terça-feira, 1 de maio de 2012

Pedro Bandeira (É Proibido Miar)


Filharadas e cachorradas

Quando nasce filho, todo mundo fica alegre.

Quando você nasceu - faz um tempão, não é mesmo? -, foi uma alegria de dar gosto.

Eu sei que você não lembra. Afinal, você era muito pequeno naquele tempo e estava mais preocupado com a hora da mamadeira. Mas pode acreditar: todo mundo ficou muito, muito satisfeito.

Com os bichos é a mesma coisa. Veja o caso de Dona Bingona, por exemplo.

Dona Bingona era uma linda cachorra vira-lata que andava muito orgulhosa da sua enorme barriga. Ela estava esperando cachorrinhos, e esperou, e esperou, até que nasceu uma porção.

Um, dois, três... sei lá. Não dava pra contar direito, porque os cachorrinhos nunca ficavam quietos. A gente nunca sabia se já tinha contado aquele ali que corria atrás do irmãozinho, ou aquele outro que rolava que nem bola.

Era tanto cachorrinho que as tetinhas da Dona Bingona nem eram suficientes para todos mamarem. Tinham que mamar em turnos, e, enquanto alguns mamavam, sempre sobravam outros que ficavam puxando o rabo de algum irmãozinho para ele andar logo.
"Ora, mas tem um jeito muito fácil de descobrir quantos cachorrinhos tinham nascido", diria você. "Era só contar as tetinhas da Dona Bingona e depois contar quantos cachorrinhos sobravam na hora da mamada. Aí, era só somar o número das tetinhas ocupadas com o número dos cachorrinhos sobrantes e pronto!"

A sua idéia foi ótima, concordo. Mas você também há de concordar que não pegava bem essa intimidade de ficar contando as tetinhas da Dona Bingona, uma vira-lata de respeito, não acha?

Seu Bingão, o pai, também era um vira-lata de respeito. Filho, neto, bisneto e "transaneto" de vira-latas de respeito, Seu Bingão estava muito orgulhoso com a filharada. Era uma cachorrada alegre, brincalhona, que logo fez a alegria das crianças do bairro.

De todos os irmãos, o mais sapeca era Bingo.

Eta cachorrinho danado!

Bingo era alegre, era brincalhão, era curioso como ele só.

Vivia correndo por todos os cantos, metendo o focinho onde não era chamado.

"O que será que tem lá em cima?", pensava o cachorrinho olhando para a mesa da sala.

Era pensar e agir. Lá ia o Bingo e puxava a toalha com os dentes.

Desastre!

Cataprum, cataprás! Vinha tudo pra baixo, tigela, prato, salada, copo, jarra e feijão.

Assustado com o barulho, Bingo se escondia um pouco debaixo da mãe, mas logo esquecia o susto e ia reinar mais adiante.

Uma hora era xixi no tapete, outra hora era vaso quebrado.

- Quem sujou a colcha branca que eu acabei de lavar?

- Foi o Bingo, não vê? Não vê as pegadinhas de barro?

- Eta cachorrinho danado!

Mas com o Bingo, acredite, ninguém conseguia ralhar. Era só chegar perto dele que lá vinha o cachorrinho, rabo em pé, abanando, lingüinha de fora, pronto para brincar, carinhoso como ele só. Teve até uma vez em que ele se pôs a lamber a televisão, pois havia simpatizado com a atriz da novela.

É claro que Dona Bingona procurava dar a melhor educação para os seus filhotes, e insistia para que o Bingo só fizesse xixi no caixotinho cheio de areia que havia num canto. Mas como, se o Bingo virava o caixotinho e espalhava toda a areia?

Outro tormento era quando enceravam a casa. Quem conseguia impedir o Bingo de vir correndo e escorregar gostosamente até a parede do outro lado?

Certa vez, o dono da casa ficou quase louco: onde estava o pé esquerdo do seu sapato de ir a casamentos? Pois o sapato, cheio de marcas de dentinhos, foi encontrado no meio da horta, entre as couves e as chicórias.

E a horta, então? Volta e meia, lá ia o Bingo cavoucar por todo lado, desenterrar cenouras e rabanetes, atrás de alguma minhoca teimosa que teimava em se esconder do nariz cheirador do Bingo.

Assim era o Bingo. Um cachorrinho levado como ele só. Mas quem não gostaria de ter um Bingo assim?

Cachorros ao ar livre

Seu Bingão, Dona Bingona e a cachorradinha moravam num galpão muito confortável, no canto de um belo quintal, nos fundos de uma casa bem grande.

De vez em quando, os portões da casa se abriam para o passeio dos cachorros.

A primeira vez que os cachorrinhos foram passear com os pais foi uma verdadeira festa.

A dona da casa escovou todos os filhotes e amarrou fitas cor-de-rosa no pescoço das cachorrinhas e fitas azuis no pescoço dos cachorrinhos.

Assim, devidamente preparados, aconteceu o primeiro passeio e começaram os problemas da família do Seu Bingão.

Logo que se viram livres, com toda a calçada, com todos os postes e todas as árvores à disposição, os cachorrinhos saíram correndo para explorar as novidades.

Atrás, orgulhosamente, iam os pais, imaginando a inveja de todos os cachorros da vizinhança, principalmente do Fritz, aquele pastor alemão antipático do 102. Cachorro metido a gente!

Dona Bingona imaginava a cara da Frida, aquela pastora alemã magrela. Ah, Dona Bingona duvidava que outra cadela pudesse ter uma ninhada de filhotes tão lindos!

Os cachorrinhos nunca tinham visto automóveis e saíram atrás do primeiro que passou, com aqueles latidozinhos de cachorro novo:

- Iap, iap, iap.

Dona Bingona ficou preocupadíssima. Algum dos filhotes podia ser atropelado, não é? Mas Seu Bingão nem ligou. Perseguir carros era o destino de todos os cães, e seus filhos haveriam de se safar das dificuldades. Afinal, eram ou não eram de sua linhagem, da tradição dos vira-latas de respeito?

Até que passou um carro com o escapamento entupido e... Bam!

Os cachorrinhos tomaram o maior susto com o estouro, mas logo já estavam brincando de novo.

Quem preocupava Seu Bingão era o Bingo. Enquanto todos os machinhos da ninhada da Dona Bingona farejavam os postes e as raízes das árvores para fazer xixi logo em seguida, Bingo nem ligava. Ele estava mais interessado em sacudir o rabinho para todos os humanos que passavam, xeretar as sacolas que as madames carregavam e! lamber todas as mãos que se abaixavam para fazer-lhe festinhas.

Na hora em que todos foram perseguir automóveis, Bingo tinha arranjado um jeito de passar pelas grades de um jardim, cair no meio das roseiras, espetar-se nos espinhos e voltar ganindo para o aconchego da mamãe:

- Caim, caim, caim!

O mais grave, porém, ainda estava para acontecer. Na curva da primeira esquina, a família defrontou-se com um vira-lata vagabundo, desses sem respeito algum, sujo e magro.

Seu Bingão fez aquilo que se esperava dele. Enfrentou o vagabundo com seu possante latido, mostrando os dentes ameaçadoramente. No mesmo instante, Dona Bingona e os filhotes imitaram o líder, e o vira-lata importuno viu-se acuado contra a parede por todos os cães.

Por todos os cães, menos por Bingo. Sacudindo o rabo, o cachorrinho correu até o vagabundo, deu-lhe umas lambidinhas e ficou fazendo o seu “iap-iap” enquanto corria em volta convidando o novo amigo para brincar.

"Que vergonha!", ia pensando Seu Bingão, enquanto voltavam para casa. "Um filho meu perder a chance de mostrar a bravura de um vira-lata de respeito! Fazer amizade com vagabundos, cheirar as pessoas em vez de fazer xixi nos postes, meter-se com rosas em vez de perseguir os carros! Vergonha! Estragou o passeio de todos nós. E agora? Como é que eu vou olhar pra cara do Fritz, aquele pastor alemão cheio de raças, pedigris e não sei mais o quê?"

Mas o Bingo não sentia vergonha nenhuma. Estava muito feliz com o seu primeiro passeio, correndo alegremente na frente de todos.

O vizinho do telhado

A família do Seu Bingão tinha um vizinho. No telhado do galpão onde moravam, vivia um velho gato, sábio e calmo. Seu nome, ninguém sabia, porque ninguém era dono dele. Tinha escolhido o telhado para morar e por lá ficava enquanto queria e de lá saía para passear quando cismava.

Todos já se haviam acostumado com o gato, e até que ele tinha sua utilidade: quando aparecia alguma visita no quintal, Seu Bingão adorava exibir-se, rosnando na direção do gato, para todo mundo saber quem era o chefe por ali.

O gato também já estava acostumado com a vizinhança e com a arrogância do Seu Bingão. Mas, para não decepcionar as visitas, arrepiava-se todo com os latidos do vizinho, fingia medo e, logo que as visitas se distraíam, virava para o lado e ia cuidar da vida.

E vai que Bingo virou, mexeu e acabou fazendo amizade com o gato. Um simpatizou com a alegria e a curiosidade do outro, e o outro ficou fascinado com a experiência e a vida aventurosa do um.

Bingo, como todos os cachorrinhos, brincava o dia inteiro e, quando o sol ia dormir, lá ia ele dormir também.

Mas, com o gato, a história era diferente. Ah, se era! O bichano cochilava o dia inteiro, lá no telhado, acordando somente para um gole d'água, para fingir medo do Seu Bingão ou para uma lambidinha no prato de leite com pão do Bingo. Mas, logo que a lua aparecia por cima do telhado, o velho gato mergulhava na noite, e o mundo era todo dele.

"Ah, que vida maravilhosa!", invejava o Bingo.

O cachorrinho pensava todos os dias naquele mundo que era bem maior que o seu quintal. Um mundo que o velho gato via de cima. Um mundo em que a altura dos muros não importava. O mundo negro da noite, o mundo da cor do gato.

Sombras assombradas

Bingo morria de medo da noite. Mas, ao mesmo tempo, ela o atraía com as fascinantes histórias do gato. E o cachorrinho fechava os olhos, sonhando com ele mesmo a passear pelos telhados, a pular por cima dos muros, a enfrentar os desafios escondidos nas sombras.

Deu de acordar à noite e espiar medrosamente para fora do galpão. À sua volta, todos os irmãozinhos dormiam amontoados sobre almofadas, ao som dos roncos de Seu Bingão.

Lá fora, recortada contra a lua cheia, Bingo conseguia ver a sombra do gato, orgulhosamente dominando os telhados, como o imperador da noite.

A noite. Que maravilha não ter medo da noite, não tremer quando as sombras escondem o que está a um passo da gente! O gato enxergava através das sombras, o gato via tudo. Como podia haver segredos para uma criatura como ele?

Mesmo sem ousar esticar uma pata para fora da segurança do galpão, Bingo ficava um tempão acordado, tentando ver um pouco mais do que era possível ver dos telhados fracamente iluminados pelo luar. Tentando imaginar tudo o que podia haver e acontecer por trás das cortinas negras da escuridão.

De tanto soltar sua imaginaçãozinha à noite, Bingo deu de acordar tarde. Geralmente, quando conseguia sair de sua almofada, as tigelinhas de pão com leite já tinham sido esvaziadas pelos irmãozinhos.

Mas Bingo não se importava, tão fascinado estava com os mistérios que não conseguia resolver. Com os olhinhos pesados, já piscando de sono, pensava num mundo bem maior que o seu quintal. Por onde andaria o gato àquela hora?

De longe, o cachorrinho ouvia o brado da liberdade:

- Miaaauuu!

Aos poucos, aquele som foi se intrometendo na cabeça do Bingo, foi crescendo, foi tomando corpo, até que ocupou todos os espaços que deveriam ser preenchidos pelo volumoso latido do Seu Bingão.

O primeiro miado

Os filhotes já estavam crescidinhos e tinha chegado a hora de Dona Bingona mostrar para Seu Bingão como ia bem a educação daquela cachorradinha que havia de continuar a tradição dos vira-latas de respeito.

O tempo dos “iap-iap” tinha chegado ao fim. Era preciso mostrar ao chefe da família que os filhotes estavam se tornando vira-latas de verdade e que a voz deles se encaminhava para impor o respeito que se esperava.

Seu Bingão postou-se de patas cruzadas, com aquele jeitão de pai que se prepara para assistir ao filho declamar um versinho e finge que nem está ligando.

Todos os cachorrinhos estavam excitadíssimos. Cada um apostava que ia se sair melhor que o outro e tratava de empurrar, para ser o primeiro da fila.

Dona Bingona, depois de muito trabalho, conseguiu alguma ordem e começou a exibir as qualidades de cada filho.

O latido do primeiro cachorrinho, fracote e tímido mas muito simpático, provocou a resposta muda de um piscar de olhos seco mas aprovador por parte do patriarca da cachorrada.

Veio mais um, mais safadinho, latindo animadamente, com uma voz fina de cachorrinho novo.

E veio outro, com um latido um bocadinho só mais forte, mas suficiente para receber um rosnar orgulhoso do pai.

Aí chegou a vez do Bingo. O cachorrinho, com o rabo pra lá e pra cá, deu uns pulinhos até Seu Bingão e aplicou-lhe a mais molhada lambida de que era capaz.

Com a autoridade que se esperava, o pai empurrou delicadamente o filho com o focinho e ficou à espera.

