terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Machado de Assis (Queda que as Mulheres Têm para os Tolos)


ADVERTÊNCIA

Este livro é curto, talvez devera sê-lo mais.

Desejo que ele agrade, como me sai das mãos; mas é com pesar que me vanglorio por esta obra.

Falar do amor das mulheres pelos tolos, não é arriscar ter por inimigas a maioria de um e outro sexo?

Diz-se que a matéria é rica e fecunda; eu acrescento que ela tem sido tratada por muitos. Se tenho, pois, a pretensão de ser breve, não tenho a de ser original.

Contento-me em repetir o que se disse antes de mim; minhas páginas conscienciosas são um resumo de muitos e valiosos escritos. Propriamente falando, é uma comparação científica, e eu obteria a mais doce recompensa de meus esforços, como dizem os eruditos, se inspirasse aos leitores a idéia de aprofundar um tão importante exemplo.

Quanto à imparcialidade que presidiu à redação deste trabalho, creio que ninguém a porá em dúvida.

Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é com um desinteresse, cuja extensão facilmente se compreenderá.

I

Il est des noeuds secrets, il est des sympathies.

Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em matéria de fazendas, pérolas e rendas, e que, desde que adotam uma fita, deve-se crer que a essa escolha presidiram motivos plausíveis.

Partindo deste princípio, entraram os filósofos a indagar se elas mantinham o mesmo cuidado na escolha de um amante, ou de um marido.

Muitos duvidaram.

Alguns emitiram como axioma, que o que determinava as mulheres, neste ponto, não era, nem a razão, nem o amor, nem mesmo o capricho; que se um homem lhes agradava, era por se ter apresentado primeiro que os outros, e que sendo este substituído por outro, não tinha esse outro senão o mérito de ter chegado antes do terceiro.

Permaneceu por muito tempo este sistema irreverente.

Hoje, graças a Deus, a verdade se descobriu: veio a saber-se que as mulheres escolhem com pleno conhecimento do que fazem. Comparam, examinam, pesam, e só se decidem por um, depois de verificar nele a preciosa qualidade que procuram.

Essa qualidade é... a toleima!

II

Desde a mais remota antiguidade, sempre as mulheres tiveram a sua queda para os tolos.

Alcibíades, Sócrates e Platão foram sacrificados por elas aos presumidos do tempo. Turenne, La Rochefoucauld, Racine e Molière, foram traídos por suas amantes, que se entregaram a basbaques notórios. No século passado todas as boas fortunas foram reservadas aos pequenos abades. Estribadas nesses exemplos, as nossas contemporâneas continuaram a idolatrar os descendentes dos ídolos das suas avós.

Não é nosso fim censurar uma tendência, que parece invencível; o que queremos é motivá-la.
Por menos observador e menos experiente que seja, qualquer pessoa reconhece que a toleima é quase sempre um penhor de triunfo. Desgraçadamente ninguém pode por sua própria vontade gozar das vantagens da toleima. A toleima é mais do que uma superioridade ordinária: é um dom, é uma graça, é um selo divino.

"O tolo não se faz, nasce feito."

Todavia, como o espírito e como o gênio, a toleima natural fortifica-se e estendesse pelo uso que se faz dela. É estacionária no pobre-diabo, que raramente pode aplicá-la; mas toma proporções desmarcadas nos homens a quem a fortuna, ou a posição social cedo leva à prática do mundo. Este concurso da toleima inata e da toleima adquirida é que produz a mais temível espécie de tolos, os tolos que o acadêmico Trublet chamou "tolos completos, tolos integrais, tolos no apogeu da toleima."

O tolo é abençoado do céu pelo fato de ser tolo, e é pelo fato de ser tolo, que lhe vem a certeza, de que, qualquer carreira que tome, há de chegar felizmente ao termo. Nunca solicita empregos, aceita-os em virtude do direito que lhe é próprio: Nominor leo. Ignora o que é ser corrido ou desdenhado; onde quer que chegue, é festejado como um conviva que se espera.

O que opor-lhe como obstáculo? É tão enérgico no choque, tão igual nos esforços e tão seguro no resultado! É rocha despegada, que rola, corre, salta e avança caminho por si, precipitada pela sua própria massa.

Sorri-lhe a fortuna particularmente ao pé das mulheres. Mulher alguma resistiu nunca a um tolo. Nenhum homem de espírito teve ainda impunemente um parvo como rival. Por quê?... Há necessidade de perguntar por quê? Em questão de amor, o paralelo a estabelecer entre o tolo e o homem de siso, não é para confusão do último?

III

Em matéria de amor, deixa-se o homem de espírito embalar por estranhas ilusões. As mulheres são para ele entes de mais elevada natureza que a sua, ou pelo menos ele empresta-lhes as próprias idéias, supõe-lhes um coração como o seu, imagina-as capazes, como ele, de generosidade, nobreza e grandeza.

Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades acima do vulgar. Naturalmente tímido, exagera mais ao pé delas a sua insuficiência; o sentimento de que lhe falta muito, torna-o desconfiado, indeciso, atormentado. Respeitoso até à timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exala-o por meio de uma não interrompida série de meigos cuidados, ternos respeitos e atenções delicadas. Como nada quer à custa de uma indignidade, não se conserva continuamente ao pé daquela que ama, não a persegue, não a fatiga com a sua presença. Para interessá-la em suas mágoas, não toma ares sombrios e tristes; pelo contrário, esforça-se por ser sempre bom, afetuoso e alegre junto dela.

Quando se retira da sua presença, é que mostra o que sofre, e derrama as suas lágrimas em segredo.

O tolo, porém, não tem desses escrúpulos. A intrépida opinião que ele tem de si próprio, o reveste de sangue frio e segurança. Satisfeito de si, nada lhe paralisa a audácia. Mostra a todos que a ama, e solicita com instância provas de amor. Para fazer-se notar daquela que ama, importuna-a, acompanha-a nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espetáculos. Arma-lhe laços grosseiros. À mesa, oferece-lhe uma fruta para comerem ambos, ou passa-lhe misteriosamente, com muito jeito, um bilhete de amores. Aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flores no fim do baile. Numa noite de partida, diz-lhe dez vezes ao ouvido: "Como é bela!", porquanto revela-lhe o instinto, que pela adulação é que se alcançam as mulheres, bem como se as perde, tal como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um acontecimento que lhes mude a vida: continuam como antes a dissipá-la nos jogos, nos salões e nos passeios.

IV

O amor, disse alguém, é uma jornada, cujo ponto de partida é o sentimento, e cujo termo inevitável a sensação. Se é isto verdade, o que há a fazer, é embelecer a estrada e chegar o mais tarde possível ao fim. Ora, quem melhor do que o homem de espírito sabe parolar à beira do caminho, parar c colher flores, sentar-se às sombras frescas, recitar aventuras e procurar desvios e delongas?

Um caracol de cabelos mal arranjado, um cumprimento menos apressado que de costume, um som de voz discordante, uma palavra mal escolhida, tudo lhe é pretexto para demorar os passos e prolongar os prazeres da viagem. Mas quantas mulheres apreciam esses castos manejos, e compreendem o encanto dessas paradas à borda de uma veia límpida que reflete o céu? Elas querem amor, qualquer que seja a sua natureza, e o que o tolo lhes oferece é-lhes bastante, por mais insípido que seja.

V

O homem de espírito, quando chega a fazer-se amar, não goza de uma felicidade completa. Atemorizado com a sua ventura, trata antes de saber por que é feliz! Pergunta por que e como é amado; se, para uma amante, é ele uma necessidade, ou um passatempo; se ela cedeu a um amor invencível; enfim, se é ele amado por si mesmo. Cria ele próprio e com engenho as suas mágoas e cuidados; é como o Sibarita que, deitado em um leito de flores, sentia-se incomodado pela dobra de uma folha de rosa. Num olhar, numa palavra, num gesto, acha ele mil nuanças imperceptíveis, desde que se trata de interpretá-las contra si. Esquece os encômios que levemente o tocam, para lembrar-se somente de uma observação feita ao menor dos seus defeitos e que bastante o tortura. Mas, em compensação desses tormentos, há no seu amor tanto encanto e delícias! Como estuda, como extrai, como saboreia as volúpias mais fugitivas até a última essência! Como a sua sensibilidade especial sabe descobrir o encanto das criancices frívolas, dos invisíveis atrativos, dos nadas adoráveis!

O tolo é um amante sempre contente e tranqüilo. Tem tão robusta confiança nos seus predicados, que antes de ter provas, já mostra a certeza de ser amado. E assim deve ser. Em sua opinião faz uma grande honra à mulher a quem dedica os seus eflúvios. Não lhe deve felicidade; ele é que lha dá; e como tudo o leva a exagerar o benefício, não lhe vem à idéia de que se possa ter para com ele ingratidões. Assim, no meio das alegrias do amor, saboreia ainda a embriaguez da fatuidade. Mas como, em definitivo, é ele próprio o objeto de seu culto, depressa o tolo se aborrece, e como o amor para ele não é mais que um entretenimento que passa, os últimos favores, longe de o engrandecerem mais, desligam-no pela sociedade.

VI

O homem de espírito vê no amor um grande e sério negócio, ocupa-se dele como do mais grave interesse de sua vida, sem distração, nem reserva. Pode perder nele algumas das suas qualidades viris, mas é para crescer em abnegação, em dedicação, em bondade. Suporta tudo daquela que ama sem nada exigir dela. Quando ela atende a alguns dos seus votos, quando previne alguns dos seus desejos, longe de ensoberbecer-se, agradece com uma efusão mesclada de surpresa. Perdoa-lhe generosamente todos os males que lhe causa porque, muito orgulhoso para enraivecer-se ou lastimar-se, não sabe provocar, nem a piedade que enternece, nem o medo que faz calar. Oh! que inferno, se a má ventura lhe depara uma mulher bela e má, uma namoradeira fria de sentidos, ou uma moça de rabugice precoce!

Sofre então vivamente com a perfídia da mulher amada, mas desculpa-a pela fragilidade do sexo. A sua indulgência pode então conduzi-lo à degradação. Ele segue a olhos fechados o declive que o arrasta ao abismo, sem que a queixa, a ambição, a fortuna possam retê-lo.

O néscio escapa a estes perigos. Como não é ele quem ama, é ele quem domina. Para vencer uma mulher finge por alguns momentos o excesso de desespero e de paixão; mas isso não passa de um meio de guerra, tática de cerco para enganar e seduzir o inimigo. Logo depois recobra ele a tirania, e não a abdica mais. Para entreter-se nisso, tem o tolo o seu método, as suas regras, a sua linha de conduta.

É indiscreto por princípio, porquanto divulgando os favores que recebe, compromete a que lhe concede e ao mesmo tempo afasta as rivalidades nascentes. É suscetível pela razão, cioso por cálculo, a fim de promover estes proveitosos amuos, que lhe servem, a seu grado, para conduzir a uma ruptura definitiva, ou para exigir um novo sacrifício. Mostra uma cruel indiferença, indicando pouca confiança nas provas de simpatia que lhe dão. Num baile, proibindo à sua amante de dançar, não faz caso dela, de propósito. Aflige-a com aparências de infidelidade, falta à hora marcada para se encontrarem, ou, depois de se ter feito esperar, vem, dando desculpas equívocas de sua demora. Hábil em semear a inquietação e o susto, faz-se obedecer à força de ser tirano, e acaba por inspirar uma afeição sincera à força de promovê-la.

VII

O homem de espírito, assustado com o vácuo imenso, que deixa no coração uma afeição que se perde, só rompe o laço que o prende à causa de dilacerações interiores.

Como bem se disse, sendo preciso um dia para conseguir, é preciso mil para se reconquistar. Mesmo no momento em que volta a ser livre: quantas vezes um sorriso, um meneio de cabeça, uma maneira de puxar o vestido, ou de inclinar o chapelinho de sol, não o faz recair no seu antigo cativeiro!

De resto, a mulher, a quem ele tiver revelado o segredo do seu coração, ficará sempre para ele como ser à parte. Não a esquece nunca.

Morta, ou separado, nutre por aquela que a perdeu longas saudades. Perseguido pela lembrança que dela conserva, descobre muitas vezes que as outras mulheres por quem se apaixona só têm o mérito de se parecerem com ela. Dá-se ele então a comparações que o desvairam, que o irritam, que o põem fora de si, exigindo no seu trajar, no seu andar e até no seu falar alguma coisa que lhe recorde o seu implacável ideal.

