nuvens no céu. Dia quente e lindo. De tardinha, caiu um pé d’agua, daqueles com trovões, raios e vento. Veio do Leste e passou por minha casa na direção do Sul. Tive de desligar todas as tomadas preventivamente. Diante de tal chuva, a gente não sabe o que pode acontecer com a eletricidade. Fui então para minha janela, acompanhar a chuva que caía torrencialmente.

- Como a chuva é bela! – foi o pensamento ao vê-la cair maciamente sobre aquele tapete verde de árvores, plantas e gramas.

Os trovões e raios estavam muito distantes, lá em cima nas nuvens negras. Por toda a extensão, o verde maravilhoso. As montanhas ao longe estavam esplendorosas. As colinas mais ainda. As árvores, mais próximas de mim, se alegravam com a água que as acariciava. A chuva caia tão maciamente sobre aquele tapete verde que me esqueci dos trovões. (tenho pavor de trovões!).

- Como a chuva é bela!

Senti, por assim pensar, que estava cometendo o maior pecado mortal, me esquecendo, naquele momento, do horror que vivem na Região Serrana do Rio de Janeiro. Lá, o buraco negro incomensurável de sofrimentos: perdas, mortes, pestes chegando, milhares de pessoas sem casa,
deslizamentos, desamparo, terror e horror de mortes, doenças, fome, e toda a região – a maravilhosa região serrana – decomposta, perdida.

Há dias, o horror se instalou no nosso Pais, e eu, aqui, admirando a chuva:

- Como a chuva é bela!

A Mãe Terra dá seu alerta. Os céus clamam.
A Natureza chora.
Homens e mulheres choram.
A Mãe Terra é a nossa casa no Cosmo.

Somos parte integrante dela. Somos seus filhos e, como filhos desobedientes, estamos apanhando para aprender: a Dor se instalou lá e cá, em mim, ao lembrar-me das reportagens que tenho assistido.

O que urge e que não haja mais inundações de seres humanos, que se deixam conduzir por enxurradas das fomes, situando-se às beiras de rios e colinas, fragilizadas por lixos. Que não transitem sem abrigo ou teto, ao léu, sem saber onde e como se portarem como gente. Que a ambição desmedida não predomine nas ações para o endinheiramento acerbado. Que acariciem a Mãe Terra como filho amado e amante, não como pretensos senhores superiores as regras naturais que são ditadas pela Natureza, fazendo-a escrava de sua pseudo-sabedoria superior. Que olhem para a Mãe Terra, que nos da tanta beleza e acolhimento, como Ser que precisa de amor e respeito.

Que, como toda a Lei que rege a Natureza, somos perecíveis tambem. Que o nosso tempo se esgotara fatalmente. Mas, que chegue para todos com dignidade, não soterrados por deslizamentos provocados por atitudes desmedidas e irracionais de outros semelhantes.

- Como a chuva é bela!

Se bem recebida sob um teto/lar. E que, neste momento de Dor Maior, o amor solidário predomine nos corações e nas ações de socorro.

Que a solidariedade seja mais duradoura e que se expanda: que não seja apenas num momento de grande comoção nacional!
–––
A Autora é de Belo Horizonte/MG

Fonte:
Revista Varal do Brasil: Literário, sem frescuras. Edição Especial: Nosso Planeta Terra. Genebra: abril de 2011.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 458)

Pôr do Sol em Salvador/BA

Uma Trova de Ademar

Eu guardei no coração
frases que você compôs,
escritas sobre o colchão
no amanhecer de nós dois!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Entre bombas, na trincheira,
tremendo, o pobre rapaz
abraça a branca bandeira
numa súplica de paz !
–ANTONIO COLAVITE/SP–

Uma Trova Potiguar


Em noites frias, não canto,
mas a chuva, de bom grado,
tamborila um acalanto
no zinco do meu telhado.
–UBIRATAN QUEIROZ/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Nunca motejes do pobre
nem dos defeitos que vês;
por igual o céu nos cobre:
— cada qual como Deus fez.
–SOARES BULCÃO/CE–

Uma Trova Premiada


2008 - Ribeirão Preto/SP
Tema: Inclusão - Vencedora - 1o. Lugar


Tenham todos terra e teto,
sem preconceito ou fronteira
e que haja amor, não decreto,
para a inclusão verdadeira!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA/SP

Simplesmente Poesia


M O T E :
Tu és o monstro da terra.
Eu sou a pomba da paz.

G L O S A:
Subo serra, desço serra,
ando o deserto nocivo
para dizer incisivo:
Tu és o monstro da terra,
anjo mau de toda guerra
sedutor, vil e sagaz
todo pecado te apraz
e antes que tu digas, Não!
Sou Jesus, te dou perdão...
Eu sou a pomba da paz.
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Estrofe do Dia


Pra quem de Deus se aproxima,
existe um plano perfeito,
pois o seu filho ele estima
e trata com muito jeito,
embora até haja penas,
aflições muitas, centenas,
ele sempre nos conforta,
pra cada porta que fecha,
ele sempre abre e deixa
escancarada outra porta.
–RAYMUNDO SALLES/BA–

Soneto do Dia

Nunca Mais
–ANALICE FEITOZA DE LIMA/SP–


Não voltes a bater à minha porta.
Cansei do teu amor, cansei de tudo.
Minha esperança agora está tão morta
Que já esqueci teus lábios de veludo.

Que arranjes outro alguém, pouco me importa.
Com teu amor eu nunca mais me iludo.
De ti resta a lembrança que conforta.
E outra ilusão será meu novo escudo.

De ser palhaço o coração se cansa.
Feriste meu orgulho, agora basta!
Gastei todo o meu sonho de esperança.

Não mais te quero, nem que tu destruas
De minha vida essa vontade vasta,
E nem que eu morra de saudades tuas!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Trova Premiada obtida nos XXI Jogos Florais de Ribeirão Preto

Monteiro Lobato (Reinações e Narizinho) - Pena de Papagaio - III - A partida


Alta madrugada os meninos pularam da cama, vestiram-se, e, pé ante pé, dirigiram-se ao pomar sem que dona Benta percebesse coisa nenhuma. Emília foi atrás, muito tesinha, também na ponta dos pés. O Visconde, de canastra às costas, fechava o cortejo. Assim que abriram a porteira, ouviram um canto de galo do lado do pé de goiaba.

— Cocóricó!

Pedrinho reconheceu a “voz”.

— É ele! — exclamou. — Já está à nossa espera no ponto marcado.

Correram todos para lá, mas como nada vissem, pararam desnorteados. Nisto um segundo cocoricó se fez ouvir no alto da goiabeira. O menino invisível, além de guloso, não perdia tempo...

— Você está aí em cima? — perguntou Pedrinho, de nariz para o ar.

— Não está “vendo”? — respondeu a voz. — Acostume-se a saber onde estou sem me ver — e para dar a primeira lição atirou com uma casca de goiaba bem na cara de Pedrinho, dizendo: — Aprendeu?...

— Aprendi — respondeu Pedrinho rindo. — Agora desça, que quero apresentar minha prima Lúcia e os outros.

— Não é preciso. Sei que Lúcia é essa de narizinho arrebitado.

A outra é a tal Emília, marquesa de Rabicó. Só não conheço o de cartolinha e canastra às costas.

— Este é o ilustre senhor Visconde de Sabugosa, um sábio.

— Que é que ele sabe ? — perguntou a voz, arrumando com outra casca de goiaba na cartola do Visconde.

Todos no sítio consideravam o Visconde um grande sábio, mas na realidade ninguém sabia o que ele sabia. Por isso atrapalharam-se com a pergunta. Mas Emília, que não se atrapalhava com coisa nenhuma, disse logo, toda espevitada:

— Ele sabe embolorar muito bem. Fica todo verdinho por fora, quando quer. É doutor em bolor.