Bingo sentou-se sobre as patas traseiras, língua de fora e aquele olhar sapeca que todos conheciam muito bem.

A família estava à espera, mas Bingo não deixou a espera ficar muito comprida. Preparou-se e soltou o mais sonoro:

- “MIAAAU!”

Ecos de um simples miado

Horror! Alvoroço! Pandemônio! Coisa nunca vista!

Enquanto os filhotes ficavam sem saber o que estava acontecendo, e Dona Bingona fingia uma espécie de desmaio de cachorro, Seu Bingão levantou-se como se tivessem jogado um balde de água gelada em suas costas.

Que brincadeira era aquela?

A expressão de fogo nos olhos do pai deixou o pequeno Bingo morto de medo e cheio de surpresa.

Não tinham gostado do seu miado? Por quê? Ele tinha caprichado tanto...

Pois é. Parece que não tinham gostado. Bingo não se lembrava de ter visto o pai tão zangado.

De olhos arregalados, toda a pose perdida, Seu Bingão nem sabia o que pensar.

Como?! Um filho dele? Miando? Onde estava aquele latido destinado a meter medo a toda a mal- dita raça dos felinos de todas as cores e capaz de fazer correr todos os carteiros? Não! Aquilo ele não podia admitir. O que diriam dele? O que diria o Fritz, aquele pastor alemão antipático? O que seria da sua honrada linhagem dos vira-latas de respeito?

Tão bravo estava Seu Bingão, tão nervosa estava Dona Bingona, que todos os filhotes se assustaram. E todos, ao mesmo tempo, puseram-se a ganir, desconsoladamente.

A um canto, lá estava Bingo. Sozinho, rabo entre as pernas, orelhinhas murchas.

A incompreensão humana

Uma bagunça como aquela, no quintal, nunca tinha sido vista. Ou melhor, nunca tinha sido ouvida. Abriu-se a porta da cozinha, e os donos da casa apareceram para ver o que estava acontecendo.

Era gente muito boa. Bingo já sabia muito bem. Gente sempre disposta a fazer um cafuné no cangote e a encontrar alguma guloseima extra para ele.

"Esse pessoal vai me compreender", pensou Bingo.

Correu para o lado dos donos, abanando o rabinho, cheio de esperança. Olhou firme para cima e pronunciou o seu forte:

- “MIAAAU!”

Os óculos do dono pularam do nariz e a dona quase se engasgou com a dentadura. O dono pôs-se a falar apressadamente, enquanto procurava os óculos, de quatro, no meio dos cachorros. A dona pôs-se a balançar a cabeça, sem falar nada, porque ainda não tinha desengasgado.

Finalmente o dono encontrou os óculos e colocou-os de novo sobre o nariz, mesmo com uma das lentes quebrada pela queda. Voltaram os dois para dentro e bateram a porta da cozinha. Bingo pôde ouvir que discutiam alto, primeiro só o dono, depois com a dona junto, quando conseguiu desengasgar e pôr a dentadura no lugar.

Ai, ai, ai... Pelo jeito, o miado também não tinha dado certo com os humanos. O que iria acontecer agora?

Apavorado, surpreso, ofendido, Bingo ouviu alguma coisa parecida com “carrocinha”, ou algo do gênero.

Uma decisão de respeito

Bingo nunca tinha ouvido falar em carrocinha, mas Seu Bingão e Dona Bingona sabiam muito bem do que se tratava, pois a cachorra agarrou-se ao marido, tremendo. De medo, na certa.

Seu Bingão balançou a cabeça. Não havia nada a fazer. Ele sempre havia pensado que o pior destino de um cão é a carrocinha. Mas, agora, a carrocinha lhe parecia a melhor solução para uma tragédia daquele tamanho. Melhor a carrocinha do que a dignidade enlameada por um filho seu, miando como... como um gato!

Dona Bingona estava com o coração partido. Em condições normais, ela teria se oferecido para ser presa pela carrocinha, só para salvar um filhote seu. Mas a situação era diferente. Por mais que ela quisesse proteger o Bingo, não poderia, como boa mãe que era, permitir que a presença de seu filhote continuasse dando um péssimo exemplo como aquele. Era a carrocinha para um ou a perdição para toda a ninhada.

Assim, com tristeza, mas decidida, Dona Bingona deu as costas para o filhote e foi juntar-se ao marido. Ela era, também, uma vira-lata de respeito.

Os outros cachorrinhos, mesmo sem saber a razão de tudo aquilo, logo descobriram quem era mais forte e trataram de se juntar aos pais, por via das dúvidas.

A um canto do quintal, Bingo ficou só.

Do outro lado, debaixo do galpão, nenhum membro da família olhava para ele.

Mas, lá de cima, no alto do telhado, havia dois olhos fixos no pobre cachorrinho.

Bingo levantou o olhar. Lá estava o gato.

Ao relento, ao luar

Pelo resto daquela tarde, ninguém mais brincou naquele quintal. E ninguém chegou perto do Bingo, como se ele tivesse alguma doença contagiosa, tipo catapora ou sarampo, que ninguém quer pegar.

Quando a noite caiu, todos os cães foram para o galpão ajeitar-se em suas almofadas. Depois que todos já estavam acomodados, Bingo aproximou-se, exausto, só pensando em dormir.

Mas Seu Bingão levantou a cabeça e rosnou ameaçadoramente, mostrando os dentes.

O pobre Bingo parou, quis chorar, quis pedir, mas fez meia-volta. Nada adiantaria. Nada daria jeito.

Deitou-se num canto da horta e adormeceu, iluminado pelo luar. O mesmo luar que, naquele momento, em algum canto da cidade, iluminava o gato.

O homem de uniforme

Na manhã seguinte, um caminhãozinho cercado por grades, com cães de todos os tamanhos e feitios latindo e ganindo lá dentro, parou em frente à casa.

Os donos da casa e dos cachorros da família Bingão saíram para receber um homem de uniforme, com uma corda na mão.

Pelo jeito, depois de ouvir a explicação, o homem de uniforme não gostou da história:

- Cachorro que mia não pode!

- Mas por que não? - perguntou o dono com os óculos de lente quebrada.

- Não sei por quê. Só sei que nunca ouvi falar de cachorro miando. Quem mia é gato!

- Isso nós sabemos - concordou a dona com a dentadura solta. - Só que, infelizmente, esse mia...

- Então não é cachorro. É “gachorro”, ou “cachogato”, sei lá. E isso a carrocinha não pode prender.

A discussão não durou muito. O dono levantou os óculos quebrados para a testa, para enxergar melhor, meteu a mão no bolso, tirou uma ou duas notas e passou-as para o homem de uniforme.

O sujeito embolsou o dinheiro e suspirou:

- Está bem, vou ver o que posso fazer.

Quando aquele homem de uniforme, com sua corda, entrou no quintal, foi uma correria. Seu Bingão esqueceu-se do respeito e foi esconder-se debaixo da almofada. Dona Bingona pulou para baixo do tanque e entalou-se num balde.

Os cachorrinhos corriam de um lado para outro do quintal, e o homem de uniforme não sabia o que fazer.

- Qual deles? Este aqui? Aquele lá?

Cada cachorrinho apontado tratava logo de latir o mais que podia para livrar-se do laço.

A dona interveio, dentadura solta:

- Não, não é nenhum desses. É o Bingo. Cadê o Bingo?

- Bingo, vem cá!

E lá veio o Bingo. Aproximou-se do homem de uniforme. Todos os cães abriram um espaço, no meio do qual ficou o cachorrinho. Olhou para o homem, olhou para o laço e fez, tristemente:

- “Miau”...

- “Teje” preso! - gritou o homem de uniforme, jogando o laço em torno do pescocinho do Bingo.

Em cima do telhado, assistindo a tudo, estava o gato.

Na jaula sobre rodas

Bingo só pôde respirar quando lhe tiraram o laço do pescoço e o jogaram dentro da carrocinha.

Clang! fez a porta ao fechar-se.

Clic, clic! fez o cadeado ao trancar a porta.

O cachorrinho olhou à sua volta. Estava espremido entre vários companheiros de desgraça. Tudo lhe parecia um sonho mau, um pesadelo.

- Ora, vejam! - comentou um cão cheio de sarnas. - Agora eles estão prendendo crianças.

- Por que vocês estão presos? - perguntou timidamente Bingo. - Vocês também miam?

- Miar?! - horrorizou-se um cachorro de maus bofes. - Nós somos cães vagabundos, mas somos cachorros de verdade.

- Só temos azar - lamentou-se um felpudo, coçando as pulgas.

- Esse cachorrinho deve ser maluco...

- Antes cachorro maluco que cachorro louco! - resmungou um pequinês falsificado.

- É muito azar mesmo - lamentou-se de novo o felpudo, que era de lamentar-se. - Fome, pulgas, carrocinha, e ainda por cima um filhote maluco. Ai, ai, isso é o que chamam de “vida de cachorro”!

- É, mas tem cachorro que leva vida melhor do que muita gente - comentou o das sarnas. - Eu mesmo conheci uma cadelinha cheirosa, cheia dos talcos e dos trinques, que morava numa casa que...

- Ai, nem fale nesses cachorros almofadinhas - rosnou o cachorro de maus bofes. - Essa vida não é pra nós.

- Pois foi por causa daquela cadelinha que eu vim parar aqui - continuou o das sarnas. - Eu e ela estávamos no maior dos namoros quando chegou esse sujeito de uniforme, com aquele laço maldito.

- Vai ver foram os donos da tal cheirosinha que chamaram o homem do laço - raciocinou o pequinês.

Bingo ouvia tudo aquilo como se nada estivesse acontecendo de verdade. Na certa, ele ia acordar e ver-se novamente no seu quintal. Aí podia bater um papinho com o gato, e tudo voltaria a ficar como antes.

Um mestiço de buldogue inter- rompeu o pensamento do Bingo:

- Pra onde será que estão nos levando?

- Sei lá - tentou responder o sarnento. - Já vi muitos colegas caírem no laço da carrocinha. Só não vi nenhum voltar pra contar o que aconteceu...

Todos ficaram em silêncio. Em cada cabeça surgiram idéias diferentes acerca do destino daquela viagem sacolejante. E nenhuma era uma imagem agradável.

Já estava escurecendo quando a carrocinha freou na frente de uma casa grande, cercada de muros altos, onde estava escrito Canil Municipal. Lá de dentro ouviam-se uivos tristes e ganidos de cortar o coração. Nenhum latido de alegria.

No Canil Municipal

A grande porta da casa abriu-se e a carrocinha entrou por ela, manobrando até chegar perto de uma série de jaulas cheias de cães.

Bingo, na escuridão da noite que caía, mal pôde ver o que havia dentro das jaulas. Adivinhou apenas sombras assustadas que pulavam contra as grades, fazendo um alarido ensurdecedor.

Clic, clic! fez o cadeado destrancando a porta.

Clang! fez a porta ao abrir-se.

Querendo aproveitar a oportunidade, o cão de maus bofes pulou para fora, tentando fugir e ameaçando morder quem estivesse à frente.

Como um relâmpago, uma corda cortou o ar e apertou-se em torno do pescoço do cão, enquanto - vapt, vapt! - a ponta de outra corda caía várias vezes sobre o lombo do fujão, deixando marcas vermelhas e arrancando um ganido longo, sufocado pelo laço.

Com gritos e golpes de corda, os cachorros foram empurrados para uma das jaulas. Bingo, pequeno que era, conseguiu livrar-se das lambadas e esgueirou-se a salvo para o fundo da masmorra.

Outro “clang”, mais dois ou três “clics” e estavam todos presos de novo.

O canil estava cheio. No escuro, os cães se empurravam, se amassavam, excitados, perturbados, aflitos.

- Chega pra lá! - ameaçou um grandão, pêlo liso, negro. - Chega pra lá, senão vai dentada!

- Que é isso, valentão? - enfrentou um dos que acabavam de chegar junto com Bingo. - Estamos juntos, na mesma desgraça. Não vamos nos morder uns aos outros!

- É isso mesmo - concordou um veterano. - Vamos nos ajeitar, porque não temos outro jeito.

Aquilo tudo estava sendo demais para o pobrezinho do Bingo. Onde estaria o seu amigo gato? Quem sabe, ele poderia socorrê-lo, fazer alguma coisa. Bingo apoiou as patas da frente na grade e, como um chamado, soltou o mais forte “miau” de que era capaz.

Quem é que tá miando aí?

O som daquele miado atravessou todas as jaulas.

Inimigos de nascença de todos os gatos, os pobres cães prisioneiros puseram-se a latir ferozmente, como se pudessem arrebentar as grades e devorar o autor do “miau”.

Surpresa maior aconteceu na jaula onde estava o Bingo. Nenhum dos cães conseguiu entender.

- Que é isso?

- Será que eu ouvi direito?

- Esse cachorrinho fez “miau”?

- Vai ver, é um gato disfarçado!

- Pega!

- Pega o gato disfarçado!

- Mata!

- Esfola!

A cachorrada toda caiu em cima do Bingo. O pobre cachorrinho conseguiu escapar correndo entre as pernas dos agressores e ficou zanzando, ziguezagueando, até que, exausto, viu-se cercado, no fundo da jaula.

Nesse instante, um berro humano veio salvar Bingo.

- Quem é que tá miando aí?

- Que bagunça é essa?

- Cala a boca, cachorrada!