E se é ele o abandonado, que de torturas que sofre!

Viver sem ser amado parece-lhe intolerável. Nada pode consolá-lo ou distraí-lo. No caso de tornar a ver os sítios que foram testemunhas da sua felicidade, evoca à sua memória mil circunstâncias perseverantes e cruéis. Ali está a cerca cheirosa, cujos espinhos rasgaram o véu da infiel; aqui, o rio que a medrosa só ousava atravessar amparada pela sua mão; além está a alameda, cuja areia fina parece ter ainda o molde de seus ligeiros passos. Contempla na janela as longas e alvas cortinas, no peitoril os arbustos em flor, na relva a mesa, o banco, as cadeiras em que outrora se sentaram.

É possível que ela tenha mudado tão de repente? Pois não foi ainda ontem que de volta de um passeio ao bosque, lhe enxugou o suor da testa, e que se prendia em doce e estranho amplexo?...

Hoje, nem mais doçuras, nem mais apertos de mão, nem mais dessas horas ébrias em que todo o passado ficava esquecido! Ele está só, entregue a si mesmo, sem força, sem alvo: é o delírio do desespero.

O tolo está acima dessas misérias. Não o assusta um futuro prenhe de qualquer inquietação aflitiva. Sempre acobertado pela bandeira da inconstância, desfaz-se de uma amante sem luta, nem remorsos; utiliza uma traição para voar a novas aventuras. Para ele nada há de terrível em uma separação, porque nunca supõe que se possa colocar a vida numa vida alheia, e que fazendo-se um hábito dessa comunidade de existência, faz-se pouco novamente sofrer, quando ela tiver de quebrar-se.

Da mulher, que deixa de amar, ele só conserva o nome, como o veterano conserva o nome de uma batalha para glorificar-se, ajuntando-o ao número das suas campanhas.

VIII

Há uma época em que custa-se muito a amar. Tendo visto e estudado um pouco a mulher, adquire-se uma certa dureza que permite aproximar-se sem perigo das mais belas e sedutoras. Confessa-se sem rebuço a admiração que elas inspiram, mas é uma admiração de artista, um entusiasmo sem ternura. Além disso, ganha-se uma penetração cruel para ver, através de todos os artifícios de casquilha, o que vale a submissão que elas ostentam, a doçura que afetam, a ignorância que fingem. E prenda-se um homem nessas condições!

De ordinário, é entre trinta a trinta e cinco anos, que o coração do homem de espírito fecha-se assim à simpatia e começa a petrificar-se. É possível que nele tornem a aparecer os fogos da mocidade, e que ele venha a sentir um amor tão puro, tão fervente, tão ingênuo como nos frescos anos da adolescência; longe de ter perdido as perturbações, as apreensões, os transportes da alma amorosa, sente-os ele de novo com emoção mais profunda e dá-lhes um preço tanto mais elevado, quanto ele está certo de não os ver renascer.

Oh! então lastima-se o pobre insensato! Ei-lo obrigado a ajoelhar-se aos pés de uma mulher para quem é nada o mérito de caminhar pouco e pouco atrás de sua sombra, de fazer exercício em torno aos seus vestidos, de se extasiar diante de seus bordados, de lisonjear os seus enfeites. Ai, triste! esses longos suplícios o revoltam, e, Pigmalião desesperado, afasta-se de Galatéia, cuj o amor se não pode reanimar.

Esses sintomas de idade são desconhecidos ao tolo, porquanto cada dia que passa não lhe faz achar no amor um bem mais caro, ou mais difícil a conquistar. Não tendo sido, nem melhorado, nem endurecido pelos reveses da vida, continuando a ver as mulheres com o mesmo olhar, exprime-lhes os seus amores com as mesmas lágrimas e os mesmos suspiros que lhes reserva para pintar os antigos tormentos. E como ele só exigiu sempre delas aparências de paixão, vem facilmente a persuadir-se que é amado. Longe de fugir, persevera e — triunfa.

IX

O homem de espírito é o menos hábil para escrever a uma mulher. Quando se arrisca a escrever uma carta, sente dificuldades incríveis. Desprezando o vasconço da galanteria, não sabe como se há de fazer entender. Quer ser reservado e parece frio; quer dizer o que espera e indica receio; confessa que nada tem para agradar, e é apanhado pela palavra. Comete o crime de não ser comum ou vulgar. As suas cartas saem do coração e não da cabeça; têm o estilo simples, claro e límpido, contendo apenas alguns detalhes tocantes. Mas é exatamente o que faz com que elas não sejam lidas, nem compreendidas. São cartas decentes, quando as pedem estúpidas.

O tolo é fortíssimo em correspondência amorosa, e tem consciência disso. Longe de recuar diante da remessa de uma carta, é muitas vezes por aí que ele começa. Tem uma coleção de cartas prontas para todos os graus de paixão. Alega nelas em linguagem brusca o ardor de sua chama; a cada palavra repete: meu anjo, eu vos adoro. As suas fórmulas são enfáticas e chatas; nada que indique uma personalidade. Não faz suspeitar excentricidade ou poesia; é quanto basta; é medíocre e ridículo, tanto melhor. Efetivamente o estranho que ler as suas missivas, nada tem a dizer; na mocidade o pai da menina escrevia assim; a própria menina não esperava outra coisa. Todos estão satisfeitos, até os amigos. Que querem mais?

X

Enfim, o homem de espírito, em vista do que é, inspira às mulheres uma secreta repulsa. Elas se admiram com o ver tímido, acanham-se com o ver delicado, humilham-se com vê-lo distinto.

Por muito que ele faça para descer até elas, nunca consegue fazê-las perder o acanhamento; choca-as, incomoda-as, e esse acanhamento, de que ele é causa, torna frias as conversações mais indiferentes, afasta a familiaridade e assusta a inclinação prestes a nascer.

Mas o tolo não atrapalha, nem ofusca as mulheres. Desde a primeira entrevista, ele as anima e fraterniza-se com elas. Eleva-se sem acanhamento nas conversas mais insulsas, palra e requebra-se como elas. Compreende-as e elas o compreendem. Longe de se sentirem deslocadas na sua companhia, elas a procuram, porque brilham nela. Podem diante dele absorver todos os assuntos e conversar sobre tudo, inocentemente, sem conseqüência. Na persuasão de que ele não pensa melhor, nem contrário a elas, auxiliam o triste, quando a idéia lhe falta, suprem-lhe a indigência. Como se fazem valer por ele, é justo que lhe paguem, e por isso consentem em ouvi-lo em tudo. Entregam-lhe assim os seus ouvidos, que é o caminho do seu coração, e um belo dia admiram-se de ter encontrado no amigo complacente um senhor imperioso!

XI

Compreende-se, por este curto esboço, como e quanto diferem os tolos e os homens de espírito nos seus meios de sedução. A conclusão final é, que os tolos triunfam, e os homens de espírito falham, resultado importante e deplorável, nesta matéria sobretudo.

XII

Depois de ter indagado as causas da felicidade dos tolos, e da desgraça dos homens de espírito: perderemos tempo precioso em acusar as mulheres? Não hesitamos em deitar as culpas sobre os homens de espírito, como fez o profundo Champcenets.

Por que não estudam os tolos, diz-lhes este autor, para conseguir imitá-los? Há de custar-vos muito fazer um tal papel: mas há proveito sem desar? E depois, quando assim sois a isso obrigado, visto como não vos dão outro meio de solução, querer subtrair o belo sexo a império dos tolos, descortinando-lhe a perversidade do seu gosto, é coisa em que ninguém deve pensar, é uma loucura; fora o mesmo que querer mudar a natureza, ou contrariar a fatalidade.

Porquanto, ficai sabendo, continua Champcenets, que as mulheres não são senhoras de si próprias; que nelas tudo é instinto ou temperamento, e que portanto elas não podem ser culpadas de suas preferências. Só respondemos pelo que praticamos com intenção e discernimento. Ora, qual delas pode dizer que predileção a impele, que paixão a obriga, que sentimento a faz ingrata, ou que vingança lhe dita as malignidades? Debalde procurareis delas tão cruel prodígio; nenhuma é cúmplice do mal que causa: a este respeito, o seu estouvamento atesta-lhes a candura.

Por que vos obstinais em pedir-lhes o que a Providência não lhes deu? Elas se apresentam belas, apetitosas e cegas: não vos basta isto? Querê-las com juízo, penetrantes e sensíveis, é não conhecê-las.

Procurai as mulheres nas mulheres, admirai-lhes a figura elegante e flexível, afagai-lhes os cabelos, beijai-lhes as mãos mimosas; mas tomai como um brinquedo o seu desdém, aceitai os seus ultrajes sem azedume, e às suas cóleras mostrai indiferença. Para conquistar esses entes frágeis e ligeiros, é preciso atordoá-los pelo rumor dos vossos louvores, pelo fasto do vosso vestuário, pela publicidade das vossas homenagens.

XIII

Sim, sim, é mister ousar tudo para com as mulheres.

Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
Publicado originalmente em A Marmota, Rio de Janeiro, 19, 23, 26 e 30/04 e 03/05/1861.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 463)


Uma Trova de Ademar

Perdido, pois, nas rotinas,
nos labirintos da dor,
encontrei entre as ruínas
pedaços do nosso amor...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A travessia é mais triste
se, no meio do caminho,
nossa esperança desiste
e a gente segue sozinho!
–THEREZINHA BRISOLLA/SP–

Uma Trova Potiguar


Onde há fé, nada termina...
Jesus Cristo, o Redentor,
lá do céu, abre a cortina
enchendo o mundo de amor!
–EVA GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Restou do “conto de fada”
que a gente outrora vivia,
uma cama desmanchada
numa palhoça vazia.
–ALFREDO VALADARES/MG–

Uma Trova Premiada


2002 - Belém/PA
Tema: FRUTO - M/H


Nos becos da iniquidade,
os órfãos do ter e ser
são frutos que a sociedade
semeia... e não quer colher!...
–JOÃO FREIRE FILHO/RJ–

Simplesmente Poesia

O Beija-Flor!
NEMÉSIO PRATA/CE


No jardim ensolarado,
repleto de belas flores
exalando seus olores,
dava-se um lindo bailado
que nos deixou encantado!

Um pequeno beija-flor,
com roupagem multicor,
saltitando, todo prosas,
sorvia das lindas rosas,
seu doce néctar do amor!

Estrofe do Dia

Tenho feito repente sobre a Síria,
explorando as belezas de Damasco,
o que seria o rio sem o Vasco
e da história do caso de Walquíria?
Mas o verso legítimo não tem gíria
e o improviso só chega a perfeição
se for feito sentado num oitão
com os bichos fazendo companhia;
eu só sinto o sabor da poesia
quando eu canto essas coisas do sertão.
–HELENO ALEXANDRE/PB–

Soneto do Dia

Aos Poetas
–ADEVAL SOARES/PE–


Quem é poeta e tem a liberdade
Escreve os versos que a mente cria
E vive às regras da simplicidade
Buscando os raios da sabedoria.

Corre na busca da felicidade
Debulha a mágica que há na poesia,
Mostra talento e tem na humildade
Os instrumentos da sua alegria.

Descreve a paz na paz do seu sorriso,
Caminha firme com olhar conciso
Mantendo sempre seu jeito comum.

Transforma a vida pelos versos seus
Recebe as luzes do amor de Deus
E as distribui, sem problema algum.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 3


AS REDUÇÕES JESUÍTICAS

-E deu certo o esquema?

-Nem tanto. Os padres chegaram com ordem expressa do governador e do bispo de Assunção para, em nome do rei, impedir a escravização dos índios. Isso irritou muito os colonizadores. Habituados a utilizar a mão de obra indígena, sentiram-se “traídos”, passando então a sabotar o trabalho dos jesuítas. Apesar, porém, dessas dificuldades, foram implantadas as reduções, umas vinte, ao longo dos rios.

-Onde exatamente?

-Distantes cerca de 45 quilômetros umas das outras, as reduções eram uma espécie de “municípios indígenas”, formando uma confederação em que os administradores de Ciudad Real e Villa Rica não podiam interferir. As duas primeiras foram erguidas em 16l0: Nossa Senhora do Loreto e Santo Inácio, na confluência do Pirapó com o Paranapanema. Em seguida formaram-se muitas outras, entre as quais se destacavam as de São José, São Francisco Xavier, Encarnação e São Miguel, no rio Tibagi; Jesus Maria e Santo Antônio, no rio Ivaí; São Tomé e Sete Arcanjos,no rio Corumbataí; e Santa Maria, no rio Iguaçu, perto das cataratas. Compunham, juntas, o que se sonhou ser a República Teocrática Guarani.

