domingo, 26 de fevereiro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 493)


Uma Trova de Ademar

O Pantanal se engalana,
mas eu mesmo desconfio;
que até a própria chalana
sente ciúmes do rio.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

Pela janela indiscreta,
ante uma cena de amor,
a lua, sem ser poeta,
tenta um poema compor!
–CAROLINA RAMOS/SP–

Uma Trova Potiguar


Para salvar inocentes
das garras dos marginais,
Deus põe traços diferentes
nas impressões digitais.
–WELLINGTON OLIVEIRA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Ao partir para a outra vida,
aquilo que mais receio,
é deixar nessa partida,
tanta coisa pelo meio ...
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Uma Trova Premiada

1983 - Nova Friburgo/RJ
Tema: QUASE - Venc.


Retratando o que hoje somos,
vejo agora que restou
do quase dois que nós fomos
o quase nada que eu sou.
–SARA M. KANTER/SP–

Simplesmente Poesia

O Que Tu És Para Mim
–WELTON MELO/PE–


Sou tão feliz por estar contigo,
és meu abrigo, meu porto seguro,
és meu descanso quando estou cansado
és meu passado, presente e futuro.

És na partida a dor da saudade,
és liberdade quando estou detido,
tu és o sopro que me deu a vida
és a saída quando estou perdido.

tu és precisa numa precisão
és a razão por que mudei tanto,
tu és o manto que cobriu Maria
és calmaria que acalmou meu pranto.

Tu és o tudo quando estou no nada
és alvorada pra o amanhecer,
tu és a barra do final da tarde
e Deus me livre de perder você!

Estrofe do Dia

Remexendo os cascalhos da lembrança
pra saber o que eu tinha na verdade,
vi que resta bem menos da metade
do que eu tinha no tempo de criança;
até mesmo um restinho de esperança
meu ingrato destino carregou;
a minha perna esquerda gangrenou
transformando um atleta em aleijado,
quando volto um minuto no passado
vejo tudo o que o tempo me tomou...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Maldição
–OLAVO BILAC/RJ–


Se por vinte anos nesta furna escura
deixei dormir a minha solidão
hoje velha e cansada de amargura
minha alma se abrirá como um vulcão.

E em correntes de cólera e loucura
sobre tua cabeça ferverão
vinte anos de silêncio e de tortura,
vinte anos de agonia e solidão.

Maldito sejas pelo ideal perdido
pelo mal que fizestes sem querer,
pelo amor que morreu sem ter nascido,

pelas hora vividas sem prazer;
pela tristeza do que eu tenho sido,
e pelo esplendor que deixei de ser.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Franz Kreüther Pereira (Painel de Lendas & Mitos da Amazônia) Parte 7


Trabalho premiado (1º lugar) no Concurso "Folclore Amazônico 1993" da Academia Paraense de Letras

O BOTO

Zoologicamente se conhece na Amazônia duas espécies de boto, o vermelho e o preto ou "tucuxi", mas, recentemente o oceanógrafo Jacques Cousteau divulgou a descoberta de um terceiro tipo, o boto cor-de-rosa. O fato de ser branco, preto ou cor-de-rosa não importa quando se trata da inteligência desses cetáceos, que inclusive auxiliam os cientistas em pesquisas submarinas e atividades militares. Entretanto, o foco de interesses para o estudo folclórico está mais nos órgãos que determinam o sexo desses animais do que nas suas atitudes consideradas inteligentes.

Certa ocasião o Dr. Wilson Amanajás, que recolheu farto e pitoresco material folk em suas viagens pelo interior paraense e que, por algum tempo, publicou seus "causos" em jornais de Belém, contou-me sua teoria de que o mito da sedução e feitiço que o boto exerce, pode ter surgido a partir da semelhança existente entre o órgão sexual do macho da espécie com o pênis masculino, e o da fêmea com a genitália feminina. Segundo ele, um caboclo poderia estar copulando com um boto fêmea, e devido ao esforço para se manter sobre o roliço e escorregadio ventre, aliado ao natural desgaste físico próprio do ato, veio a desfalecer, e foi descoberto neste estado pelos companheiros. Para justificar tão vexatória situação, o caboclo saiu-se com uma história de que havia sido enfeitiçado, "mundiado", pelo animal. Se essa explicação carece de poesia, nem por isso está por completo distante da verdade. Sabemos que é comum, nos interiores, a zoofilia, o gostar de animais ao ponto de buscar neles o prazer sexual; daí ser plausível a teoria do Dr. Amanajás.

É comum ao amazônida atribuir dupla personalidade a certos elementos da flora ou da fauna. Assim, em relação ao boto, temos o delfim e o mito.

Reza a lenda que o boto costuma perseguir as mulheres que viajam pelos rios e inúmeros igarapés; ás vezes tenta virar a canoa em que elas se encontram, e suas investidas contra a embarcação se acentuam quando percebem que há mulheres menstruadas ou mesmo grávidas. Esse particular é curioso, e devemos observar que, em relação a mulher menstruada, há uma série de abusões e tabus, que realmente servem de vetor para certas atitudes e crenças populares. Durante a pesquisa de campo, algumas pessoas confessaram temer viajar nos pequenos "cascos" ou "montarias", quando nelas está uma mulher "incomodada". Outras nos contaram que o simples olhar de uma mulher gestante é capaz de fulminar uma cobra, e se ela passar por sobre o réptil então, o efeito é imediato. E há, ainda, a crença, que alguns caçadores possuem, segundo a qual, o simples toque de uma mulher menstruada pode azarar suas armas, tomando-as imprestáveis.

A que se deve essa superstição é difícil dizer. Pode estar, de alguma forma, relacionada com as influências da Lua e com as energias exudadas pala mulher durante este período em que seu organismo sofre sensíveis mudanças. É facilmente demonstrável pela Radiestesia - com o emprego de um simples pêndulo - que a mulher, durante seu cicio mensal, tem sua polaridade invertida; mas isso é assunto para a Parapsicologia.

Ele, o boto, é o grande encantado dos rios, que transformando-se num guapo rapaz, todo vestido de branco e portando um chapéu - que é para esconder o furo no alto da cabeça, por onde respira - percorre as vilas e povoados ribeirinhos, freqüenta as festas e seduz as moças, quase sempre engravidando-as. Há, inclusive, estórias em que a moça é fecundada durante o sono...

Para se livrarem da "influência" do bicho, os caboclos vão buscar ajuda na magia, apelando para os curandeiros e pajés. O primeiro com suas rezas e benzeduras exorciza a vítima, e o segundo "chupa" o feto do ventre da infeliz. É esse Don Juan caboclo, o sedutor das matas, o pai de todos os filhos cuja paternidade é "desconhecida", que deu origem a deliciosa expressão regionalista: "Foi o boto, sinhá!"

A credibilidade no mito é tamanha que há casos de pescadores perseguindo e matando o pobre cetáceo, por achá-lo responsável pela gravidez indesejada de suas filhas ou mulheres.

Na magia nativa ou pajelança, os órgãos sexuais, tanto do macho quanto da fêmea, possuem propriedades afrodisíacas extraordinárias e podem ser facilmente encontrados no mercado de ervas do Ver-o-Peso, em Belém*. Também, nessas barracas especializadas se pode comprar os olhos do boto, que possuem qualidades talismânicas excepcionais quando preparados - ou como dizem os caboclos: "curados" - por um pajé. Segundo os expertos no assunto, é o olho direito o portador das propriedades mágicas. Este, depois de seco, produz um ruído quando é sacudido, mas alguns barraqueiros já introduzem um granulo no interior do olho esquerdo, antes que esse seque, para que passe pelo verdadeiro olho direito do boto.

Dizem, também, que os dentes do boto podem ser usados no combate às dores da primeira dentição, e os miolos podem ser empregados numa beberagem que coloca a pessoa que bebê-la, sob o domínio e poder de outra. A gordura extraída do peixe-boto dá um excelente azeite para candeeiros, mas dizem que pode causar cegueira.

Há muitas histórias sobre o boto. Um relato curioso foi colhido pelo Padre Alcionilio Brúzzi[4], por volta de 1952. Conta esse missionário que na tribo Taryana, do povoado Araripirá, no Rio Uaupés, uma antiga aluna da Missão de Iauareté, casou-se com um moço Tukano [...], outro rapaz queria tê-la como esposa, e por vingança, indo certa vez em passeio pelo mato com o marido dela, deu-lhe a pegar uma folha de pirá-yawáre-púri, planta do boto". O relato contínua informando que certo dia "o marido ficou como boto", isto é, resfolegando como faz o boto fora da água, até que por fim mergulhou no Rio Negro, lá em Tapurucuara - antiga Santa Izabel -. Patrícia Izabel, a narradora do fato que o Padre Brüzzi transcreveu, informa ainda que o marido enfeitiçado ficou durante o dia todo dentro da água. Os botos o empurraram para a terra e ele "virou gente outra vez, e várias vezes "ele tem virado boto".

O alter-ego feminino do boto é a IARA, uma bela mulher cujo canto enfeitiça e atrai os jovens para o fundo dos rios ou lagos. As primeiras referências ao mito datam, segundo o pesquisador Ararê M. Bezerra[5], de meados do século XIX.