Vendo as cordas nas mãos dos carcereiros, os cachorros meteram os rabos entre as pernas.

Bingo, por um momento, estava salvo. Mas tinha saído todo esfolado da tentativa de linchamento, e seus arranhões provaram aos outros cachorros que ele não usava disfarce algum. Era um cão. Como os outros. Só que miava, e isso não podia ser admitido pelos companheiros de cela. Eram vagabundos, mas eram cachorros de verdade.

- Que vergonha! Um cachorro que mia! - rosnou o cão sarnento.

- Que azar! - lamentou-se o das pulgas, coçando as pulgas. - Além da prisão, além das pulgas, ainda tinha de aparecer um cachorro que mia!

Lambendo seus ferimentos, abandonado a um canto, Bingo estava triste, triste...

A raiva e a fúria

"Coitado!", você deve estar pensando. "Tanta dor, tanto sofrimento, mas por que ele não parou de miar e começou a latir como qualquer cachorro? Aí, todos os problemas dele estariam resolvidos, não acha?"

Acho. E confesso que até pensei nisso. Mas Bingo não queria. Ele achava que seus miados não faziam mal a ninguém. Por que mudar, então?

E olhe que os problemas não pararam por aí. No canil, Bingo conheceu as pulgas, pintinhas pretas puladoras e coçativas que não existiam lá no seu quintal, pois a dona da dentadura solta sempre dava banho nos cachorrinhos e botava um talquinho que, além de cheiroso, acabava com a vida das pulgas.

E a comida, então? Ah, que saudade das guloseimas e das tigelinhas de leite lá do quintal! No canil, o estômago novinho do Bingo passou mal: a comida que eles davam, além de pouca e rara, tinha gosto de sabão com quiabo e, pelo cheiro, parece que já vinha estragada.

- Você não vai comer? - gozou o pequinês falsificado, quando viu Bingo afastar-se da comida na noite seguinte. - Está com luxinho, é? Pois deixe que eu como a sua parte.

- Ei, sai pra lá! - intrometeu-se o grandão, de pêlo negro. - A comida do cachorrinho que mia vai ficar é pra mim!

A cachorrada já ia se engalfinhando numa briga de morte para disputar a comida fedorenta que Bingo tinha rejeitado, quando um barulho infernal veio da jaula ao lado.

- Que é isso? - surpreendeu-se o cão de maus bofes.

- É o vira-lata amarelo! - latiram da outra jaula. - Parece que está com raiva.

Raiva?! Os cães ficaram apavorados. A raiva é o pior que pode acontecer a um cachorro.

Os carcereiros chegaram em seguida. Estavam tão nervosos quanto os cães e traziam paus compridos, além das cordas.

- Olha! - apontou o chefe. - É aquele amarelo lá. Abre a porta. Laça com cuidado!

Bingo não pôde ver o que se passava. Ouviu os “clics”, o “clang” e as lambadas, logo seguidas por um ganido estrangulado.

Os carcereiros saíram da cela arrastando, meio enforcado pela corda, um cão amarelo que se debatia e espumava pela boca.

O chefe dos carcereiros tirou da cinta um objeto estranho, escuro, com um cano, que Bingo nunca tinha visto.

Ouviu-se um barulho parecido com os estouros dos canos de escapamento dos automóveis, que os cães conheciam tão bem: bam!

O cão amarelo parou de se debater.

Naquele momento, todos os prisioneiros começaram a uivar, enquanto os homens iam embora carregando o pobre cachorro louco.

Vamos fugir daqui!

Bingo tinha passado por tanta coisa naqueles dois dias que já se sentia um cão adulto, experiente, e não mais o cãozinho novo que era. Uma mosca pousou nos seus ferimentos e ele lambeu a pata, que coçava e ardia.

Seus companheiros de jaula estavam muito nervosos:

- Por que o vira-lata amarelo ficou quietinho depois daquele barulho de escapamento de automóvel? - perguntou o cão negro.

- Vai ver, ficou com medo. Eu também tenho medo de barulho de escapamento - confessou o pequinês.

- O que vai acontecer com ele? - o mestiço de buldogue também estava assustado.

- Sei lá - respondeu o sarnento. - Ele está doente, não está? Então ele precisa de um hospital de cachorros, não é?

- Quer dizer que os homens vão tratar dele? E ele vai voltar pra cá?

- Duvido - intrometeu-se um veterano. - Nunca vi um cão raivoso aparecer de novo, curado. Querem saber o que eu acho? Eu acho que eles vão acabar com ele!

- Não agüento mais! - desesperou-se o cão de maus bofes. - Fome, jaula, chicotadas, e ainda ficar raivoso pra essa gente acabar com a nossa vida! Eu não vou suportar isso!

- Podia ter sido um de nós! - lembrou o buldogue.

- Que azar! Podia ter sido eu! - lamentou o cão pulguento.

- E nós vamos ficar aqui, parados? - concluiu o de maus bofes. - Vamos fugir daqui!

- É isso mesmo! - Apoiado!

- Ninguém agüenta mais!

- Vamos fugir, sim - concordou o pequinês. - Mas fugir como?

- Precisamos de um plano - ajuntou o buldogue.

- Que azar! Não temos um plano - choramingou o das pulgas.

O cão de maus bofes latiu mais alto:

- Cambada de vira-latas burros! Vocês não são capazes de pensar em nada? Pois eu tenho um plano!

- Um plano? Que plano?

- Vamos, diga logo!

- Um de nós finge-se de cachorro louco. Aí, vêm os homens com os paus e com os laços. Aí, todos os outros pulam em cima deles, de surpresa. Aí, mordemos todo mundo, sem dó nem piedade. Aí...

- Aí, o quê? - perguntou o buldogue.

- Aí a gente foge, cachorro burro!

Os companheiros aprovaram a idéia na hora:

- Boa!

- Ótimo plano!

- Mas quem vai se fingir de raivoso?

- Não olhe pra mim! Você é besta? E se não der certo? Eu não quero que eles acabem comigo. Eu não quero morrer!

- Nem eu!

- Eu muito menos!

- Que tal cachorrinho que mia? - sugeriu o pequinês. - Ele é muito pequeno e nem vai servir para atacar os homens. Ele que se finja de louco!

- Isso! Se não der certo, azar dele! - caçoou o felpudo, das pulgas e dos azares. - Assim ele aprende a miar melhor! Eh, eh, eh!

- Deixem de ser burros! - berrou o líder, de maus bofes. - O cachorrinho é pequeno demais. Ele não vai saber se fingir de raivoso.

- É mesmo. O cachorrinho não serve pra nada!

- Que azar! O cachorrinho não pode se fingir de cachorro louco. E quem é que vai fingir?

- Você! - decidiu o líder.

- E-e-eu?! - gaguejou o das pulgas.

- Você mesmo. Não se preocupe, tudo vai dar certo.

- Que azar! Logo eu?

O plano estava pronto, e até Bingo achou que ia dar certo. Mas, se ele era pequeno demais para atacar os carcereiros e também era pequeno demais para fingir-se de cachorro louco, que papel ele teria no plano de fuga?

- Nenhum! - rosnou o de maus bofes. - Você não vai fugir com a gente. Quem mia não pode!

Nas sombras, uma idéia

- Vamos aproveitar agora que está bem escuro - comandou o líder, sempre de maus bofes. - Pulguento, vá lá para o fundo e comece a babar, rosnar e fingir-se de raivoso. Eu, o grandão, o buldogue e o sarnento ficamos deste lado da porta. O pequinês e os outros ficam do lado de lá. Quando vocês ouvirem o “clic, clic, clang”, já sabem: vamos cair em cima dos homens. Estão prontos?

- Estamos! - latiram todos.

- Então, pulguento, comece a fingir!

- Que azar! Que azar! - lamentou-se o das pulgas.

Bingo olhou para fora. Estava muito escuro mas, no telhado das jaulas em frente, o cachorrinho pensou ver uma sombra, que maciamente deslizava pelas telhas. Uma sombra da cor da noite. Seria o gato?

E Bingo teve uma idéia. Encolheu-se num canto da jaula, junto à grade, e ficou bem escondido na escuridão.

O felpudo começou a fazer o seu papel. Rosnou e babou o melhor que podia e rolou na terra, enquanto os outros cães ficavam em silêncio.

Não demorou quase nada, e a mesma balbúrdia que antecedera as desventuras do cão amarelo repetiu-se. Os homens vieram correndo, paus e cordas nas mãos.

- Outro raivoso? Não é possível!

- Aqui! Nesta jaula!

- Anda logo!

- Cuidado!

Vieram os “clics” e o “clang”. O chefe dos carcereiros entrou na frente e o cão de maus bofes pulou, pronto para abocanhar-lhe a garganta.

Bam, bam! Ouviu-se duas vezes aquele ruído de escapamento de automóvel.

E todos os prisioneiros viram o cão de maus bofes girar no ar e cair como uma fruta madura.

O que teria acontecido? Por que o líder, tão valente, estava agora quietinho, no chão, como o cão amarelo? Será que ele tinha tanto medo assim de escapamento de automóvel?

Sem saber o que fazer, os cachorros encolheram-se e todos os homens entraram na jaula. Entraram furiosos, afastando os cães com os paus compridos, batendo a torto e a direito com as cordas, laçando todos os cães que conseguiam ver no escuro.

Quase nos calcanhares do chefe dos carcereiros, Bingo fez, bem baixinho, aquilo que melhor sabia fazer:

- “Miau”!

Surpreso, o chefe olhou para baixo e não viu nada naquela escuridão.

- Um gato no canil?! Sai daqui, gato vagabundo!

E, com um pontapé, jogou Bingo para fora da jaula.

Adeus, Bingo

Livre, no corredor entre as jaulas, onde todos os cães latiam e atiravam-se contra as grades, Bingo correu tudo o que pôde. Espremeu-se pelas paredes, aproveitando as sombras e procurando o portão de saída, no meio daqueles muros tão altos.

Foi aí que a lua saiu de trás das nuvens e veio iluminar o pátio em frente ao portão.

- Que é isso? - gritou uma voz. - Um cachorro fora da jaula?!

- Hein? O quê? Pega! Laça ele!

Surgiram homens de todos os lados. Só, no meio do pátio iluminado pela lua, o cachorrinho não tinha para onde fugir.

Os olhinhos do Bingo cruzaram-se com o olhar amarelo do gato, lá no alto do muro.

- Vem - pareciam dizer aqueles olhos. - Pule!

Pular? Ele, um cachorrinho de quintal? Como?

- Vem. Você vai conseguir!

Não havia outro jeito. Quase cercado pelos homens, Bingo correu, tomou impulso e saltou.

Plaft! fez o corpinho do cachorro ao chocar-se contra o muro.

Ainda tonto pela queda, Bingo olhou novamente para cima do muro.

- Vem. Não desista agora. Você vai conseguir!

Bingo correu de novo, esticou-se todo e, mais uma vez - plaft!

O cachorrinho rolou na terra, levantou-se, correu de um laço que foi jogado contra o seu pescoço e olhou para aqueles olhos amarelos.

- Vem. Força! Tente de novo. Você vai conseguir! Você vai conseguir!

Com o corpo todo doído pelas duas quedas, Bingo disparou pelo pátio, ziguezagueou entre as pernas dos homens, livrou-se das pauladas e correu como nunca. Lutando pela vida, saltou como um gato.

Agarrou-se com as patinhas na beirada do muro, enquanto ouvia novamente aqueles estouros de escapamento de automóvel. A seu lado, lascas de reboco e tijolo foram arrancadas do muro.

Bingo não conseguia puxar o corpo para cima. Suas forças já estavam no fim.

Na sua frente, dois olhos amarelos fixaram-se nele.

- Força! Tente! Você está quase livre.

O cachorrinho cravou as unhas no muro, reuniu todas as energias e soltou o seu mais forte:

- “Miaaau”!

Lá embaixo, os homens viram, recortadas contra a lua cheia, as sombras de um gato e de um cachorro correndo sobre os telhados.

Ninguém mais pôde encontrar o Bingo. Nunca se soube para onde ele foi. Uns dizem que ele partiu para bem longe e foi aprender outras línguas. Dizem que, agora, Bingo sabe cocoricar, mugir, balir e até trinar. Outros acham que ele foi para uma terra onde todo mundo pode falar a língua que quiser. Uma terra onde é permitido miar. Uma terra onde é permitido ser diferente!

Fonte:
Historinhas pescadas : antologia de contistas brasileiros / [coordenação editorial Maristela Petrili de Almeida Leite, Pascoal Soto].- São Paulo : Moderna, 2001. – (Literatura em minha casa ; v. 2)

Hermoclydes S. Franco / RJ (MÃE! A maior das Criações)

Mãe e filha (pintura de Renoir)

1 – A maior das Criações
De Deus, ao fazer o mundo,
Foi a Mãe que, entre emoções,
Possui o amor mais profundo!

2 – Ser MÃE é trabalho insano
Que tal carinho irradia
E te faz, por todo o ano,
Ser a MÃE de cada dia!

3 – MÃE, flor de amor e bondade,
Nem precisa rima rica,
Na poesia de saudade
Da lembrança que nos fica!...

4 – Minha MÃE, frases serenas,
Seus conselhos e bondades
Tornaram bem mais amenas
Minhas sofridas saudades...