Desta vez quem se atrapalhou foi a voz, que com certeza nunca tinha ouvido falar em bolor.

De repente — pluf! barulho de alguém que pula de árvore ao chão. Era a “voz” que havia descido, plantando-se no meio deles.

— Estamos na hora — disse ela. — Temos de partir antes que o sol nasça. Que é do mapa?

Pedrinho tirou do bolso o mapa e apresentou-o. A voz pegou-o, abriu-o e ficou a ver.

Narizinho arregalava os olhos. Aquele mapa que se abria no ar como que por si mesmo, e ficava parado, pareceu-lhe uma coisa extraordinária. O misterioso menino era invisível, mas não tornara invisíveis os objetos que pegava.

Isso deu imediatamente uma idéia a Pedrinho.

— Lembrei-me duma coisa — disse ele. — Como é muito enjoado lidar com um companheiro de viagem que a gente não pode ver, proponho que você traga uma pena no chapéu. Pela pena saberemos onde você está.

— Seria ótima a idéia — respondeu a voz — se eu usasse chapéu. Mas não uso coisa nenhuma sobre o corpo, se não todos me perceberiam e de nada valeria ser invisível.

— Ai, que vergonha! — exclamou Emília tapando a cara com as mãos. — Que não dirá dona Benta quando souber que estamos em companhia dum ente que não usa roupas?

— Deixe de ser idiota, Emília — ralhou Narizinho. — Você não entende nada de criaturas invisíveis.

Não podendo usar a pena no chapéu, que não tinha, Pedrinho propôs que a amarrasse à testa com um fio. Foi aprovada a idéia. Mas onde arranjar pena e fio?

— Tenho uma de papagaio na minha bagagem — gritou Emília. — Arreie a carga, Visconde, e abra a canastra.

O Visconde arriou a canastra, abriu-a e passou à boneca a pena de papagaio e um rolinho de fio de linha. A pena foi atada à testa do menino invisível e desde esse momento não houve mais dificuldade em lidar com ele. A pena flutuante no ar indicava a sua presença.

— Viva o Peninha! — gritou Emília — e aquele grito foi um batismo. Dali por diante só o iriam chamar assim — o Peninha.

Resolvido aquele ponto, trataram de partir. Para isso o menino invisível tirou dum saquinho certo pó de pirlimpimpim. Deu uma pitada a cada um, e mandou que o cheirassem. Todos o cheiraram — sem espirrar, porque não era rapé. Só Emília espirrou. A boneca espirrava com qualquer pó que fosse, desde o dia em que viu tia Nastácia tomar rapé. Assim que cheiraram o pó de pirlimpimpim, que é o pó mais mágico que as fadas inventaram, sentiram-se leves como plumas, e tontos, com uma zoeira nos ouvidos. As árvores começaram a girar-lhes em torno como dançarinas de saiote de folhas e depois foram se apagando. Parecia sonho. Eles boiavam no espaço como bolhas de sabão levadas por um vento de extraordinária rapidez. Ninguém falava, nem podia falar, a não ser a boneca, que em certo ponto gritou:

— Preciso mais pó, Peninha! Sinto que estou caindo!

— É que estamos chegando — respondeu a voz.

De fato. A tonteira começou a passar e as árvores foram se tornando visíveis outra vez. Segundos depois sentiram terra firme sob os pés. Tinham chegado. Os meninos abriram uns olhos do tamanho de goiabas.

Olharam em torno. Um rio de águas cristalinas corria por um vale de veludo verde. Na beira do rio, um carneirinho branco preparava-se para beber. Ao fundo, alta montanha azul erguia-se majestosa, e entre o rio e a montanha era a floresta.

— Estamos no País das Fábulas, também chamado Terra dos Animais Falantes — explicou Peninha. — Vamos começar aqui a nossa viagem pelo Mundo das Maravilhas.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – IV - O Senhor de La Fontaine

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

sábado, 28 de janeiro de 2012

Trova Ecológica 68 – Angelica Vilella Santos (SP)

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Bloco do Amor)


Marca a cadência o tambor,
Já repica o tamborim,
Eu sou do bloco do amor,
Quero ser seu pierrô,
Seu palhaço e arlequim!

Quero ser seu mestre-sala
E sambar com muita arte,
Você segura o estandarte
Sambando livre e contente
Mostrando pra toda gente
Sua bela retaguarda -
Sua comissão de frente!

Quero cair na folia,
Sambar, levantar poeira,
Vou até raiar o dia
Da manhã de quarta-feira!

Vou tomar todas geladas,
Lembrar que a vida existe.
Só paro de madrugada
E, junto com minha amada,
Esquecer que o mundo é triste...

E quando a festa acabar,
O Rei Momo for deposto,
Volto de novo pro posto,
Do sonho vou acordar,
A vadiagem acabou!
É hora de trabalhar...

São Fidélis "Cidade Poema"/ RJ

Fonte:
Poema enviado pelo autor

A. A. de Assis (Trovia de Fevereiro – n. 146)



Inesquecíveis

Triste sina dos mortais
é ver, assim malfadadas,
lado a lado almas rivais,
almas gêmeas separadas...
ALBERCYR CAMARGO

Tua carta inesperada
tantas lembranças me trouxe,
que eu vivi de um quase nada
um quase tudo tão doce!...
ANALICE FEITOZA DE LIMA

Eu penso, quando anoitece,
vendo o céu todo em fulgor,
que cada estrela é uma prece
aos pés de Nosso Senhor!
COLOMBINA

A velhice é idade linda,
e não me assusta jamais...
Só não gosto mais ainda
porque ela é curta demais!...
DOM NIVALDO MONTE

Ah, saudade, esta verdade
jamais a gente abandona:
vai-se a dona da saudade,
fica a saudade da dona!
MAIA D’ATHAYDE – PE

Não foste a minha metade
pois jamais me deste um “sim”,
mas fizeste que a saudade
fosse a metade de mim!
JOSÉ MARIA M. DE ARAÚJO – RJ
Parabéns trovador Gerson Cesar Souza, autor da letra
do Hino da Campanha da Fraternidade de 2013.


Brincantes

O canibal, sem alento,
tentando a fome aplacar,
no dia do casamento
comeu a noiva... no altar!
ANTÔNIO J. SIQUEIRA – PA

“Não há pão? Comam brioche!",
disse a rainha ao seu povo.
Antes um pão que o deboche,
de preferência... com ovo.
DIAMANTINO FERREIRA – RJ

Que há semelhança bastante
entre os dois, eu não descarto:
lua tem quarto minguante,
velho é minguante no quarto...
JOSÉ FABIANO – MG

O terapeuta sugere:
– “Apimente” a relação!
Mas a mulher interfere:
– “Tô” fora!... Pimenta, não!
LUCÍLIA DECARLI – PR

Prometer é ato falho,
mas na política pode:
– a cada macaco um galho,
– a cada cabrita um bode...
OSVALDO REIS – PR

Ao se banhar num riacho,
distraída, minha prima
lembrou da peça de baixo
quando tirava a de cima...
RODOLPHO ABUDD – RJ

A ratazana e o ratinho
brigaram feio, de fato:
foi ciúme do vizinho,
que, na verdade, era um “gato”!
SELMA SPINELLI – SP

“Pescar, pra mim, é mania,
e é estranho que a esposa deixe...”
Ele vai pra pescaria
e ela vai “vender seu peixe”.
THEREZINHA BRISOLLA – SP