4 BRÚZI, Alcionilio da Silva. A civilização dos indígenas do Uaupés. São Paulo: Linográfica Editora Ltda,
1962.
5 BEZERRA, Arare Marrocos. Amazônia, lendas e mitos. Belém: Editora da EMBRAPA,1985.
* “Dezenas de botos tucuxis são sacrificados semanalmente na Ilha do Marajó para abastecer o Ver-o-Peso com seus órgãos genitais.(...) Comprar vagina ou pênis de boto é negócio antigo aqui, disse o comerciante Adalberto Leal, 39 anos, há 11 vendedor de ervas. Para os crédulos, completa ele, usar amuleto com o sexo de ‘bota’ pendurado ao pescoço atrai boa sorte no relacionamento com os sexo oposto.” (Trecho da reportagem Matança de boto no Marajó, jornal O Liberal, set. 1997, via Internet). A pesca predatória e a matança indiscriminada de botos para atender este comércio ilegal tem sido motivo de justa preocupação para os ambientalistas e organizações não-governamentais ecológicas defensoras do Marajó.

Lima Barreto (Triste Fim de Policarpo Quaresma)


Análise da obra

Publicado inicialmente em folhetins do Jornal do Comércio entre agosto e outubro de 1911 e depois em livro em 1916, Triste Fim de Policarpo Quaresma, obra mais famosa de Lima Barreto, condensa em si muitas das características que consagraram seu autor como o melhor de seu tempo.

A obra focaliza fatos históricos e políticos ocorridos durante a fase de instalação da república, mais precisamente no governo de Floriano Peixoto (1891 - 1894). Seus ataques, sempre escachados, derramam-se para todos os lados significativos da sociedade que contempla, a Primeira República, ou seja, as primeiras décadas desse regime aqui no Brasil.

Assim, Lima Barreto encaixa-se no Pré-Modernismo (1902-22), pois, respeita códigos literários antigos (principalmente o Naturalismo, conforme anteriormente apontado), mas já apresenta uma linguagem nova, mais arejada em relação ao momento anterior.

O romance narrado em terceira pessoa, descreve a vida política do Brasil após a Proclamação da República, caricaturizando o nacionalismo ingênuo, fanatizante e xenófobo do Major Policarpo Quaresma, apavorado com a descaracterização da cultura e da sociedade brasileira, modelada em valores europeus.

Divertido e colorido no início, o livro se desdobra no sofrimento patético do major Quaresma, incompreendido e martirizado, convertido numa espécie de Dom Quixote nacional, otimista incurável, visionário, paladino da justiça, expressando na sua ingenuidade a doçura e o calor humano do homem do povo.

O romance anuncia no título o seu desfecho pouco alegre, apesar do enredo em que os efeitos cômicos estão aliados ao entusiasmo ingênuo do personagem central e ao seu inconformismo e obsessões. Quaresma é um tipo rico em manifestações inusitadas: seus requerimentos pedindo o tupi-guarani como língua oficial, seu jeito de receber chorando as visitas, suas pesquisas folclóricas; tudo procurando despertar o riso no leitor que, no final, presencia sua morte solitária e triste: “Com tal gente era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente num ilhéu qualquer, mas levando para o túmulo inteiramente intacto o seu orgulho, a sua doçura, a sua personalidade moral, sem a mácula de um empenho, que diminuísse a injustiça de sua morte, que de algum modo fizesse crer aos algozes que eles tinham direito de matá-lo”.

Outro personagem que merece especial atenção é Ricardo Coração dos Outros, o seresteiro do subúrbio, que enriquece a narrativa em que se mostra a paixão pela cidade, os bairros distantes, as serenatas e os violões compondo um cenário pitoresco do Rio de Janeiro da época.

ESTRUTURA DA OBRA

A obra divide-se em três partes.

Primeira parte - Retrata o burocrata exemplar, patriota e nacionalista extremado, interessado pelas coisas do Brasil: a música, o folclore e o tupi-guarani. Esta parte está ligada à Cultura Brasileira, onde conhecemos a personagem e suas manias. Sabe tudo sobre a geografia do nosso país. Sua casa é repleta de livros que se refiram à nossa nação. O que come e bebe é tipicamente brasileiro. Até o seu jardim só possui plantas nativas. Chega a estudar violão – instrumento de má fama na época, pois era associado a malandros – com Ricardo Coração dos Outros, já que descobre que a modinha, estilo tipicamente brasileiro, era tocada com esse instrumento.

Duas são suas grandes ações. A primeira está em estudar o folclore do Brasil para incrementar uma festa de seu vizinho, General Albernaz com algum folguedo popular. Descobre então o Tangolomango, brincadeira que consistia na dança com dez crianças, até que um sujeito, com uma máscara, deveria pegar uma a uma sucessivamente. O problema é que Quaresma empolgou-se tanto com a brincadeira que terminou passando mal, por falta de ar, ou, como se dizia na época, acabou tendo um “tangolomango”. Por aí já se tem uma idéia da ironia do autor.

O clímax da falta de senso de ridículo do protagonista foi ter mandado à Câmara um requerimento, pedindo para que a língua oficial do Brasil deixasse de ser o Português, idioma emprestado e por isso incentivador de inúmeras polêmicas entre nossos gramáticos (seu argumento, nesse aspecto, é o de que não podemos dominar um idioma que não é nosso e que, portanto, não respeita a nossa realidade. Idéias bastante interessantes, mas apenas isso, pois é ridículo imaginar que uma língua seja mudada por decreto). No seu lugar propõe o tupi.

Resultado: vira motivo de chacota até na Imprensa. Seus colegas de trabalham aumentam as constantes ironias que jogam sobre a ele. Um chega a dizer que Quaresma estava errado ao querer impor aos outros uma língua que nem ele próprio, autor do requerimento, dominava. Idéia inverídica, tanto que o protagonista, irado, não percebe que escreve um ofício em tupi. Quando o documento chega aos superiores, a conseqüência é nefasta: o protagonista é internado no hospício.

Segunda parte - Mostra o Major Quaresma desiludido com as incompreensões o que o faz se retirar para o campo onde se empenha na reforma da agricultura brasileira e no combate às saúvas. Nesta parte, dedicada à Agricultura Brasileira, vemos Quaresma refugiar-se num sítio que compra, em Curuzu, e tem por intenção provar que o solo brasileiro é o mais fértil do mundo. Dedica-se, portanto, a estudar tudo o que se refere a agricultura. Mais uma vez, distancia-se, em sua perfeição, da realidade. Torna-se defeituoso.

Terceira parte - Acentua-se a sátira política. Motivado pela Revolta da Armada, Quaresma apóia Floriano Peixoto e, aos poucos, vai identificando os interesses pessoais que movem as pessoas, desnudando o tiranete grotesco em que se convertera o "Marechal de Ferro". Quaresma larga seus projetos agrícolas ao saber que estava ocorrendo a Revolta da Armada, quando marinheiros se rebelaram contra o presidente Floriano Peixoto. Na filosofia do protagonista, sua pátria só seria grande quando a autoridade fosse respeitada. Em defesa desse ideal, volta para a Capital, para alistar-se nas tropas de defesa do regime.

O interessante é notar a alienação em que a população mergulha diante de um tema tão preocupante como uma revolta. Recuperada do susto dos constantes tiroteios, parte da população chega a ver tudo como um festival, havendo até quem colecionasse as balas perdidas.

Enfim, a revolta é sufocada. Quaresma é transferido para a Ilha das Cobras, onde trabalhará como carcereiro. É então que presencia uma cena que lhe é chocante. Um juiz aparece por lá e distribui (esse termo é o mais adequado mesmo) as condenações aleatoriamente, sem julgamento ou qualquer outro tipo de análise. Indignado, pois acreditava que sua pátria, para ser perfeita, tem de estar sustentada em fortes ideais de justiça, escreve uma carta para o presidente, pedindo a reparação de tal erro.

Infelizmente, o herói não foi interpretado adequadamente, o que revela uma certa miopia dos governantes. Por causa de tal pedido, é preso e condenado à morte, pois foi visto como uma traição. Há nesse ponto uma ironia, pois justo o único personagem que se preocupou com o seu país foi considerado traidor, enquanto outros, que se aproveitaram no conflito para conseguir vantagens políticas, como Armando Borges, Genelício e Bustamante, saíram-se vitoriosos.

No final, tal qual Dom Quixote, Quaresma acorda, recobra a razão. Percebe que a pátria, por que sempre lutara, era uma ilusão, nunca existira. Num momento pungente, tocante, descobre que passara toda a sua vida numa inutilidade.

Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, na configuração dos elementos da narrativa, notamos a presença predominante da ironia e as impertinências contidas na figura central do romance, Quaresma, alegando que o tupi, por ser a língua nativa brasileira proporcionaria melhor adaptação ao nosso aparelho fonador. Além disso, segundo ele, os portugueses são os donos da língua e, para alterá-la teríamos de pedir licença a eles.

O narrador é solidário com sua personagem pois não deixa de criticar os que zombam de Quaresma. No livro, encontramos ora um Quaresma, entusiasmado, apaixonado pelo Brasil, ora um Quaresma desiludido, amargo, diante da ingratidão do país para com seus bons objetivos. Nesse ponto, o que vemos é um personagem condenado à solidão, já que seus ideais batem de frente com os interesses políticos e com o capital estrangeiro.

Desse modo, temos o personagem central vivendo três momentos na obra: valorizando as coisas da terra – a história, a geografia, a literatura, o folclore; no sítio do sossego a frustrada busca de uma solução para o problema agrário, o que faz o romance se vestir de uma profunda atualidade; finalmente, o envolvimento na Revolta da Armada, o que acaba lhe custando a vida.

ENREDO

O funcionário público Policarpo Quaresma, nacionalista e patriota extremado, é conhecido por todos como major Quaresma, no Arsenal de Guerra, onde exerce a função de subsecretário. Sem muitos amigos, vive isolado com sua irmã Dona Adelaide, mantendo os mesmos hábitos há trinta anos. Seu fanatismo patriótico se reflete nos autores nacionais de sua vasta biblioteca e no modo de ver o Brasil. Para ele, tudo do país é superior, chegando até mesmo a "amputar alguns quilômetros ao Nilo" apenas para destacar a grandiosidade do Amazonas. Por isso, em casa ou na repartição, é sempre incompreendido.