5 – Era uma vez... A saudade
Da meiga MÃE que ensinava,
Na minha infância, a verdade
Nas histórias que contava!…

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

Esopo (Fábula 7) O Lobo e a Cegonha


Ao devorar a sua presa, o lobo ficou com um osso entalado nas goelas, o que lhe causou tamanha dor que o bicho desatou a correr e a uivar, pedindo a todos os que encontrava que o ajudassem. Por fim encontrou uma cegonha, à qual o lobo prometeu uma recompensa se ela conseguisse tirar-lhe o doloroso objeto. A cegonha fez o que lhe foi solicitado e, depois de tirar o osso, pediu ao lobo a sua recompensa.

"Que imprudência!", disse o lobo. "Meteste a cabeça dentro da minha boca e eu facilmente a podia ter arrancado. Em vez disso, permiti-te que a retirasses com a maior segurança. Não te parece que é uma recompensa suficiente ?"

Moral da história

Diz-se que uma boa ação merece recompensa, mas quem lida com animais selvagens (e há muitos homens que não são melhores que estes) e escapa com vida não deve esperar outra recompensa.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poetas de Ontem e de Hoje) VII


Contraste
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis/RJ - Cidade Poema


Você é fogo, a chama mais ardente,
Semente a germinar em pleno cio,
É luz que o sol espalha suavemente,
É toque de prazer, é arrepio...

É água cristalina da nascente
Que corre lentamente para o rio,
Paixão que vem assim, tão de repente,
Deixando o coração por quase um fio.

Você é o meu passado mais presente...
Calor a me aquecer durante o frio,
Loucura que enlouquece loucamente!

Você é como um sonho inocente,
É brisa mansa em manhã de estio
E muitas vezes temporal fremente!

Soneto antigo
CECÍLIA MEIRELES


Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.

Amar direito
AMILTON MACIEL


Que me valeu ganhar um bom dinheiro,
Juntar montes de bens em minha vida;
Viajar sem parar o mundo inteiro,
Se eu tenho a vida sempre aborrecida?

Que me valeu estar ainda solteiro,
Com boa cama e até boa comida,
Se nunca passa em casa algum carteiro
Com uma carta de amor pra mim trazida?

Sem amor, pouco vale esta existência,
Ou melhor, muita vez não vale nada,
Pois só o amor lhe dá mais consistência!

Preciso, então, de amor! De amor perfeito;
Que seja de bondade exagerada,
E então me ensina a amar... E amar direito!

As cousas do mundo
GREGÓRIO DE MATOS


Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa,
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não igo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

Contradição
MARIA NASCIMENTO S. CARVALHO


Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Ironia de lágrimas
CRUZ E SOUZA


Junto da morte é que floresce a vida!
Andamos rindo junto a sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura...
Ela anda em torno a toda criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubres e tredas
Das Ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada cega!

Soneto do amor total
VINICIUS DE MORAES


Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude

Perspectiva
LUIZ POETA (LUIZ GILBERTO DE BARROS)


Dentro dos olhos que se fecham sobre a vida,
O teu sorriso se condensa em fantasia,
A tua tela é pulsante e colorida
E a tua vida faz da tinta, a poesia.

Tudo é revisto com sutis perspectivas,
E cada traço geométrico que traças,
Longe das frias lentes das objetivas,
É muito mais que imagem fora das vidraças.

Surrealista na intenção, porém real
Na dimensão que a metafísica alcança,
A tinta dança na pureza do vitral
Que o teu olhar vai colorindo de esperança.

O todo é tudo e quando tudo é tempo e pó,
Cada partícula do tempo que se ausenta
Vai transformando a essência de estar só
Na emoção que o teu silêncio experimenta.

E é nessa doce ocasião de libertar
O teu sorriso sobre a mágica das tintas,
Que tu libertas, com teu jeito de sonhar,
No coração, a emoção com que te pintas.

Fonte:
Poemas enviados pelo autor

José de Alencar (Senhora)


Análise

Senhora foi publicado em 1875. O romance pode ser considerado uma das obras-primas de seu autor e uma das principais da literatura brasileira. Uma vez que trata do tema do casamento burguês, ou seja, baseado no interesse financeiro, pode ser considerada precursora do Realismo ou pré-realista.

Alencar classifica a obra dentro de seus “perfis de mulher”, já que concentra na mulher o papel mais importante dentro da sociedade de seu tempo. Aurélia é a protagonista do romance, uma jovem mulher dividida entre o amor e o ódio, o desejo e o desprezo pelo homem que ama. Essa personalidade dividida apresenta um desvio psíquico ocasionado a partir do rompimento do noivo, Fernando Seixas, e que causou um certo caso de esquizofrenia na personagem.

A personagem Aurélia Camargo é idealizada como uma rainha, como uma heroína romântica, pelo narrador. De "régia fronte, coroada de diadema de cabelos castanhos, de formosas espáduas", essa personagem, no entanto, é ao mesmo tempo "fada encantada" e "ninfa das chamas, lasciva salamandra". Ao estereótipo da "mulher-anjo" romântica, o narrador acrescenta, assim, um elemento demoníaco, elemento que, em vez de explicitar, deixa sugerido, "sob as pregas do roupão de cambraia que a luz do sol não ilumina", e também "sob a voz bramida, o gesto sublime, escondendo o frêmito que lembrava silvo de serpente" ou quando "o braço mimoso e torneado faz um movimento hirto para vibrar o supremo desprezo". Tal maneira de caracterizar a personagem - pelos elementos exteriores - é típica do narrador observador. Tal caracterização, por sua vez, humaniza a personagem, afastando-a do maniqueísmo romântico e acrescentando-lhe traços realistas.

O conflito entre os protagonistas gera momentos de grande emoção e sofrimento. É desse embate entre o desejo de vingança e o desejo de amar em plenitude que nasce a ação psíquica que se transforma em enredo. Se a temática e o psiquismo da obra representam antecipações realistas, ambos fortemente consolidados pela evidente critica de uma sociedade que valoriza mais a aparência e o dinheiro que os sentimentos humanos, a idealização das personagens reflete o universo romântico presente na obra. O desenlace configura, por si só, a vitória do Romantismo em Alencar sobre a possibilidade realista.

Para melhor entendermos a obra, devemos perceber as interações do artista que a criou. Alencar acreditava sinceramente na vitória do homem na reforma de si mesmo e da sociedade. Não havia nele ainda o traço de pessimismo profundo e de ceticismo que tantas páginas maravilhosas fizeram nascer em Machado de Assis. É dessa crença nos sentimentos humanitários que bruta o Romantismo alencariano, do qual bruta a força vital de suas personagens. Divididos entre o ódio e o perdão, a necessidade financeira e os apelos do coração, vencem sempre os segundos. O mesmo caso pode ser observado na construção do romance Lucíola, mas com um final trágico. Em ambos os romances a premente necessidade do dinheiro, veículo central de uma sociedade aristocrática e burguesa, obriga personagens a trocarem seus sentimentos por dinheiro. O grande vilão, o antagonista, é sempre a sociedade e seus hábitos doentios e seus costumes imorais. Se é essa a pretensão do autor, o seu recado para a sociedade de seu tempo, devemos classificar Senhora com um romance de costumes. Se o cenário das personagens é o Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, podemos também considerá-lo como um romance urbano com traços de psicologismo e critica social.

Estrutura da obra

Senhora é um romance dividido em quatro partes e não obedece uma ordem cronológica, isto é, a primeira parte (O Preço), narra os episódios atuais, enquanto que a segunda parte (Quitação), fala-nos do passado de Aurélia, seguem os capítulos: Posse e Resgate. A narrativa é feita por um narrador que parece penetrar na alma de Aurélia Camargo para transmitir suas confidências mais intimas.

Esses títulos contrariam ostensivamente o espírito de uma história de amor, como efetivamente é o romance Senhora. Mas, como se trata de um amor contrariado pelos hábitos sociais, fica clara a idéia de que os títulos foram assim escolhidos para hipertrofiar a metáfora contida no livro. Eles explicitam, em tom caricatural e hiperbólico, a idéia de que a compra efetuada por Aurélia é uma metáfora do casamento por interesse, muito corrente na época, mas sempre disfarçado por elegantes e frágeis encenações sociais.

Enredo

Na primeira parte, O Preço, Aurélia Camargo dá a conhecer para o leitor: jovem de 18 anos, linda e debutando nos bailes. A principal ação desta primeira parte do romance começa quando Aurélia pede ao tio que ofereça ao jovem Fernando Seixas, recém-chegado na corte após uma longa viagem ao Nordeste, a sua mão em casamento. Entretanto, uma aura de mistério cobre o pedido, pois Fernando não deve saber a identidade da pretendente e além disso a quantia do dote proposto deve ser irrecusável: cem contos de réis ou mais, se necessário.

A habilidade mercantil de Lemos, que chega a ser caricata, e a péssima situação financeira de Fernando - moço elegante mas pobre, que gastou o espólio deixado pelo pai e que precisava restituí-lo à família para a compra do enxoval da irmã - fazem com que dêem certo os planos de Aurélia.

Na noite de núpcias, Fernando se surpreende ao ver nas mãos de Aurélia, um recibo assinado por ele aceitando um adiantamento do dote. Aurélia se enfurece, acusa-o de mercenário e venal. E ela começa a contar a vida e os motivos que a levaram a comprá-lo.

Na segunda parte, Quitação, conhecemos a vida de ambos os protagonistas. Aqui há um retorno aos acontecimentos em suas vidas, o que explica ao leitor o procedimento cruel de Aurélia em relação a Fernando.

Na terceira parte, Posse, a história retorna ao quarto do casal. Vemos Fernando arrasado de vergonha, mas Aurélia toma o seu silêncio como cinismo. É o início da fase de hipocrisia conjugal.

Na quarta parte, Resgate, temos o desenrolar da trama. Intensificam-se os caprichos e as contradições do comportamento de Aurélia, ora ferina, mordaz, insaciável na sua sede de vingança, ora ciumenta, doce, apaixonada. Intensifica-se também a transformação de Fernando, que não usufrui da riqueza de Aurélia, tornando-se modesto nos trajes, assíduo na repartição onde trabalhava, e assim adquirindo, sem perder a elegância, uma dignidade de caráter que nunca tivera.

No final, Fernando, um ano após o casamento, negocia com Aurélia o seu resgate. Devolve-lhe os vinte contos de réis, que correspondiam ao adiantamento do montante total do dote com o qual possibilitava o casamento da irmã, e mais o cheque que Aurélia lhe dera, de oitenta contos de réis, na noite de núpcias.

Separam-se, então, a esposa traída e o marido comprado, para se reencontrarem os amantes, a última recusa de Seixas sendo debelada quando Aurélia lhe mostra o testamento que fizera, quando casaram, revelando-lhe o seu amor e destinando-lhe toda a sua fortuna.

O enredo deste romance mostra claramente a mistura de elementos romanescos e da realidade. Foco narrativo - O romance é narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente, ou seja, que tudo sabe sobre as personagens, penetrando em seus pensamentos e em sua alma. Esse narrador é também intruso, já que interfere em vários momentos, apresentando-se ao leitor. A técnica narrativa empregada por Alencar em Senhora é sem dúvida bem moderna, se tomarmos como base suas obras anteriores, já que o autor utiliza digressões.

Tempo - O tempo é cronológico, tomando como base o século XIX, durante o Segundo Império. Entretanto, não há linearidade, já que a história é contada a partir de flash-back.

Espaço

O espaço central da narrativa é Rio de Janeiro.

Personagens

As personagens são bem construídas e já apresentam certa profundidade psicológica. Ao contrário de várias personagens românticas, não constituem meros tipos sociais, já que são capazes de atitudes inesperadas.

1. Fernando Seixas: Jovem estudante de Direito, bem vestido e apreciador da vida em sociedade. A falta de dinheiro o conduz a acreditar que a única maneira de evitar a ruína final é casando-se com um bom dote. Envolvido pelo amor de Aurélia, chega a pensar em abandonar os hábitos caros, mas acaba percebendo que não consegue viver longe da sociedade. Depois do casamento por interesse, é humilhado, arrepende-se e consegue resgatar o dinheiro que recebeu a Aurélia.

2. Aurélia Camargo: Moça pobre. Aurélia é decente e apaixonada por Fernando Seixas. A decepção amorosa transforma-a num mulher vingativa e fria, mas que não consegue disfarçar seu verdadeiro sentimento por Seixas. Seu comportamento é típico de uma esquizofrênica, já que se vê dividida entre sentimentos contraditórios até o final do romance. O amor parece ser sua salvação, redimindo-a de perder o homem que ama por causa de seu orgulho.

3. Dona Emília: Viúva, mãe de Aurélia. Mulher honesta e séria, que amargou imenso sofrimento por causa de seu amor por Pedro Camargo.

4. Pedro Camargo: Pai de Aurélia, filho natural de um rico fazendeiro do interior de São Paulo, de quem nutria grande medo. Morre à mingua por não conseguir confessar seu casamento contra a vontade do pai.

5. Lourenço Camargo: Avô de Aurélia. Pai de Pedro. Homem duro e rústico, mas que procura ser justo depois que descobre a existência do casamento do filho.