-Comovente utopia!

-De fato. Mas vamos em frente: as reduções, que como eu lhe disse obedeciam a um esquema semelhante ao da Praça Dom Pedro II, de Maringá, tinham ao centro um grande largo para festas, esportes e outras atividades coletivas; em torno, a igreja, a escola, um salão de oficinas e artesanatos, o escritório do alcaide e demais repartições públicas (cabildo, armazém, enfermarias etc.) e, em fileiras, os pavilhões residenciais dos índios, cabendo a cada família um aposento com divisões internas feitas de couro e esteira. No pátio havia ainda um relógio de sol. Em algumas reduções, mantinha-se também um alojamento para hóspedes eventuais. Nas terras em volta formavam-se as lavouras e os pastos para criação de gado.

-Quem administrava a aldeia?

-Em cada redução moravam dois ou três padres, que era ao mesmo tempo sacerdotes, médicos, professores, catequistas, contabilistas, engenheiros, veterinários, agrônomos... A administração geral, todavia, era exercida pelos próprios índios, que escolhiam, por eleição direta, o alcaide (prefeito), o corregedor (encarregado dos assuntos judiciários) e os membros do cabildo (conselho de chefes setoriais). O regime político era uma forma primitiva de socialismo, preservando os costumes tribais.

-Tinham tudo em comum?

-Edifícios, ferramentas e outros bens pertenciam à comunidade. A produção da terra e das oficinas era distribuída de forma equitativa entre as famílias. A produção excedente era exportada via Assunção, sobretudo a erva-mate. Com os lucros desse comércio, realizavam-se melhoramentos nas aldeias.

-E os índios se adaptavam facilmente a essa forma de vida?

-Os jesuítas eram muito hábeis. Sabiam como conquistar a simpatia dos nativos, a ponto de convencê-los a andar vestidos. Os homens usavam calções; as mulheres, longas saias, embora continuassem pintando o rosto e enfeitando os cabelos com charmosos cocares. Com os missionários os índios aprenderam técnicas agrícolas e pecuárias, aprimoraram-se na produção de tecidos, tornaram-se carpinteiros, ferreiros, fundidores, pintores, escultores. As crianças freqüentavam a escola, aprendiam a ler e escrever, até em latim...

-Como era o regime de trabalho?

-Não se permitia a ociosidade, e a disciplina era rigorosa, mas ninguém trabalhava mais que seis horas diárias, respeitando-se os domingos e os dias santos. Havia tempo para o lazer, para o estudo, para o namoro, para as orações, como em qualquer sociedade organizada.

-Muito bonito. Mas não teria sido uma forma de agressão à cultura original dos índios?

-Esse é um assunto bastante polêmico. Discute-se sobre até que ponto teria sido válida a “ajuda” dos jesuítas. Talvez os indígenas tivessem sido mais felizes sem essa intromissão na vida deles. Quem sabe? Pode-se afirmar, contudo, a favor dos religiosos, que suas intenções eram honestas. A obra que tentaram realizar junto aos guaranis merece máximo respeito.

OS CAÇADORES DE GENTE

-Não deu certo, principalmente, por quê?

-Durante alguns anos os aldeados prosperaram em relativa paz. Os espanhóis de Ciudad Real e Villa Rica se conformavam em manter a seu serviço uns poucos nativos preados nas matas e aos quais diziam remunerar na forma de alimentação e roupas... como se os índios precisassem disso. Era um modo disfarçado de escravizá-los. A maior ameaça, entretanto, eram os portugueses de São Paulo, que à caça de índios penetravam seguidamente a região do Guairá Vinham pelos rios ou pelo Caminho do Peabiru.

-O Tratado de Tordesilhas não vigorava mais?

-Portugal e Espanha estando na época sob o mesmo rei, o Tratado foi mais ou menos esquecido. Alinha divisória era facilmente “furada”, de um lado e de outro. Os castelhanos tentando conquistar a costa leste e os lusitanos invadindo o sertão. Em 1607, Manuel Preto, um terrível sertanista, já estivera nas matas do Guairá. Consta que até 1612 os paulistas já haviam levado daqui uns 5 mil nativos.

-O senhor disse que havia uma lei proibindo a escravização de índios...

-Ocorre que Madri estava muito longe para fiscalizar o cumprimento da lei. Por outro lado, os fazendeiros paulistas enfrentavam grave crise: sem mão de obra indígena, diziam sem impossível prosseguir a colonização. Até ameaçaram abandonar as terras. No litoral os índios tornavam-se escassos: muitos deles fugiam para lugares distantes, os demais estavam envelhecendo e morrendo. Era urgente renovar a escravatura, e a solução seria buscar nativos no Guairá.

-E foi assim que os bandeirantes se tornaram “caçadores de gente”...

-Os primeiros bandeirantes eram portugueses arrojados e ambiciosos que vieram para o Brasil atraídos pelo sonho do enriquecimento rápido. Despertando neles a sede do ouro, Portugal usava-os para expandir seu domínio em terras brasileiras e conquistar parcelas do chão espanhol além da linha de Tordesilhas. Como a essa altura já estavam todos desiludidos da esperança de encontrar montanhas de ouro, prata e esmeralda nos sertões a sudoeste de São Paulo, a nova forma de lançá-los mata adentro era incentiválos a caçar outro “tesouro”, os nossos irmãos índios, altamente cotados no mercado de escravos.

-Os donos da terra transformados em “ferramentas de trabalho” dos invasores...

-Durante vários anos os bandeirantes vasculharam as florestas do Paraná. Nas primeiras incursões não lhes foi muito fácil prear os nativos: tinham de usar diversos artifícios, como, por exemplo, oferecer presentes, embebedá-los com cachaça e depois acorrentá-los. Passaram então a botar “olho gordo” nas reduções, em cada uma das quais viviam perto de 4 mil índios. Bastaria aos caçadores fazer o cerco em torno da aldeia e “colher”, numa só investida, milhares de “peças”.

-Isso significa que os jesuítas, nucleando os guaranis, sem querer acabaram facilitando o “trabalho” dos paulistas...

-O diabólico projeto foi discutido em São Vicente e São Paulo, formando-se na ocasião uma arrasadora bandeira, tipo “arrastão”, cujo comando foi entregue ao sanguinário Antônio Raposo Tavares.

-O Raposo Tavares que é nome de praça em Maringá?

-Ele mesmo. Se eu fosse vereador trocava o nome da praça. Esse homem, a meu ver, não merece homenagem alguma.

-Poderia ser Praça Montoya, como alguém já sugeriu. Ou Praça do Trabalho. Ou Praça do Café, lembrando o produto que deu o impulso inicial no desenvolvimento da região.

-Estou de pleno acordo. Mas voltemos à história. Raposo Tavares, então com 30 anos, era um homem alto, arrogante, ambicioso e frio. Português nascido no Além-Tejo, viera para São Paulo já fazia uns 10 anos. Tinha muitos inimigos, mas, pela sua fama de valente e pela capacidade de liderança em tarefas desse tipo, foi o escolhido para chefiar o ataque às reduções, assessorado pelo velho e experiente Manuel Preto. Saiu de São Paulo no dia
18 de setembro de 1628, com 69 portugueses, 900 mamelucos (mestiços de brancos com índios) e 3 mil nativos aliados (na maioria escravos), dirigindo-se à região do Guairá. Sabiam que os espanhóis de Ciudad Real e Villa Rica não lhes fariam oposição, interessados que estavam em também escravizar os índios. Em defesa dos guaranis haveria, portanto, e tão somente, a força moral dos jesuítas.

-Foram chegando e destruindo tudo?...

-Não exatamente, Raposo acampou a tropa nas proximidades da redução de Santo Antônio e, acompanhado de pequena guarda, fez uma “visita de cortesia” ao padre Mola, cura da aldeia. Almoçaram juntos. Durante a conversa, afirmou cinicamente que seu propósito era colaborar na conversão dos índios levando-os para São Paulo a fim de viverem com famílias cristãs, que lhes ensinariam os “bons costumes”. O jesuíta retrucou, argumentando que o Cristo não aprovaria tal método de “conversão na marra”, preferindo deixar os nativos onde estavam, confiados à paciente e amorosa catequese dos missionários. “O pastor não escraviza as suas ovelhas”, acrescentou. O bandeirante não se deu por vencido. Citou uma nova lei editada por Filipe III, na qual se mantinha a proibição de submeter os índios a trabalhos forçados, permitindo-se todavia a escravização daqueles considerados “turbulentos” ou que fossem feitos prisioneiros em “guerra justa”. -Inventar uma “guerra justa” não deveria ser difícil...

-Dou-lhe um exemplo: os caçadores de gente erguiam cruzes ao lado dos seus acampamentos; dois dias após, alegavam que faltava uma cruz e punham a culpa nos índios, acusando-os de “desrespeito à religião”. Era o bastante para iniciarem uma “guerra justa”, aprisionando centenas de “inimigos da fé”.

-E os padres não podiam fazer nada?...

-Bem que tentavam, mas como? Naquele tal encontro com Raposo Tavares, padre Mola fez o possível, porém o máximo que conseguiu foi obter do perverso a “generosa” promessa de que só levaria índios pagãos, deixando em paz os batizados.

-Coitados dos pagãos...

-Era uma estratégia. O missionário, sabendo que os arcos e flechas dos guaranis pouco valeriam contra a pólvora dos agressores, aceitou o acordo como forma de ganhar tempo.

-Começo a entender.

-Enquanto isso, procuraria batizar o máximo possível de nativos, aldeados ou não, e mandaria emissários aos padres das outras reduções sugerindo que tomassem a mesma providência.

-Os bandeirantes cumpriram o acordo?

-O que você acha?... Raposo era manhoso. Também ele estava querendo ganhar tempo, à espera de um pretexto para atacar. O pretexto surgiu quando o sertanista ficou sabendo que o padre Mola andava a acolher em Santo Antônio escravos fugidos, que escapavam tanto dos paulistas quanto dos espanhóis.

-Ai então...
–––––––––––-
continua…

O e-book pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 15a. Parte, final


" TRAGO AMARGO "



Dispenso as palavras
de conforto...

Tomarei como um trago amargo
o meu desgosto...

- Amor morto:
amor posto.

" TROVADOR "

E vou iludindo, assim,
aos outros
e a mim...

Sigo
a espalhar cantiga,
trovador de alma triste
e alegre bandolim…

"TUDO?... NADA?..."

Que hei de dizer-te se nada te posso dizer?
Se tudo sabes sem uma palavra em meus lábios.
Se meus olhos toda vez que te encontram
se confessam como um pecador,
e eu não posso evitar que eles falem por mim
e revelem aos teus olhos meu segredo de amor?...

Que hei de dizer-te? Se nada te posso dizer...
Se devo parecer um incoerente, um tolo...
Se só me resta afinal esse consolo
de me confessar toda vez que meu olhar
encontra o teu olhar. . .

Há tanta coisa ao redor. . . tanto cenário inútil
ao nosso encontro,
- encontro só meu,
pois que afinal nem sei se ao me veres, me vês,
ao cruzar meu passo com o teu...

Tão complicada esta vida... E como seria simples
amar-te
tomar-te como uma criança em meus braços, beijar-te...
(Perdoa, amor, estas coisas que penso
e a estas horas tardes, componho... )
- tomar-te só para mim, e dividir contigo
pedaço por pedaço, inteirinho, este amor,
este sonho...

Chamo sonho a este amor com que me embriago,
amargo pensamento onde apenas é doce
a tua presença,
perdoa, amor: pensar em- ti, era, a principio, vago,
no começo, nem supus que importante isto fosse,
hoje, pensar em ti já é quase uma doença...

Que hei de dizer-te, afinal, se nada posso esperar...
Se temo que tudo se desmanche...
Receio pronunciar qualquer palavra, a palavra
que seria essa pequena pedra deslocada,
capaz de provocar uma avalanche!
... e sepultar
este sonho, e fazer de tudo...
... nada!

" UM NOVO AMOR "

E de repente... (parece incrível)
- o tudo de antes, não existe mais
não interessa...

Um novo amor, amor,
é sempre um mundo novo
que começa!

Não importa a experiência que tiveste
ou que julgas Ter,
nem essa íntima e inútil convicção
de que nada mais poderia em tua vida
surpreender o coração...