Líricas e filosóficas

Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
A. A. DE ASSIS – PR

Bilhete é sempre um recado
para ser dado escondido
a um alguém apaixonado
por outro alguém proibido!
ADEMAR MACEDO – RN

Quem tem musa inspiradora
faz quantas trovas quiser,
exaltando a sedutora
que sonha em ter por mulher!
AMILTON MACIEL – SP
Trova humorística é um modo engraçado, mas inteligente,
de dizer alguma coisa às vezes séria. – Colbert Rangel Coelho


Se a rima não é perfeita,
com certeza tem um rito:
o artífice sempre a ajeita
e o verso se faz bonito.
ANDRÉA MOTTA – PR

À noite vou namorar:
da lua já nem preciso...
Só quero ver teu olhar
fascinando o meu sorriso.
ARI SANTOS DE CAMPOS – SC

O amor, para muita gente,
é diversão perigosa.
Quem não sabe ser prudente
transforma em espinho a rosa.
ARLENE LIMA – PR

Pelo bem que me fizeste,
meu amor, muito obrigado...
Deste-me a prova inconteste
de que estou vivo... e acordado!
BRUNO PEDINA TORRES – RJ

A estrada foi destruída,
num desvio se tornou;
a paixão não permitida
nesse atalho enveredou.
CIDA VILHENA – PB

Empilhados na memória,
um a um, mesmo à distância,
escreveram linda história
os meus brinquedos de infância.
DELCY CANALLES – RS

Voltas... E eu acho tão triste
a emoção de disfarçar
que por mim, já que partiste,
nem precisavas voltar...
DIVENEI BOSELI – SP

Dizem que amas de mentira,
mas gosto de acreditar;
e até que um dia eu confira,
vou-me deixando enganar.
DOROTHY J. MORETTI – SP

O destino, sobretudo,
numa visão alongada,
é uma incerteza de tudo
ante a certeza do nada!
EDUARDO A. O. TOLEDO – MG

Deu-me as asas o Senhor
e, ao voar pelo infinito,
vou buscar meu grande amor,
o meu sonho mais bonito.
ELIANA JIMENEZ – SC

A escuridão, por mais densa,
também nos traz coisas belas:
sem luz se ama, se pensa,
dá-se mais valor às velas.
ELIANA PALMA – PR

Qualquer que seja o motivo
que a razão nos tente impor,
não se passa o corretivo
quando um erro é por amor!
ELISABETH SOUZA CRUZ – RJ

No mar revolto da mente
teu vulto baila na espuma:
momento louco em que a gente
sonha com o amor que se esfuma.
EVANDRO SARMENTO – RJ

Quando à tarde, ao pôr do sol,
tu te sentires tristonho,
busca teu novo arrebol
no arrebol de um novo sonho!
FRANCISCO GARCIA – RN

Se a solidão é doença
e eu só, tão debilitado,
só basta a tua presença
para que eu fique curado!
FRANCISCO PESSOA – CE

Deus, em toda a sua glória,
com tanta grandeza e brilho,
pra completar sua história,
quis ter mãe e quis ser filho!
GISLAINE CANALES – PR
O difícil no fácil é criar algo dentro da simplicidade
que deve caracterizar a trova. – Maria Thereza Cavalheiro


A vida é tão passageira,
para que tanto segredo?
Se você me ama, inteira,
revele ao mundo, sem medo!
GLÉDIS TISSOT – SC

Quem se perde em devaneios
não vê que o tempo, ao passar,
vai girando e, em seus volteios,
não volta ao mesmo lugar...
HERMOCLYDES FRANCO – RJ

De manhã o sol me acorda
e à noitinha me adormece.
Um “reloginho” sem corda
cujo toque nos aquece.
HUMBERTO DEL MAESTRO

Numa estrada colorida,
ou na trilha empoeirada,
se a família segue unida,
é suave a caminhada.
ISTELA MARINA – PR

A madrugada é o instante
em que o sol, com ousadia,
induz a noite – gestante –
a dar à luz... novo dia!
JAIME PINA DA SILVEIRA – SP

Que tu estejas presente,
junto a mim, é o que desejo,
inda que seja somente
o tempo exato de um beijo!
JEANETTE DE CNOP – PR

Nos momentos de perigo,
de amargura e solidão,
que conforto é o ombro amigo
e o abraço de um irmão!
JESSÉ NASCIMENTO – RJ

Este conceito traduz
um céu de muito esplendor:
– “amor é facho de luz”
– “perdão é bênção de amor!”
JOAMIR MEDEIROS – RN

Neste mundo tão mesquinho,
benditas as mães, meu Deus,
que dão amor e carinho
a filhos que não são seus.
JOÃO COSTA – RJ

As verdadeiras lições
que a mim meu pai ensinava
não vinham dos seus sermões,
mas de quando ele calava.
J. B. XAVIER – SP

Tanta gente em si perdida
entre sombras se escondendo.
Cada dia é outra vida
que em disfarces vai morrendo…
JOSÉ FELDMAN – PR

A idade, a chegar de manso,
respeitando o meu cansaço,
põe cadeiras de balanço
nas tardes por onde eu passo...
JOSÉ OUVERNEY – SP

Fez-se inverno em minha vida.
Nem luar... nem luz... só breu!
Desde a tua despedida
já nem sei mais quem sou eu.
LUIZ ANTONIO CARDOSO – SP

Nos momentos de perigo,
revés ou só de aflição,
revela-se o bom amigo
num puro estender de mão.
LUIZ HÉLIO FRIEDRICH – PR

Em meus rascunhos guardados,
não há mistérios... Porque
nos versos que são lavrados
o tema é sempre... você!
MARIA LÚCIA DALOCE – PR

As mães são divinas plantas
que deram flores, sementes.
Para Deus são todas santas,
com milagres diferentes.
MARIA NASCIMENTO – RJ

Pobre vai de pé no chão,
de carona, só por sorte.
Rico estaciona o carrão
e caminha por esporte...
MARINA VALENTE – SP

Qual um sol assim já posto,
totalmente num ocaso,
meu coração por desgosto
chorou nosso fim de caso.
MIFORI – SP

Xeroquei a sua imagem
e guardei na minha mente;
sempre na minha abordagem
é você que está presente.
NEIVA FERNANDES – RJ

Carrego pouca bagagem
porque na vida aprendi
que, mesmo longa a viagem,
preciso apenas de ti!
OLGA AGULHON – PR

Ao ver-te, só de passagem,
em minha vida vazia,
me sinto escrava da imagem
de uma louca fantasia.
OLGA FERREIRA – RS

Quem cultiva uma amizade
dentro do seu coração
pode morrer de saudade
mas nunca de solidão.
OLYMPIO COUTINHO – MG

Quando o vento, aos meus ouvidos,
sopra as palmas do coqueiro,
pareço ouvir os gemidos
das dores do mundo inteiro.
RENATO ALVES – RJ

Dos instantes devotados
a cada luta vencida,
todos estão retratados
no painel da minha vida.
ROBERTO ACRUCHE – RJ

Ter amor é coisa boa
por alguém que está presente,
pois, indo embora, a pessoa
leva um pedaço da gente.
ROBERTO TCHEPELENTYKY – SP

Oh que mensagem tão bela
o mar na praia nos traz
ao encerrar a procela
em brancas ondas de paz!...
ROZA DE OLIVEIRA – PR

Do nascer à despedida,
ele é sal e sol na estrada,
ele é luz em nossa vida,
sem amor não somos nada...
SÔNIA DITZEL MARTELO – PR
Na tribo dos trovadores, entre irmãos te sentirás.
Quanto mais fraterno fores, melhor trovador serás! (aaa)


O convite amarelado,
que o envelope resguardou,
traz lembranças do passado
que nem o tempo apagou.
SÔNIA MARIA SOBREIRA – RJ