6. D. Firmina: Parente distante de Aurélia e que lhe serve de companhia quando fica rica.

7. Lemos: Tio de Aurélia. “Velho de pequena estatura, não muito gordo, mas rolho e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava petulância de rapaz, e casava perfeitamente com seus olhinhos de azougue.” Foi escolhido por Aurélia como tutor porque a moça podia dominá-lo facilmente. Estilo de época e individual

Alencar não destoa do Romantismo em voga. A sua visão de mundo é baseada na emoção, e o mundo urbano, com seus problemas políticos e econômicos, o aborrece, por isso foge para o passado; escapa para os lugares selvagens. Suas obras procuram retratar um Brasil e personagens mais ideais do que reais, mais como ele gostaria que moralmente fossem (românticos e moralistas) do que objetivamente eram (realistas). Senhora é um romance de características definidas de forma romântica, mas que já traduz uma temática realista: a crítica ao casamento burguês.

Problemática e principais temas

O conflito amoroso entre os protagonistas nasce desse choque entre os sentimentos e o interesse econômico. Aurélia Camargo é uma mulher de personalidade forte, carregada de sentimentalismo romântico. Daí sua contradição, sua personalidade marcada por extremos psíquicos: dá maior valor aos sentimentos, mas vale-se do dinheiro para atingir seu objetivo de obter o grande amor de sua vida, Fernando Seixas. Dessa forma, o dinheiro acaba impondo o valor burguês que lhe era atribuído na sociedade do século XIX. A realização amorosa só se cumpre depois de Aurélia vencer a aparente esquizofrenia que parece conduzi-la á dúvida quanto às intenções de Fernando Seixas. O comportamento esquizóide manifesta-se nas atitudes antitéticas de desejar o amor do marido com todas as suas forças, mas lutar contra o mesmo até suas últimas reservas.

Fonte:
Passeiweb

União Brasileira de Escritores ( Mesa Redonda, Posse de diretoria regional do Núcleo da UBE e lançamento do livro "Gente Pobre" de Dostoievski)



Caríssimos(os) Amigos(as)

Segue convite para mesa-redonda, posse da primeira diretoria regional do Núcleo da UBE - União Brasileira de Escritores no Vale do Paraíba e lançamento do livro "Gente Pobre" de Dostoievski, no próximo dia 4/maio/2012. Peço que acusem o recebimento, confirmando ou não a presença. Por favor, prestigiem!

Atenciosamente,

Luiz Antonio Cardoso - Coordenador Regional do Núcleo da UBE - União Brasileira de Escritores no Vale do Paraiba-SP


O Núcleo Regional da UBE - União Brasileira de Escritores no Vale do Paraíba/SP, a Associação Cultural LetraSelvagem, o Clube dos 21 Irmãos-Amigos de Taubaté e a Seção de Tremembé-SP da UBT - União Brasileira de Trovadores,

convidam Vossa Senhoria para a

Mesa Redonda: A IMPORTÂNCIA DE FIODOR DOSTOIEVSKI PARA A PSICANÁLISE E A RECEPÇÃO DE SUA OBRA NO BRASIL.
Integrantes da Mesa: Edson Amâncio (neurocientista e escritor, pertencente ao corpo clínico do Hospital Albert Einstein e especialista na obra de Dostoievski), Luís Avelima (poeta, jornalista e tradutor), Marcelo Ariel (poeta e dramaturgo), Joaquim Maria Botelho (escritor e jornalista, presidente da União Brasileira de Escritores) e Luiz Antonio Cardoso (poeta e escritor, Coordenador do Núcleo da UBE no Vale do Paraíba). Mediador: Nicodemos Sena (escritor e jornalista).

DATA:
04 de maio de 2012 (sexta-feira), às 19 horas.

LOCAL:
Auditório do Departamento de Ciências Sociais e Letras da Universidade de Taubaté - UNITAU
Rua Visconde do Rio Branco, nº 73 - Centro - Taubaté-SP
- ENTRADA FRANCA -
- Informações: (12) 8154-2177 -

Na mesma ocasião, o Presidente da União Brasileira de Escritores, JOAQUIM MARIA BOTELHO, empossará a primeira diretoria do Núcleo da UBE - União Brasileira de Escritores no Vale do Paraíba
(LUIZ ANTONIO CARDOSO - Coordenador Regional;
ANTONIO BARBOSA FILHO - Vice-Coordenador Regional;
KARINA PEREIRA - Secretária;
OSWALDO CRISANTE - Diretor de Eventos;
NICODEMOS SENA - Conselheiro Regional).

Também será apresentada ao público a edição brasileira do primeiro romance de Fiodor Dotoievski ("Gente Pobre"), editado pelo selo editorial LETRASELVAGEM, numa tradução de LUIS AVELIMA, diretamente do russo, trazendo na capa gravura de Oswaldo Goeldi, o principal ilustrador no Brasil dos livros de Dostoievski, sendo de se observar que tem sede em Taubaté-SP a Associação Cultural Oswaldo Goeldi, presidida pela neta de Oswaldo Goeldi, Lani Goldi, que detém os direitos sobre a obra deste grande pintor que integrou o movimento modernista no Brasil.

Com a edição de "Gente Pobre" no Brasil, a LETRASELVAGEM homenageia o inigualável autor russo, de quem emprestou o título para a sua coleção de romances. Publicado em 1846, quando Dostoievski tinha apenas 25 anos, Gente Pobre foi saudado entusiasticamente pelo influente crítico Vassilión Bielínski, que vaticinou o surgimento de um gigante da literatura, comparável a Gógol e Pushkin, considerados os maiores escritores da Rússia. O crítico tinha razão. Não se tratava de apenas mais um livro de estreia, nem Dostoievski era só mais um escritor.

Recebido como "a primeira tentativa de se fazer um romance social" no país dos czares, Gente Pobre é na verdade algo maior. Pois Dostoievski não se contenta em descrever o ambiente de um dos bairros miseráveis de São Petersburgo - onde um funcionário público de meia-idade e a sua jovem vizinha costureira, demasiado pobres para se casarem, encontram na troca de cartas a maneira de compartilharem os pequenos acontecimentos de suas vidas miseráveis. Além disso, realiza a incisiva e subterrânea sondagem psicológica da humanidade "humilhada e ofendida" que se observa em todos os seus romances, e que levou o pai da psicanálise, Sigmund Freud, a considerar Os Irmãos Karamazov (1879) a "maior obra da história".

Luiz Antonio Cardoso
Coordenador Reginal do Núcleo da UBE/SP no Vale do Paraíba
Presidente do Clube dos 21 Irmãos-Amigos de Taubaté-SP
Presidente da Seção de Tremembé-SP da UBT - União Brasileira de Trovadores
Vice-Presidente do Estado de São Paulo da UBT - União Brasileira de Trovadores
Supervisor Geral do Movimento União Cultural
Nicodemos Sena
Presidente da Associação Cultural LetraSelvagem
Conselheiro Regional do Núcleo da UBE/SP no Vale do Paraíba
1º Tesoureiro da UBE - União Brasileira de Escritores/SP


Fonte:
Luiz Antonio Cardoso

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Minas Gerais

Wagner Marques Lopes / MG (A FAMÍLIA em trovas), parte 6

A Família (pintura de Simon Silva)

Estações da família

Em questões familiares,
tempos amenos se espera:
depois dos mais frios ares,
bons ventos de primavera.

Parente e orgulho

Parente - teste seguro,
renteando nossa paz.
Teremos melhor futuro
livres do orgulho tenaz.

Os rios dos sentimentos

Fontes de vários lugares
formam rios de portento:
unidos, familiares
dão força aos bons sentimentos.

A educação que de fato conta

Olhar grave... Assim era
na educação muita antiga...
Hoje, a palavra sincera,
compreensão, mão amiga.

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

domingo, 29 de abril de 2012

Falecimento do Escritor Paranaense Valter Martins de Toledo


Seu falecimento ocorreu às 6 horas da manhã do dia de hoje, 29 de abril de 2012, em Curitiba. O velório realiza-se no Tribunal de Justiça do Paraná, Av. Cândido de Abreu, ao lado da Assembléia Legislativa do Paraná, a partir das 18 horas

Valter Martins de Toledo
Formado em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), autor do projeto “Exercício da Cidadania”.

Era Magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Paraná. Conciliador voluntário do Núcleo de Conciliação do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Membro:
Academia de Cultura de Curitiba,
Academia de Cultura do Paraná, com sede em Londrina
Centro de Letras do Paraná,
Academia de Artes,
Academia Sul Brasileira de Letras,
fundador e presidente da Academia Paranaense de Letras Maçônicas, no período de 1996 a 2006.
Academia de Letras do Brasil pelo Paraná
entre outros.

Condecorações:
Membro Honorário da Força Aérea Brasileira
Medalha do “Mérito Santos Dumont” da FAB.

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Mato Grosso do Sul

Wagner Marques Lopes /MG (A FAMÍLIA em trovas), parte 5

A Família (pintura de Tarsila do Amaral)

Família cristianizada

Família cristianizada -
que adota e vive as virtudes -
é o bem ganhando a empreitada
pelos caminhos mais rudes.

Notícia para o grupo familiar

Um viver abençoado
no qual de fato confio:
se o grupo põe mão no arado,
vence o passado sombrio.

A família na ação social

A vida ganha sentido,
expressão, muita beleza,
quando o pão é repartido
muito além de nossas mesas.

Parentela e paciência

Paciência! - eis a senha!
Renovação das mais ricas:
tem domínio quem se empenha -
largando o ódio e futricas…

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

sábado, 28 de abril de 2012

Errata

Nos Devaneios Poéticos n.6, no Soneto do dia, houve um pequeno erro de digitação no nome do autor, que está sendo corrigido no blog.

Onde constava Cecil Calixto,
o correto é Cecim Calixto.

Perdoe a falha.

J.Feldman

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Mato Grosso

Wagner Marques Lopes/MG (A FAMÍLIA em trovas) parte 4

Pintura de Lasar Segall (A Família)

Agregando riqueza

Quando a família descobre
a trilha certa do bem,
todo o viver se faz nobre,
mais riqueza ela detém.

Na sustentação da família

No núcleo familiar,
um só farol alumia:
aquele que sabe amar
e mais dispensa alegria.

Ternura

Atenção, boa palavra
no meio familiar -
gestos ternos de quem lavra
nas terras do verbo amar.

Rebelde sem causa

A mãe se faz conselheira
para um filho todo dia,
que ao repetir tanta asneira,
sofre mais... Por rebeldia.

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Alberto de Oliveira)


– Aniversário de nascimento do poeta : 28.4.1857.

Para escrever este soneto agora
e render homenagem ao poeta,
que foi dos mais românticos, outrora,
empunho a lira mágica e discreta...

Pois quem do “Vaso Grego” foi esteta
e fez versos que o tempo não descora,
foi muito mais além, foi um profeta
que aqui permaneceu sem ir embora...

E quando, enfim, a lira já quebrada,
tomou-a onde a deixou dependurada
ao vento, entoa um hino de louvor,

escutam-se canções na voz sentida
do velho sino, que a rezar convida,
a todos os que tem um grande amor...

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Aécio Nordman Lopes Cavalcante (Livro de Sonetos)


SONETO A UMA PRINCIPIANTE

Os versos teus, tão dolentes,
(Por Deus, como não minto)
Por serem tudo o que sentes,
Não são mais do que eu sinto;

Que se vês alegre e extinto
De pranto e ranger de dentes
O peito meu - antes recinto
Das chagas mais maldizentes,

É que esse peito teu, criança,
Era alheio ao mal que se sente
Quando mal se vai a esperança;

E o meu, se sorri de repente,
É que esconde os ais da lança,
Dentro de um coração dormente!

ENTRE CACHORRO E GATO

Fosse eu um mágico, em um estranho truque
Roubava, do King, os olhos; do Kicão, o pêlo;
Do Tuli, a fome; e o cheirinho do Baruque,
De tudo eu faria, para eternamente tê-lo.

Tirava-me de vez da cartola e do smoke,
E de tudo o que antes fora, longe de sê-lo,
Eu iria a latir e a miar, e a mais querê-lo
Longe de mim, para do que sou mais lucre...

Quem sabe assim, se entre cachorro e gato,
Fosse eu ser-te o eterno guardião eleito,
A cheirar, do solo, a sola do teu sapato.

Mas, ai! Como me dói a idealização do feito!
Vai-te-me sonho! Não me sejas tão insensato,
Que trocar-me não posso o coração do peito!

A MINHA JURA

Ontem eu jurei: nunca mais hei eu
De amá-la! Tampouco querer vê-la!
Ela é para mim como uma estrela
Que já não brilha porque já morreu.

Seguirei meu caminho mesmo sem ela...
Posso lembrar que um dia lhe pertenceu
Todo este amor que sufoca o meu
Peito, mas contente e longe dela.

Isso eu jurei ontem, porque ainda
Hoje cedo minha vista quis revê-la,
E, louca, a procurou em busca infinda...

E o meu amor, que jamais atura
Um instante sequer sem merecê-la,
Hoje me fez quebrar a minha jura!

EIS O POETA

Tive de amar Joana, para amar Dolores;
Meu grito de amor, guardar bem quedo;
Ando mui lento, mas se avisto horrores,
Corro mil léguas, que não sou de enredo;

Sorrio ao inimigo que me apronta dores,
Tranco-me ao amigo que se faz de ledo;
Não sou nacional, por estar tão cedo,
E sou nacional, por sufocar rancores;

Por ti, leitor, vou de escravo a amo;
Quando em vida, dou milhões de flores,
Quando em morte, não aceito um ramo;

Em toca de santo eu não ponho o dedo;
O que mais detesto é o que mais amo,
E o que mais temo... é o medo.