Não importa o percorrido
o conquistado,
ou o que antes foi desejado
por teu marinheiro coração,
- um novo amor
começa tudo do chão...

é como se abrisses os olhos para a vida
naquele instante,
como se para trás nada tivesse havido...
Nasces com um novo amor! E viverás de novo
o mistério deslumbrante
do que há de acontecer, como se nunca tivesse
acontecido...

De repente
nada mais resta,
o ontem, foi uma noite que passou,
- o hoje é o que importa, é o que se vai viver...

Um novo amor, é uma festa,
é uma nova alegria...
Um novo amor, amor, é um novo dia
que vai nascer!

" VAGA "

E um dia,
levaste com um gesto de vaga sobre a areia
tudo o que havia em minha vida...

Com um vai-vem de vaga, apagaste
tudo,
e restou a praia limpa, a areia branca,
e uma manhã de sol, sem brumas...

E a tua presença de vaga
vaga ternura , em vagas
de carícias a envolver-me todo
de espumas…

" VARIAÇÕES SOBRE O AMOR "

I
Agora que te amo
concluo e proclamo:
nunca haverá um amor igual ao outro,
podes crer...

Como não há o mesmo beijo, o mesmo olhar,
a mesma ternura,
o mesmo prazer...

II
O amor é como o perfume...
Uma vez que se sente
nunca mais se mistura ou se pode esquecer
completamente...

III
Tu pensas que amas muitas vezes...

Engano, puro engano,
esse é um estranho milagre do coração
humano
que custei a entender,
e que ainda não compreendes talvez:

- toda vez que se ama
é a primeira vez...

IV
Nunca se ama duas vezes
porque apesar de um só, o amor não se repete
no coração da gente...

O amor é como o mar...
- único, múltiplo,
diferente...

V
Os amores são como as ondas
no mar...
Parecem todas iguais quando espumam, distante,
e se põem a avançar...

Entretanto, nunca haverá uma onda
igual àquela que se elevou, cresceu
e se desfez...
Toda onda é onda somente
uma vez...

VI
Um amor é sempre assim
novo, diferente,
e surpreendente,
nada tem com o amor que passou
que floriu, que murchou,
como uma onda, ou uma flor...

Um novo amor, ( que importa o coração
viajado
e sofrido?)
é sempre um novo amor!

Que importa se é velho o barco?
Importa é o novo roteiro
a nova paisagem...

Um novo amor é sempre o primeiro...
É sempre uma nova viagem...

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

O Índio na Literatura Brasileira (Estante de Livros) 6


MOTT, Odete de Barros. Marco e os índios do Araguaia.

Conta a aventura de Marco, um menino paulistano, viajando de férias às margens do Rio Araguaia. Ele visita os índios Karajá, Tapirapé e Gorotire e descobre como vivem. Descobre, ainda, que os índios são pessoas sensíveis e inteligentes e que possuem sua própria cultura. O livro traz descrições da região do Araguaia, da natureza, fauna, flora e população.

MOTT, Odete de Barros. Nas margens do Araguaia.

Apresenta três lendas dos índios Karajá, que são transmitidas aos mais jovens como um fator importante de preservação da sua cultura. A primeira história: De onde veio o povo Carajá, refere-se à origem desse povo; a segunda, Como Kananchiué levou o sol para a terra Carajá; e a terceira, Como Kati-Bené – o jabuti – maliciou Budoé – o veado, são algumas das histórias contadas pelos Karajá, à noite, ao pé do fogo.

MUNDURUKU, Daniel. Histórias de índio.

Conta a história de Kaxi, um garoto Munduruku que tem uma infância feliz. Brinca, nada, pesca, faz artesanato e ouve histórias. Mas Kaxi é especial, pois o pajé o escolheu para ser seu sucessor. Fala da iniciação à vida adulta, apresentando a cultura indígena a partir do ponto de vista de um narrador pertencente a ela. Na segunda parte, o autor relata suas experiências no mundo dos brancos e, na terceira, descreve a atual situação dos povos indígenas no Brasil, assim como alguns dos seus hábitos, ritos, música, lendas e diversidade cultural e lingüística.

MURAT, Heitor Luiz. Morandubetá (fábulas indígenas).

Reúne várias lendas indígenas, com um tratamento mais próximo da fala do próprio índio. Traz também lições riquíssimas da moral praticada por eles, quando ainda eram donos e senhores da Terra Brasilis.

NEAIME, Lica. De como o dia virou noite e a noite virou dia e noite.

Narra um contos de fadas, em que o herói e a heroína partem em missão sagrada: trazer de volta o sol que deixou de brilhar, fazendo descer uma noite imensa sobre a floresta, bichos e homens. Nessa busca, cruzam com leões, cobras, aranhas, a lua e também seres mágicos que, apoiando ou afrontando, participam da empreitada. Cheio de sustos, algum humor e muito movimento, o enredo acaba colocando os heróis no cume de uma montanha, onde devem convencer o sol a voltar a brilhar.

NICOLELIS, Giselda Paporta. Macapacarana.

Aborda a questão do choque cultural. É o que vive Gerson, um garoto que sai de São Paulo para morar com o pai no Amapá. Ali ele descobre outro Brasil: o dos rios, das matas, dos garimpos e dos animais em extinção. É com o índio José que Gerson aprende a amar e a entender esse outro país.

NISKIER, Arnaldo. Aventura do Curupira.

Narra uma história cujo herói é o Curupira, uma lendária figura das matas amazônicas, uma mistura de diabinho e índio Tapuia, protetor dos animais e da natureza e inimigo feroz dos caçadores clandestinos.

NOSSOS índios. Porto Alegre: Editora Kuarup

Apresenta ilustrações sobre a cultura dos índios do Xingu, para as crianças colorirem.

NUNES, Marconde Rangel; BARRETO, Felicitas.Oku-Cúri: arco-íris,indiozinho brasileiro.

Aborda a diversidade no âmbito das culturas, hábitos, costumes e brincadeiras dos povos indígenas, numa linguagem acessível às crianças.

OLIVEIRA, Alan Roberto de. Amazônia.

Conta a aventura de Caco e Mister David, seu padrinho, que se perdem na Amazônia e acabam conhecendo de perto os conflitos entre índios e garimpeiros. Nasce uma grande amizade, transformando a relação entre os dois em amor de pai e filho.

OLIVEIRA, Jô. Kuarup: a festa dos mortos - lenda dos povos indígenas do Xingu.

Aborda o tema Kuarup, festa em homenagem aos mortos realizada pelos índios do Xingu, por meio da arte seqüencial, ou seja, a arte de contar história com imagens.

OLIVEIRA, Rui de. A lenda do dia e da noite.

Apresenta a adaptação de uma lenda dos índios Karajá sobre a criação do dia e da noite. A referência visual adotada nas ilustrações foi a arte plumária, a cestaria e pintura corporal.

OLIVIERI, Antônio Carlos. Uiramirim contra os demônios da floresta.

Narra a aventura de Uiramirim, índio Tupi de 15 anos que, após se embrenhar na mata com um pirata – capitão Lafitte, vê-se em apuros, tendo de enfrentar três demônios da floresta: a Mula-sem-cabeça, a Boiúna e o Capelobo. E tudo isso para salvar sua pele e libertar seu amigo, aprisionado por indígenas.

OLIVIERI, Antônio Carlos. Uiramirim contraos piratas.

Narra uma aventura do tempo em que o Brasil se dividia em capitanias hereditárias e o açúcar era sua principal riqueza. Prisioneiro em um navio pirata, Uiramirim, um índio Tupi de 15 anos, envolve-se numa incrível aventura, em que aparecem piratas, um padre traidor, uma mocinha prisioneira e o jovem Dom Manoel Gorducho, um português de 12 anos, vaidoso e mimado, do qual o indiozinho era escravo. Uiramirim é o grande herói dessa história de piratas.

PATRIOTA, Margarida. Olhando a terra,arregalado:contos do índio brasileiro.

Apresenta dez mitos dos povos indígenas brasileiros, entre os quais os Bororo, Pareci e Apinajé. Compõem o livro as seguintes histórias: Olhando a terra, arregalado; O papagaio que faz Kra; Ahã, venceremos; O mundo subterrâneo; Canção do derradeiro Kupe – dyeb; O maguari e o sono; Coisa de anta; Artimanhas de Bahira; O roubo do fogo e História de índio ninguém entende.

PEREIRA, André; VILAÇA, Aparecida. Nós e os índios.

Apresenta os costumes de algumas sociedades indígenas brasileiras. Os autores estimulam uma comparação destes com os hábitos dos moradores das grandes cidades. As diferenças e semelhanças entre a vida do leitor e a dos indígenas, a existência de características particulares em diferentes aldeias e o reconhecimento e respeito às culturas
diferenciadas são temas tratados nesta obra.

PONTES NETO, Hildebrando. Mikai Kaká.

Narra uma história adaptada de uma lenda do povo Maxakali, que vive em Bertópolis, no estado de Minas Gerais.

PRADO, Lucília Junqueira de Almeida. Vá pentear macacos.

Narra a estória de um menino cheio de esperteza e muito curioso, chamado Japi, cujo pai já não sabe mais como responder a tantas perguntas que o menino lhe faz. Até que, um dia, manda que ele vá pentear macacos. Ao procurá-lo, arrependido, e encontrá-lo rodeado por macacos, compreende: “para filho obediente, não se pode dar ordem sem tino”.

RIBEIRO, José Hamilton. A vingança do índio cavaleiro.

Narra a história de uma nação indígena muito especial: os Kadiwéu, da Serra da Bodoquena, no Mato Grosso do Sul. Sua ar te, principalmente o desenho e a pintura, aproxima-os dos Incas. O uso do cavalo fez deles os “índios cavaleiros” do Brasil, pastores e guerreiros. Depois de quase dizimados pela “peste branca”, os Kadiwéu estão agora se organizando em torno de um plano de vingança contra o “civilizado”.

RIOS, Rosana. O passado nas mãos de Sandra.

Narra a aventura de Sandra, seu primo e sua avó, no litoral, nas férias de julho. Sandra tem um estranho poder psíquico: ao tocar nos objetos, consegue visualizar cenas do passado, em que aqueles objetos estiveram presentes. Sandra revive momentos da história do Brasil
do século XVI, até que, aos poucos, uma importante missão lhe é apresentada: descobrir a localização das terras pertencentes aos índios Guarani, evitando assim que um homem chamado seu Abílio avance sobre elas com seu empreendimento imobiliário. O grupo enfrenta diversos perigos, muitas coisas ruins acontecem, mas, para cumprir sua missão, Sandra conta com a ajuda do último descendente dos Guarani, o velho índio Iruma.

Fonte:
Moreira, Cleide de Albuquerque; Fajardo, Hilda Carla Barbosa. O índio na literatura infanto-juvenil no Brasil. - Brasília: FUNAI/DEDOC, 2003.

Lendas e Contos Populares do Paraná (Antonio Olinto – Arapoti – Balsa Nova – Campina do Simão)


ANTONIO OLINTO
Padre João


O Padre João Michalczuch, da Igreja ucraniana, tinha grandes atividades no município como médico, professor, lavrador, entre outras coisas. Ele obrigava os fiéis a colaborarem com três dias de serviço no plantio e na colheita, gratuitamente. Era muito famoso pelo seu atendimento como médico de crianças e idosos.

Relata-se que ele coletou entre os fiéis diamantes, pedras preciosas e ouro para a confecção do quadro, existente até hoje, da Nossa Senhora dos Corais. Contam que possuía muitas coisas valiosas, como objetos em ouro. Quando morreu, seus pertences de valor foram enterrados junto no caixão, guardado por uma cobra, que muitas pessoas dizem ter visto.

O achado

Certa noite de lua cheia, um homem chamado Sebastião Chaves saiu de sua residência para pegar água, era mais ou menos meia-noite. Aí começou a sair fumaça de um tronco. Ele começou a se apavorar, mas ficou por ali; de repente saiu uma mulher fumando cachimbo e falou:

– Tenho um Guardado para você.

Ele respondeu:

– O que você quer em troca?

Ela falou:

– Quero que mande rezar cem missas para mim, aí poderá pegar o seu Guardado.

Ele mandou rezar as missas. Numa outra noite de lua cheia, ele foi ver o seu Guardado. No local, começou a cavar onde a mulher aparecera. De repente, ouviu um barulho e olhou para trás, era um cavalo. Continuou a cavar e novamente ouviu o barulho, olhou era o cavalo que, em seguida, se transformou em mulher. Ela então perguntou ao Sebastião:

– Mandou rezar as missas para mim?