Enquanto o teu ventre sofre,
menino de muitas fomes,
teu patrão guarda no cofre
o lucro do que não comes.
THALMA TAVARES – SP

Ah, juventude, quem dera
trazer-te sempre comigo,
numa eterna primavera
no meu peito, seu abrigo.
THEREZINHA TAVARES – RJ

Devemos andar na linha
e com prudência também:
"tino e caldo de galinha"
não fazem mal a ninguém!
VANDA ALVES DA SILVA – PR

Sou vaso, às vezes quebrado...
mas, cada vez, Deus permite
que eu volte a ser restaurado,
com Seu amor sem limite!
VANDA FAGUNDES QUEIROZ – PR

As melhores gargalhadas
chegam sempre de repente,
em cenas abobalhadas,
e tomam conta da gente...
VÂNIA ENNES – PR

No ser a força do ser,
na flor o encanto da flor...
Na vida o rico saber
congrega paz, luz e amor!
VIDAL IDONY STOCKLER – PR

Canto meu canto de amor,
canto meu canto de paz!
– É próprio do trovador
pôr no verso o que lhe apraz...
ZENAIDE MARÇAL – CE
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J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 12a. Parte


" REVOLVER "

Tu me tomas-te, encantada,
em tuas mãos,
(como um menino a um revolver de brinquedo)
com uma alegre ingenuidade...
..........................................................................
Só que ainda não te apercebeste
que é um revolver de verdade…

"RIO-ME"

Rio-me, e entretanto, eu sei que estou doente
que um cansaço de tudo às vezes a alma invade,
e de repente, sou como um mendigo ao fim do dia
sem ter para onde ir, à hora em que todos voltam...

Rio-me, e entretanto, eu sei que às vezes choro
sem lágrimas, sem pranto, só por dentro, e sinto
que a vida de repente é uma coisa sem nada
que lhe possa explicar um segundo que seja!

Rio-me, e entretanto, a vontade que tenho
é de às vezes deitar-me na rua, e esperar
que um vento sopre a luz dos meus olhos, mais forte,

e acabe de uma vez com o que nunca devera
um dia começar, se o fim que se anuncia
ninguém sabe seu nome: é vida, sonho, ou morte?

" SABEDORIA "

Não te percas em vã filosofia....
O negócio é viver..... Vive primeiro!
O pouco que alcançaste é o verdadeiro,
e o resto, sonho só, - tudo utopia.

Deixa passar o que não pode ser!
A esperança do vão, é doentia...
Ergue a mão ao que a mão pode colher
e ao que está longe, esquece e renuncia......

Se tiver que chegar o inesperado
colhe-o, que essa é a atitude de quem vence:
saber colher o bem predestinado.....

A Vida é o mais efêmero dos bens
nela em verdade, nada te pertence,
nem sabes aonde vais...... nem de onde vens....…

" SEM QUERER... "

Tu nada dizias...

Mas eu precisava saber
para aplacar minha dor...

Foi então que toquei tuas mãos
sem querer...

Tuas mãos, tão frias...
- Obrigado, meu amor...

" SILÊNCIO "

E porque tudo
queremos dizer...

Nunca temos tempo
de dizer nada…

" SINAL ERRADO... "

Teus olhos verdes,
traiçoeiros,
indicavam passagem livre...

Segui...

Era o abismo…

" SÓ "

Lá fora há um luar triste
molhando tudo...

Será o luar
ou serão os meus olhos ?

" SOLILÓQUIO AMARGO "

As vezes (e estamos em nossas vidas, naturalmente,
vivendo dias e noites, dias e noites
há tanto tempo . . . )

- e, de repente, um pensamento amargo e insólito
toma conta de mim.

Um dia - e ele chegará - um de nós terá
que partir,
e o outro, vai ficar.

Eu? Você? Quem terá que se despedir
sem dizer para onde? Quem terá que ficar
sem dizer para que?

Imagino esse dia, - e um estranho pavor me paralisa
por alguns momentos.
Não concebo minha vida sem Você,
e, - desculpe-me - tenho mais pena de Você
se for eu que tiver que ir embora.

Ha tantos anos vimos trazendo nossas vidas como uma vida só,
e de tal modo as juntamos que o dia em que tivermos que separá-las
a que ficar, será um simples destroço, um pedaço mutilado de vida
incapaz de sobreviver.

Para que, meu Deus? a gente construir com duas vidas
um destino só,
fazer esse trabalho dias e noites, de tantas pequeninas coisas
aparentemente insignificantes,
de momentos de puro prazer, de horas de lenta agonia,
construí-to lentamente, como quem estivesse fazendo uma
obra para sempre,
e, subitamente - sem o menor aviso, sem a menor razão,
depois de tanta coisa juntada, e sonhada, e sofrida,
uma força maior - como uma faca - corta tudo ao meio
e uma metade se enterra, e a outra metade, de pé, se desmorona
como um auto-mausoléu de areia?
.....................................................................................................
Eu te agradeço, Senhor, que este pensamento
só raramente me venha, e logo o sopres além...

Que seria de mim, afinal, se ele pousasse por mais tempo
em minha vida?

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

Pedro Malasartes (Outras do Malasartes)


Andando Malasartes por uma estrada, encontrou-se com um pobre, que lhe pediu esmola. Deu um vintém ao pobre, e este que não era outro senão Nosso Senhor fez-lhe presente de um gorro vermelho, declarando-lhe que só ele Malasartes e ninguém mais poderia pôr a mão naquele objeto.

Tempos depois, cansado de vaguear pelo mundo, entendeu Malasartes de dar um passeio ao céu. Para lá se encaminhou, e depois de três dias de viagem batia no portão de São Pedro.

O santo porteiro perguntou lá de dentro quem era, e ele respondeu; perguntou o que desejava, e respondeu. O santo negou-lhe a permissão pedida; mas o viajante tanto rogou, tanto chorou que ele sempre consentiu em entreabrir a porta para que espiasse um pouco. Mal vê a fresta, Malasartes atira o gorro pra dentro e começa a gritar:

-Quero o meu gorro, quero o meu gorro!

São Pedro prontifica-se a ir buscá-lo, mas o burlão protesta:

-Não pode ser, só eu posso pegar no meu gorro. Ninguém mais, só eu. São ordens de Nosso Senhor.

São Pedro tratou de certificar-se da verdade, e veio a saber que Malasartes não mentia. Não havia outro remédio: deixou-o entrar para apanhar o gorro.

Assim Malasartes conseguiu entrar no céu. Mas não se demorou lá muito tempo...

=======================

Um dia chegou para Malasartes a hora de ir para o outro mundo, e de nada lhe valeu a esperteza; teve que marchar.

Quando se viu no estradão da eternidade, pensou no que faria e resolveu, em primeiro lugar, ir bater à porta do céu.

Lá foi; mas São Pedro, assim que o enxergou, deu-lhe com a porta na cara. Então deliberou ir ao inferno; foi, bateu, mas o porteiro, dando com o homem que surrava até os diabos, tratou de fechar o portão com quantas trancas havia e foi correndo avisar o seu rei.

Houve um rebuliço dos diabos no inferno: pavor e correrias por todos os cantos. O próprio Satanás tremeu; mas, recuperando o sangue frio, pensou, pensou e ordenou que se deixasse entrar o hóspede. E disse-lhe:

-Eu não quero você no inferno, Malasartes; você, além do que já fez, ainda é capaz de vir aqui revolucionar a minha gente.

– Tenha paciência, seu Satanás, mas aqui estou e aqui fico.

– Então vou fazer uma proposta: que se decida o seu destino pela sorte do jogo. Aceita?

-Feito!