SONETO A UM AMIGO HERÓI

Fraco guerreiro, já sem fé e sem trilho,
Descrido por todos nas feições do porte,
Eis que surgiste dos bordões da morte,
A gritar: “vencer!” - o teu só estribilho.

E deixaste lar, pátria, mulher e filho...
Em tua mente otimista, sorrias da sorte:
“- Hei de vencer, como só vence um forte:
Com coragem e bravura e garra e brilho!...”

E marchaste então à luta, grande soldado,
Sem corcel e sem escudo, tendo apenas
Por arma, a esperança no ideal traçado.

Foste e venceste, e tuas feições serenas
É incentivo maior ao viajor cansado,
Que não alcança na luta a razão das penas!

SONETO DA FALSA EXPRESSÃO

Se abro da pena e traço-te estes versos
No louco afã de decantar meu amor,
É que, afogado entre pranto e dor,
Quero afastar-me d’alma os ais imersos.

Mas na ânsia de dizer-te o quanto for,
Peco nos ditos, que os vês inversos
E frágeis, e de tão maus e reversos
Põem falso o poema que te vou compor.

Nem sei o que te diga, e sinto, e penso
Que por mais que eu t’o pinte infinito,
Minto; o meu amor é bem mais intenso.

Para o ter, não basta um frasear bonito,
Que há, nas palavras, o final tão denso,
E há, no amor, sempre algo pra ser dito!

SONETO A UMA MULHER BRIGUENTA

Dou toque-e-retoques sem achar-te o jeito
De veres-me perfeito nesses teus ciúmes:
Se avisto os cumes, estufas-te o peito,
E me pões afeito ao fedor de estrumes...

Nada te faço sem que, apressada, arrumes
Fingidos queixumes com arte e despeito:
Dou-te o direito a sentires-me ciúmes,
Dares-me aos perfumes o mais vil defeito;

Que eu, bem é certo, ouvir-te-ei calado
O injusto ralhar, e alheio ao meu enfado,
Estender-te-ei a mão para mais um bolo.

E se passo, de ti, indiferente a tudo,
Nem sequer percebes, do meu ódio mudo,
O quanto sou sábio em me fazer de tolo!

SONETO DO DESENCANTO

Ontem, quando pela primeira vez
Vi-te ali prostada ao pé de mim,
Sem a dúvida cruel do teu “talvez”,
Sem a negação do teu próprio “sim”,

Fitei então com tamanha altivez
Tua face roxo-clara de cetim,
Que todo o teu encanto se desfez
E pude constatar, surpreso, enfim,

Que não eras visão, mas carne e osso;
E a veste que te cobria, do mesmo pano
Que sempre cobriu o meu corpo de moço.

Eras mais uma Maria (morto o engano)
Com os pés em terra, incapaz de dano,
A puxar um cãozinho pelo pescoço.

SONETO DA BUSCA DA FELICIDADE

Seguindo sempre a atraente senda,
Fui-te, felicidade, com a fama:
Sempre mais alto do odor da lama,
Cri teu corpo por detrás da venda.

Oh! dor de ver tão cheia esta tenda
De tudo o que é belo e se mais ama,
E só ouvir o som que se derrama
Por vasta fenda de invisível fenda!

Cerra os meus olhos do vazio aberto
Aonde vai a estrela pueril e errante;
Sana, ó destino, cavaleiro incerto,

Da vida, a realidade ora jorrante:
A dor de vê-la cada vez mais perto,
E tê-la cada vez mais distante!

SONETO A OLAVO BILAC

“Príncipe dos Poetas” - o eterno eleito
De todos foste, brasileiro e forte,
A cantar, em gloriosa lira, o peito
Em dores mil, sem que da dor suporte

Os ferrões... E eu nada sou, que malfeito
É-me o estilo, e de desprezível porte
Ante o teu estilo, que, já sem jeito,
Maldigo, do saber, minha pouca sorte

De nunca achar em verso meu o estilo
Mais justo para as mágoas que abrigo,
E só compor-me verso como viste:

Sem perícia; que me acho, ao redigi-lo,
Pequeno ante as glórias que conseguiste,
E grande ante as glórias que não consigo!

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=83&x=15&y=8

Olivaldo Júnior (Cristais Poéticos)


COMPENSAÇÃO

Não tinha nome,
mas tinha fome.

Não tinha casa,
mas tinha asa.

Não tinha onde,
mas tinha aonde.

Não tinha graça,
mas tinha a praça.

Não tinha hoje,
mas tinha ontem.

CHUVINHA FINA

Não é chuva forte,
mas chuvinha fina.

A chuvinha fina,
que, mansinha, escorre
e concorre ao mar.

Folha a folha, molha,
a chuvinha fina.

A chuvinha fina,
que, sozinha, escolhe
onde ser e estar.

Não é chuva forte,
mas chuvinha fina.

DESCOBRIR
(Poema ao Descobrimento de um Brasil não descoberto)

Um Brasil não descoberto,
todo dia, pela tela,
aparece em minha casa
e me leva.

Um Brasil não descoberto,
toda noite, na novela,
aparece em minha casa
e me vela.

Um Brasil não descoberto,
toda tarde, pela tela,
aparece em minha casa,
cara cela.

Um Brasil não descoberto
sente falta de Cabral,
aparece em minha casa
num canal.

Um Brasil não descoberto
comemora o Carnaval,
aparece em minha casa
num jornal.

Um Brasil não descoberto,
todo dia, se revela.

Um Brasil não descoberto
sente muito e passa mal.

DUPLO SENTIDO

Minha vida está vazia,
foi-se embora de uma vez.

Foi-se agora a fantasia,
não se vê nenhum talvez.

Minha vida está vadia,
foi-se embora ao fim do mês.

Foi-se agora a poesia,
não se vê ninguém feliz.

Minha vida está vazia,
foi-se embora a cicatriz.

Foi-se agora a letargia,
não se tem sequer um bis.

Minha vida está vadia,
foi-se embora como nós.

Foi-se agora a nostalgia,
não se fica mais a sós.

Minha vida está vazia,
já se encheu de Mario Bros.

Foi-se agora a companhia,
não se liga mais a luz.

Minha vida está vadia,
foi-se embora com Jesus.

Foi-se agora o que existia,
mas existe a minha cruz.

Minha vida está vazia,
mas preenche seu lugar.

Fonte:
Poemas enviados pelo autor

Roda de Leitura (5 de Maio, em Guarulhos/SP)


sábado, 5 de Maio de 2012

Das 15h até 17h

Grátis

Biblioteca Comunitária do Coletivo 308
- Rua Paschoalina Migliorini, 121, Ponte Grande, Guarulhos/SP
(Próximo ao E. E. Dom Paulo Rolim Loureiro)


CICLO DISTOPIAS

Dando prosseguimento ao Ciclo Distopias, no mês de maio faremos a discussão da leitura de A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, de George Orwell, publicado originalmente em 1945.

Mediação de Lucia Sasaki, bibliotecária, contadora de histórias e mediadora de Rodas de Leitura desde 2008.

É importante que os interessados compareçam com a leitura individual já realizada para facilitar as discussões a respeito do livro, que pode ser emprestado nas bibliotecas públicas.

O projeto Roda de Leitura visa oferecer ao público a oportunidade de leitura e discussão mediada de obras literárias.

Fonte:
Clevane Pessoa

Clevane Pessoa (Das Livrarias)


Livrarias são guardiãs temporárias
da Cultura Literária.

Quando as luzes se apagam, saem das páginas adormecidas
toda a Vida ali guardada:estórias, História e pesonagem,
vêm graves ou lépidos ,
conversar, cantarolar, trocar idéias.
Dançam sílfides e fadas,
feiticeiras espalham filtros e magia.
Por isso, as livrarias são encantadas, sempre.

As livrarias são as guardiãs responsáveis
da cultura de um lugar, do Universo,
dos autores e leitores.

E quando vendem Poesia,
estendem um tapete de alegoria
estampado de metáforas.

Mesmo o poema mais metonímico,
mais mínimo,
sempre será anímico
e pleno de parábolas,
chamamentos e sinalizações.
Atinge a alma, com dardos de flores
e perfuma os ares.

A Poesia, é a essência da literatura.

E o livreiro que a elege,
uma alma que a depura
e expõe a quintessência
da palavra.

Fonte:
Poema enviado pela autora

Clube de Escritores de Ipatinga (Premiação e Lançamento de Coletânea, dia 5 de Maio)

clique sobre a imagem para melhor visualização
Mais uma vez, o Clube de Escritores de Ipatinga nos brinda com uma antologia.

A poeta Marília Siqueira Lacerda organiza certames -inclusive o respeitado CECON_Circuito Estadual de Contos - o jornal da entidade, divulga livros, enfim ,bastante movimentação cultural, agregadora por natureza.

Será dia 05 de maio, haverá a premiação do 11o Circuito de Literatura e a entrega das coletâneas, cuja impressão sempre agrada ao olhar.

A partir das 20 horas, no Centro Cultural USIMINAs. Ipatinga fica no "Vale do Aço", em Minas Gerais, Brasil.

85 escritores nacionais:

A. Zarfeg
Adriano Alcantara
Aglaé Torres
Agnaldo Tadeu
Alzira Umbelino
Amélia Luz
Andreia Donadon Leal
Angela Togeiro
Angélica Vaccarini
Antônio de Oliveira
Antônio Geraldo
Aroldo Chagas
Braz Henriques
Carlos Alberto Cavalcanti
Carlos Soares de Oliveira
Cesar Cardoso
César Teixeira
Chames Salles Rolim
Cida Pinho
Cirlena Costa
Clara Lúcia
Clauder Arcanjo
Cláudia Bergo
Clevane Pessoa
Dalva Abrahão
Daniel Retamoso
Dércio Braúna
Désio Cafiero Filho
Éder Rodrigues
Édson Roberto
Elza Teixeira de Freitas
Erna Pidner
Eustáquio Gorgone
Fabrício Gortes
France Gripp
Frederico Spada
Gabriel Bicalho
Geraldo Dias Cruz
Geraldo Magela
Goretti de Freitas
Hebe Rôla
Humberto Venuto
J.B.Donadon-Leal
Jefferson Silveira
Jhonatan Oliveira
João Batista Trevenzoli
José Carlos Aragão
José Di Lorenzo Serpa
José Manuel
José Senaldoria
J.S.Ferreira
Kelson Oliveira
Lázaro Barreto
Lenemar Calhau
Ligia Porto
Lúcia Trevenzoli
Luiz Dias Vasconcelos
Luis Pimentel
Marcelo Leite
Marcelo Rocha
Márcia De Conti
Maria Helena Camargos
Marilda Ladeira
Marilia Siqueira Lacerda
Mário Roberto
Marta Miranda
Merivaldo Pinheiro
Moacir Chrisóstomo
Nélio Canêdo
Nely Morato
Nena de Castro
Nivaldo Resende
Odemir Tex Júnior
Pérola Gandra
Romero Lamego
Santos Peres
Sebastião Nascimento
Simone Eberle
Tanussi Cardoso
Vagner Canuto
Vanda Gallinari
Valdir Azambuja
Vanderlei Lourenço
Zarife Selim de Salles

Visitem o site do CLESI:
www.clesi.com.br

Fonte:
Clevane Pessoa (Haruko)
Diretora Regional do InBrasCi em belo Horioznte
Acadêmica Fundadora da ALB/Mariana.

Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato, SP/SP (Teatro Infantil: Apresentação de "Lado de Lá")


Com Cia Luarnoar

O infantil relata um pouco das histórias africanas contadas a partir das curiosidades e das observações que este povo faz na natureza. Como, por exemplo: Por que a girafa não fala, por que o morcego só sai à noite, por que o cachorro se tornou um fiel amigo do homem...

Esses questionamentos e inquietações viraram lendas, que revelam a riqueza do povo africano.

Livre.

50 min.

2 de maio (qua) – 14h30

Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato

Fonte:
Secretaria Municipal de Cultura de SP

Vivaldo Terres / SC (Não Sei Por Que lembro?)


Não sei por que lembro agora?
Quando vinhas da escola
Sorrindo a cantarolar.
Com a mochila as costas...
Fazendo zigue e zague.
Para das pedrinhas
Te livrar.

Isso porque tu jogavas...
Nas colegas com o fito...
...de brincar.
E elas faziam o mesmo,
Felizes a caminhar.

Mas durante o trajeto.
Não deixavas de me olhar.
Foi coisa de adolescente...
Mas que te amei...
...loucamente!
Isso não podes negar!

O tempo passou.
Fosses para outra cidade.
Visando um futuro melhor.

Durante esse tempo...
Muita coisa aconteceu.
Foi fácil de me esqueceres...
Pois só quem amou fui eu!

Fonte:
Poema enviado pelo autor

Fernando Sabino (O Agrônomo Suíço)


O poeta estava calmamente no bar, tomando um aperitivo, quando lhe telefonaram.

Quem o chamava era eu. O poeta não tem telefone em casa e há dias que eu o vinha procurando: a menos que me tivesse enganado, ele sabia de um amigo seu que conhecia um agrônomo suíço, interessado em administrar fazendas. Ora, outro amigo meu, a quem dei conhecimento da existência desse suíço, me disse que estava precisando exatamente de uma pessoa assim. E me pediu que conseguisse maiores informações com o poeta.