Ele respondeu:

– Sim, mandei como você me pediu.

A mulher disse:

– Pode pegar o seu Guardado.

Ele olhou no buraco que havia cavado e viu uma caveira, que era de seu tio.

O pote de ouro

Aconteceu no dia 22 de dezembro de 1991. Essa história tem como personagens o senhor Casimiro e Joacir. Esses dois homens acreditavam que nas redondezas de um rio, que divide as localidades de Lagoa da Cruz e Arroio da Cruz, existiam coisas de valor, como moedas de ouro ou pedras preciosas.

No dia 22 de dezembro, os dois homens beberam um pouquinho a mais da conta e resolveram partir em busca do tesouro que acreditavam que existia. Levaram de casa algumas
sacolas, ferramentas para cavar, um rosário e água benta. Chegando à beira do rio, começaram a cavar e, como estavam embriagados, encontraram coisas que afirmavam existir.

Contavam que tinham encontrado várias correntes e pedras de valor. Tudo o que eles tiravam, lavaram com água benta, antes de guardar na sacola. Em casa começaram a alardear, falando que eram ricos e não precisariam mais trabalhar. O povo, já atormentado com o discurso dos dois, abriu as sacolas para ver o que havia de tão valioso. Ao abrirem, encontraram pedras de cascalho e maços de capim. Os dois, sem saber o que falar e passando uma enorme vergonha em frente das pessoas, disseram que tudo aquilo era obra do demônio e que ao colocaram água benta nas pedras e correntes, esta as transformou em cascalho e capim.

ARAPOTI
O pote de ouro


Segundo antigos moradores da Fábrica de Papel, há muito tempo atrás alguém enterrou um pote de ouro próximo ao rio do Chico. Dizem que algumas pessoas recebiam as visões do local através de sonhos. Segundo as revelações que lhes eram feitas, deveriam ir à noite para desenterrar a fortuna.

Porém, cada vez que alguém se aventurava a arriscar a sorte dirigindo-se ao local, aparecia um esqueleto falante ordenando que o levasse a determinado lugar, e, sem a permissão da pessoa, montava em suas costas afirmando que, se fizesse isso, dar-lhe-ia em troca o pote de ouro. Muitas pessoas que por ali passam, à meia-noite, afirmam ouvir gemidos e barulho de ossos estalando.

Os mais antigos dizem que são os ossos do esqueleto que fazem barulho e que os ruídos são os gemidos das pessoas, que querem se libertar do fardo macabro que têm às costas. Ouvem-se, também, os gemidos desesperados pedindo socorro e os gritos de dor causados pelos ossos pontiagudos do esqueleto.

BALSA NOVA
Tesouro dos Carros


Na fazenda dos Carros, município de Balsa Nova, na parte que fica em baixo da serra havia uns pés de canela bem altos e diziam que lá havia dinheiro enterrado. Dizem que um tal de Avelino Louco foi lá procurar e apareceu um negrinho, que disse que se ele matasse o filho mais velho e levasse o corpo ele mostrava o enterro. Alguns dizem que ele chegou a levar o filho até a beira do capão, mas o piá desconfiou e fugiu; o homem ficou meio variado depois disso, e esta é a razão do seu apelido.

Com relação ao guardião do dinheiro dos Carros, contam que, quando o dono foi enterrar a panela, perguntou a um escravo se ele tomava conta do dinheiro e como o negro disse que sim, ele matou o homem e enterrou junto; o escravo é a visagem que cuida do tesouro enterrado

CAMPINA DO SIMÃO
Lenda do caixão branco


Conta-se que antigamente havia na região um senhor muito sovina. Ele economizava até na alimentação. Quando chegavam visitas em sua casa, recebia-as somente na varanda, não recolhendo-as ao interior da casa.

Não desejava correr o risco de ter que alimentá-las, não oferecia nem mesmo o costumeiro chimarrão.

Quando chegava o horário das principais refeições chamava sua esposa para conversar com as visitas, ia até a cozinha para comer e voltava rapidamente para continuar a conversa. As pessoas mais idosas contam que o sovina enterrava todo o dinheiro que recebia dos pinheiros que comercializava.

Ocorre que após o seu falecimento passaram a acontecer coisas estranhas. Conta-se que se alguém passar depois da meia-noite em frente à casa onde ele morava, aparece um caixão branco, que voa em direção onde ele enterrou o dinheiro. Atualmente, as terras que lhe pertenciam foram compradas. O novo dono não faz outra coisa, a não ser procurar o dinheiro enterrado.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 462)

Por-do-sol em Ouro Preto/MG
Uma Trova de Ademar

A lua, sem trocadilho,
na insensatez de um açoite,
de dia esconde o seu brilho
para ser a luz da noite.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

Cansei de crer tolamente
nos meus sonhos de menino.
Nem sempre o que agrada a gente
também agrada ao destino!
–ARLINDO TADEU HAGEM/MG–

Uma Trova Potiguar


Abrindo a linda cortina,
por onde o tempo esvoaça,
a vida é benção divina
em cada dia que passa.
–IEDA LIMA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Contigo um dia em meus braços,
perdi a calma, querida,
e agora sigo os teus passos,
buscando a calma perdida!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Uma Trova Premiada


2009 - Taubaté/SP
Tema: ALVORADA - M/H


Este poeta deduz
que Deus, vendo a obra acabada,
disse então: “Faça-se a luz”!
E eis a primeira alvorada!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Simplesmente Poesia

Os Velhos Tempos.
–OLGA AGULHON/PR–


Os velhos tempos,
há muito sepultados,
estão longe da memória de uns
e assombram a memória de outros.

O tempo, hoje, passa tão rápido...
mas os velhos tempos
escorriam lentamente
como as águas quase imóveis
do Lago Negro
do sul de minhas lembranças.

Estrofe do Dia

Poetas não são doutores
nem são peças de museus,
ricos sim por possuírem
a força dos dotes seus,
gênios das suas virtudes
exemplo e magnitudes
seguindo as ordens de Deus.
–MONTEIRO FIRMINO/PB–

Soneto do Dia

Lendo "Apelo".
“A Eno Teodoro Wanke”
–CAROLINA AZEVEDO DE CASTRO/PE–


Penso que estes apelos sucessivos,
todos cheios das mesmas intenções,
vão trazer resultados positivos,
eliminando o ódio entre as Nações.

Confiamos, refertos de emoções,
que cessem estes planos destrutivos;
não deviam pulsar os corações
que alimentam desejos negativos.

Que teu apelo traga paz à Terra,
atenuando os ímpetos de guerra,
que o homem bom, transforma num perverso!

Que Deus lhes mostre o luminoso trilho,
o mesmo que apontou para o seu Filho,
em prol da perfeição deste Universo!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Guerra Junqueiro (João e os seus Camaradas)


Era uma vez uma viúva com um filho único.

Ao cabo de um Inverno rigoroso, possuía apenas um gaio e meio alqueire de farinha) João resolveu-se a correr mundo, à busca de fortuna. A mãe coseu o resto da farinha, matou o galo, e disse-lhe:

– Que é que preferes: metade desta merenda com a minha bênção, ou toda com a minha maldição?

– Que pergunta! respondeu o pequeno. Nem por quantos tesouros há no mundo eu queria a tua maldição.

– Bem, meu filho, replicou a mãe carinhosamente. Leva tudo, e que Deus te abençoe.

E partiu. Foi andando, andando, até que encontrou um jumento, que tinha caído num atoleiro, de onde não podia sair.

– Oh! João, exclamou o burro, tira-me daqui, que estou quase a afogar-me.

– Espera, respondeu o João.

E, formando uma ponte com pedras e ramos de árvores, conseguiu tirar o quadrúpede do atoleiro.

– Obrigado, disse-lhe ele, aproximando-se do João. Se te posso ser útil, aqui me tens ao teu dispor. Aonde vais tu?

– Vou por esse mundo fora, a ver se ganho a minha vida.

– Queres tu que eu te acompanhe?

– Anda daí.

E puseram-se a caminho.

Ao passarem por uma aldeia, viram um cão perseguido pelos rapazes da escola, que lhe tinham atado ao rabo uma chocolateira velha. O pobre animal correu para o João, que o acariciou, e o jumento pôs-se a ornear de tal maneira, que os rapazes com o medo deitaram todos a fugir.

– Obrigado, disse o rafeiro a João. Se para alguma coisa te for prestável, aqui me tens às tuas ordens. Aonde vais tu?

– Vou por esse mundo de Cristo, a ver se ganho a minha vida.

– Queres que te acompanhe?

– Anda daí.

Quando saíram da aldeia pararam junto de uma fonte. O pequeno tirou a merenda do alforje e repartiu-a com o cão. O burro pastou alguma erva que por ali havia. Enquanto jantavam, apareceu um gato esfaimado a miar lastimosamente.

– Coitado! exclamou o João. E deu-lhe uma asa de frango.

– Obrigado, disse o gato. Oxalá que um dia eu te possa ser útil. Aonde vais tu?

– Procuro trabalho. Se queres, anda conosco.

– De boa vontade.

Os quatro viajantes puseram-se a caminho. Ao cair da tarde, ouviram um grito dilacerante e viram uma raposa correndo a toda a brida com um galo na boca.

– Agarra! agarra! bradou o pequeno ao cão.

E no mesmo instante o cão atirou-se atrás da raposa, que, vendo-se em perigo, largou o galo para correr melhor. O galo pulando de contente, disse ao João:

– Obrigado. Salvaste-me a vida. Nunca me esquecerei. Aonde vais tu?

– Arranjar trabalho. Queres vir conosco?

– De boa vontade.

– Então anda. Se te cansares, empoleira-te no jumento.

Os viajantes continuaram a jornada com o seu novo companheiro. Sentiram-se todos fatigados e não avistaram à roda nem uma quinta, nem uma cabana.

– Paciência, disse o João, outra vez seremos mais felizes. Resignemo-nos hoje a dormir ao ar livre; além disso a noite está sossegada e a relva é macia.

Dito isto, estendeu-se no chão; o jumento deitou-se ao lado dele, o cão e o gato aninharam-se entre as pernas do burro complacente e o gaio empoleirou-se numa árvore.

Dormiam todos um sono profundíssimo, quando de repente o galo começou a cantar.

– Que demônio! disse o jumento acordando todo zangado. Porque estás a gritar?

– Porque já é dia, respondeu o galo. Não vês ao longe a luz da madrugada, que vem rompendo?

– Vejo uma luz, disse o João, mas não é do Sol, é de uma lanterna. Provavelmente há ali alguma casa, onde nos poderíamos recolher o resto da noite.

Foi aceite a proposta. Partiu a caravana, foi andando, andando, através dos campos até que parou junto da casa do guarda de um grande castelo, donde saiam gargalhadas, gritos confusos, cantos grosseiros e blasfêmias horríveis.

– Escutem, disse o João; vamos devagarinho, muito devagarinho, a ver quem é que está lá dentro.

Eram seis ladrões armados de pistolas e de punhais, que se banqueteavam alegremente, sentados a unta mesa principesca.

– Que rico assalto acabámos de dar, disse um deles, ao castelo do conde, graças ao auxílio do seu porteiro. Que bom homem este porteiro! À sua saúde!

– À saúde do nosso amigo! repetiram em coro todos os ladrões.

E de um trago despejaram os copos.

João voltou-se para os companheiros, e disse-lhes em voz baixa:

– Uni-vos uns aos outros o melhor que puderdes, e, assim que vos der sinal, rompei todos ao mesmo tempo numa gritaria diabólica.

O burro, levantando-se nas patas traseiras, lançou as mãos ao peitoril de uma janela, o cão trepou-lhe à cabeça, o gato à cabeça do cão e o galo à cabeça do gato. João deu o sinal, e estourou à uma o ornear do jumento, os latidos do cão, o miar do gato e os gritos estridentes do galo.

– Agora, bradou o João, fingindo que comandava um destacamento, carregar armas! Dai-me cabo dos ladrões: fogo!

No mesmo instante o jumento quebrou a janela com as patas, zurrando cada vez mais; os ladrões atemorizados refugiaram-se no bosque, saindo precipitadamente por urna porta falsa.