-Se você perder, irá diretinho para o caldeirão.

– Está dito. E se eu ganhar, você me paga com uma das almas que lá estão fervendo.

Começaram o jogo, e cada qual fazia o possível para passar a perna no outro. Mas Pedro Malasartes era mais esperto e ganhou a primeira partida, depois a segunda e assim outras.

Satanás, vendo que não podia derrotar o parceiro e que ia perdendo almas sobre almas, postas em liberdade por Malasartes, mandou botar o insuportável para fora do inferno.

Malasartes andou vagando como alma penada, muito tempo, sem saber onde havia de se aboletar.. Até que um dia teve uma idéia e tocou de novo para o céu. Chegando à porta do céu, tomou uns ares muito humildes, e bateu devagarinho. São Pedro abriu um postigo, enfiou a cabeça e perguntou:

-Quem bate a estas horas?

-Sou eu, meu santo…

-Eu, quem? Diga o que quer, e toca!

-Será possível que o meu santo padroeiro não me reconheça… Pois eu sou o Pedro Malasartes.

– Malasartes?! Outra vez?! Já não lhe disse que o seu lugar não é aqui?

-Não se zangue, meu santo, meu grande santo… Sei muito bem que nunca entrarei neste lugar de glória…

-Então vamos ver, o que quer?

Malasartes, com muita brandura e muita lábia, pediu ao santo que entreabrisse ao menos a porta, um bocadinho, só para que pudesse espiar por um momento a beleza do céu. Tanto pediu e tanto fez que São Pedro o atendeu. Então, mais que depressa Malasartes atirou o chapéu pela fresta.

São Pedro bufou e descompôs o patife, e tanto barulho fez que começaram a ajuntar-se magotes de anjos e de justos ali junto da porta.

Acontece que o chapéu era um objeto terreno, além de estar muito sujo, e ninguém no céu lhe podia tocar. Mas Pedro Malasartes reclamava o chapéu, não abria mão, e enfim, para encurtar, não houve jeito senão, permitir-lhe que entrasse.

E o malandro, entrou, muito contente, com ar vitorioso.

Mas o atrevimento não ficou sem castigo. Levaram o tal para junto de um monte enorme de milho e mandaram-no contar os grãos um por um. Malasartes, que remédio! Começou a contar, a contar, a contar, e levou um mundo de tempo a amontoar os grãozinhos para um lado. Quando já estava acabando a contagem, veio um anjo e misturou tudo. E Malasartes teve de contar de novo… E até hoje lá está contando e recontando os grãos de milho, sem acabar nunca.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 457)

Por do Sol em Santos/SP
Uma Trova de Ademar

Em Trovas vou viajando,
num simpósio de amizade,
aprendendo e praticando
lições de fraternidade.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


O amor de mãe é sublime,
que se chega à conclusão:
Se amar ao filho for crime
nenhuma mãe quer perdão.
–CARLOS AIRES/PE–

Uma Trova Potiguar


A gente paga a comida,
a gente paga a cachaça,
paga por tudo na vida
mas Amizade é de graça...
–HELIODORO MORAIS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Família – escola que traz,
com muitas lições de vez,
todo o bem que a gente faz
e todo o mal que se fez.
–CORNÉLIO PIRES/SP–

Uma Trova Premiada


2010 - Brag. Paulista/SP
Tema: CAMINHADA - Venc.


Nesta longa caminhada
que fazemos sempre a sós...
Nem o silêncio da estrada
quebra o silêncio entre nós!
–PROF. GARCIA/RN–

Simplesmente Poesia

UM CONTO DE: BARTOLOMEU CAMPOS QUEIROZ/MG
“HOMENAGEM PÓSTUMA”


Há muitos e muitos anos, não muito longe daqui,
vivia uma menina que sonhava em ter a Lua.
E, por mais que a mãe lhe dissesse que a Lua ficava longe e era fria,
mais a menina chorava e pedia. Para distrair a filha, a mãe tecia e bordava seus
vestidos com luares de prata, pacientemente.
O pai enfiava em fios de seda pérolas brancas e lisas, cultivadas em conchas,
para o colar da menina. Mas nada trazia a felicidade para a filha, que sonhava, dia e noite,
noite e dia, em ter a Lua, mesmo sendo longe e fria.
Muitas vezes, buscando consolar a menina, a mãe dizia: Filha minha, o caminho da Lua
é muito dentro da noite. Em seu escuro, além de estrelas e constelações,
grandes dragões cortam as estradas com raios, trovões e labaredas.
Nas nuvens da noite dormem morcegos com asas longas, capazes de esconder
outros vampiros e demônios. Mas nada desviava o desejo da menina de morar na Lua,
mesmo sendo longe e fria.
Uma tarde o pai não voltou do trabalho. Perdeu-se nas sombras da floresta
colhendo os frutos mais saborosos, fabricados pela ternura das estações,
para presentear à filha. A noite já andava alta, e a mãe, debruçada na janela,
com os olhos fixos no caminho que traria o esposo, caiu em um sono grande e mais profundo
que o firmamento. E a menina, sonhando com a Lua, aproveitou o descuido dos pais
e tomou o caminho de São Tiago, buscando a Lua, longe e fria.
A estrada era feita de neblina e poeira de estrela, brilhante como o vidro.
Mas entre uma estrela e outra havia o nada. E o nada era imenso e vazio.
Ela assentou-se na primeira estrela, debruçada sobre a noite. Muito triste, começou a chorar.
E seu intenso pranto choveu por sobre a Terra. E eram tantas as lágrimas que um oceano,
salgado e misterioso, se formou. A mãe da menina, com medo de se afogar,
pediu ajuda aos céus e transformou-se em espírito das águas.
O pai, sem a esposa e a filha, cheio de amor, salvou-se em um pequeno barco
e passa as noites e noites navegando nos mares, procurando a mulher e a menina querida.
Naquela noite, os soluços da menina chamaram a atenção de um cavaleiro
que galopava pelas estradas de São Tiago. Escutando o pranto, cheio de pena,
aproximou-se da menina. Adivinhando o seu desejo de ter a Lua, mesmo sendo longe e fria,
oferece-lhe ajuda. A menina montou na garupa do cavalo branco.
E, como o cavaleiro era São Jorge, não foi difícil chegar à Lua.
E até hoje, se a noite é clara, a menina desce com a Lua para
o fundo dos mares, rios e oceanos,
visita o espírito das águas e ilumina o caminho para o pescador de estrelas.

Estrofe do Dia

Que o seu lar se transforme num pomar
onde os solos mais férteis, mais humosos,
gerem frutos sadios, saborosos,
sem a água da chuva lhe faltar;
você próprio se empenhe em cultivar
sem fazer concorrência com ninguém,
dando às plantas o zelo que convém
prá que possa colher milhões de quilos;
e no final da colheita dividi-los
com os pobres famintos que não têm.
–PEDRO ERNESTO FILHO/CE–

Soneto do Dia

Apelo
–ENO TEODORO WANKE/PR–


Eu venho das lições dos tempos idos
e vejo a Guerra no horizonte armada.
Será que os homens bons não fazem nada?
Será que não me prestarão ouvidos?

Eu vejo a humanidade manejada,
em prol dos interesses corrompidos.
É mister acabar com esta espada
suspensa sobre os lares oprimidos.

É preciso ganhar maturidade
no fomento da paz e da verdade,
na supressão do mal e da loucura...