Esse patriotismo leva-o a valorizar o violão, instrumento marginalizado na época, visto como sinônimo de malandragem. Atribuindo-lhe valores nacionais, decide aprender a tocá-lo com o professor Ricardo Coração dos Outros. Em busca de modinhas do folclore brasileiro, para a festa do general Albernaz, seu vizinho, lê tudo sobre o assunto, descobrindo, com grande decepção, que um bom número de nossas tradições e canções vinha do estrangeiro. Sem desanimar, decide estudar algo tipicamente nacional: os costumes tupinambás. Alguns dias depois, o compadre, Vicente Coleoni, e a afilhada, Dona Olga, são recebidos no melhor estilo Tupinambá: com choros, berros e descabelamentos. Abandonando o violão, o major volta-se para o maracá e a inúbia, instrumentos indígenas tipicamente nacionais.

Ainda nessa esteira nacionalista, propõe, em documento enviado ao Congresso Nacional, a substituição do português pelo tupi-guarani, a verdadeira língua do Brasil. Por isso, torna-se objeto de ridicularizarão, escárnio e ironia. Um ofício em tupi, enviado ao Ministro da Guerra, por engano, levá-o à suspensão e como suas manias sugerem um claro desvio comportamental, é aposentado por invalidez, depois de passar alguns meses no hospício.

Após recuperar-se da insanidade, Quaresma deixa a casa de saúde e compra o Sossego, um sítio no interior do Rio de Janeiro; está decidido a trabalhar na terra. Com Adelaide e o preto Anastácio, muda-se para o campo. A idéia de tirar da fértil terra brasileira seu sustento e felicidade anima-o. Adquire vários instrumentos e livros sobre agricultura e logo aprende a manejar a enxada. Orgulhoso da terra brasileira que, de tão boa, dispensa adubos, recebe a visita de Ricardo Coração dos Outros e da afilhada Olga, que não vê todo o progresso no campo, alardeado pelo padrinho. Nota, sim, muita pobreza e desânimo naquela gente simples.

Depois de algum tempo, o projeto agrícola de Quaresma cai por terra, derrotado por três inimigos terríveis. Primeiro, o clientelismo hipócrita dos políticos. Como Policarpo não quis compactuar com uma fraude da política local, passa a ser multado indevidamente.O segundo, foi a deficiente estrutura agrária brasileira que lhe impede de vender uma boa safra, sem tomar prejuízo. O terceiro, foi a voracidade dos imbatíveis exércitos de saúvas, que, ferozmente, devoravam sua lavoura e reservas de milho e feijão. Desanimado, estende sua dor à pobre população rural, lamentando o abandono de terras improdutivas e a falta de solidariedade do governo, protetor dos grandes latifundiários do café. Para ele, era necessária uma nova administração.

A Revolta da Armada - insurreição dos marinheiros da esquadra contra o continuísmo florianista - faz com que Quaresma abandone a batalha campestre e, como bom patriota, siga para o Rio de Janeiro. Alistando-se na frente de combate em defesa do Marechal Floriano, torna-se comandante de um destacamento, onde estuda artilharia, balística, mecânica.

Durante a visita de Floriano Peixoto ao quartel, que já o conhecia do arsenal, Policarpo fica sabendo que o marechal havia lido seu "projeto agrícola" para a nação. Diante do entusiasmo e observações oníricas do comandante, o Presidente simplesmente responde: "Você Quaresma é um visionário".

Após quatro meses de revolta, a Armada ainda resiste bravamente. Diante da indiferença de Floriano para com seu "projeto", Quaresma questiona-se se vale a pena deixar o sossego de casa e se arriscar, ou até morrer nas trincheiras por esse homem. Mas continua lutando e acaba ferido. Enquanto isso, sozinha, a irmã Adelaide pouco pode fazer pelo sítio do Sossego, que já demonstra sinais de completo abandono. Em uma carta à Adelaide, descreve-lhe as batalhas e fala de seu ferimento. Contudo, Quaresma se restabelece e, ao fim da revolta, que dura sete meses, é designado carcereiro da Ilha das Enxadas, prisão dos marinheiros insurgentes.

Uma madrugada é visitado por um emissário do governo que, aleatoriamente, escolhe doze prisioneiros que são levados pela escolta para fuzilamento. Indignado, escreve a Floriano, denunciando esse tipo de atrocidade cometida pelo governo. Acaba sendo preso como traidor e conduzido à Ilha das Cobras. Apesar de tanto empenho e fidelidade, Quaresma é condenado à morte. Preocupado com sua situação, Ricardo busca auxílio nas repartições e com amigos do próprio Quaresma, que nada fazem, pois temem por seus empregos. Mesmo contrariando a vontade e ambição do marido, sua afilhada, Olga, tenta ajudá-lo, buscando o apoio de Floriano, mas nada consegue. A morte será o triste fim de Policarpo Quaresma.

Fonte:

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 492)


Uma Trova de Ademar

Plantei um pé de tomate
e fiz tanta adubação,
que ele está dando abacate,
alho, cebola, e melão!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


No velório da Guiomar,
o viúvo viu, cabreiro,
que choravam sem parar
os homens do bairro inteiro.
–JOSÉ TAVARES DE LIMA/MG–

Uma Trova Potiguar


Da viúva do prefeito,
seu defeito é conhecido,
leva sempre alguém pro leito,
com saudades do marido.
–FABIANO WANDERLEY/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Um carteiro dedicado,
em um dia de atropelo,
acabou sendo chamado
de relaxado, sem sê-lo.
–ALFREDO VALADARES/MG–

Uma Trova Premiada


2006 - Nova Friburgo/RJ
Tema: VINGANÇA - M/E


Motorista embriagado
depois do poste arrancar,
grita irado: - Fui vingado!
Quem mandou você parar!
–WANDA HORILDA DE LIMA/MG–

Estrofe do Dia


O rico é muito querido,
mas o pobre em tudo esbarra;
o rico é quem se embebeda
o pobre é quem paga a farra;
o rico deflora a moça
e o pobre casa na marra!
–DINIZ VITORINO/PB–

Soneto do Dia

Um Gestor “Chegando Lá”
–FRANCISCO MACEDO/RN–


Um ex-gestor chegando às “profundezas”,
o belzebu lhe deu toda uma acolhida...
Perguntou logo: - O que fez na outra vida?
... E não me esconda as tuas safadezas!

- Só recebi uns “tocos” pras despesas
de uma campanha, já quase perdida,
pra uma mulher sagaz, muito sabida,
que se dizia a mãe dessa pobreza.

- Eu fiquei rico, sem tirar botija,
comprei TV, jornal... Não me corrija!
Um bom gestor, assim, é que é moderno.

E o satanás falou - cabra da peste!
por tudo que fizeste e não fizeste:
Tás condenado a mil anos no inferno!

Isabel Furini (Conceitos - Poesia e Poema)


Poesia é quase um sinônimo de beleza, de estética.

O céu azul é lindo, podemos dizer que é poético.

Uma flor é bela, afirmamos que uma flor é poesia.

Poesia é beleza, encantamento estético. Pode expressar-se de diferentes formas

POEMA?

Poema é a poesia transformada em verso.

A poesia se transforma em poema quando alguém escrever versos – transforma emoção, arrobamento, de beleza ou encantamento estético em versos.

VERSOS?

Cada linha de um poema é um verso. Por exemplo: uma trova é composta por quatro versos.

Podem ser versos pequeninos ou gigantes. O autor tem “licença poética” para expressar suas emoções, seus sentimentos, sua forma de ver o mundo.

Veja poema pequenino:

Tufão na floresta
entre as árvores tombadas
os pássaros mortos. (Isabel Furini)

E um poema longo:

TECNO ESCRAVOS

Malabaristas.
Objetos desenham formas curvilíneas no ar infectado de mosquitos.

Não muito longe, o pantanal aflito
Grita por socorro no fechado nevoeiro.
Ninguém escuta! Há música e cervejinha
e há risos e mais música e mais cerveja.

A vida se transformou em pantomima.
A morte os surpreende de fininho...
A vida é diversão que se prolonga...
ninguém se atreve a discordar da maioria .
Recriação da caverna de Platão,
circo romano
e televisão são alegria.

E alguém escreve: A Idade Média voltou... ou nunca ficou extinta?
Os senhores feudais são chamados empresários,
mas tem as mesmas mordomias.

Hipótese descartada.
Monografias exigem citações
só doutores tem direito ao pensamento,
o povo é considerado burro (A Terra
é um lugar onde os clones clonam seres clonados).

E o circo continua com poucas variações.

O intruso da monografia está enclausurado,
os manicômios estão repletos de poetas,
filósofos, livre-pensadores e outros bichos cavernícolas.

A sociedade aplaude tecno escravos (aptos e bem equilibrados).

Globalização exige competência – com alto grau de astúcia.
É preciso esmagar a concorrência!
Moradores do Terceiro Milênio, viciados em Internet e em fast food.
escravos da alta tecnologia – tecno escravos,
números que nascem e morrem ao acaso.
Formatados pelo sistema, fingem ser felizes no espaço
reduzido de uma tela em branco.

Malabaristas em um mundo escravizado.

Jogam novamente os bastões no ar e o circo continua...
(Poema de Isabel Furini)

ESTROFE

Estrofe é um conjunto de versos. Um poema pode ter uma ou várias estrofes. As estrofes de um poema são separadas por uma linha em branco.