No bar, àquela hora, fazia um barulho infernal. O poeta veio ao telefone e mal conseguiu ouvir o meu nome:

- Quem?

- Eu, rapaz! Então não está conhecendo a minha voz?

- Eu quem?

Levou uns bons cinco minutos para descobrir com quem estava falando. Talvez já tivesse tomado mais de um aperitivo, é possível.

- Que houve? Aconteceu alguma coisa?

Eu mal conseguia escutá-lo e ele não me ouvia de todo:

- Você se lembra daquele agrônomo que um conhecido seu…

- Daquele o quê?

- Daquele AGRÔNOMO!

- Você está enganado, não conheço ninguém com esse nome.

- Eu nem falei ainda o nome dele! É um suíço.

- Luís?

- SUÍÇO! Você um dia me falou...

- Não conheço nenhum Luís. Eu estava pensando que ...

- Fale mais alto! Sua voz está sumindo.

- Não, estou por aí mesmo... Você é que anda sumido.

Respirei fundo e voltei à carga:

- Eu sei que você não conhece o suíço. Um conhecido seu é que conhece.

- Escuta, que brincadeira é essa? Eu estava aqui tomando o meu uísque...

- Desculpe incomodá-lo no bar, mas você não tem telefone em casa...

- Não tem importância. Só que está parecendo brincadeira. Entendi você falar num suíço...

- Isso!

- Isso? Ah, eu tinha entendido suíço, imagine.

- Pois é isso mesmo, quer dizer: é suíço mesmo. O homem está em cima de mim para arranjar...

- Que homem? Não estou entendendo nada, muito barulho aqui.

- Um amigo meu, você não conhece. Está precisando de um agrônomo para a fazenda dele.

- Fazendo o quê?

Perdi a paciência:

- Olha, telefona para minha casa amanhã de manhã, está bem?

Mas o poeta agora estava interessado:

- Não precisa se zangar! Aconteceu alguma coisa com você?

- Conversar com bêbado dá é nisso.

- Você está bêbado?

- Bêbado está você, essa é boa!

- Espera! Entendi direitinho você falar que estava bêbado. Deve ser o barulho. Espera um pouco. Ouvi pelo fone sua voz para os que o rodeavam:

- Vocês aí, querem fazer o favor de falar um pouco mais baixo? Um amigo meu está em dificuldades, e eu não escuto nada.

De novo para mim:

- Alô! Pode falar agora que estou ouvindo perfeitamente. Você está precisando de alguma coisa?

- Estou: que você me telefone amanhã de manhã. E desliguei. No dia seguinte era ele quem me procurava:

- Você talvez não se lembre, mas ontem eu estava calmamente no bar, tomando um aperitivo, quando você me telefonou no maior pileque para me contar que estava sendo perseguido por um sujeito chamado Luís. Que você quis dizer com isso?

- Isso, não: suíço - arrematei.

Fonte:
Para gostar de ler. Vol. 3. SP: Ed. Ática, 1978.

Esopo (Fábula 6: O Cão e a Sombra)


Um cão, que levava um naco de carne na boca, passava numa ponte sobre um rio, quando viu a sua sombra refletida na água lá em baixo. Pensando que era outro cão que levava um segundo naco de carne, o insaciável do cão não resistiu a atirar-se à água para lhe roubar a carne. É claro que, em vez de lhe roubar o segundo naco de carne, perdeu o que tinha, que caiu ao fundo do rio.

Moral da história

Quem tudo quer, tudo perde. A cobiça acaba por perder aquilo que deseja, e aquele que pretende mais do que lhe é devido merece perder o que tem.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Joaquim Manuel de Macedo (As Vítimas-Algozes - Quadros da Escravidão)


O livro As Vítimas-Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo, foi escrito na segunda metade do século XIX, em 1869, 19 anos antes da Abolição da Escravidão. O livro pertence ao Romantismo, que foi uma escola literária de grande importância para a história de nossa literatura.

A obra não agradou o público oitocentista e recebeu várias críticas publicadas na imprensa, sendo considerado por Ubiratan Machado como “o livro mais atacado pela crítica durante o período romântico”.

As Vítimas-Algozes é, ao seu modo, um romance abolicionista. Não daquele abolicionismo que encontramos nas obras dos poetas acima relacionados. Como explica Macedo, na nota “Aos Nossos Leitores”, não lhe interessou, nas “educativas” e “moralizantes” histórias que entregava aos consumidores de sua vasta obra, pintar “o quadro do mal que o senhor, ainda sem querer, faz ao escravo”, mas, sim, o “quadro do mal que o escravo faz de assento propósito ou às vezes irrefletidamente ao senhor”. Dito de maneira mais direta, o romance antiescravista de Macedo quer convencer os seus leitores de que é preciso libertar os escravos não por razões humanitárias, mas porque os cativos, sempre imiscuídos nas casas-grandes e sobrados, introduzem a corrupção física e moral no seio das famílias brancas.

Na obra o autor expressa a idéia de que a escravidão faz vítimas algozes e deve ser gradualmente extinta, sem prejuízo para os grandes proprietários de terra. Num tom conservador e usando personagens como a escrava Lucinda, o autor defende a tese de que a escravidão cria vítimas oprimidas socialmente, mas com uma perversão lógica, imoral e com influência corruptora.

O tratamento entre patrão e escravo nos últimos anos do cativeiro, uma intimidade que beira o sado-masoquismo foi retratada por Joaquim Manuel de Macedo neste livro. Ele denuncia que, se o escravo é inegavelmente vítima de um regime desumano, a sua presença igualmente desagrega a sociedade branca no que ela teria de mais recomendável.

A obra é um retrato perfeito do Brasil pós-abolicionista.

De acordo com o contexto histórico da época, Joaquim Manuel alertava ao leitor burguês de que o melhor a fazer era gradualmente abolir a escravidão. Depois da abolição, ele explica que os negros foram 'largados' nas favelas, como acontece no início do filme "Cidade de Deus".

Desfilam pelas páginas das três histórias que compõem o livro: o negro feiticeiro, o “moleque” traiçoeiro, a escrava assassina, as negras que se amasiam com seus patrões, a mucama lasciva, os negros desocupados dos botequins, os mulatos espertalhões, enfim, um sem número de tipos que demonstram ao leitor o quão comprometedor da estabilidade social era a presença do escravo na intimidade doméstica.

O objetivo político das três histórias que compõem o livro está claro desde a nota inicial aos leitores. Professando narrar apenas “histórias verdadeiras”, queria firmar, na “consciência” do público, “as verdades que vamos dizer”. Obra de convencimento, portanto, As vítimas-algozes era tentativa de obrigar os leitores a “encarar de face, a medir, a sondar em toda sua profundeza um mal enorme que afeia, infecciona, avilta, deturpa e corrói a nossa sociedade, e a que nossa sociedade ainda se apega semelhante a desgraçada mulher que, tomando o hábito da prostituição, a ela se abandona com indecente desvario”. A retórica é semelhante àquela dos conselheiros de Estado em 1867, e Macedo recita as estrofes do isolamento internacional do país, do exemplo da guerra civil americana, do processo de emancipação em Cuba, e do caráter “implacável” da reforma, “exigência (...) da civilização e do século”. Afirma que a escravidão é “cancro social”, que se não “estirpa (...) sem dor”; mas o “adiamento teimoso do problema” agravaria o mal, pois o país poderia ter de enfrentar a “emancipação imediata e absoluta dos escravos”, colocando “em convulsão o país, em desordem descomunal e em soçobro a riqueza particular e pública, em miséria o povo, em bancarrota o Estado”.

O cenário apocalíptico que Macedo antevê como decorrência de uma possível emancipação imediata dos escravos revela já de início o que seria esta obra, a forma como faz desfilar uma galeria medonha de escravos astuciosos, trapaceiros e devassos, sempre dispostos a ludibriar os senhores e ameaçar os valores e o bem-estar da família senhorial. Preocupado em não deixar nada por explicar, Macedo esclarece que havia dois caminhos a seguir para mostrar aos leitores “a reprovação profunda que deve inspirar a escravidão”. O primeiro consistiria em narrar as misérias e os sofrimentos dos escravos, suas vidas “de amarguras sem termo”, o “inferno perpétuo no mundo negro da escravidão”. Seria o quadro do mal que o senhor faz ao escravo, “ainda sem querer”. O segundo caminho, aquele escolhido por Macedo, mostraria “os vícios ignóbeis, a perversão, os ódios, os ferozes instintos dos escravos, inimigo natural e rancoroso do seu senhor”. Seria o quadro do mal que o escravo faz ao senhor, “de assentado propósito ou às vezes involuntária e irrefletidamente”.

1ª narrativa - "Simeão, o crioulo"

O protagonista, Simeão, perdera a mãe, que fora ama-de-leite da sinhazinha, aos dois anos, tendo sido criado pelos patrões. Até os oito anos de idade Simeão teve prato à mesa e leito no quarto de seus senhores, e não teve consciência de sua condição de escravo.

Tinha algumas regalias em função disso, mas não deixava de ter o estatuto e o tratamento de escravo, fator que se agravava e se tornava mais claro conforme ele se fazia adulto.

Depois dos oito anos apenas foi privado da mesa e do quarto em comum; continuou, porém, a receber tratamento de filho adotivo, mas criado com amor desmazelado e imprudente, e cresceu enfim sem hábito de trabalho.

Devia ter 20 anos, crioulo de raça pura africana, cabelos penteados, vestido com asseio e certa faceirice, era calçado e tinha vícios de linguagem.

Havia, no entanto, a expectativa de que seria alforriado quando o patrão morresse, o que não acontece, tendo este, em seu testamento, transferido a alforria certa para o momento em que a esposa falecesse.

Simeão, que já alimentava ódio contra os patrões, trama e realiza, juntamente com um comparsa, o assassinato da família toda e o saque do ouro e da prata que guardava. O quadro se reveste de maior crueldade porque os proprietários de Simeão se achavam, no íntimo, protetores bem-intencionados do mesmo, tendo, inclusive, na véspera do crime, decidido que iriam alforriá-lo imediatamente. Não eram, no entanto, capazes de questionar o sistema que os privilegiava, em todos os sentidos, e desumanizava o outro pólo (os escravos) da sociedade. Sistema que, Macedo diz com todas as letras, produz o ódio e o crime, no que o romancista estava se apoiando em dados da sociedade real.

Sua personalidade era ingratidão perversa, indiferença selvagem, inimizade, raiva, vícios, era vadio, dissimulado, ladrão, tinha instintos animais e era atrevido.

Seus senhores eram: Domingos Caetano, Angélica, Florinda e Hermano de Sales. Eram bons e humanos, tinham delicadeza de sentimentos e sentimentos generosos. Honestos e trabalhadores.

O autor constrói um perfil aterrorizante para o escravo, misto de tigre e serpente, de vítima e algoz, capaz de atacar quando menos se espera. Claramente procura amedrontar os brancos senhores de escravos e sugere como solução o fim da escravidão. Solução que configura a tese básica que passa pela conclusão de cada um dos três quadros da escravidão.

A novela não tem por final um desfecho romanesco, mas a reafirmação da tese do autor:

Simeão foi o mais ingrato e perverso dos homens.
Pois eu vos digo que Simeão, se não fosse escravo, poderia não ter sido nem ingrato, nem perverso.
A escravidão degrada, deprava, e torna o homem capaz dos mais medonhos crimes.

O narrador é didata: ele explicita a conduta, a forma de agir a ser adotada pelo leitor: Se quereis matar Simeão, acabar com Simeão, matai a mãe do crime, acabai com a escravidão.

2ª narrativa - "Pai-Raiol"

O feiticeiro. Algumas considerações do autor: o feitiço, como sífilis, veio da Àfrica; o escravo africano é o rei do feitiço.

Paulo Borges era um rico fazendeiro. Casara-se aos quarenta anos com Teresa, uma senhora ainda jovem que já lhe dera 2 filhos.

A compra de 20 escravos, entre eles Pai Raiol e Esméria. É o ano fatal de Paulo Borges. Acontece o adultério.

Os personagens são:

Paulo Borges - 46 anos. Alto, cabelos castanhos e crespos; fronte baixa sob sobrancelhas bastas; olhos pretos e belos, nariz aquilino; boca rasgada, lábios grossos e eróticos; rosto oval e bronzeado; seco de músculos; peitos largos e mãos engrandecidas e calejadas pelo trabalho. O tipo do lavrador honesto que hoje raramente se encontra, do pobre rico que se subtraia ao mundo, e só queria conhecer a roça e a casa, os escravos e a família, trabalhando sempre, gastando pouco, ajuntando muito, e não pesando a nenhum outro homem como ele. Não comprava homens, comprava máquinas; queria braços e não corações; gabava-se de senhor severo e forte, entrava nos seus timbres amansar os negros altanados e incorrigíveis.

Teresa - Jovem, simples de costumes, honesta, laboriosa, afeita à vida rural dos fazendeiros. Dirigia a dispensa, a enfermaria, e a grosseira rouparia dos escravos.