Que a estrutura econômica da guerra
se faça em pó! E reinem sobre a Terra
os frutos do trabalho e da fartura!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Francisco Cândido Xavier (Trovadores do Além) Parte 5


201
Em toda parte encontramos
Este princípio divino:
Deus faz o tempo uniforme,
O homem faz o destino.
LUCÍDIO FREITAS

202
No lar – palácio ridente
Dos mais belos que há nomundo -,
Se o perdão mora na frente,
A paz reside no fundo.
ALBERTO FERREIRA

203
Há na morte uma saudade
Que ninguém no mundo explica:
Quem fica, chora quem foi;
Quem foi, lamenta quem fica.
JOSÉ ALBANO

204
Do Além, onde a luz nos guia,
Sem que se saiba porquê,
Tudo aquilo que se via
É a casca do que se vê.
BENEDITO CANDELÁRIA IRMÃO

205
Felicidade é uma lei
Que se cumpre sem reclamos
Só temos felicidade
Na medida da que damos.
JÔNATAS BATISTA

206
Amor, quando é verdadeiro,
Quanto mais dor mais ardente...
Quanto mais pedras na fonte,
Tanto mais dura a corrente.
TEOTÔNIO FREIRE

207
Mãe distante eternamente?!...
Isso nunca sucedeu.
Toda mãe está presente
Nos filhos que Deus lhe deu.
CELESTE JAGUARIBE

208
Considera os dissabores
Quais furacões de fumaça...
Poeira de muita cores
Que sufoca, ensina e passa...
OSCAR BATISTA

209
Horrível transe sacode
As forças do coração,
Quando a vida diz que pode
E a morte afirma que não.
FRANCISCO OTAVIANO

210
Ser mãe – amor vivo e brando –
É ser fonte de alegria
A desgastar-se, cantando,
Nas pedras de cada dia.
MARIA CELESTE

211
Matemática esquisita
Acerta contas no Além!...
A dor que nos parasita
Multiplica o nosso bem.
BERNARDO DE PASSOS

212
Aviso dos mais profundos,
Conceito dos mais felizes:
Nunca digas o que sabes
Sem que saibas o que dizes.
TELES DE MEIRELES

213
Mãezinha – planta celeste,
Anjo que chora sorrindo -,
Teu filho é a flor que puseste
No ramo de um sonho lindo.
MEIMEI

214
Passado é presente agora
Ante o futuro sem fim.
A vida passou por fora
Mas ficou dentro de mim.
LUÍS MURAT

215
Cada qual no bem que possa.
Céu não se alcança de salto,
Roseira produz no chão,
Estrela brilha no Alto.
LOBO DA COSTA

216
Extingue, paciente e brando,
O mal, a sombra, a mentira...
O rio lava, cantando,
A pedra que se lhe atira.
VIRGÍLIO BRANDÃO

217
Se a afeição te envolve em chama,
Não sigas rindo à matroca,
Porque a hera também ama
O arbusto que ela sufoca.
ANÍSIO DE ABREU

218
Beleza apenas no corpo,
Exaltada a figurino,
É um cheque tamanho grande
Com crédito pequenino.
JOVINO GUEDES

219
Cessa o pranto que te corre,
No instante do grande adeus!...
Há muita gente que morre,
Rendendo graças a Deus.
FIDÉLIS ALVES

220
Felicidade sem fim?...
Só se encontra indagação.
Quem procura diz que sim,
Quem procurou diz que não.
ALBERTO FERREIRA

221
Na Terra, a vida é batalha,
Não te enganes, senda afora.
Quem chora, às vezes, gargalha,
Gargalha, às vezes, quem chora.
MILTON DA CRUZ

222
Mãe triste que luta e chora,
As suas lágrimas são
As pérolas cor da aurora
Na concha do coração.
ANTONIETA SALDANHA

223
Sem afeto imaginário,
O amigo diz o que sente.
O futuro adversário
Bajula constantemente.
LOPES FILHO

224
Sou teu... Ampara-me e esquece...
Já não busco o que se foi.
Basta me digas em prece:
- “Filhinho, Deus te abençoe!...”
JOSÉ BARTOLOTA

225
Não olvides que a criança,
No caminho, vida afora,
Vai devolver-te, mais tarde,
O que lhe deres agora.
CASIMIRO CUNHA

226
Em todo e qualquer caminho,
O bem, que jamais se cansa,
Na ponta de cada espinho
Põe a rosa da esperança.
EUGÊNIO SAVARD

227
Na luta, fala, mas fala
A fala que ampara e ensina.
Doente que fala muito
Desnorteia a Medicina.
DERALDO NEVILE

228
Sepulcros – sombra, deserto...
Jazigos – riqueza em vão...
Quanto Espírito liberto
Acorrentado no chão!...
CORNÉLIO PIRES

229
No caminho onde a ilusão
Cobrou a tempo o que é seu,
A morte apenas enterra
O afeto que já morreu.
JOSÉ ALBANO

230
Da menor felicidade
Só há o sinal que eu dou:
Onde aparece a saudade,
Felicidade passou.
ADERBAL MELO

231
Nada pede, nada espera
A bondade quando é pura.
Quem dá para receber
Maneja o laço da usura.
RODRIGUES DE CARVALHO

232
Na fazenda grande e bela,
O rico e duro senhor
Renasceu, volvendo a ela,
Por simples cultivador.
AMÉRICO FALCÃO

233
Há quem abusa e se gaba,
Mas esquece ( e é sempre assim)
Que quando a festa se acaba
A conta é paga no fim.
SOARES BULCÃO

234
Meu amor por tí é tanto,
Tem tanta fé, tanto brilho,
Que apenas para fitar-te
Amanhã serei teu filho.
JOVINO GUEDES

235
Depois da morte, a tristeza
Não é ver o bem perdido...
Mudança não é surpresa,
Tristeza é ser esquecido.
HELVINO DE MORAIS

236
Quanto agora me comovo!
Tolo, quisera morrer,
Mas quero nascer de novo
Para dormir e esquecer.
ALCEU WAMOSY

237
Ai do lume da afeição
Que não fica na amizade!...
Quanto maior a paixão,
Menor a felicidade.
SOUZA LOBO

238
Suor de todo momento –
Vida elevada de plano.
Dia atolado na rede –
Suicídio cotidiano.
DELFINA BENÍGNA DA CUNHA

239
Fraqueza!... Triste fraqueza,
Igual à minha não vi.
Sei que não devo buscar-te
E vivo pensando em ti.
TARGÉLIA BARRETO

240
A Terra é um trem com apoio
Nos trilhos do Eterno Bem.
Quem nasce toma o comboio,
Quem morre desce do trem.
TONINHO BITTENCOURT

241
Estuda, contentte e brando,
Esta mensagem fraterna:
Sem a dor aconselhando,
A alegria desgoverna...
LINDOLFO GOMES

242
Enquanto a luz não se oponha
A sombra da fantasia,
Sempre vigia quem sonha,
Sempre sonha quem vigia.
ANTÔNIO SALES

243
Coração, serve e perdoa,
Esquece ofensas e mágoas...
A fonte, de pedra em pedra,
Retira o lodo das águas.
ARTUR RAGAZZI

244
Dois de Novembro assinala
Contradições de doer...
O vivo busca lembrar,
O morto quer esquecer.
EUGÊNIO RUBIÃO

245
Atormentei-te, querida!...
Hoje debalde te louvo...
Agora, para encontrar-te,
O jeito é nascer de novo.
JOSÉ NAVA

246
Verdade clara e sabida
Que muita encrenca nos poupa:
Nem a roupa mostra a vida,
Nem a vida mostra a roupa.
EMÍLIO DE MENEZES

247
Ninguém decifra o problema,
Por mais que mexa e remexa:
Só temos felicidade
Na lembrança que ela deixa.
ANTÔNIO AZEVEDO

248
Louva no corpo fugace
A luz do pranto que escorre
Da esperança de quem nasce,
Da agonia de quem morre.
SEBASTIÃO RIOS

249
Prazer na carne! Façanha,
Jogo de achar e esconder!...
No mundo, quem perde ganha,
Quem ganhou vem a perder.
BERNARDO DE PASSOS

250
A saudade, além do mundo,
Na alegria da amplidão,
Parece espírito cravado
No cerne do coração.
DA COSTA E SILVA

Fonte:
Francisco C. Xavier (psicografia). Autores Diversos. Trovadores do Além.