Segundo o número de versos (linhas) as estrofes recebem um nome:

Estrofe de um verso
Dois versos: dístico.
Três versos: terceto.
Quatro versos: quadra ou quarteto.
Cinco versos: quinteto ou quintilha.
Seis versos: sexteto ou sextilha.
Sete versos: sétima ou septilha.
Oito versos: oitava.
Nove versos: novena ou nona.
Dez versos: décima.

Assim quando lemos que um soneto é composto de duas quadras e dois tercetos, sabemos que são 4 estrofes: a primeira e a segunda estrofes de quatro versos cada uma, e a terceira e a quarta de três versos cada uma.

Fonte:
http://livrodoescritor.blogspot.com/2011/12/conceitos-poesia-e-poemas.html

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Francisca Clotilde/CE (Livro de Sonetos)


Biografia em
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2011/05/francisca-clotilde-1862-1935.html


TEU NOME

É bálsamo de amor que os lábios suaviza
É cântico do céu... encanta, atrai, consola,
Essência lirial que para Deus se evola,
É hino de esperança e as dores ameniza.

Maria! Ao repetir teu nome se matiza
De bençãos meu viver que a dor cruel.
Doce réstia de luz, confortadora esmola
Da graça e do perdão que as almas sublimiza.

Permite, oh! Mãe bondosa, oh! Virgem sacrossanta
De teu nome ideal que a melodia santa,
Vibrando dentro em mim as horas de amargura,

Seja a nota eteral, a nota harmoniosa
Que minha alma murmure, a te fitar ansiosa,
Estrela que nos guia à pátria da ventura!

A REDENÇÃO

A treva esconde a face delicada
Do Salvador exangue sobre a Cruz,
Porque fugia do sol a própria luz
E a natureza treme horrorizada.

Nem um conforto! Só a desvelada
Mãe comprimida ao lenho de Jesus
Sente pungir-lhe n’alma desolada
A dor cruel que a pena não traduz.

Silêncio, trevas, mágoa, confusão!
Eis terminada a lúgubre Paixão
Consumou-se a tragédia deicida.

Abriu-se o eco, oh! justos, exultai!
Flori boninas! Aves gorjeai
Saudando a humanidade redimida!

MARIPOSA

Incauta mariposa em torno à luz
Viceja pela chama fascinada,
Até que enfim examine, crestada
Cai em meio do fogo que a seduz.

A chama q’ue dos olhos teus transluz
Tem minha alma em desejos torturada
E aií tento fugir mais abrasadas
Me sinto neste amor q’ue cresce a flux.

Oh! Fecho os negros olhos sedutores,
Não me queimes nos férvidos ardores
De uma louca paixão voráz e forte

Receio que minha alma caia exausta
Neste abismo de luz como a pirausta
Que buscam o prazer e encontra a morte

À ANA NOGUEIRA

Não te corre nas veias delicadas
O sangue azul da fátua realeza,
Nem te cerca o prestigio de grandeza
Que enaltece as cabeças coroadas;

Desconheces as regras variadas
De etiqueta, requinte da nobreza,
Nem preferes à doce singeleza
Em que vives as côrtes decantadas.

A teus pés não se curva a multidão
Para beijar tua pequenina mão,
Quando passas incógnita e sozinha;

Mas, sendo, como és formosa, e boa,
Tens uma bela e fúlgida coroa,
E vales muito mais que uma rainha.

CEARÁ

Ave, Terra da Luz, Ó pátria estremecida,
Como exulta minha alma a proclamar-te a glória,
Teu nome refugastes inscreve-se na história,
És bela, sem rival, no mundo, engrandecida!

A dor te acrisolou a força enaltecida,
Conquistaste a lutar as palmas da vitória
Hoje és livre e de heróis a fúlgida memória
Jamais se apagará e a fama enobrecida.

O sol abrasa e doura os teus mares que anseiam
Em vagas que se irisam, que também se alteiam
A beijar com ardor teus alvos areiais.

Eia! Terra querida, sempre avante!
Deus te guie no futuro em ramagem brilhante
Nas delícias do bem, nos júbilos da paz!

A GARÇA

Ei-la triste a mirar as águas irrequietas,
Parecendo evocar em visões luminosas
O passado de amor, as estâncias diletas,
Outro céu bem distante, outras margens formosas!

Exilada talvez das paragens ditosas,
Onde outrora gozou de alegria discretas,
Quer as asas de neve, essas asas plumosas
Espalmar pelo azul e voar como as setas.

Mas coitada! Não pode atingir as alturas,
Pois alguém a privou de fruir as venturas
Do inocente viver, da feliz liberdade.

Como a garça, tristonha, eu me sinto finar,
E não posso fugir... e não posso voar
Tenho aqui de carpir a tristeza, a saudade.

ÍRIS

Ergue-se a cruz no monte! as sombras lutulentas
Foram-se as nuvens negras, procelosas,
Ostenta o íris as cores luminosas,
Cessa o terror, se espalha a alacridade.

Já não se escuta a voz da tempestade
O vento se acalmou, brisas cheirosas,
Vão soprando de manso, cariciosas,
Trazendo a paz do céu que nos invade.

Os corações se expandem docemente,
O espírito agitado ora descansa,
Aos sorrisos da luz clara fulgente!...

Íris do amor, estrella da bonança,
Temos, da vida na hora mais pungente,
O divino conforto da esperança.

VÉSPER

A noite faz-se bela e iluminada.
Vésper brilhante, a confidente amiga
Surgiu no azul, estrela abençoada
Cujo fulgor os corações abriga!

E, da tela infinita a luz dourada,
Essa luz que consola e que mitiga
A saudade, o pesar, a dor antiga
No eflúvio do céu carícia amada.

Desperta dentro em mim viva lembrança
De ventura que foge e não se alcança,
Por que no mundo é tudo falso e vão

E enquanto pelo céu Vésper fulgura,
Sinto envolver-me a treva da amargura
A noite sem estrela e sem clarão.

A PALMEIRA

Sobre o vasto areal, na extensão do deserto,
Erguia senhoril à luz, ao sol, ao vento.
A palmeira sorri-se ao viajor sedento
_Oásis verdejantes _ a se mostrar bem perto.

Em miragem tão bela... O seu leque entreaberto
Parece-lhe indicar, no rumo poeirento,
Das águas o frescor, a sombra, o aprazamento,
O descanso sonhado... o conforto mais certo.

Palmeira abençoada! Ao coração que oprime
A fadiga cruel, no itinerário rude,
Esperança e consolo o teu perfil exprime.

Quantas vezes também o prazer nos ilude
Mas que a vista do céu a noss’alma reanime
Seguiremos o bem, o dever, a virtude.

Fonte:
Sonetos.com.br

J. G. de Araújo Jorge (Retrato da Infância)


Felicidade é a gente poder olhar para trás e encontrar esse vago mundo em “sol menor” que se chama infância. Adivinhação da vida. Bem sei que, com muita gente, acontece essa coisa estranha: torna-se adulto sem ter sido criança. Ou, o que é pior: ter sido criança sem ter tido infância.

A infância, para mim, não é apenas e simplesmente uma idade, mas justamente aquele mundo de pequeninas coisas que tornam inconfundível na lembrança um tempo de alegria, um tempo em que conhecemos a felicidade sem ao menos nos apercebermos dela.

Uma vez escrevi:

“Infância mesmo
a gente só pode ter
depois de crescer.
Porque antes
a gente não sabe.”


Não é uma pena que a gente só descubra a infância depois que ela passou? Que ela seja como um sonho de que só temos consciência quando acordamos, já adultos? Ah, se pudéssemos retornar o sonho, tão próximo e tão distante, interrompido pela vida, para revive-lo plenamente, com a consciência, com os sentidos despertos.

Ocorrem-me agora aqueles versos:

“Mamãe - palavra azul, cor da distancia,
quem não pode algum dia pronunciá-la,/
nasceu, cresceu... mas nunca teve infância...”


Mas não quero referir-me somente aos que não conheceram seus pais, os que nasceram órfãos, os que nunca souberam o que significa um lar, mas aos que não tiveram a oportunidade de experimentar tantas e infinitas alegrias colhidas com liberdade e amor.

Os que nunca souberam pronunciar a palavra infância com todas as suas letras; não tiveram companheiros de aventuras; não sabem o sentido de coisas simples e inesquecíveis como bolas de gude, piões, papagaios, balões... Sou um homem feliz porque tive infância. E quantas vezes tenho fugido para ela, tentando reabastecer o coração de esperanças e ilusões. Sim: posso encontra-la viva, intensa, apenas volto o rosto, em cada curva da lembrança.

Por isso tenho escrito sobre suas recordações e sobre a sua eterna presença. Releio outro poema, ainda inédito:

“Ah, a infância, esse país de lenda
sem a ameaça da morte.”


Me lembro da minha infância: trago-a intacta dentro de mim, posso quase toca-la com as mãos. Nela fui rei e moleque. Ficaram em meu corpo suas marcas e cicatrizes e me orgulho delas como um combatente de suas medalhas. Cada uma tem uma história, encerra uma aventura. Vivi todos os seus riscos, junto aos companheiros. Ainda ouço a voz de minha mãe me repreendendo, quando voltava para casa:

- Já não disse que não quero você com aqueles moleques?

E quantas vezes ouvi também outras mães chamando por seus filhos e repreendendo-os com as mesmas palavras.

Me lembro de minha infância. Esbocei dela dois pequenos retratos no livro. A Outra Face. Um, com oito a dez anos, em Rio Branco no Acre, garoto solto, de beira-rio (sem o lirismo casiminiano), tomando banho nos igarapés, tirando alfenim na engenhoca, comendo cacau maduro na floresta; outro dos 11 aos 15 anos, aqui no Rio, em Botafogo, metido em “peladas”, e pescarias nas pedras atrás do morro da Viúva.

Fui rico de infância: tive uma, no interior, livre, em contato com a natureza, aprendendo com os bichos e as coisas; outra, na cidade grande, já sabido apavorando as tias, desencaminhando os primos; capitão de moleques.

O velho rio é a moldura da primeira, sublinha a sua paisagem. Pergunto por ele num poema ainda por publicar:

“Onde estás, rio Acre, de Rio Branco,
rio vermelho que o tempo azulou,
que corres para a distancia
e que foges de mim?
Rio Acre da minha infância
que sempre vais
de onde eu vim...”


No livro Amo! há outras reminiscências, em tantas perguntas:

“Onde estão aqueles olhos cheios de desejos puros
e que mesmo rebeldes
olhavam para os céus?
E aquela alma inquieta, como os caminhos
nos campos, os varadouros
e os igarapés alegres da floresta?
E aqueles lábios que não conheciam o sabor dos beijos
mas mordiam os bagos branquinhos e doces de ingá
e a polpa suculenta dos cajus?
Onde está o meu primeiro amor
a menina de cabelos negros
e de olhos da cor do rio
que nunca será esquecida?”


E a resposta inexorável:

“O tempo ladrão roubou/ de parceria com a vida...”

Me lembro de tudo. E quero fixar nesta página os traços do retrato mais distante, que ficou no Acre. Primeiro, a paisagem: a casa grande, coberta de zinco, com um l argo alpendre aberto para as mangueiras, cercada pelo milharal. E meu pai:

O “velho” pigarreando
de chinela, de pijama,
despacha papéis na sala.
O anspeçada no alpendre
o milharal com penachos,
as saúvas carregando
como fardos, grãos de milho;
arma o tempo, baixa o tempo,
barrica cheia entornando
cantando embaixo da calha.
Que bom o banho na chuva!


Depois a visão do engenho:

Tempo bom! Engenho rude
boi rodando, boi rodando,
- que pena no olhar do boi!
Moenda geme sozinha,
garapa sempre escorrendo,
tachada de mel virando
rapadura se fazendo,
cana raspada prontinha
alfenim branquinho, puro
que nem o sonho de Eudóxia.


Ao mesmo tempo, as recordações do grupo Escolar 7 de Setembro, primeira escola, curso primário da vida:

Festa no Grupo Escolar:
eu, apache, ela, duquesa,
pulseirinha feito cobra
que o preso fez na cadeia,
tem meu nome, o nome dela,
- primeira algema de amor.


E a vida livre:

Saguaçu voa na mata
baladeira estica, estica,
pedra parte, não vem mais.”


Lição de coisas:

“O touro
e a vaca pastam no campo;
o cavalo e a égua cruzam
nos terrenos da Intendência
à vista de D.Zefa
e do padre Bernardeli.
A molecada faz roda
seu padre faz que não vê.”


E a festa na vila, a “chata”que apitava lá em baixo, na curva do rio, junto da cadeia, anunciando a civilização.

“Sino tocando, tocando,
foguete no ar estalando
vestido novo, de seda,
chata trouxe de Manaus;
cara pintada, cabelo
com fita grande, parece
que borboleta pousou
na cabeça da Nininha.”

Roupa branca, meia branca,
camisa branca, sapato
branco, tudo branco,
parece até comunhão
mas não é, é festa só.

Meu Deus, quanta coisa, quanta
coisa mesmo se passou.
Será que isto tudo é meu
ou foi alguém que contou?


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Nilto Maciel (A Prova)


Dalila falava de Sansão. Contava casos, proezas. Eu me impressionava. Sempre me impressionaram mulheres bonitas e, ao mesmo tempo, decididas, corajosas, ousadas. A beleza delas talvez me venha dessas qualidades.

Cativo dela, perdi a timidez e fiz a pergunta-chave: por que traíra Sansão? E a resposta veio categórica: porque não gostava dele.

E Dalila ria, quase gargalhava, ao relembrar Sansão sem cabelos, enfraquecido. Eu também ria, contagiado pelo riso dela. E encantado de sua beleza. Outros teriam medo, fugiriam ou nem sequer dela se aproximariam.

Estávamos numa casa rústica. Só nós. Eu imaginava como seria o resto do dia. Ela falaria o tempo todo? Não sairíamos a passeio pelo bosque? Não nos banharíamos no rio? E o almoço? Não, eu não sentia fome ainda. Só desejos. Com certeza, antes da noite estaríamos na cama. Porém eu suportaria espera tão longa? E nem mais queria falar de Sansão, por mais simpatia que tivesse por ele. Um herói, sem dúvida. Um grande herói!

Tomamos licor, ouvimos música e perdi de vez a timidez. Falei de mim mesmo, contei piadas, cantei. Nunca tivera tão perto mulher como aquela. As outras mal conversavam, não tinham passado, só ânsias. E depois não restava nada. Nem saudades. Se belas, faltava-lhes vida. E eu as esquecia logo. A seguinte apagava da memória a anterior.

— Você é mesmo a Dalila de Sansão?

Ela riu, pediu licença e se retirou. Iria buscar a tesoura? Para que, se meus cabelos eram curtos? Não tive medo ainda. Talvez ela voltasse nua e ali mesmo na sala se entregasse a mim. Num minuto voltou. Trazia uma bandeja reluzente e sorria, como sempre. Pensei no almoço. E senti fome.

— Não precisava se incomodar.

Aproximou-se de mim.

— Trago a prova: a cabeça de Sansão.

Horrorizado, acordei.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira: contos. Brasília: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 491)


Uma Trova de Ademar

A vida escreve-me enredos
com finais que eu abomino.
Meus sonhos viram brinquedos
nas mãos cruéis do destino...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

Todo sonho é dolorido,
porque nele nós supomos,
que somos (sem termos sido)
o que pensamos que somos.
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–

Uma Trova Potiguar


A estrela da mocidade,
que em minha infância brilhou;
brilha em meu céu de saudade,
depois que a infância passou!
–PROF. GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


O amor de uma mulher,
a segunda vez casada,
é como um vinho qualquer,
em garrafa mal lavada.
–FRANCISCO A. MENESES/MG–

Uma Trova Premiada


2009 - Nova Friburgo/RJ
Tema: SAUDADE - 4º Lugar


Saudade é um velho barquinho
que vence o tempo e a distância
e recolhe, no caminho,
os pedacinhos da infância…
–ERCY Mª MARQUES DE FARIA/SP–

Simplesmente Poesia

Teu Olhar
–Lucia Constantino/PR–


Talvez a estrela mais bonita
não seja essa que tu vês.
É a que brilha dentro dos teus olhos
em cada anoitecer.

Esse teu olhar faz as horas
caírem pelo ocaso desmaiadas.
O luar pensa que a aurora
já está pelos teus olhos humilhada.

Talvez um pirilampo já te tome
por outro pirilampo, seu amado.
Até o amor muda de nome
quando há dois céus, lado a lado.

Estrofe do Dia

Trago por recordação
nesses meus tempos vividos,
cabelos embranquecidos
das noites de ilusão,
reumatismo em cada mão,
a matéria enfraquecida,
corri tanto na subida
que um dia me acidentei;
de tanto que caminhei
pelas estradas da vida.
–BIU SALVINO/RJ–

Soneto do Dia

Vou Orar Pelos Maus
–FRANCISCO MACEDO/RN–


Roguei até hoje, por cada um que chora,
roguei ainda, pelos sem comida,
pelos mais jovens que perdem a vida,
pelo trabalhador, mandado embora.

Depois de tanto orar sem ver melhora,
vou orar por aquele fratricida.
Responsável por toda essa ferida,
sonhando ver surgir a nova aurora!

Eu vou orar por quem promove a guerra
e até por quem destrói a nossa terra,
eu vou orar por quem promove a dor.

Por quem promove a fome, por quem mata...
Que uma revolução, grande e sensata,
seja feita por Deus e pelo amor!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Franz Kreüther Pereira (Painel de Lendas & Mitos da Amazônia) Parte 6


Trabalho premiado (1º lugar) no Concurso "Folclore Amazônico 1993" da Academia Paraense de Letras

CLASSIFICAÇÃO

Antes de passarmos à segunda parte deste trabalho onde abordaremos diversos mitos, os mais significativos, convém darmos uma parada na classificação e tipologia que alguns autores nos oferecem. Não nos será difícil depois reconhecer em quais das categorias abaixo se enquadram as lendas que se seguem..

Coutinho de Oliveira apresenta-nos a seguinte classificação, logo na Introdução do seu "Folclore Amazônico":

I - Lendas Cosmogônicas

II - Lendas Heróicas

III - Lendas Etiológicas

IV - Lendas de Encantados

V - Lendas Ornitológicas

VI - Lendas Mitológicas (ciclo da lara, da Boiuna, do Boto, do Curupira e da Matin-Taperê). Estas também são chamadas de Mitos Primários ou Domésticos.

Já Couto de Magalhães[39] dá-nos o esquema abaixo para a classificação dos deuses superiores e dos entes sobrenaturais:


* GUARA-I: Guará = vivente e Ci = mãe.
**JAÇI: Já = vegetal e Ci = mãe.


Por sua vez, Victor Jabouille[40] apresenta a seguinte tipologia:

1. Mito teológico - relata o nascimento dos deuses, os seus matrimônios e genealogias;

2. Mitos cosmológicos - debruça-se sobre a criação e o ordenamento do mundo e seus elementos construtivos;

3. Mito antropogônico - apresenta a criação do homem;

4. Mito antropológico - prolonga o anterior, descrevendo as características e desenvolvimento do gênero humano;

5. Mito soteriológico - apresenta o universo de iniciação e dos mistérios, das catábases e percursos purificatórios;

6. Mito Cultural - narra as atividades de heróis que, tal como Prometeu, melhoram as condições do homem;

7. Mito etiológico - explica a origem de pessoas e coisas; pesquisa as causas por que se formou uma tradição, procurando em especial encontrar episódios
que justifiquem normas;

8. Mito naturalista - justifica, miticamente, os fenômenos naturais, telúricos, astrais, atmosféricos;

9. Mito moral - relata as lutas entre o Bem e o Mal, entre anjos e demônios, entre forças e elementos contrários;

10. Mito escatológico - descreve o futuro, o homem após a morte, o fim do mundo.

39 Apud ORIÇO, Osvaldo. Op. cit. p. 44-47.
40 JABOUILLE, Victor. Op. Cit. P. 47-48


SEGUNDA PARTE

AS AMAZONAS

Tidas no princípio como fruto de uma observação mal feita pelos primeiros navegantes do Grande Rio; ou produto do delírio de um capitão espanhol; ou ainda, da ingenuidade clerical - sempre dispostos a aceitar o "absurdo" desde que viesse dos selvagens pagãos - de um frei Gaspar de Carvajal ou Cristobal de Acunã; as Amazonas permanecem, ainda, quase meio milênio depois, envoltas no mesmo véu de mistério, magia e sedução. Esse véu foi, em parte, descerrado pelo pesquisador Jacques de Mahieu, em seu livro "Os Vikings no Brasil"[1] e pelo arqueólogo Fernando Sampaio, autor de "As Amazonas".

Etimologicamente, Amazonas significa "sem seios"; de A-Mazós, pois acreditavam os antigos que as famosas guerreiras da Cítia oblavam o seio direito para melhor manejarem o arco e flecha. Contudo para o Barão de Santa-Anna Nery[2] o vocábulo tem raízes gregas, compostas por ama, que quer dizer "união" e zona, significando "cinto"; assim, amazonas pode ser traduzido por "unidas por um cinto". Já o paraense Alfredo Ladislau dá-nos, numa terminologia nativa, um significado que é exatamente igual ao que a lenda de Heródoto difundiu: "Aquelas que não têm seios" ou no dizer dos índios Ikam-ny-abas. Já o Padre de Acunã [3] informa que "Yacamiaba" é o nome dado ao pico que se destaca mais entre todos os outros", nas altas montanhas -provavelmente do Tumucumaque - onde vivem "essas mulheres masculinizadas"; entretanto os Tapajós as conheciam por "cunhantensequina" ou "mulheres sem marido", que ao meu ver é a expressão mais adequada Há, também, o vocábulo indígena "amassunu", que significa "águas que retumba" ou "ruído de águas", como um pouco provável gerador da palavra amazonas.

Busquei aqui oferecer um apanhado das prováveis origens do vocábulo "Amazonas" e seus possíveis significados, mas sejam quais forem, o fato é que devemos às lendárias guerreiras brancas da mitologia clássica, ao espanhol Francisco Orellana e ao Frei Gaspar de Carvajal o batismo que sofreu o "Mar Dulce" de Pinzon e o "Paranauaçu" ou "Paraguaçu" dos Tupis, como Rio das Amazonas e que por extensão denominaria toda a região. A lenda das Amazonas não se popularizou no Brasil, mas, a Amazônia e o rio Amazonas se transformaram em lenda mundial, pela imensa riqueza e potencial natural que guardam. Esperamos que a Amazônia não acabe como na canção de Vital Farias, "Saga da Amazônia":

"Era uma vez uma floresta na linha do Equador..."

1 MAHIEU, Jacques. Os viklngs no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
2 NÉRI, Frederico José de Santana. O país das amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979.
(O autor é amazonense e publicou na França com o nome de Santa-Anna Nery).
3 Apud MAHIEU, Jacques de. Op. cit. p. 17.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

J. G. De Araújo Jorge (O Primeiro Amor)


Somos simples metades: biológica e sentimentalmente. Como as moedas, temos duas faces: cara e coroa. No singular, não existimos, não podemos continuar. Até porque, surgimos de dois,trazendo o destino de "Ser", no plural: não "sou", não "és" Somos. Ora, a vida.

"Matemática esquisita
que das suas sempre faz,
ao final de nove meses
somando dois, multiplica,
e ao invés de dois, às vezes,
são três, são quatro, e até mais."


Estou pensando estas coisas, quando me perguntam o que acho do primeiro amor. É uma entrevista com colegiais. Sim, eu já escrevi sobre o primeiro amor. Também já acreditei que existia, ou que existiu. Ficou naquela visão trêmula como as imagens no espelho dos igarapés da infância. Sobreviveu em lembranças concêntricas, que se ampliam e diluem infinítamente no coração, quando a pedrinha de um fato cai sobre a superfície das águas do igapó da memória.

"Onde está o meu primeira amor
a menina morena de cabelos negros
e de olhos da cor do rio
que nunca será esquecida?

O tempo ladrão roubou
de parceria com a vida."


Sim, acreditei nele, como toda gente. E porque apascento versos desde menino, como um nômade pastor, lembrei-o muitas vezes:

"O meu amor primeiro, o meu primeiro amor
foi anseio, e viveu a incerteza de uma ânsia;
botão que não se abriu, que não chegou a flor
um pedaço de céu quase limpo e sem cor
perdido nos senfins azuis da minha infância..."

Andei com ele por aí:

"Braços dados, nós dois vamos sozinhos,
o teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos,
debruados de jasmins e samambaias. . ."


E por isso, também identifiquei-me com os casais em tempo de sonho:

"Nada tolda os seus olhos, nem um véu...
Andam sem ver os lados, vendo o fim,
e o fim que vêem é o azul do céu...

Ah, se a gente, tal como os namorados
pudesse eternamente andar assim
pela vida, a sonhar de braços dados..."


Mas fui vivendo, como toda gente, ou como quase toda gente. E um dia, quando relia as provas dos meus versos, comecei a perceber que me enganara, como toda gente, ou como quase toda gente. O primeiro amor não é o primeiro amor.

Ou pelo menos o que chamamos de primeiro amor. Deviam ter outro nome aquelas emoções que esvoaçaram sem deixar pegadas, quase e apenas como nuvens brancas no limbo do coração; aquelas lembranças de mãos dadas, assexuadas, beijando só com os olhos, olhando sem nada ver. Se, na realidade, nós nem nos apercebemos dele ! E só o encontramos quando o tivemos perdido, e há tanto tempo que é quase impossível reconstituí-lo!

E então a pergunta: afinal que é o primeiro amor? E a conclusão que só a vida nos pode dar: é aquele amor completo em todas as direções, dos pés a cabeça, não apenas no céu, mas na terra, nas nuvens e nos ventos, nas raizes e na solidão. Quando se beija não apenas com os lábios, mas com todos os sentidos, quando tudo se vê, mesmo de olhos fechados, e se sofre, até com o pensamento. Para que possa ser perfeito, Buda aconselhou: não deves pecar. Os cristãos repetiram como um eco: guarda a castidade. Tolice, porque estamos sempre puros diante do amor, e quando ele chega, é sempre novo, é sempre o primeiro.

Há infinitos primeiros amores. Ama-se tantas vezes a primeira vez! Renascemos em suas ânsias e toda vez que o perdemos, ficamos à deriva em nosso destino. Felizes, ou infelizes - que importa? - os que encontram o primeiro amor. Porque há homens também que passam a vida inteira amando, de amor em amor, e não amam nunca a primeira vez. Bom é amar a primeira vez muitas vezes, tantas quantas a vida inventar, e o coração puder! Há tanta coisa por aí se chamando de amor que de amor nada tem, não justifica a dor e a alegria, não revela nenhum mistério; de nenhum milagre é capaz !

Ah, o primeiro amor! Às vezes não nos chega propriamente num dia, mas durante a vida toda, em que o vamos construindo de tantas e insignificantes grandezas, sem mesmo tomarmos conhecimento de sua importância. E entretanto, é tudo. Basta que, de repente, vacile, nos ameace, e falta-nos a luz, o ar!

Outras vezes, irrompe como um pé-de-vento abrindo uma janela, abrindo-a ou fechando-a instantaneamente, e nos aparece como algo que emergiu da sombra em que o velávamos, subitamente belo e iluminado.

Ou, ainda, pode explodir como uma granada, e nos cegar até, e nos atordoar. E caímos nele, feridos mortalmente, sentindo-o escorrer quente no corpo, doendo de tanta alegria!

Muitas ocasiões, pensamos encontrá-lo, quando na realidade saltamos sobre ele, e caímos adiante, em duro leito de pó, onde se espoja. Não era amor, mas sua filha bastarda: a paixão. Como surge desaparece, em disparada - potro selvagem em pasto aberto. Mas, então, que é o amor, esse que é sempre o primeiro, múltiplo e infinito como o mar? Dele tentei dizer:

"E de repente. . . (parece incrível)
o tudo de antes não existe mais
não interessa . . .

Um novo amor, amor
é sempre um mundo novo
que começa.

Não importa o percorrido
o conquistado,
ou o que antes foi desejado
por teu marinheiro coração:
um novo amor
começa tudo de chão.

É como se abrisses os olhos para a vida
naquele instante,
como se para trás nada tivesse havido.
Nasces com um novo amor! E então reviverás
o mistério, deslumbrante
do que há de acontecer, como se nunca tivesse
acontecido. . ."


Talvez seja aquela força indômita do coração que levou o poeta a penitencias como esta:

"Chegas. E de repente me pergunto
que amor é esse que existiu sem ti?
Que flores? Se não houve primavera. . .
Ah, nascemos agora, um para o outro,
e antes, não fomos mais que vã espera. . ."


Ou a esta confissão final:

"Éramos apenas dois bichos...
(ou deuses?)
...Nem podia ser mesmo humana
tão louca felicidade..."


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Lino Vitti (Livro de Sonetos)


FLORINDO CORAÇÕES

Veja o belo jardim como anda florescido
tanta roseira em flor sonhando com perfumes!
Um verdadeiro céu de estelíferos lumes
estilhaçado em chão de vidro derretido.

Em flores transformou-se a montanha de estrumes
dado vida ao odor tristonho e ressequido.
Convidados da noite a um banquete subido
são insetos que vêm e luzem vagalumes.

Veja as rosas que estão clamando por olhares,
por sorrisos de quem bem perto delas passa,
por beijos de manhãs e céus crepusculares.

Deixemos repousar a vista generosa
nesse encanto floral da roseira que é graça
fundindo em coração cada botão de rosa.

A MEU PAI

Lado a lado, meu pai, nas andanças da vida,
mãos dadas com carinho e com grandioso amor,
umas vezes a estrada é uma senda florida,
muitas outras, porém tem espinhos e dor.

Em você, caro pai, encontrei nesta lida
mil sonhos a cumprir, de luz um resplendor,
A todos conduziu, com nossa mãe querida,
a um porto bem seguro, a um porto salvador.

Que a idade não lhe seja um peso doloroso,
antes uma alegria, anseio realizado,
uma vitória em meio a este mar proceloso.

Eu lhe desejo, pai, tão extremoso e amado
que o proteja o bom Deus que é grande e poderoso,
que o conserve, feliz, por muito ao nosso lado.

SER MONTANHA

Anseio do infinito, oh! cósmica montanha,
que buscas nesse afã silente, e pétreo, e vão?
Queres talves deter, numa invasão estranha,
esse pálio estelar luzindo em profusão?

Vais abraçar o sol? Impossível façanha!
Beijar, quem sabe,a lua em toques de emoção?
E quando o temporal em chuva e vento banha
o mundo, não te faz bater o coração?

Quando vejo surgir, no horizonte , o teu porte
qual vontade do pó de se elevar à altura
fugindo desta terra onde comanda a morte,

um profundo desejo a erguer-se me acompanha:
quero ser como tu, fugir desta clausura
e não ser nada mais que uma simples montanha.

MINHA ESCOLA

Eu não sou o poeta dos salões
de ondeante, basta e negra cabeleira.
Não me hás de ver, nos olhos, alusões
de vigílias, de dor e de canseiras.

Não trago o pensamento em convulsões,
de candentes imagens, a fogueira.
Não sou o gênio que talvez supões
e nem levo acadêmica bandeira.

Distribuo os meus versos quais moedas
que pouco a pouco na tua alma hospedas,
raras, como as esmolas de quem passa.

Vou porém me sentir feliz um dia
se acaso alguém vier render-me a graça
de o ter feito ricaço de poesia.

TAPERA

Torce o caminho manso e entre pedras percorre
agarrando-se, ansioso, à encosta da colina.
sobe-se um pouco e olhar curioso descortina
a paisagem feral da tapera que morre.

Reina a desolação e a tristeza domina
tudo, restos mortais. A luz do sol socorre
piedosmente, a flux,como um bálsamo, e escorre
sobre a ferida em flor dessa bela ruína.

Tetos a desabar, muros em derrocada,
ascercas pelo chão, porteiras vacilantes,
pompeando os ervaçais na casa abandonada.

Cadáveres, e só, da rica habitação
onde floriu, feliz, o grande senhor d´antes,
dos tempos memoriais da negra escravidão.

AO PASSAR DO VENTO

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuves no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.

FLOR SEM NOME

É uma flor, nada mais que uma flor que se abre
da carícia solar à glória luminosa.
Rubra, sangrando em luz, balouçando radiosa
- coraçãozinho triste espetado num sabre .

À noite, na penumbra, em suste se entreabre
para do orvalho ter lágrima silenciosa.
E quando o dia vem, vestido de cinabre,
entrega-lhe, a sorrir, a essência vaporosa.

Flor humilde do campo, orfãozinha ajoelhada,
de mãos postas em prece , à beira dos caminhos,
vestidinho vermelho a esmolar, a esmolar...

Ela pede somente, escondida e enjeitada,
o afago de quem passa, um pouco de carinho,
o beijo imaculado e longo do luar.

DERRUBADA ONOMATOPAICA

Atroa o bate-bate retumbante
dos mordentes machados na madeira.
E nessa luta trágica e gigante
rolam troncos em longa choradeira.

Aqui um jequibá soberbo!Adiante
uma velha e frondosa caneleira,
um cedro, uma peroba farfalhante,
toda a legião da flora brasileira.

O machado decepa inexorável,
nada lhe escapa à cólera maldita,
nada o detém na sanha abominável.

E há em cada tombo lástimas soturnas,
e a cada golpe toda a selva grita
pelo eco das quebradas e das furnas.

Fonte:

Amália Grimaldi/BA (Poemas Escolhidos)


A FRAGILIDADE DA COERÊNCIA

Teço a minha trama
E a do meu companheiro
As linhas são muito finas
Escanteada é a luz suspeita
Fios necessários por separar
Até percebo a agonia
Da sombra fugidia
E na clareza na certeza
Vejo que linhas tênues se partem fácil.

CANTOS DE CISNE

Pálida lembrança paterna
Engomado uniforme branco
Em noites de Lua Cheia
Cantarolava “Oh, cisne branco...”
Na verdade
Nunca escutara Argentina
Os verdadeiros acordes
Do tango de Gardel .

AGULHAS POR ENFIAR

Enfie esta agulha, Argentina
E ela prontamente
Desempenhava com facilidade
O que os olhos maternos cansados
Já não mais poderiam executar
A bem da verdade
Crescera ao pé da máquina
A ouvir trechos de melodia binária
Assim feliz supria contente
A incompetência adulta
O não enxergar conveniente
Agulhas necessárias por enfiar
Em fundos tão estreitos
Que a sua vista poderia alcançar.

O OUTRO LADO DO PRAZER

Misericórdia Senhor...
Escassez de homens nobres
Misericórdia, Senhor...
Escorregadia é a certeza
Aflita acena ao cais da tentação
O outro lado do prazer
Atravessa o mar da loucura contagiosa
Entrega-se ao algoz de face beijada.

UM CISCO NO OLHO

Caminhante silente
Gesto cuidado
Desvio do olhar
Incômoda atenção
Bela canção à esquina
Mas ninguém ali o conhecia
Desconfia-se
De cigano vagante.

BLOCO DE JUDAS

Dançariam seus ódios mútuos
A mulher dos cabelos ruivos e a serviçal judiada
Eis que o dia final havia chegado
Era tão somente um bloco engraçado
De fêmeas e machos tolos
E os importantes seriam então judiados
E ela, pretensiosa pecadora
Ao som de bumbo e tambor
Em seus vermelhos estonteantes
Retornaria à perversidade escura de antes
Ao socavão dos seus desejos malvados
Arderia no fogo do seu juízo final
Regozijo inútil.

UM QUASE NADA

À loja da esquina
Alegria de panos
Meus suspiros aí deixados
Seu Salim e seu riso de marfim
Armazém das cores
Quantas vezes aí voltei
Em meus ecos suspirados
Hoje perdidas tramas
Quase um fiapo
Um fio de pouca coisa
Alegria de quase nada
Em seu riso de marfim
Subiu aos céus suspirado.

DESORDENADA LUZ ORIENTAL

Os mais ricos pigmentos
Despeja o céu ao poente
Cores damascenas
Desordenada luz oriental
Seda persa de outrora
Cavalos do espectro
Em asas de luz ao rapto
Fio da trama por desatar
Sobre o aparador da sala de jantar
O suspiro esquecido
O vestido reinado da estátua
Desordenada luz oriental
Fantasma do Bairro Judeu.

FLORES MORRIDAS

Parei. Em esquina contente
Conjunção imaginária
A jogar bola de satisfação
Avistei meninos folgados
Sem dengos. Contudo plenos
Voltei. À Rua das Flores
Pálida lembrança de meus encantos
Avistei para desgosto meu
Mulheres sem alegrias
A carpir evidências
Mulheres antes meninas. Como eu
Nas mãos, suadas e mornas
Flores sozinhas traziam. Só Angélicas
Murchas outrora perfumadas.

Fonte:
http://www.ube.org.br/

Amália Grimaldi (1943)


Nasceu na cidade do Salvador, Estado da Bahia, em 15 de Novembro de 1943. Artista visual e escritora. Formação em Odontologia. Casada com Ernst Frank. Mãe de Fabiana Grimaldi. Avó de Manuela Grimaldi.

Reside atualmente em Valença, Bahia. é graduada em Odontologia pela UFBA em 1972. No ano seguinte ingressou na Escola de Belas Artes da Bahia. Não completando o curso todavia. Como dentista serviu às comunidades indígenas do Alto Solimões e do Rio Araguaia junto à Funai (1974-1977, 1980-1982).

Morou na Austrália de 1992 a 2002. As cartas que escrevera a familiares e amigos ajudaram-na a compor os seus primeiros poemas.

Ainda na região do Golfo da Carpentária, norte da Austrália, fez parte do corpo docente da Nhulunbuy High School ao lado da comunidade aborígine de Arnhem Land.

Trabalhou técnicas de linguagem para crianças com necessidades especiais - desenho, pintura, cerâmica e escultura.

Atividades literárias:
Valença-Ba -2008 e 2010- Livros editados- poemas da sua autoria: “Quando” e “ A Casa da Rua do Cais do Porto”.

Faz parte da II Antologia dos Escritores de Valença, BA – “Rio de Letras”, por Araken Vaz Galvão.

Atualmente escreve artigos e crônicas semanais para o Jornal Valença Agora.

É membro da Academia Valenciana de Letras – AVELA. Cadeira sob o número 38, Patrono: José Lins do Rego.

Fonte:
http://www.ube.org.br/

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 490)


Uma Trova de Ademar

Fé, palavra pequenina,
que possui forças tamanhas.
Quem a tem, se determina
até a mover montanhas!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

Minha forma de te amar
é tão intensa e sem fim,
que eu aprendi a gostar
mais de ti do que de mim!
–GERALDO AMÂNCIO/CE–

Uma Trova Potiguar


A saudade dos meus filhos,
dói, machuca, me amordaça.
Comparo-me aos velhos trilhos,
Por onde o trem já não passa.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Por entre mil embaraços,
luto contra anseios vãos:
quero cair em teus braços,
mas nunca nas tuas mãos...
–PETRARCA MARANHÃO/AM–

Uma Trova Premiada


2011 - Niterói/RJ
Tema: MEMÓRIA - M/H

Nunca serás esquecida,
porque tens a permissão
de sair da minha vida...
Da minha memória... não!
–JOSÉ TAVARES DE LIMA/MG–

Simplesmente Poesia

Trovando em Defesa da Natureza!!
–CARLOS AIRES/PE–


Com a devastação da flora
Nossa pátria Mãe Gentil
Está perdendo a cada hora
O seu porte de Brasil !!

Se o corte da motosserra
Deixa uma arvore caída
Fica chorando a mãe terra
Por ver a filha sem vida!!

Quem derruba a árvore bela
Comete um ato mesquinho
Nem se dá conta que nela
Residia um passarinho!!

O que segura o machado
Com seu afiado corte
Não sente que o golpe dado
Devasta e provoca a morte!!

Estrofe do Dia

Emoções que na vida eu já vivi
não previa o mais sábio dos profetas;
pois eu que era na vida um sonhador
vejo agora, alcançando minhas metas
que em mim nasce a mais pura da certeza,
de que tudo que tem de mais beleza
Deus coloca na mente dos poetas!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Veleiro do Amor
– LINO VITTI /SP –


Coração - débil barco aventureiro -
pelo oceano do amor, toma cautela.
Pode surgir um vendaval traiçoeiro
que te arrebate e te estrçalhe a vela.

Perscruta o rumo. Sobre o mar inteiro
se prepare talvez árdua procela.
Busca horizontes claros, meu veleiro,
onde o sol brilha e o mar não se encapela.

Não te faças ao largo em demasia
que vem a noite horrenda e a treva zas
queira roubar-te a luz que te alumia.

E então sem rumo, sem farol, sem paz
quiçá não possas mais voltar um dia
à mensa praia que deixaste atrás.

Prêmio Jabuti de Literatura 1959 - 2011 (Contos, crônicas e novelas)


1959: Jorge Medauar
1960: Dalton Trevisan • Ricardo Ramos
1961: Clarice Lispector
1962: Ricardo Ramos
1963: Julieta de Godoy Ladeira
1964: João Antônio
1965: Dalton Trevisan
1966: Lygia Fagundes Telles
1967: Bernardo Élis
1968: Marcos Rey
1969: Maria Cecília Caldeira
1970: Rubem Fonseca
1971: Ricardo Ramos
1972: Holdemar Menezes
1973: Luiz Vilela
1974: Elias José
1975: Caio Porfírio Carneiro
1976: Regina Célia Colônia
1977: Domingos Pellegrini Júnior
1978: Hermann José Reipert
1979: Sônia Coutinho
1980: Modesto Carone
1981: José J. Veiga
1982: Autran Dourado
1983: Sérgio Sant'Anna
1984: Caio Fernando Abreu
1985: Charles Kiefer
1986: Sérgio Sant'Anna
1988: Moacyr Scliar
1989: Caio Fernando Abreu
1990: Diogo Mainardi
1991: Rosa Amanda Strauz
1993: João Antônio • Otto Lara Rezende • Vilma Áreas • Charles Kiefer
1994: Nelson Rodrigues • Marcos Rey • Hilda Hilst
1995: Dalton Trevisan • Regina Rheda • Victor Giudice
1996: Lygia Fagundes Telles • Rubem Fonseca • Caio Fernando Abreu
1997: Marina Colasanti • Silviano Santiago • Antônio Carlos Villaça
1998: Raduan Nassar • Flávio Moreira da Costa • João Silvério Trevisan
1999: Charles Kiefer • Rubens Figueiredo • João Inácio Padilha
2000: Raimundo Carrero • Marçal Aquino • Ignácio Loyola Brandão
2001: Mario Pontes • Rodolfo Konder • Lygia Fagundes Telles
2002: Fernando Sabino • Marçal Aquino • Rubem Fonseca
2003: Rubem Fonseca • Luiz Nassif • Fernando Bonassi
2004: Sergio Sant'Anna • Martha Medeiros • José Roberto Torero • João Gilberto Noll
2005: Alcione Araújo • Paulo Henrique Britto • Frei Betto • Edgard Telles Ribeiro • Cíntia Moscovich
2006: Marcelino Freire • Silviano Santiago • Mário Araújo
2007: Ferreira Gullar • Artur Oscar Lopes • João Anzanello Carrascoza
2008: Vera do Val • Jorge Eduardo Pinto Hause • Jaime Prado Gouvê
2009: Fabrício Carpinejar • Rubem Alves • Déa Rodrigues da Cunha Rocha
2010: José Rezende Jr. • Vário do Andaraí • Mário Chamie • Manuel Bandeira
2011: Dalton Trevisan

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Abilio Terra Junior (Poesias Escolhidas)


E A INCÓGNITA PERSISTE

e a incógnita persiste,
pois não sei dos teus sentimentos
e tu não sabes dos meus

me persegues com o olhar
quando sabes que não posso ver-te,
mas posso sentir-te

te finges interessada em algo
que não eu,
mas me sentes

o tempo nos deixa marcas,
nos amadurece por dentro
quanto ao sentimento

permanece encoberto
só aflora em raros momentos
em que o coração acorda

e conta a nossa história
que imaginei e tu também
que toca o nosso íntimo

porque tanto mistério,
eu me pergunto;
e imagino que tu também

se o amor nos ronda
e, às vezes, se cansa e se vai,
pois se sabe presente

e não se faz de indulgente,
pois sabe não ser esse o caminho
de tão nobre sentimento

quando ele aflora,
mostra-se poderoso
nos deixa perplexos

quando nos sabemos amantes
permanecemos distantes
e a dor nos dilacera

ALI, PASSAVA BOI, PASSAVA BOIADA

Ali... passava boi, passava boiada
tinha uma palmeira na beira da estrada
onde foi cravado muito coração...

Triste Berrante
Solange Maria e Adauto Santos
Trilha sonora da novela ‘Pantanal’

neste mesmo espaço selvagem,
em seu compasso de espera
o olhar fraterno do boi se alongava,
me espreitava na doce comunhão

eu o amava e o estreitava
no meu coração tão sincero,
sentia seu cheiro gostoso,
seu porte de cavaleiro,
senhor da sua missão

eram tempos tão fiéis
que nos amávamos, corríamos
ao vibrar do berrante
que clamava ao vaqueiro seu valor

o olhar trigueiro da cabocla
expressava sua emoção;
nossos corações se enlaçavam
naquela palmeira solitária

nunca mais meu coração
vibrou tão nobre, tão puro,
naqueles tempos de ouro
em que eu sentia a vida

depois, se estreitou, se quedou
nas urgências do tempo veloz;
perdeu-se da sua glória
na sua origem de mestre

entre carros que passam velozes
no asfalto negro e perdido,
meu olhar enxerga além
e vê o boi que passa a boiada
––-
A JANELA ENTREABERTA

agora não podes divagar
após o ato consumado
e tergiversar, como uma borboleta
de flor em flor,
com palavras e mais palavras

pois te esvaíste em um longo sussurro no deserto
e a flor sedenta se transubstancia
em um esplendor sereno e compreensivo

nada mais esperes; te entregues
à momentânea tensão que se foi

observe os retângulos das paredes
e o canto do pássaro que pousa, displicente,
sobre um frágil galho que invade a janela

a atmosfera, ora pesada, ora leve
se insinua nos poros;
um sorriso surge e um olhar sedoso
observa teus cabelos
que se espraiam e se avolumam

a cada instante em que a vida
se declara presente e vitoriosa

os jogos foram-se, um a um,
e resta agora um momento
de imponderável sensibilidade

dúvidas e certezas espalham-se
e ganham a janela entreaberta

-----------------
É natural de Belo Horizonte-MG e reside em Brasília-DF. Economista, servidor público aposentado, dedica-se, atualmente, à poesia e aos contos e crônicas.

Casado com Luiza Helena, e filhos Roberto e Marcella.

Possui sete livros virtuais para download e poemas formatados para leitura na sua homepage ‘Os Homens Pássaros’, http://www.oshomenspassaros.com .

Aprecia gnosticismo, música, animais, pintura, escultura, fotografia, ecologia, ciência, poesia, literatura, cinema, surrealismo, arte, natureza, universo, defesa dos direitos humanos e assuntos afins.

Possui dois livros publicados, ‘Numa Floresta de Símbolos’, pela Editora Alcance e ‘Os Homens Pássaros’, pela CBJE.

Define-se como um poeta que observa o mundo ao seu redor e não se contenta com as aparências e que tenta utilizar as palavras para perscrutar o mundo do sonho e o mundo da realidade.

No seu modo de entender, estes mundos se encontram interpenetrados, não há como separá-los.

Abilio Terra Junior na Editora Alcance:
http://www.editoraalcance.com.br/index.php/abilio-terra-junior/


Fonte:
http://www.ube.org.br/espaco-do-autor.asp?ordem=autor&tipo=6