Os filhos Luís e Inês

Pai Raiol - Negro africano de 30 a 36 anos; baixa estatura, corpo exageradamente maior que as pernas; cabeça grande; olhos vesgos, mas brilhantes e impossíveis de se resistir à fixidez do seu olhar pela impressão incômoda do estrabismo duplo e por não sabermos que fruição de magnetismo infernal. Nas faces cicatrizes vultuosas de sarjaduras recebidas na infância: um golpe de azorrague partira pelo meio o lábio superior, e a fenda resultante deixara a descoberto dous dentes brancos, alvejantes, pontudos dentes caninos que pareciam ostentar-se ameaçadores. Sua boca era pois como mal fechada por três lábios; dous superiores e completamente separados, e um inferior perfeito. O rir era hediondo por semelhante deformidade. A barba retorcida e pobre, mal crescida no queixo, como erva mesquinha em solo árido. Suas orelhas perdera o terço da concha na parte superior, cortada irregularmente em violência de castigo ou furor de desordem. Tinha má reputação: desordem com os parceiros, furtos, envenenamentos. Já tivera 4 senhores. O último morrera de ulcerações no estômago e intestinos. Pai– Raiol acabara por dobrar-se humilde às condições da escravidão. Dizem que mudara devido aos seus felizes amores com a crioula Esméria, que com ele convivia e o dominava.

Esméria - Era uma crioula de 20 anos com as rudes feições da sua raça abrandadas pela influência da nova geração em mais suave clima; em seus olhos, porém, e no conjunto de seus traços fisionômicos, havia certa expressão de inteligência e de humildade que agradou à senhora. Esméria não era o que parecia. Refinara o fingimento. Via nos filhos de seus senhores futuros e aborrecidos opressores, e beijava-lhes os pés que às vezes desejava morder. Luzia-lhe nos olhos o amor da senhora, que a amava e distinguia, e lhe dispensava favores, e no fundo do coração maldizia dela. Invejava-lhe os vestidos, os gozos, a condição. Em sua louca vaidade pretendia ser mais bonita, mais bem feita, mais sedutora que Teresa. Era possessa do demônio da luxúria; amava os amantes de sua raça, preferia-os a todos os outros, mas envergonhava-se deles. Aspirava a fortuna do amor, da posse, da paixão delirante de um homem livre e rico. Ao contrário do que se pensava não havia uma influência benéfica de Esméria sobre o Pai-Raiol e sim uma influência satânica do Pai- Raiol sobre Esméria.

Tio Alberto

Lourença


O plano de Pai-Rayol: seis meses depois, os bois e as bestas morriam, e não havia peste: tornaram-se evidentes os sinais de envenenamento.

Em uma noite de ventania, o fogo devorou o imenso canavial. Mais uma vez as bestas, os bois e os carneiros morreram às dezenas, envenenados.

Paulo Borges amava Teresa, mas grosseiro escravo da sensualidade sucumbiu à sedução de Esméria. O demônio da lascívia deu poder à crioula. O senhor, o velho senhor ficou escravo da sua escrava.

O adultério hediondo faz da escrava rival da senhora, rival preferida que desordena a casa, enluta a família, e é cratera aberta do vulcão que espalha a ruína.

Teresa descobre o adultério e a traição: envelhecera 20 anos em 8 dias.

Atropelando a decência, insultando manifestamente a esposa, semeando a indisciplina e a mais perigosa desmoralização na fazenda, Paulo freqüentou de dia e aos olhos de todos, a senzala de Esméria.

Morre Teresa envenenada por Esméria. Esméria assume a casa do amante. Morre o filho recém-nascido de Teresa e Paulo, por falta do aleitamento materno; morrem Luís e Inês envenenados; Esméria começa a envenenar Paulo.

Lourença denuncia Esméria e prova a verdade a Paulo. Pai-Raiol é morto em uma luta pelo tio Alberto que é alforriado por Paulo. Esméria é presa. Paulo Borges arrasta sombria velhice atormentado pelos remorsos.

3ª narrativa - "Lucinda - A mucama"

É o terceiro e último romance em As vítimas-algozes.

Os personagens são:

Lucinda - "Engomo, coso, penteio e sei fazer bonecas"; a mulher escrava, uma filha da mãe fera, uma vítima da opressão social, uma onda envenenada desse oceano de vícios obrigados, de perversão lógica, de imoralidade congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro de criaturas humanas, que se chama escravidão. Tem 12 anos, um pouco magra, de estatura regular, ligeira de movimentos, afetada sem excesso condenável no andar. Muito viva e alegre com pretensões a bom gosto no vestir; com aparências de compostura decente nos modos; diligente e satisfeita no trabalho. Trazia dissimuladamente escondidos os conhecimentos e noviciados dos vícios e das perversões da escravidão; corrupta, licenciosa, imoral; indigna de se aproximar de uma senhora honesta, quanto mais de uma inocente menina.

Plácido Rodrigues - padrinho de Cândida, o mais opulento fazendeiro e capitalista do lugar; pai de Frederico.

Frederico - perdeu a mãe ao nascer e foi amamentado por Leonídia. Inteligente e estudioso. Reflexão fria e segurança de juízo. Foi juntamente com Liberato à Europa para fazer estudos regulares de agricultura e pretendiam continuar os estudos nos Estados Unidos. Fronte magnífica, a face porém descarnada, de ossos salientes, pálida, desproporcionada e melancólica, os olhos ardentes. Dedicado aos amigos e na dedicação capaz de ir até a heroicidade. Muito racional. Era ele o planejado noivo de Cândida.

Cândida - loura, olhos azuis e belos, olhar de suavidade cativadora; rosto oval da cor da magnólia com duas rosas a insinuarem-se nas faces; os lábios quase imperceptivelmente arqueados, lindíssimos, os dentes iguais, de justa proporção e de esmalte puríssimo; as mãos e os pés de perfeição e delicadeza maravilhosas; o pescoço e o corpo com a gentileza própria de sua idade. Cândida antes de Lucinda tinha 11 anos e com a perfeita inocência de sua primeira infância; espírito cheio de luz suave e idéias serenas e preciosas; eeu coração era um altar adornado pelo amor de seus pais. Cândida de pois de Lucinda era capaz de ser ardilosa e dissimulada para enganar a mãe; "prendeu a alma às palavras venenosas, às explicações necessariamente imorais da escrava".

Florêncio da Silva - honrado, inteligente e rico negociante; um pouco agricultor por distração e gosto: bom, afável e generoso, repartindo as sobras da riqueza que acumulava com os pobres que não eram vadios; tinha poderosa e legítima influência eleitoral e política na sua comarca.

Leonídia - esposa modelo; mãe extremosa.

Liberato - irmão mais velho de Cândida; bonito de rosto e elegante de figura; fazia seus estudos preparatórios na Corte; muito amigo de Frederico, inteligente e estudioso; possuía brilhantismo de imaginação.

Alfredo Souvanel - Amigo de Liberato e Frederico. Encontraram–se na Suíça. Tinha 26 anos, estatura regular, louro, de olhos cintilantes, era de aspecto agradável, bem talhado de corpo. Esmerava-se no trajar, embora não tivesse muitos recursos. Tinha instrução superficial, mas inteligência fácil, espírito, e gênio alegre. Habilíssimo pianista e excelente voz de barítono. Era francês, mas esperava ganhar dinheiro no Brasil ensinando piano e canto. Era o mais alegrão, travesso, original, espirituoso e endiabrado companheiro de folganças. Tornou-se professor de Cândida.

A narrativa conta a história de Cândida, filha de honrado negociante e agricultor do interior da província do Rio de Janeiro. Em seu aniversário de onze anos, a menina recebera de presente do padrinho, Plácido Rodrigues, “o mais opulento fazendeiro e capitalista do lugar”, uma escrava crioula chamada Lucinda, de doze anos, que havia sido enviada à Corte para aprender a servir de mucama. A mucama logo conquistou a senhorinha ao dizer que sabia fazer bonecas e penteá-las. O padrinho empenhara-se em conseguir uma escrava que pudesse agradar a afilhada porque sabia que a menina andava triste devido à recente partida de Joana, “uma boa senhora, mulher pobre, mas livre e de sãos costumes, que fora sua ama de leite e a idolatrava como seus pais”. Joana, que enviuvara ainda moça, encontrara segundo noivo num “laborioso e honrado lavrador”, deixando por isso a sua adorada Cândida “com o maior pesar”.

Macedo oferece uma primeira ilustração de sua tese no romance ao contrastar a virtuosíssima Joana com a mucama Lucinda. Joana é descrita como uma “segunda mãe”, “criada amiga”, “companheira do seu quarto de dormir”, mulher “simples, boa e religiosa”. Cândida perdera “a companhia da mulher que era nobre, porque era livre” e que servia com o “coração cheio de amor generoso”, algo só possível “quando a liberdade exclui toda imposição de deveres forçados por vontade absoluta de senhor”. Em substituição, a menina recebera a crioula quase de sua idade, “a mulher escrava, uma filha da mãe fera, uma vítima da opressão social, uma onda envenenada desse oceano de vícios obrigados, de perversão lógica, de imoralidade congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro desumanizador de criaturas humanas, que se chama escravidão”. Diante desse quadro os acontecimentos desenrolam-se naturalmente, sendo que o maior desafio é entender o porquê de Macedo ter achado necessário escrever quase quatrocentas páginas para contar essa história. A mucama tem uma influência nefasta sobre a donzela, de quem se torna a única confidente nos anos seguintes. Ensina-lhe o que ocorre quando a menina vira moça, desperta-lhe a curiosidade pelos rapazes, ministra-lhe lições de flerte e namoro, mostra-lhe ser mais divertido namorar vários rapazes ao mesmo tempo, e assim por diante, num desfilar constante de idéias destinadas a “excitar os sentidos” da donzela cândida e pura. As lições de amor da mucama eram inspiradas “pelo sensualismo brutal, em que se resume todo o amor nos escravos”; portanto, “a mucama escrava ao pé da menina e da donzela é o charco posto em comunicação com a fonte límpida”.

Com a mucama escrava infiltrada no quarto da donzela, foi possível a um conquistador barato, um francês estróina e ladrão, insinuar-se aos amores de Cândida, conquistá-la efetivamente e tirar-lhe o maior símbolo da honestidade feminina. Lucinda, criatura ruim como nunca se viu mesmo em folhetins televisivos hodiernos de horário nobre, tornara-se ela mesma amante de Souvanel, tramara tudo com ele, e até abrira o quarto da virgem para a consumação do delito. A idéia dos biltres era forçar o casamento de Souvanel com Cândida; dado o golpe do baú, Lucinda ganharia a liberdade e ficaria teúda e manteúda do francês. No final, Frederico, criatura virtuosa como nunca se viu mesmo em folhetins televisivos hodiernos de horário nobre, filho do padrinho de Cândida, apaixonado por ela desde menino, perdoa o erro da amada e casa com ela. Descobrira-se que Souvanel era na verdade Dermany, criminoso procurado na França. O vilão é preso e deportado. Lucinda e o pajem do pai de Cândida, também envolvido na trama para aproximar Souvanel da donzela, fogem dos senhores, são capturados, mas acabam abandonados ao poder público pela família. Frederico, o anjo, fecha o romance e o nosso martírio com um discurso abolicionista que aqui transcrevo, para martirizar o leitor, ou ao menos para dividir com ele o meu sofrimento. O discurso aparece nas páginas 388 e 389 do segundo volume de As vítimas-algozes (o primeiro volume, com outras duas histórias). Referindo-se a Lucinda e ao pajem, “esses dous traidores e perversos”, Frederico disse:

- Árvore da escravidão deram seus frutos. Quem pede ao charco água pura, saúde à peste, vida ao veneno que mata, moralidade à depravação, é louco. Dizeis que com os escravos, e pelo seu trabalho vos enriqueceis: que seja assim; mas em primeiro lugar donde tirais o direito da opressão? ...em face de que Deus vos direis senhores de homens, que são homens como vós, e de que vos intitulais donos, senhores, árbitros absolutos? ... e depois com esses escravos ao pé de vós, em torno de vós, com esses miseráveis degradados pela condição violentada, engolfados nos vícios mais torpes, materializados, corruptos, apodrecidos na escravidão, pestíferos pelo viver no pantanal [“patanal”, no original] da peste e tão vis tão perigosos postos em contato convosco, com vossas esposas, com vossas filhas, que podereis esperar desses escravos, do seu contato obrigado, da sua influência fatal? ...Oh! bani a escravidão!... a escravidão é um crime da sociedade escravagista, e a escravidão se vinga desmoralizando, envenenando [“evenenando”, no original], desonrando, empestando, assassinando seus opressores. Oh! ...bani a escravidão! bani a escravidão! bani a escravidão!....

Nota: Ainda que Macedo atribua os defeitos morais de Lucinda e seus pares à instituição da escravidão, a sua descrição dos cativos é tão impiedosamente desfavorável que torna-se difícil pensar na possibilidade de que essas pessoas, uma vez libertas, possam usufruir de direitos de cidadania e participar da vida política. De fato, uma característica intrigante de vários pronunciamentos favoráveis à lei de 1871 era a descrição dos escravos como seres quase destituídos de humanidade, pois a violência da instituição os desprovia de cultura, de regras de comportamento; por conseguinte, não desenvolviam laços de família, relacionavam-se sexualmente como animais, atacavam os senhores como bestas feras. Enfim, pareciam condenados a uma espécie de coisificação moral, resultado direto de sua condição de propriedade, de sua representação como coisa no direito positivo.

Fonte:
Passeiweb