Lendas e Contos Populares do Paraná (Paranaguá)


PARANAGUÁ
A Lenda do Pirata Zulmiro


A incandescida imaginação do vulgo sempre inclinado ao maravilhoso, acolhe e acaricia sedutoras e extravagantes lendas, como essa do pirata Zulmiro, que chegou a convencer meio mundo da existência de tesouros que esse suposto ladrão do mar, após abandonar uma vida aventurosa e inçada de crimes, teria ido esconder num sítio dos arredores de Curitiba.

A esse misterioso personagem se prende a fama dos tesouros da ilha da Trindade, divulgada na década de 1920 por um farmacêutico paulista possuidor de velho documento com a indicação do lugar exato onde, no solitário rochedo, distando 300 léguas da costa do Espírito Santo, jaziam as fabulosas riquezas, produto das piratarias exercidas no Atlântico pelo famoso flibusteiro.

Zulmiro, segundo o dono do documento, seria nome de guerra, arranjado para ocultar a verdadeira personalidade de um Lorde, talvez filho segundo de alguma das grandes casas da Inglaterra, ingressado jovem na marinha do seu país e da qual desertou nos agitados dias do primeiro quartel do século retrasado, na Europa sacudida pelas guerras napoleônicas, para entregar-se às criminosas atividades do ofício de pirataria.

Até que um dia, capturado o seu navio por um vaso de guerra britânico, descobriu o comandante deste no capitão prisioneiro um antigo colega da Escola Naval, resolvendo, para não enforcá-lo, como mandavam as leis penais inglesas, desembarcá-lo na costa mais próxima (a Barra de Paranaguá), sob condição de se internar no continente e nunca mais aparecer. Deu-lhe três libras esterlinas e uma Bíblia, únicos haveres com que contou o infeliz para fazer vida nova no país, que então se ensaiava para a independência. Seria nessa época que o estranho personagem, rumando ao planalto por julgar perigosa a permanência à beira-mar, foi assentar residência em Curitiba, de onde não mais saiu, falecendo em avançada idade, entre os anos de 1880 e 1882, conforme o testemunho de coevos que nos afirmaram, em 1910, tê-lo conhecido numa chácara do Pilarzinho, originando-se deste fato a suspeita de estarem ali enterrados os supostos tesouros.

Provado que realmente existiu na Curitiba dos meados do último século um estrangeiro, cuja vida se cercava de grande mistério, e se este era o indivíduo egresso da marinha inglesa ao qual faz referência a narrativa do farmacêutico Barbosa, neto do funcionário imperial que residia no Paraná, do pirata recebera a confidência do seu passado e a Bíblia com os “croquis” da ilha da Trindade, assinalando o local do tesouro. Fica esclarecida a impossibilidade de existir este no Pilarzinho, pois o fato de haver Zulmiro aqui desembarcado apenas com as três libras da generosa dádiva do seu compatriota e antigo camarada, exclui toda a hipótese de subir ao planalto carregando as riquezas.

Na época era mui comum aportarem ao Brasil indivíduos fugidos ao ajuste de contas com a justiça do país natal e que para refazerem a vida no virgem ambiente americano, e esquecerem o tenebroso passado, tinham a cautela de não revelar a verdadeira identidade.

Saint-Hilaire, em 1820, visitando Paranaguá encontrou na ilha da Cotinga um alemão de avançada idade, ali estabelecido há muito tempo e “que havia sido muito atormentado por faltas contra a disciplina e os costumes”, diz o notável botânico francês. Perguntou-lhe o que o fizera vir a um país tão afastado do seu. “Erros, extravagâncias”, respondeu-lhe, lacônico, o exilado.

Como esse, outros muitos teriam acostado ao nosso país, e daí a possibilidade da vinda do enigmático inglês do Pilarzinho, cujo nome Zulmiro não seria por ele adotado, tratando-se de provável corruptela indígena de Saulmers (pronuncia-se Sulmir).

A dúvida, porém, ocorre quanto à qualidade de antigo pirata que se lhe atribui, bastando recorrer a argumentos cronológicos para provar o infundado de tal suposição: dado o falecimento de Zulmiro em 1882, aos 90 anos de idade prováveis, teria ele nascido em 1792 e supondo que com 20 anos, no mínimo, tenha desertado da frota de guerra inglesa, temos 1812 para início da sua carreira criminosa, mas numa época em que a pirataria já estava praticamente abolida no Atlântico, permanecendo apenas no litoral dos Estados barbarescos ao norte da África, até que a conquista francesa a extinguiu de vez. O corso, forma legal de pirataria autorizada por governos em guerra para causar danos ao inimigo e o tráfico de escravos, esse sim estava em vigor.

As repúblicas americanas em luta pela independência, concediam cartas de corso aos que se propunham perseguir e saquear navios espanhóis. E a indústria do transporte de negros da África para venda no Brasil e nos Estados meridionais da América do Norte, se exercia franca e prosperamente, sem embargo da perseguição dos cruzeiros ingleses.

Encantada

Quase todos, por certo, conhecem a gruta que existe na Ilha do Mel, no recanto denominado Encantada. Muitos namorados deixam seus nomes entrelaçados nas paredes interiores, que constantemente são visitadas pelo mar. (Essas visitas têm determinado a morte de muitos incautos).

O povo da região conta que vive nessa gruta uma linda princesa encantada. E que esta, irada, pune com a morte os afoitos, invasores de seu pequeno reino.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 456)

Por do Sol na Praia de Santa Monica - Guarapari/ES
Uma Trova de Ademar

“Eu te amo”, já me disseste.
Que sentimento fugaz!
Pois esse amor que me deste
P’ra mim foi pouco demais!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A sorte é que vim de fora,
não moro aqui, de verdade;
meu lema é outro e nest'hora
percebo a realidade!...
–CIDINHA FRIGERI/PR–

Uma Trova Potiguar


Nas mãos... as unhas vermelhas
inspiram doce pecado.
Intensas, puras centelhas,
na pele do meu amado.
–IEDA LIMA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Na visão enlouquecida
que os encontros transcenderam,
teu corpo era um Avenida
que meus lábios percorreram...
–CONCHITA MOUTINHO/PR–

Uma Trova Premiada


2009 - Cantagalo/RJ
Tema: SERTÃO - 3º Lugar


Quem não tem medo da morte,
quem nunca faz nada em vão,
quem, antes de tudo é um forte...
Este é o homem do sertão!
–RENATO ALVES/RJ–

Simplesmente Poesia

Não me Deixes
–THALMA TAVARES/SP–


O teu perdão não tem preço
se vem do teu coração.
Eu só não sei se mereço
o preço do teu perdão

Mas meu amor te conheço
tão bem quanto a minha mão.
Por isso eu não estremeço
nem penso em desilusão.

Tu sabes quanto te quero!
Bem por isso é que eu espero
que não me deixes assim.

Sei que vais me perdoar
porque não vais aguentar
viver tão longe de mim!

Estrofe do Dia

Vai ficando distante a mocidade
e eu não posso evitar, por mais que tente;
o passado se alonga a todo instante
e o futuro reduz-se de repente.
Já não sei se dirão que fiquei louco,
mas cem anos de vida é muito pouco
para os sonhos que tenho pela frente.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Amor Cigano
–SÔNIA SOBREIRA/RJ–


Na imensidão de um céu azul, sereno,
onde o luar rebrilha soberano,
o vento leve corre doce, ameno,
nas belas noites de um amor cigano.