João e os seus companheiros penetraram na sala abandonada, comeram um excelente jantar, e deitaram-se em seguida. – João numa cama, o burro na cavalariça, o cão numa esteira ao pé da porta, o gato junto do fogão e o galo no poleiro.

Ao princípio os ladrões ficaram muito contentes, por se verem sãos e salvos na floresta. Mas depois começaram a refletir.

– Era bem melhor a minha cama, do que esta erva tão úmida, disse um deles.

– Tenho pena do frango que eu começava a saborear, disse o outro.

– E que rico vinho aquele! acrescentou o terceiro.

– E o que é mais lamentável, exclamou um quarto, é ficar-nos lá todo o dinheiro, que, com a ajuda do criado do conde, tínhamos tirado das gavetas.

– Vou ver se torno lá a entrar! disse o capitão.

– Bravo! exclamaram os ladrões.

E pôs-se a caminho.

Já não havia luz na casa; o capitão entrou às apalpadelas, e dirigiu-se para o fogão; o gato saltou-lhe à cara e esfarrapou-lha com as garras. Soltou um grito doloroso, correu para a porta, mas infelizmente pisou o rabo do cão, que lhe deu uma grande dentada. Gritou de novo, e conseguiu por fim transpor o limiar da porta. Mas quando ia a sair, o galo atirou-se a ele, rasgando-o com o bico e com as unhas.

– Anda o diabo nesta casa! exclamou o capitão, como poderei eu sair?

Julgou encontrar refúgio na estrebaria; mas o burro atirou-lhe uma parelha de coices, que o deixou quase morto no meio do chão.

Passado algum tempo veio a si; apalpou o corpo, viu que não tinha nem pernas nem braços partidos, ergueu-se e tornou para a floresta.

– Então? então? perguntaram-lhe os camaradas assim que o viram.

– Nada feito, exclamou ele. Mas antes de tudo arranjem-me uma cama para me deitar e cataplasmas de linhaça para pôr neste corpo, que o trago num feixe. Não podeis imaginar o que sofri. Na cozinha fui assaltado por uma velha que estava a cardar lã, e arrumou-me na cara com o sedeiro, deixando-me neste miserável estado. Quando ia a sair a porta, um demônio de um remendão atravessou-me as pernas com a sovela. Logo depois, Satanás em pessoa atirou-se a mim, despedaçando-me com as garras. Na estrebaria deram-me uma paulada que me ia matando. Se vocês me não acreditam, vão lá e experimentem.

– Acreditamos, disseram os companheiros, vendo-lhe a cara e o corpo todo ensanguentado. Não seremos nós que lá tornaremos.

Pela manhã, João e os seus camaradas almoçaram ainda excelentemente, e partiram em seguida para restituir ao conde o dinheiro que os ladrões lhe tinham roubado. Meteram-no cuidadosamente dentro de dois sacos, com que carregaram o jumento. Foram andando, andando, até que chegaram à porta do castelo. Diante dessa porta estava o malvado do porteiro com uma libré esplêndida, meias de seda, calções escarlates, o cabelo empoado.

Olhou com ar de desprezo para a pequenina caravana, e disse a João:

– Que vindes aqui buscar? Não há lugar para os recolher, vão-se embora.

– Não queremos nada de ti, respondeu João. O dono do castelo far-nos-á um bom acolhimento.

– Fora daqui, vagabundos, exclamou o porteiro enfurecido. Ponham-se a andar imediatamente, quando não atiro-lhes já às pernas os meus cães de fila.

– Perdão, só um instante, replicou o gaio empoleirado na cabeça do jumento; não me poderias dizer quem é que abriu aos ladrões na noite passada a porta do castelo?

O porteiro corou. O conde que estava à janela, disse-lhe:

– Ó Barnabé, responde ao que este galo te acaba de perguntar.

– Senhor, replicou Barnabé, este galo é um miserável. Não fui eu que abri a porta aos seis ladrões.

– Gomo é então, meu velhaco, tornou o conde, que tu sabes que eram seis?

– Seja como for, disse João, aqui lhe trazemos o dinheiro roubado, pedindo-lhe unicamente que nos dê de jantar e nos recolha esta noite, porque vimos cansados do caminho.

– Ficai certos que sereis bem tratados.

O burro, o cão e o galo, levaram-nos para a quinta. O gato ficou na cozinha. E enquanto a João, o conde reconhecido, vestiu-o dos pés à cabeça com um vestuário magnífico, deu-lhe um relógio de ouro e disse-lhe:

– Queres ficar comigo? És esperto e honrado, serás o meu intendente.

João aceitou a proposta e mandou vir a sua velha mãe para ao pé de si. Casou depois com uma linda rapariga, e viveu sempre felicíssimo.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) - Pena de Papagaio - V - Emília e La Fontaine


Narizinho sabia duas palavras em francês — bon jour e au revoir. Os outros não sabiam nenhuma. Em vista disso os outros a empurraram para falar com o fabulista. A menina atrapalhou-se já no começo, porque em vez de bon jour disse:

— Au revoir, senhor de La Fontaine! Acabamos de chegar do sítio de vovó e vimos a bengalada que o senhor pregou no focinho daquele lobo antipático. Muito bem feito. Queria aceitar os nossos parabéns. Bon jour.

O fabulista achou muita graça em tanta inocência e, erguendo-a do chão, deu-lhe um beijo na testa. Depois disse:

— Não precisa falar francês comigo, menina. Entendo todas as línguas, tanto a dos animais como a das gentes.

Os outros já o haviam rodeado — inclusive Emília, que deixou para brincar com o carneirinho depois. Estava ela muito admirada das roupas do fabulista. Homem de gola e punhos de renda, onde já se viu isso? E aquela cabeleira de cachos, feito mulher! Quem sabe se o coitado não tinha tesoura? — pensou a boneca.

O senhor de La Fontaine conversou com todos amavelmente, dizendo que era aquele o lugar do mundo de que mais gostava. Ouvia os animais falarem, aprendia muita coisa e depois punha em verso as histórias.

— Eu já li algumas das suas fábulas — disse Pedrinho. – O senhor escreve muito bem.

— Acha? — disse o modesto sábio, sorrindo. — Fico bastante contente com a sua opinião, Pedrinho, porque muitos inimigos em França me atacam, dizendo justamente o contrário.

— Não faça caso! — gritou Emília. — Eles não sabem o que dizem. Pedrinho quando diz uma coisa é porque é. Pode acreditar nele.

— Obrigado pelo consolo, bonequinha. Tua opinião e a de Pedrinho valem muito para mim, porque em ambas vejo grande sinceridade.

Emília não tirava os olhos da cabeleira do fabulista. O coitado morava sozinho naquelas paragens e com certeza nem tesoura tinha, pensava ela. De repente teve uma lembrança. Abriu a canastrinha e, tirando de dentro a perna de tesoura, ofereceu-a ao sábio, dizendo:

— Queira aceitar este presente, senhor de La Fontaine.

O fabulista arregalou os olhos, sem alcançar as intenções da boneca.

— Para que quero isso, bonequinha?

— Para cortar o cabelo...

— Oh! — exclamou o fabulista, compreendendo-lhe afinal a idéia e sorrindo. — Mas não vês que a tua tesoura tem uma perna só?

Emília, que não se atrapalhava nunca — respondeu prontamente:

— Pois corte o cabelo dum lado só.

Narizinho interveio. Puxou-a dali e disse ao fabulista que não fizesse caso visto como a boneca sofria da bola.

Nesse momento o menino invisível, que tinha estado longe, aproximou-se. Ao ver aquela pena flutuante no ar, o senhor de La Fontaine ficou intrigado. Pôs-se a olhar, com rugas na testa, sem poder descobrir o mistério.

Emília deu uma risada caçoísta.

— O senhor, que é um sábio da Grécia, adivinhe, se for capaz, que pena de papagaio é aquela, sem papagaio atrás...

O fabulista olhava, olhava e cada vez compreendia menos.

— Não posso — disse afinal. — É um perfeito mistério para mim.

— Pois eu sei — berrou Emília. — É a marca do menino invisível, o Peninha.

O fabulista ficou na mesma. Foi preciso que Pedrinho contasse tudo desde o começo para que o enigma se aclarasse. Mesmo assim o senhor de La Fontaine ficou de boca aberta e olhos arregalados porque nunca em sua vida tinha encontrado uma criatura invisível.

Pedrinho chamou-o de parte e disse-lhe ao ouvido:

— Ando desconfiado que esse menino é o mesmo Peter Pan.

Tem igual modo de falar e igual mania de cantar de galo. Que é que o senhor pensa disto?

O pobre fabulista, que não tinha a menor idéia de quem fosse Peter Pan, menino descoberto na Inglaterra muito recentemente, não pôde dar opinião a respeito.

— Não sei, Pedrinho. Vocês estão a falar de coisas muito novas para um homem tão antigo como eu.

Depois, vendo o sol já alto, propôs:

— Aproveitemos o tempo para mais uma fábula.

Disse e dirigiu os passos para o ponto onde havia uma árvore com cigarra cantando. Todos o acompanharam. Pedrinho ia rente.

Prestava a maior atenção aos menores movimentos do fabulista porque desejava aprender a escrever fábulas lindas como as dele. Até da marca e número do lápis que o senhor de La Fontaine usava Pedrinho tomou nota, para comprar um igual. Em certo momento Emília criou coragem e, colocando-se longe de Narizinho para evitar algum beliscão, disse para o sábio:

— Em troca da tesoura eu quero uma coisa, senhor de La Fontaine.

— Dize lá o que é, bonequinha.

— Quero uma fábula.

— Uma fábula duma perna só? — caçoou ele.

— Uma fábula onde apareça um carneirinho, uma boneca de pano e um tatu-canastra.

Narizinho agarrou-a e enfiou-a no bolso, dizendo:

— É demais. Parece que os ares deste campo lhe desarranjaram a cabeça duma vez.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – VI - A formiga coroca

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Trova Ecológica 70 – Antonio Juracy Siqueira (PA)

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 14a. Parte


" SONETINHO "

Não tenho jeito pra trova
apesar das que já fiz,
a quadra lembra uma cova
com a cruz dos versos em x...

Ainda estou vivo e feliz
e do que digo dou prova:
- tentei cantar numa trova,
e meu amor pediu bis.

Bem sei que é meu o defeito
mas uma trova é tão, pouco
que ao meu cantar não dá jeito

Só mesmo um poema é capaz
de conter o amor demais
que trago dentro do peito.

" SORRIO... "

Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial...

Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal...

Era sestro da idade essa existência...
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho... e pouca experiência...

Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
- sorrio... Um vão sorriso de indulgência...
...Sinal de muita vida... e pouco sonho…

" SORTE... "

Está aí, amor, uma coisa que às vezes me pergunto,
(naqueles dias de silenciosa ternura
naqueles momentos sem assunto,)
- uma coisa tola que eu penso
e que você não advinha:

- como podem os outros homens ser felizes,
se Você é uma só...
... e se Você é só minha ?…

" TEMPO PERDIDO "

Quanto tempo perdido, e como dói
pensar que nunca mais o reaveremos...
Vivemos longe um do outro, como extremos,
que o tempo, - um moinho - lentamente mói...

Quanto tempo perdido... Eu, já mudado,
sem aquele entusiasmo, aquelas ânsias
que ficaram perdidas no passado
e se vão diluindo nas distâncias...

Tu, sem aquela expressão ingênua e pura
aquela ar de menina, que pedia
proteção para um sonho de ventura
que seu olhar inquieto refletia...

Tanto tempo perdido... E houve um momento
quando nos vimos a primeira vez,
que o amor seria belo, como o vento
como o mar, como a terra, o sol, talvez !

" TEMPOS... "

I
E dizer
que eu não podia passar um segundo sequer
sem saber onde estavas...

Hoje,
nem sei se existes...

II
Houve um tempo, em que eras
o Presente, o Mais-que-Perfeito
o Infinitivo...

Hoje...
nem és Passado…

" TEREZINHA "

Terezinha
Terezinha,
que não é de Jesus
nem será minha...

De quem será?
De quem será?
Que inveja eu sinto
de alguém que está
não sei bem onde,
de alguém que um dia
certo virá
e levará
a Terezinha

É a Padroeira
de antigo sonho
que em minha alma
em vão se aninha...

Terezinha
Terezinha,
que não é de Jesus
nem será minha…

" TEUS CABELOS "

Estamos quietos amor, em bonança
esquecidos de nós
viajando por nós mesmos, sem nós mesmos...

Distraída e imprevidente
te recostas em meu peito
e estás leve e alheia como uma criança sem sono.

De repente, minha mão encontra teus cabelos
e como estranha aranha se esconde em tua nuca,
e meus dedos se entranham e se emaranham
como raízes profundas, silenciosas.

São teus cabelos, sim,
não posso mais tocá-los...

Tem estranhos eflúvios que me fazem estremecer
até o fundo de mim mesmo,
e... já não me reconheço...

Tua cabeça em minha mão acende-se como uma tocha loura,
e olhos em teus olhos as chamas que ardem, sopradas
por que misteriosos ventos?

Gosto de encher as mãos com os teus cabelos,
como um lavrador, a recolher, feliz,
as louras messes de uma farta colheita.

Ah, teus cabelos, amor,
são um incalculável tesouro...

Quero morrer sempre e cada vez mais
como um rei Midas afogado em ouro
perdido neles, como em mar de sonhos...

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 461)

Pôr-do-sol em Florianópolis/SC - Ponte Hercílio Luz
Uma Trova de Ademar

Muda-se a cor preferida,
troca-se a corda do sino,
muda-se tudo na vida
mas não se muda o destino...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Nos percalços dessa vida
já deixei muita pegada
como marca dolorida
dos revezes da jornada.
ELIANA JIMENEZ/SC–

Uma Trova Potiguar


Pago pesados tributos
ao cofre dos desenganos:
amei-te cinco minutos,
sinto saudade há dez anos!
–ORILO DANTAS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Quem ama jamais se emenda...
Eu, que por ti já chorei,
risquei teu nome da agenda,
mas a folha não rasguei!
–ALBERTINA MOREIRA PEDRO/RJ–

Uma Trova Premiada


2011 - Niterói/RJ
Tema: MEMÓRIA - Venc.


"Volta, amor!" - Esse é o chamado
da saudade, ao ver-te ausente -
"Em memória do passado,
eu te peço este presente."
WANDA DE PAULA MOURTHÉ/BH

Simplesmente Poesia

Mãos ao Alto
–MARIVA/PB–


Vai, me assalta, Princesinha!!!
Me assalta, antes que eu transborde,
Antes que a matina chegue,
Antes que o galo me acorde
Antes que o passado passe
Antes mesmo que eu discorde.

Estrofe do Dia

Admiro os passarinhos
que cantam com maestria,
fazendo lindos gorjeios
mostrando tanta harmonia;
sem nunca rever as pautas
nem estudar melodia...
–JOSÉ ACACI/RN–

Soneto do Dia

Luz
–DIAMANTINO FERREIRA/RJ–


Como caminha um cego e de bengala
apalpa seu trajeto, a não cair,
arrasto-me na vida e nem se fala
de quantos tombos mais estão por vir;

Apesar do infortúnio, é prosseguir
e na estrada da vida, qual na sala,
palmilhar como sempre; e no porvir
eu não perca a esperança de encontrá-la!

Nasci feliz, a luz dentro dos olhos;
mas cresci, tropeçando nos escolhos,
chegados tão somente por te amar!

Perdida a vista, mas... pior castigo:
nem a esperança de trazer comigo
o sonho de voltar a te enxergar!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Aníbal Beça (Suíte para os Habitantes da Noite)


Suíte para os habitantes da noite é o sexto livro de Aníbal Beça, e faz parte da trilogia iniciada em 1987, com Noite desmedida, e a ser encerrada com A palavra noturna.

Anibal Beça é um poeta moderno por excelência, a partir do momento em que elege a linguagem como o referencial de seu fazer poético. Já fora assim em Filhos da Várzea, também em Itinerário Poético, livros anteriores. Suíte para o habitantes da noite traz um poeta mais amadurecido, não apenas pelo inevitável passar do tempo, o que em alguns escritores traduz-se por repetição ou enfado, mas por guardar no cerne da sua elaboração poética uma força renovada, que transforma a linguagem, de objeto, em sujeito do poema.

Temos na obra as mais diversas formas poéticas: da ode ao soneto, da balada ao auto, resgatados da tradição, até ousadias formais historicamente recentes, como o poema concreto e o poema-práxis, além do poema livre das amarras rítmicas, cuja musicalidade se constrói a partir da interação entre autor e leitor. Ao lado da elaboração formal múltipla e inquieta, nota-se a preocupação com o enriquecimento da linguagem, a partir do uso de palavras exiladas do coloquial, bem como a criação de inúmeros neologismos. Leitor de Dante, Camões e Pessoa, fato evidenciado no texto, Anibal sabe que o poeta é o guardião da língua.

Outra característica facilmente observável em Suíte para os habitantes da noite é a dicotomia em que ela se alicerça: noite-dia, loucura-razão, sem que se estabeleça uma predominância de valor, antes, procurando o equilíbrio. Esse embate constante se trava também, sem que o poeta tome partido, na tensão entre fé mística e erotismo, urbano e bucólico, paixão e humor, apolíneo e dionisíaco, onde os contrários não se negam: se completam, se complementam como parte de uma estética una. A definição de Dámaso Alonso, acerca da poética de Góngora, "intensa no pormenor, densa no conjunto", enquadra-se à perfeição na poesia de Anibal Beça. Despido dos vícios que distinguem o Barroco, o poeta toma para si o que há de positivo naquela escola, reinventando a tradição e inserindo-se em seu tempo, num movimento circular de intemporalidade.

Uma outra evidência do caráter intencionalmente neobarroco de Suíte para os habitantes da noite é o empréstimo que ela faz à música para intitular seus "movimentos". Enquanto forma musical, a suíte foi estabelecida no século XVII, reunindo os ritmos de dança então em voga (sarabanda, giga, alemanda, entre outros), caracterizando-se como uma sucessão de peças de caráter contrastante, porém escritas numa mesma tonalidade. Tendo o barroco Johann Sebastian Bach, na primeira metade do século XVIII, como seu mais notável criador, a suíte, com o passar do tempo, perdeu sua característica dançante, passando a designar trechos sinfônicos representativos de óperas, balés ou música incidental para teatro. É, pois, com o sentido original que Anibal Beça designa a Suíte.

A obra é composta de poemas que podem ser lidos, e entendidos, independentes entre si, porém há uma guia, a mão do poeta-condutor, que atravessa todo o poema, desde o "Prólogo" até a "Balada Como/Vida", com sua coda em pianíssimo, figurando o transitório da vida, até então cantada em outros tons, altos e bons.

Tendo como ponto de partida a tradição persa, através da desventura do poeta Majnun, que enlouqueceu por amor a Laila, despojando-se de suas riquezas para viver no deserto, a Suíte traça um movimento sinuoso até um provável presente amazônico e aqui se universaliza:

Um rio negro lava minha aldeia
leva meu silêncio


Os elementos do poema, entretanto, são refratários a qualquer análise de cunho sociológico. Neta obra de Anibal somos conduzidos por labirintos habitados por animais tão domésticos, como o gato, o galo, ou mesmo éguas mouras, para, num repente, confrontarmo-nos com um tigre de basalto ou com

Os lobos sempre esses lobos
assaltantes da memória
recorrências de mim mesmo
ou de um outro que me habita


Mas o poeta que nos conduz não esquece das musas ou da mulher de um sonho distante, a própria Noite-Laila, o inconsciente, a desrazão, a fúria criadora do Louco-Majnun, que, enquanto poeta, representa o limite da palavra, palavra que se multiplica em lua (luaura, lualcoólica, lualém, luasente, luamante) ou noite (noitensa, noitelúrica, noitestelar, noitemporal, noiterminal). Onde a Poesia?, o poeta se pergunta: num auto-novena, no verbo em desconstrução, na contramão do silêncio, ou na solidão do Poema?

A trajetória que a Suíte percorre, do extremo Oriente às barrancas do Amazonas, enveredando por esse tempo milenar e atual, é uma clarividência de seu caráter de obra permanente, não fosse pelo rigor estético de sua elaboração a partir de sutis intertextos, que o leitor descobrirá ao sabor da leitura-viagem (via linguagem), e que funcionam como fachos a alumiar a caminhada na noite escura do poemenigma.

Quanto ao seu longo poema "Suíte para os habitantes da noite", que dá título à obra, o autor o dedica exatamente aos que habitam as cavernas luarenses da Deusa Negra, sorridente e misteriosa. Mas o que tem a ver esse título e os correspondentes sub-títulos do livro com os habitantes da suíte imaginária que lhe serve, no entanto, para abraçar as múltiplas variações de um belo itinerário poético, sólido e raro? É a pergunta que nos ocorre no decurso da viagem através de suas páginas extensas e generosas.

Trabalho sereno, o poeta mobiliza a noite e seus habitantes como testemunhas da insônia criadora, da nuvem, do solo ausente, da curva estelária, do tigre e do chão. O livro todo, no fundo, é uma balada extraída da noite e dos habitantes de uma cidade imaginária, de um tempo de seres remotos, cujo resgate parece iminente.

Dignas de nota, por outro lado, são as referências, embora de passagem, às raízes dessa cultura das mil e uma noites ao som e à luz da herança andaluza, através do alfenim, da Laila (ou Laile), como já citado anteriormente, e daquele trecho de Garcia Lorca que encima o poema XVI ("Pastorália com duas leituras para solo de avena"). Estes ares, solenemente enraizados na metáfora dos bons cantadores de cepa lusitana, mergulham, também, na lembrança de um passado inexplicavelmente submerso nas trevas do esquecimento e da morte.

"Serpente furtiva", o poema ou os poemas deste livro de Aníbal Beça restabelecem a vontade de criar e dar à beleza das noites que trazemos dentro de nós o brilho inédito de uma transfiguração a que nunca devem falta os brindes nem os verdadeiros convivas da serenata. Amigos e autores prediletos recebem, também, a homenagem do autor na parte final do volume, "poemas dedicados".

Belíssima nave constelada por tantos sons e orquestras fartamente dotadas dos mais sofisticados instrumentos musicais.

Alguns poemas escolhidos (Extraídos da obra Suíte para os habitantes da noite)

(Suíte para os habitantes da noite) VI

EM TOM DE OLD-BLUES PARA PIANO, SAX,
CONTRABAIXO, GUITARRA E BATERIA

Quem saberia de mim
se me visse assim como estou
rendido ao aço das manhãs
pastoreando esse meu cão
por essas ruas tão tranqüilas

Que gemelar seria eu
linha paralela de vida
e tão parelha dessas ruas
fagulha dupla de mão única
bifurcada e sem retorno
nos afazeres do meu sonho

Em mim eu sou o que não fui
comigo fui o que não era:
derrotado nominado
o nominado vencedor
e resta só o testemunho
do cão que me acompanha agora
e dessas ruas que me sabem antes

(Suíte para os habitantes da noite) IX

CZARDAS PARA SERROTES COM ARCOS DE VIOLINO
E BERIMBAU DE LATA

Esta anábase é de hora aberta desnudada
tão desmedida como foi a minha vida
de nada me arrependo apenas me perdôo
porque meu vôo nem sequer se iniciou

E dessas nuvens que me espaçam esgarçadas
trapos e cordas dissonantes dessa lira
são acidentes de percurso em que recorro
como um Zenão o parafuso desse vôo

Assim nessa colméia em zíper me percorro
como um zangão no zigue-zague nos hexágonos
ando à procura de uma abelha desvairada

que me acompanhe na aventura pelos pântanos
exorcizando a desrazão desses escorços
essa não-ave desgarrada do meu nada

(Suíte para os habitantes da noite) XIII

ÁRIA PARA TENORINO E FLAUTIM

o gato aparece à noite
com seu esquivo silêncio
de passos bem calculados
num jogo de paciência
as garras bem recolhidas
na concha de suas patas

O gato passeia a noite
com seu manto de togado
como se fosse um juiz
de presas resignadas
a sua sentença de sombras
seu apetite de gula

O gato varre essa noite
facho de suas vassouras
vermelhas de olhos ariscos
E alcança nessa limpeza
movimento mais presto
o guincho mais desouvido

Mais que perfeito no bote
(tal qual Mistoffelees de Eliot)
do pulo que nunca ensina
tombam baratas besouros
peixes de aquário catitas
ao paladar sibarita

Nada à noite falta ao gato:
nem a presteza no salto
nem a elegância completa
do seu traje de veludo
para o baile dos telhados
roçando as fêmeas no cio

O gato é ato em seu salto
e a noite luz do seu palco
ribalta luciferina
lunária ária da lua
na réstia de seus dois gozos
é felix feliz felino

Guardei a sétima estrofe
para o canto do mistério
das sete vidas do gato
e seu tapete aziago
nas noites de sexta-feira
há provas de seu estrago

(Suíte para os habitantes da noite) XXXII

SONATA PARA IR À LUA

Desnudo já me dou de mim doendo
na doação das folhas da floresta
que vão caindo sem saber-se sendo
pedaços de nós na noite deserta

A lua imponderável vai ardendo
cúmplice em nossa luz de fogo e festa
Meus braços são dois galhos te dizendo
que o forte às vezes treme em sua aresta

Esta outra face frágil de aparência
que só aos puros é dado conhecer
no abraço da paixão e sua ardência

Mesmo cego de mim eu pude ver
e sentir no teu beijo a clara essência
que faz do nosso amor raro prazer

Samba-canção para ser acompanhado de regional

Mulher de um sonho distante
na névoa densa da noite
eu te sabia em mim
dispersa em minha canção

Eu te queria tão próxima
de luz e raio constante
pra te dizer tantas coisas
como o mais comum amante

Sussurrar no teu ouvido
palavras soltas ao vento
mas te vais sem deixar rastros
dona e senhora do tempo

Mulher de um sonho distante
não sei se existes de fato
sei da maneira que chegas
no clique de algum retrato

Mas teu rosto não me foge
nem teu riso enigmático
nesse mistério que explode
como um flash fotográfico

Mulher sem nome consomes
minha sede de ficar
nas asas de tua gruta
meu abrigo meu luar

Nesse instante és meu apelo
Aumentando esse tesão
só te quero verdadeira
se teu nome for paixão
--
Fonte:
http://www.passeiweb.com

Zélia Guardiano (Dia Irremediavelmente Triste)


Triste como um tigre
Cativo
Atrás de grades

Triste como a naja
Contida
Na vitrina
Do serpentário

Como o visionário
Mal vestido
Numa camisa
De força
Como o condenado
Rumo à forca

Como a transitoriedade
Da beleza
Como a falta de pão
Na mesa

Como a queda suicida
Do almiscareiro
Do Himalaia

Como o cardo
Em guerra
Contra o trigo

Como a partida
De um amigo
No domingo

Assim amanheceu
Meu dia

Como o lírio espetado
Na ikebana
Como a carta agourenta
Da cigana

Como o colibri
Ao ver seu ninho
Colhido pelo vendaval

Como o efeito
De um tsunami
Como o juízo final
--

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 2


ESPANHÓIS E PORTUGUESES

-No final do século 15, com o aperfeiçoamento da bússola, espanhóis e portugueses lançaram-se ao mar à procura de novas terras. Em 1492, o genovês Cristóvão Colombo, a serviço do rei de Espanha, desembarcou na América Central. Dois anos depois, em 1494, Portugal e Espanha, vizinhos e rivais na península Ibérica, assinaram o Tratado de Tordesilhas, dividindo entre si as terras descobertas e por descobrir no Novo Mundo, como se fossem herdeiros diretos de Adão e Eva. Em 1500, Pedro Álvares Cabral ancorou na costa brasileira, ficando ali a bandeira lusitana.

-Onde ficavam exatamente as fronteiras?

-O Tratado de Tordesilhas baseou-se numa linha imaginária que passava onde está hoje Belém do Pará e descia numa reta até Laguna, no litoral catarinense. O que houvesse a oeste da linha demarcatória seria da Espanha; o que existisse a leste seria de Portugal.

-Mas assim o Brasil ficaria pequeno...

-E foi justamente por isso que portugueses e espanhóis brigaram tanto, por muitos e muitos anos, até chegar-se à definição das fronteiras atuais.

-O Paraná era da Espanha?...

-Correto. Aqui onde nós estamos era território espanhol, até as encostas da serra do Mar, aos cuidados de um governador sediado em Assunção do Paraguai, que por sua vez era subordinado ao vice-rei do Peru.

-Que confusão!

-Creio ser necessário dar-lhe um resumo da história da América do Sul, para que você entenda melhor o contexto.

-Estou anotando.

-Pois bem: no início do século 16, enquanto os portugueses começavam a colonizar o Brasil, os espanhóis desciam da América Central e expandiam seu domínio na banda ocidental da América do Sul. Em 1532, numa expedição chefiada por Francisco Pizarro, chegaram ao Peru. Os incas, na época, estavam envolvidos numa tremenda guerra civil e os espanhóis aproveitaram para esmagá-los.

-Destruíram toda aquela antiga civilização?

-Quase toda. Restaram apenas algumas ruínas, que hoje constituem a maior atração turística do Peru. Pizarro estabeleceu-se primeiramente em Cuzco. Em 1535, fundou a cidade de Lima, perto do mar, instalando ali o ponto de partida para outras expedições. Em 1542, foi criado o vice-reinado do Peru, com a capital em Lima e jurisdição desde o Equador até os confins do Chile e da Argentina. O Peru tornou-se logo uma das “meninas dos olhos” do rei de Espanha: pela existência de numerosa mão de obra indígena (com os incas passando de senhores a escravos) e, sobretudo, pela fartura de minerais preciosos, a exemplo das minas do Potosi (hoje em território boliviano).

-Se entendi bem, o Paraná fazia parte desse vasto vice-reinado...

-O Paraná sim, como extensão do Paraguai. Daqui a pouco voltaremos a conversar sobre isso.

-Prossiga.

-Os espanhóis continuaram avançando em duas direções: de norte para sul, a partir de Lima; de sul para norte, a partir do rio da Prata, que eles haviam descoberto em 1516. Em 1536 já haviam fundado o núcleo inicial de Buenos Aires. Ao mesmo tempo, no lado brasileiro, os portugueses firmavam suas raízes, agora sob o sistema de capitanias hereditárias. Em 1580, um fato novo: o soberano português Dom Sebastião morreu na célebre batalha de Alcácer-Quibir. Filipe II, rei de Espanha, herdou o trono de Portugal. Houve assim a união dos dois reinos, até 1640.

-Significa que, nesse período, o Brasil ficou sendo colônia espanhola...

-Exatamente. Portugal, porém, embora sujeito ao trono espanhol, continuou como estado mais ou menos autônomo, de tal forma que os portugueses e seus descendentes permaneceram donos do Brasil, em constantes escaramuças com os colonizadores castelhanos.

-Até quando eles brigaram?

-Até 1777. Nesse ano Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Santo Ildefonso, que retocou o Tratado de Madri de 1750, reconheceu finalmente a expansão da fronteira oeste da América Portuguesa e fixou novos limites. Mas ainda falta anotar alguns fatos importantes.

-Diga.

-Um ano antes do Tratado, em 1776, havia sido criado o vice-reinado do rio da Prata, com a capital em Buenos Aires e abrangendo a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o território que mais tarde viria a ser a Bolívia. Com isso Buenos Aires assumiu a liderança política e econômica da região, enquanto o Chile, por sua vez, passou a ser uma capitania geral, subordinada ao vice-reinado do Peru.

-E aí, ao que me consta, começaram as lutas pela independência...

-Perfeito. Os ideais de liberdade que inspiraram a independência dos Estados Unidos em 1776 e deflagraram a Revolução Francesa em 1789 sacudiram a América do Sul a partir do início do século 19. Em 1810, os dominadores espanhóis já haviam sido expulsos da Argentina e do Uruguai. Iniciaram-se assim as lutas pela libertação de todo o hemisfério. Em 1811, o Paraguai conquistou a independência em campanha chefiada por José Gaspar Rodrigues Francia, o famoso Dr. Francia. Em 1817, o general argentino José de San Martin atravessou os Andes a cavalo, libertou o Chile em 1818 e proclamou a independência do Peru em 1820. Encontrou-se ali com o líder venezuelano Simón Bolívar, que em 1819 libertara a Venezuela e os territórios onde estão hoje a Colômbia e o Equador. Juntos, San Martin e Bolívar prosseguiram a luta até 1824, quando, vitoriosos na histórica batalha de Ayacucho, determinaram o fim do domínio espanhol na América do Sul. Dois anos antes, em 1822, Dom Pedro I havia proclamado a independência do Brasil, rompendo os laços com o trono português.

-E a Bolívia?

-A Bolívia é a antiga região do Alto Peru, que se separou do governo de Lima em 1825. O nome “Bolívia” é uma homenagem ao libertador Simón Bolívar.

-O senhor sabe das coisas!

-Leitura, seu moço. Leitura e boa memória.

A PROVÍNCIA DO GUAIRÁ

-Conversa vai, conversa vem, parece que perdemos o fio da meada. Falávamos do seu avô Catu...

-Voltemos então ao final do século 16. Estas terras, como lhe disse, pertenciam à Espanha, aos cuidados do governador de Assunção, compondo o imenso vice-reinado do Peru. Os colonizadores espanhóis, no ano de 1554, decidiram fundar povoações na margem leste do rio Paraná e após paciente trabalho diplomático firmaram um acordo de “convivência pacífica” com o grande cacique Guairá, a quem se deve o nome da região. Os castelhanos
enviados pelo governador Martínez de Irala fundaram primeiramente um vilarejo provisório, Ontiveiros, pouco abaixo do salto das Sete Quedas. Em 1556, o povoado foi transferido por Ruy Dias Malgarejo para três léguas acima, ode o Piquiri deságua no rio Paraná, ganhando o nome solene de Ciudad Real del Guairá. Vinte anos depois, em 1576, o mesmo Ry Malgarejo fundava na confluência dos rios Corumbataí e Ivaí a povoação denominada Villa Rica del Espiritu Santo, o mais avançado estabelecimento espanhol em sua expansão rumo ao Atlântico. No ponto onde existiu Villa Rica está atualmente a cidade de Fênix, assim chamada justamente por haver ressurgido das cinzas, como a ave mitológica. Fênix é a nova Villa Rica.

-Restam vestígios daquelas cidades espanholas?

-Umas poucas ruínas. Adiante explico.

-Vamos lá...

-Os castelhanos tinham fartos motivos para se fixarem na região do Guairá. Um desses motivos era barrar o avanço dos portugueses, que vinham de São Paulo pelo “Caminho do Peabiru” e sonhavam alcançar as minas do Potosi, descobertas nos Andes em 1545. Os espanhóis pretendiam também, por sua vez, estender seu domínio até o litoral leste, visando a assegurar uma saída pelo Atlântico. Outra razão ainda era a oportunidade de explorar a agricultura, principalmente a erva-mate, naquelas terras tão férteis, usando a mão de obra indígena em regime de escravidão. Havia aqui cerca de 200 mil índios...

-Era esse o acordo de “convivência pacífica” firmado com cacique?...

-Os espanhóis traíram o acordo, no que se refere à escravização dos nativos. Os guaranis, valentes e rebeldes, resistiram tanto quanto possível. Poucos deles aceitaram a escravidão. A maioria continuou enfrentando os invasores, chegando em várias ocasiões a atacar as povoações espanholas. Foi por isso que o rei de Espanha, na época Filipe III, acolhendo sugestão do governador de Assunção, decidiu confiar aos missionários jesuítas a pacificação dos índios.

-Quando foi isso?

-No comecinho do século 17. Os jesuítas já trabalhavam no Paraguai desde o final do século 16. Em 1602, chegaram ao Guairá para os primeiros contatos. A esperança do rei era que os missionários convertessem e serenizassem os guaranis, facilitando assim a penetração espanhola. De sua parte, os padres traziam o projeto de nuclear os nativos em aldeias fixas, onde lhes pudessem dar assistência material e religiosa, orientá-los para um tipo mais sofisticado de sociedade e defendê-los contra os que pretendiam escravizá-los.
-Seriam as famosas “reduções”, de que o senhor falava?

-Exatamente. Já chegaremos lá. A Carta Régia de 1608 criou oficialmente a “Província do Guairá”, cujos limites eram, ao norte, o rio Paranapanema; ao sul, o rio Iguaçu; a oeste o rio Paraná e, a leste, a serra do Mar.

-O atual estado do Paraná, quase todo...

-Ficavam de fora apenas a faixa litorânea e as terras entre o rio Iguaçu e a divisa de Santa Catarina. Pois bem: dentro da Província do Guairá os colonizadores espanhóis permaneceriam nas suas povoações (Ciudad Real e Villa Rica), e os jesuítas, com os índios, nas reduções, uns e outros acumulando a incumbência de assegurar para a Espanha o domínio do território.
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continua…

O e-book completo pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011
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