E no mistério de um fugaz aceno,
ouve-se a voz vibrante de um gitano
que, a sorrir, em leve tom verbeno,
canta o prelúdio de um amor cigano.

É a magia de um momento lindo!
Onde as estrelas lá no céu infindo,
unem as almas sem nenhum engano.

E entrelaçados ao sabor do vento,
vivem o encanto de mais um momento
nos belos sonhos de um amor cigano.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Guerra Junqueiro (O Rabequista)


Em tempos muito remotos, os habitantes de urna grande cidade levantaram uma igreja magnífica a Santa Cecília, padroeira dos músicos.

As rosas mais vermelhas e os lírios mais cândidos enfeitavam o altar, O vestido da santa era de filigrana de prata e os sapatinhos eram de ouro, feitos pelo melhor ourives que havia na cidade. A capela estava constantemente cheia de peregrinos e devotos.

Uma vez foi lá em romaria um pobre rabequista, pálido, magro, escaveirado. Como a jornada tinha sido muito longa, estava cansado, e já no seu alforje não havia pão, nem dinheiro no bolso para o comprar.

Assim que entrou na capela, começou a tocar na sua rabeca com tal suavidade, com tanta expressão, que a santa ficou enternecida ao vê-lo tão pobre e ao escutar aquela música deliciosa. Quando terminou, Santa Cecília abaixou-se, descalçou um dos seus ricos sapatos de ouro e deu-o ao pobre músico, que tonto de alegria, dançando, cantando, chorando, correu à loja de um ourives para lho vender, O ourives reconhecendo o sapato da santa, prendeu imediatamente o rabequista e conduziu-o à presença do juiz. Instauraram-lhe processo, julgaram-no, e foi condenado à morte.

Chegara o dia da execução. Os sinos dobravam lastimosamente, e o cortejo pôs-se em marcha ao som dos cânticos dos frades, que ainda assim não chegavam a dominar os sons da rabeca do condenado, que pedira, como última graça, o deixarem-lhe tocar na sua rabeca até ao último momento. O cortejo chegou defronte da capela da santa e, quando pararam, suplicou o triste desgraçado que o levassem lá dentro para tocar a sua derradeira melodia.

Os padres e os chefes das escoltas consentiram e o rabequista entrou, ajoelhou aos pés da santa, e debulhado em lágrimas começou a tocar. Então o povo, maravilhado e aterrado, viu Santa Cecília curvar-se de novo, descalçar o outro sapato e metê-lo nas mãos do infeliz músico. A vista deste milagre, todos os assistentes levaram em triunfo o rabequista, coroaram-no de flores, e os magistrados vieram solenemente prestar-lhe as mais honrosas homenagens.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Amosse Mucavele (Martelamento do Rio)


Rio do silêncio das ondas do rio. Onde suas águas guardadas em gavetas aguardam pela hora do discurso. O rio chora pelo silencioso curso da sua voz em movimento rectilíneo.

Escrito com a tinta selvagem e o dolorido trilho em paralelo tracejado em pleno ziguezaguear das suas assombrosas margens

Aberta a boca para o discurso: a voz do rio seca torna-se num eterno guardador de silêncios.

Um homem,
Uma canoa ,
2 linhas paralelas

O verso do olfato do crocodilo descreve o perfil da presa

No
Silencioso trilho do rio

Uma cova
A mesma cova ardia em plena hora do discurso vazio
No meio do rio uma pá continua a uma velocidade da luz com o seu curso vertical. O redemoinho pesca a água de uma forma circular.
––––––––––––––––––-
Amosse Mucavele pertence ao Movimento Literário Kuphaluxa
*"Dizer, Fazer e Sentir a Literatura"*

Sede:
Centro Cultural Brasil-Moçambique, nº 1728,
Caixa Postal nº 1167.
Maputo, Moçambique

Celulares: +258 82 27 17 645 e +258 84 57 78 511
*Email:* kuphaluxa@gmail.com
*Internet:* kuphaluxa.blogspot.com e literatas.blogs.sapo.mz

Monteiro Lobato (Reinações e Narizinho) - Pena de Papagaio - II - Preparativos


Depois voltou para casa a correr, aflito por contar a Narizinho o estranho acontecimento. E desfiou tudo, num atropelo.

A menina abriu a boca.

— Mas que jeito tinha ele? — indagou ela, ardendo em curiosidade.

— Como posso saber, se era invisível? A voz parecia de menino. Disse que tem minha altura e minha idade. Gosta de cantar como galo, tal qual Peter Pan. Desconfiei que fosse Peter Pan, mas a voz declarou que não, que nem de nome o conhece.

— É extraordinário! — murmurava Narizinho, olhando para o mapa aberto no chão. — Venha ver, Emília.

A boneca, que estava brincando de esconder com o Visconde, veio depressa, muito tesinha, toe, toe, toe. Olhou para o mapa, fez suas críticas e, dando com o chiqueirinho de Rabicó, berrou:

— Ande, Visconde, venha ver uma coisa! E como o Visconde não viesse logo, correu a buscá-lo e fincou-o no mapa com tanto estouvamento que furou o Mar dos Piratas.

Depois de olhado e reolhado e decorado aquele mapa, Pedrinho pensou nos preparativos.

— Temos de resolver tudo já, porque amanhã de madrugada é a partida. Antes de mais nada preciso saber quem vai e quem não vai.

— Acho que devemos ir todos, menos Rabicó — opinou a menina. — Rabicó está muito malcriado. Vai Emília, vai Faz-de-conta, vai o Visconde...

— Faz-de-conta, não! — berrou a boneca. — Tenho vergonha de andar com uma feiúra daquelas. O Visconde, sim, porque preciso dele.

Venceu a opinião da boneca. Faz-de-conta ficava e o Visconde ia.

— E a bagagem? — lembrou a menina. — Valerá a pena levar alguma?

— Acho que não — disse Pedrinho. — O menino invisível é da marca de Peter Pan, dos tais que sabem dar jeito a tudo e fazem surgir o que é preciso. Foi essa a minha impressão.

Ficou resolvido não levarem nada.

— Muito bem — disse Pedrinho. — Nesse caso, tratemos de dormir mais cedo, porque temos de sair de madrugadinha.

Dona Benta estranhou aquela ida para a cama tão antes da hora e disse para tia Nastácia: “Temos novidades amanhã!...”

Só Emília não foi dormir. A boneca tinha idéias especiais sobre tudo, e tudo fazia diferente dos outros. Por isso resolveu levar bagagem e passou parte da noite a arrumar uma célebre canastrinha de couro que dona Benta lhe dera. Botou dentro uma pena de papagaio, uma perna de tesoura de unha encontrada no lixo, o famoso alfinete de pombinha que filara da negra e mais quitandas.

— A gente precisa se precatar — dizia ela no meio do quarto, de mãos na cintura, repetindo uma frase que tia Nastácia usava muito. Vendo que não havia esquecido de coisa nenhuma, tratou de fechar a canastra. Não pôde. Estava cheia demais.

— Visconde! — berrou. — Venha me ajudar a “espremer” esta malvada.

O pobre Visconde de sabugo cada vez mais verde de bolor e todo duro de reumatismo, veio lá do seu canto, gemendo.

— Sente-se em cima e esprema a tampa até arrebentar.

Felizmente para o Visconde não foi preciso tanto. A canastrinha teve dó dele e deixou-se fechar antes que o pobre sábio rebentasse.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – III - A partida

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa