domingo, 2 de setembro de 2012

Peter Burke (A Escola dos Annales)

A obra A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia é a primeira publicação que narra a história do movimento surgido na França, agrupado em torno da revista Annales. Ao dar estatuto de objeto de análise histórica a dimensões da vida privada, o livro abriu uma terceira via ao estudo da História, distanciando-se tanto da historiografia marxista quanto da história factual-biográfica. Peter Burke, o autor, esclarece as coordenadas dessa refundação do método histórico analisando seus fundadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, passando ainda por Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff e Le Roy Ladurie.

 O subtítulo da obra, A Revolução Francesa na Historiografia, é um indicativo da importância deste movimento liderado por Marc Bloch e Lucien Febvre ainda na década de 1920. Tentando incorporar as novas ciências e com a necessidade de ampliar a visão sobre o seu próprio tempo, estes historiadores propunham inovações metodológicas e temáticas.

 Traduzido no Brasil apenas em 1997, ressalta que apenas quando se aprofundar os estudos sobre “os rascunhos manuscritos de Marc Bloch ou as cartas não publicadas de Febvre e Braudel” é que se terá uma compreensão melhor definida sobre a história do movimento. E, acrescenta, que para tanto será preciso “um conhecimento especializado da história da historiografia, quanto da história da França do século XX”.

 O livro traz um estudo do movimento dos Annales, tenta compreender o mundo francês, explicar desde a década de 20, até as gerações posteriores, a teoria e a prática do historiador para outros cientistas sociais. De acordo com a obra de Burke, os Annales foi um movimento dividido em três fases, a saber

 1. A primeira parte apresenta a guerra radical contra a história tradicional, a história política e a história dos eventos.

 2. Na segunda parte, o movimento aproxima-se verdadeiramente de uma “escola”, com conceitos (estrutura e conjuntura) e novos métodos (história serial das mudanças na longa duração) dominada, prevalentemente, pela presença de Fernand Braudel (46-69).

 3. A terceira parte traz uma fase marcada pela fragmentação e por exercer grande influência sobre a historiografia e sobre o público leitor, em abordagens que comumente chamamos de Nova História ou História Cultural.

 Nos cinco capítulos que integram a obra, o autor proporciona uma viagem através da “história da história”, seus principais escritores, métodos e finalidades de sua escrita, partindo da contribuição antiga até chegarao século XX. Trata-se da História da Historiografia na sua longa duração. Considera o autor que, a partir da “Revolução Copernicana” na história, com Leopold Von Ranke, a história sócio-cultural foi remarginalizada. Foi dada ênfase nas fontes dos arquivos, numa época em que os historiadores buscavam se profissionalizar e a história não política foi excluída. O século XIX ouviu vozes discordantes entre historiadores, a exemplo de Michelet e Burckhardt que propuseram uma visão mais ampla da história.

 Outros exemplos podem ser citados, como Fustel de Coulanges e Marx que ofereciam um paradigma histórico alternativo ao de Ranke. Historiadores econômicos foram os opositores mais bem organizados da história política. Os fundadores da Sociologia - Comte, Spencer e Durkheim - expressavam pontos de vista semelhantes.

 No início do novo século, um movimento lançado por James Harvey Robinson sob a bandeira da “Nova História” defendeu que a história incluia qualquer traço ou vestígio das coisas que o homem fez ou pensou, desde o seu surgimento sobre a terra. Na França, a natureza da história tornou-se objeto de intenso debate e alguns historiadores políticos tinham concepções históricas mais abrangentes, a exemplo de Ernest Lavisse, portanto, é inexato pensar que os historiadores profissionais desse período estivessem exclusivamente envolvidos com a narrativa dos acontecimentos políticos, como, por exemplo, François Simiand, um economista seguidor de Durkheim, que promoveu um ataque a Charles Seignobos, símbolo de tudo a que os reformadores se opunham. Tratava-se, na verdade, de um ataque aos três ídolos da tribo dos historiadores: político, individual e cronológico. Ao mesmo tempo Henri Berr, um grande empreendedor intelectual, lançou o ideal de uma psicologia construída com a cooperação interdisciplinar, o que teve ressonância em Febvree Bloch.

 De acordo com Burke, no final da Primeira Guerra, Febvre idealizou uma revista internacional dedicada à história econômica, mas o projeto foi abandonado. Em 1928, Bloch tomou a iniciativa de ressuscitar os planos da revista, agora francesa, com sucesso. Originalmente chamada "Annales d'histoire économique et sociali", pretendia ser a difusora de uma abordagem nova e interdisciplinar da história, exercer uma liderança intelectual nos campos da história social e econômica, e preocupava-se com o problema do método no campo das ciências sociais. Os Annales começou como uma revista de seita herética, depois da guerra, se tornou oficial. Aos poucos se converteu no centro de uma escola histórica que foi transmitida para escolas e universidades.

 A segunda geração dos Annales foi protagonizada por Fernand Braudel que sucedeu Febvre como diretor efetivo da revista. Para Braudel, a contribuição especial do historiador às ciências sociais é a consciência de que todas as “estruturas” estão sujeitas a mudanças, mesmo que lentas. Ele desejava ver as coisas em sua inteireza, por isso era impaciente com fronteiras, separassem elas regiões ou ciências. Quando prisioneiro, durante a Segunda Guerra, Braudel teve a oportunidade de escrever sua tese. Seus rascunhos eram remetidos para Febvre, de quem recebeu forte influência que o direcionaram para a geo-história. A obra com o título o Mediterrâneo e Felipe II, degrande dimensão, era dividida em três partes, cada uma exemplificando uma diferente forma de abordagem do passado: primeiro, uma história “quase sem tempo” da relaçãoentre o “homem” e o ambiente; segundo, a história mutante da estrutura econômica, social e política e, terceiro, a trepidante história dos acontecimentos (a parte mais tradicional), corresponderia à idéia original de uma tese sobre a política exterior de Felipe II.

 O Mar é o herói do épico braudeliano. Ele divide o tempo histórico em: geográfico, social e individual, realçando a longa duração. Nesse período a história das mentalidades foi marginalizada, tanto por Braudel não ter interesse por ela, quanto porque um número de historiadores franceses acreditava que a história social e econômica era mais importante do que outros aspectos do passado, também porque a nova abordagem quantitativa não encontrava no estudo das mentalidades a mesma sustentação oferecida pela estrutura sócio-econômica.

 Ainda conforme o texto de Burke, a terceira geração dos Annales foi marcada por mudanças intelectuais. O policentrismo (o centro do pensamento histórico estava em vários locais) permitiu a abertura para idéias vindas do exterior e a inclusão de novas temáticas. A ausência de um domínio temático fez com que alguns comentadores falassem numa fragmentação. Burke abordou três temas maiores: a redescoberta da história das mentalidades, a tentativa de empregar métodos quantitativos na história cultural e a reação contrária a tais métodos (quer tomem a forma de uma antropologia histórica, um retorno à política ou o ressurgimento da narrativa). A mudança de interesses dos intelectuais dos Annales, da base econômica para a “superestrutura” cultural – reação contra Braudel e contra qualquer determinismo - foi intitulada por Burke como um movimento “do porão ao sótão”.

 No interior do grupo dos Annales alguns historiadores sempre estiveram envolvidos com os fenômenos culturais e com a mentalidade. A nova abordagem quantitativa (ou serial) não encontrava no estudo das mentalidades a mesma sustentação oferecida pela estrutura sócio-econômica. Um artigo de Lucien Febvre (1941) mostra a importância doestudo das séries de documentos na longa duração, a fim de mapear mudanças. Também Gabriel Le Bras, Vovelle, Le Bras, interessaram-se por mensurar processos históricos.

 Nos anos 70 surgiu uma reação contrária à abordagem quantitativa, ao domínio da história estrutural e social, defendida pelos Annales, o que resultou na mudança antropológica, no retorno à política e no ressurgimento da narrativa.

 A conhecida crítica aos Annales é a sua pressuposta negligência ao tema "política", mas ela não procedeu em relação a todos os componentes do grupo. A volta à política estava também ligada ao ressurgimento do interesse pela narrativa dos eventos: história dos eventos e narrativa histórica. Sobre os Annales muito são os trabalhos escritos, pelos críticos que defendem eaqueles que refutavam sua proposta metodológica e seu objeto, de maneira que o tema pode parecer bastante explorado, porém, o livro de Peter Burke tem o mérito de apresentar sinteticamente e de maneira satisfatória a imensurável elaboração e contribuição das gerações dos Annales, numa só obra, servindo de partida indispensável para historiadores e historiadores da educação, que se ampararam em teorias advindas da História Cultural.

Fonte:
Edileusa Santos Oliveira (Historiadora, Especialista em Educação, Cultura e Memória; participante do Grupo de Pesquisa em Fundamentos da Educação do Museu Pedagógico da UESB)
Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro (Coordenadora do Grupo Fundamentos da Educação do Museu Pedagógico da UESB)
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/a_escola_dos_annales

Concurso Internacional de Microcontos 'Conto Minguante'- Quaderni Ibero Americani (Resultado Final)

1º LUGAR:
"Espanhola"
Marcela Aparecida Ribeiro Ferreira (Poetisa Errante)

2º LUGAR:
"Peixe Podre"
Therlanderson Gley Alves (Alonso Quijano)

3º LUGAR:
"Kindengarten"
Gabriela Cordaro (Francesca Rimini)

Fonte:
http://microcontosqiapor.blogspot.com.br/2012/07/os-diretores-da-quaderni-ibero.html

sábado, 1 de setembro de 2012

Rui Barbosa (Dois Poemas)

À MARIA AUGUSTA

Dantes o ondeado cabelo
Deixavas-me sempre vê-lo
Em longos anéis sombrios
Nos ombros teus a chover.
Pendia daqueles fios
Minha alma de amores presa;
E a vista, em volúpia acesa,
Não se cansava de ver.

Como é que agora oprimido,
Tão contrafeito e escondido,
A nativa formosura
Não lhe deixas expandir?
Não vês que em teu rosto a alvura,
Que os próprios lírios suplanta,
Ri mais viva, mais encanta,
Se o deixas solto cair.

Por que as lindas madeixas,
Desfeitas baixar não deixas,
De aroma inefável cheias
Ao colo cândido e nu?
Louquinha, que das cadeias,
Com que os olhos cativas,
Assim sem pena te privas!
Criança ingênua que és tu!...

Olha as rosas nas roseiras
Como se miram faceiras
Naquelas tranças viçosas
De que o estio as adornou:
Se, pois, inveja nas rosas,
Feiticeira linda, as passas,
Por que desprezas as graças
Com que Deus te avantajou?

Primores do céu não tolhas:
As madeixas mais não colhas!
Sedução tão graciosa
Não na queiras tu perder!
Em moldura caprichosa
Deixa a coma deslumbrante,
Livre, airosa, flutuante
Tuas faces envolver!
(*) Poema dedicado à noiva de Rui Barbosa, no ano do casamento

A XXX

Feiticeira Moreninha,
Casta flor da minha vida,
Quando cismas à tardinha
Nos teus sonhos embebida
Não sentes a aragem trêmula
Que em teus cabelos se enlaça,
E o murmúrio que perpassa
Como uma queixa perdida
Do dia que além se esvai?
Dize — sabes o segredo
Que essa linguagem te diz,
Quando a brisa oscula a medo
As tuas tranças gentis?...

Pois ouve... não fujas, não...
Escuta o gemer da brisa;
É minha alma que desliza
Nas asas da viração
 
Fonte:
"Obras completas de Rui Barbosa", prefácio de Américo Jacobina, vol. 1, MEC, 1971, RJ

Nilton Manoel (Trovas Esparsas)

1
Dos meus sonhos eu bendigo
as passadas frustrações;
Hoje é mais puro o meu trigo
sendo humilde nas ações.
2
A noite calada e escura
que silencia meu pranto,
revela toda a amargura
na falta de teu encanto.
3
Quem tem coração de paz
vive de culpa liberto,
porque faz do bem que faz
um céu de Sol mais aberto.
4
Não existe culpa imensa
para quem crê no perdão,
tendo o Deus de sua crença
tranqüilo em seu coração
5
Deriva, momento incerto,
em que a vida segue a esmo,
mas quem vai de peito
vence a tudo,até a si mesmo .
6
Talento é ter arte e graça
brincando com a vida séria;
pobre curte até a desgraça
com o salário da miséria.
7
Sem ter calçado e camisa
pra não cair na prisão,
salário de pobre é a brisa
mal dá pra comprar o calção.
8
Com meu freeser sem nadinha,
vou amargando o rosário;
Quem come pão com farinha
sabe o que vale o salário.
9
Com esse salário de fome...
sem ver a cor do dinheiro,
pobre, nem papel consome...
Fazer o que no banheiro.
10
O mundo - pleno em magia,
nossa bola de cristal,
mesmo amargo, traz poesia,
aos momentos mais sem sal.
11
Sem ter bolas de cristal,
quem sabe onde pisa faz
de sua estrada um rosal
se é do Bem e pela paz.
12
Leia a sorte,meu senhor!
-Que sorte tenho cigana?
mãos de pobre professor
vive sem linhas e e grana.
13
Viver pobre é contramão
mundo triste de agüentar;
A sorte que traz o pão
enfrenta os jogos de azar.
14
Por entre as pedras da fonte,
cantante em sai alegria,
o bardo vê no horizonte
sua fonte de poesia.
15
Na rua, toda nuazinha,
escondendo a cara santa,
no carnaval da Lurdinha,
até morto se levanta
16
Do jeito que a coisa vai
em tudo se põe durex...
pobre, sem panela sai
pra comer de marmitex.
17
No espaço da folha branca
o universo do escritor,
torna a vida bem mais franca
se traça versos de amor.
18
Em férias, certo doutor,
ganha auréola de moleque,
quando perde sua cor,
no exagero de um pileque.
19
Ribeirão Preto é café
-terra amiga e sempre nova-
quinze décadas de fé
que todos cantam em trova.
20
Homem maduro tem força;
firme, enfrenta ondas e ventos...
por mais que os anos lhe torça,
jamais perde os bons momentos.
21
Na caminhada, maduro,
ponho fogo na fornalha;
quero deixar no futuro,
as lições de quem trabalha.
22
Muda o mundo...tudo muda!
mas no campo do saber
há quem todo o tempo estuda,
mas é “verde” de morrer.
23
Nesse comércio bizarro
de promoção de viés.
Ainda venderão carro
dando de brinde mais dez.
24
Promoção de negro humor
em grandes filas, à vista;
qualquer “lixo” tem valor,
na glória do varejista...

Fonte:
O Autor

Isabel Furini (O Caçador e o Anjo)

Era uma vez um jovem Anjo que duvidava da existência dos homens.

Ele via uma forma de carne, ossos, sangue, pele, cabelos, uma forma material. Essa forma se movia, alimentava-se e descansava, mas ainda assim o Anjo duvidava de que fosse um homem.

O Anjo sabia que os homens são espírito e matéria, e que ele tinha uma missão: cuidar de um deles. Porém, questionava se a forma rude que via era mesmo de um ser humano.

O homem, chamado Estevão, só acreditava no mundo material e ria quando alguém lhe dizia que existiam anjos. Um dia ele foi caçar numa floresta e, correndo sobre o mato úmido atrás de um veado, bateu contra o tronco de uma árvore morta que estava caída no chão. A arma escorregou de suas mãos e um forte estrondo, como o rugido de um leão, agitou a floresta. Rapidamente os pássaros revoaram e animais pequenos voltaram a suas tocas. Ao cair no chão a espingarda disparara e o caçador, com tão pouca sorte, foi ferido.

Estevão,  lá deitado, vendo o sangue escorrendo de seu peito, olhou para o céu a fim de pedir socorro e, num raio de sol que penetrava pela copa das árvores, divisou a imagem de um anjo com suas aas brancas. O Anjo, por sua vez, ao ver o homem clamando por Deus, percebeu seu espírito. Ambos se olharam com curiosidade e, em seguida, passaram a se examinar mutuamente

– Você é um Anjo? Então os anjos existem! – disse o homem, admirado.

– Você é um homem? Então os homens existem! – exclamou o Anjo.

Ambos deram-se as mãos. Estevão, no entanto, havia perdido muito sangue e desmaiou. Foi acordar num quarto simples, da casa de um lenhador que por acaso passara por onde ele se encontrava na floresta e, ao vê-lo ferido, decidiu a ajudá-lo.

Desde esse dia o caçador se fez amigo do Anjo, e o Anjo se fez amigo do homem. O humano sentiu-se tão feliz com seu companheiro celeste que deixou de matar outras criaturas. Agora, sua maior diversão era observar os seres da natureza:  ondinas e gnomos, silfos e salamandras. Mostrou também seu mundo a seu amigo: casas e fábricas, lojas e clubes, cinemas, teatros e shoppings. Mas o ser celeste preferia as florestas, as montanhas e os mares, o ruído dos ventos, das ondas e dos pássaros.

O homem e o Anjo sempre permaneciam juntos, e os sensitivos que por acaso os viam, detinham-se perplexos a observá-los: ambos caminhavam juntos, tão serenamente que ninguém sabia se o homem era guiado pelo Anjo ou se o Anjo era guiado pelo homem.

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/contos/1325081

Nilton Manoel (Poeta, Trovador, Escritor)

Ribeirão Preto tem história como terra de poesia. Tantos são os poetas de ontem e de hoje que, cita-los nos leva a pesquisas diversas e em fases sociais. O início cívico e cultural resgatamos no jornal A Palavra e nos jornais municipalistas de todos os tempos. Hoje não encontramos mais difusão poética nos jornais. Os espaços são para as reprises estapafúrdias de noticiários. Não sobram nem 20 linhas para a poesia. Outras coisas tem todos os espaços. Enfim “um lugar pra cada coisa... Cada coisa em seu lugar.”. É hora de acontecer um novo Movimento de Poesia. . Poetas... movimentem-se!
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Nilton Manoel
O APAGADOR

Um apagador
não apaga a dor
nem uma lousa
de sala de aula.

O apagador
não apaga uma lousa!
apaga só o que nela está escrito
com giz branco ou não
e tem o nome de lição
de classe,
ou de casa.
O apagador
é a borracha de professor.
Senão como seria
a tarefa do mestre na lousa?
O quê?

TROVAS

No amor às cousas pequenas,
no cultivo da humildade,
residem as mais serenas
conquistas da humanidade.
Wilson Clóvis Andrade

Quando a escultura dengosa
balança leve na areia,
sinto,a musa mais gostosa,
se o sangue ferve na veia.
Nilton Manoel

Deus, o maior escritor,
que temos a céu aberto,
em linhas tortas, com amor,
escreve sempre o que é certo.
Nilton Manoel

Quando o verde da esperança
vem doce no coração...
Nem sempre há temperança
para regar a emoção.
Arlete Luiza


Nilton Manoel
O GIRASSOL

Gira,
girassol
flor  amarela
que enfeita a lapela
de um cantor
Gira
Gira
Girassol
Substantivo composto
flor de pétalas gigantes
e sementes gordinhas
que servem para os pássaros,
aos gerbis ou aos  hamisters.
Como é lindo o girassol
num dia de sol,
no meu jardim dos sentidos.
Para o girassol,
faço haicai, cordel, trova...
poemas que leio e declamo.
Declamo? Clamo!
Conclamo:
-Viva o girassol!

MAIS TROVAS

Neste sesquicentenário
faço uma declaração,
guardada num relicário:
amo você Ribeirão!.
Wanda Duarte da Silva

Com a verde camisola
de detalhes provocantes,
a boazuda Carola
morre de sonhos picantes.
Eliane Ap.Pereira

Vou indo por este mundo,
para tudo tenho sinônimo;
mas meu desgosto é profundo
pois sou um poeta anônimo!
Nilton da Costa Teixeira

“ É a trova em seu natural
mordaz, alegre ou dolente,
lindo trecho musical
de quatro notas somente.”
Lilinha Fernandes

Carregador da estação,
letrado como ninguém,
leu na cartilha o rifão:
-“há malas que vêm pro trem”...
Josué de Vargas Ferreira

Quando o amor maduro,na alma
acende o fogo,a paixão,
faz a poesia que acalma
na forma do coração.
Sueli Tornici

Bendito seja o escritor
que concretiza o saber
e nos transforma em leitor
para o mundo conhecer!...
Oefe de Souza

Fonte:
http://www.movimentodasartes.com.br/trovador/pop_101/100719a.htm

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 655)


Uma Trova de Ademar 

Em humor não me destaco,
mas, por pura peraltice;
mesmo não sendo macaco,
vou fazendo macaquice.
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Pelos gemidos do cara,
o doutor não vê problema.
Se a dor que sente é tão clara,
é natural que ele gema!
–Edmar Japiassú Maia/RJ–

Uma Trova Potiguar 

Se eu ganhar, minha querida
na Mega, muito dinheiro
vou lhe tirar dessa vida...
(contratando um pistoleiro.)
–Heliodoro Morais/RN–

Uma Trova Premiada 


2012 > Acad.Mageense de Letras/RJ
Tema > LIVRO > 8º Lugar


Eu, fazendo errado ou certo,
nada escondo de vocês;
minha vida é um livro aberto...
Todo escrito em japonês!
–Ademar Macedo/RN–

...E Suas Trovas Ficaram 

Informo com desprazer,
que chato é aquele infeliz
que, nada tendo a dizer,
insistentemente diz...
–Eno Teodoro/PR–

U m a P o e s i a 


Filho de rico se chora,
a mãe vem lhe acalentar
e para ele não chorar
compra logo sem demora,
um tênis Nike da hora
numa loja chique e mega,
pobre vai em banca brega
comprar um do Paraguai;
rico pega o carro e sai,
pobre sai e o carro pega.
Júnior Adelino/PB

Soneto do Dia 

CAUSA MORTIS.
–Dorothy J. Moretti/SP–


Todo mundo que chegava
ao velório do Candinho,
penalizado, falava:
- Morreu como um passarinho.

Um bebum que ali se achava,
curioso, entre o burburinho,
a cada passo escutava:
- Morreu como um passarinho.

Chega alguém que, comovido,
pergunta-lhe ao pé do ouvido:
- De que a morte foi causada?

E o bebum, em tom de prece:
- Também não sei, mas parece
que foi de uma estilingada.

Fonte:
Textos selecionados por Ademar Macedo
Imagem obtida em Recados OnLine

Monteiro Lobato (O Jardineiro Timóteo)

conto integrante do livro "Negrinha", de Monteiro Lobato.

O casarão da fazenda era ao jeito das velhas moradias: – frente com varanda, uma ala e pátio interno. Neste ficava o jardim, também à moda antiga, cheio de plantas antigas cujas flores punham no ar um saudoso perfume d’antanho. Quarenta anos havia que lhe zelava dos canteiros o bom Timóteo, um preto branco por dentro.

Timóteo o plantou quando a fazenda se abria e a casa inda cheirava a reboco fresco e tintas d’óleo recentes, e desd’aí – lá se iam quarenta anos – ninguém mais teve licença de pôr a mão em “seu jardim”.

Verdadeiro poeta, o bom Timóteo.

Não desses que fazem versos, mas desses que sentem a poesia sutil das coisas. Compusera, sem o saber, um maravilhoso poema onde cada plantinha era um verso que só ele conhecia, verso vivo, risonho ao reflorir anual da primavera, desmedrado e sofredor quando junho sibilava no ar os látegos do frio.

O jardim tornara-se a memória viva da casa. Tudo nele correspondia a uma significação familiar de suave encanto, e assim foi desd’o começo, ao riscarem-se os canteiros na terra virgem ainda recendente à escavação. O canteiro central consagrava-o Timóteo ao “Sinhô-velho”, tronco da estirpe e generoso amigo que lhe dera carta d’alforria muito antes da Lei Áurea. Nasceu faceiro e bonito, cercado de tijolos novos vindos do forno para ali ainda quentes, e embutidos no chão como rude cíngulo de coral; hoje, semidesfeitos pela usura do tempo e tão tenros que a unha os penetra, esses tijolos esverdecem nos musgos da velhice.

Veludo de muro velho, é como chama Timóteo a essa muscínea invasora, filha da sombra e da umidade. E é bem isso, porque o musgo foge sempre aos muros secos, vidrentos, esfogueados de sol, para estender devagarinho o seu veludo prenunciador de tapera sobre os muros alquebrados, de emboço já corcomido e todo aberto em fendas.

Bem no centro erguia-se um nodoso pé de jasmim-do-cabo, de galhos negros e copa dominante, ao qual o zeloso guardião nunca permitiu que outra planta sobreexcedesse em altura. Simbolizava o homem que o havia comprado por dois contos de réis, dum importador de escravos de Angola.

– Tenha paciência, minha negra! – conversa ele com as roseiras de setembro, teimosas em espichar para o céu brotos audazes. Tenha paciência, que aqui ninguém olha de cima para o Sinhô-velho.

E sua tesoura afiada punha abaixo, sem dó, todos os rebentos temerários.

Cercando o jasmineiros havia uma coroa de periquitos, e outra menor cravinas.

Mais nada.

– Ele era um homem simples, pouco amigo de complicações. Que fique ali sozinho com o periquito e as irmãzinhas do cravo.

Dos outros canteiros dois eram em forma de coração.

– Este é o de Sinhazinha; e como ela um dia há de casar, fica a par dele o canteiro do Sinhô-moço.

O canteiro de Sinhazinha era de todos o mais alegre, dando bem a imagem de um coração de mulher rico de todos as flores do sentimento. Sempre risonho, tinha a propriedade de prender os olhos de quantos penetravam no jardim.

Tal qual a moça, que desde menina se habituara a monopolizar os carinhos da família e a dedicação dos escravos, chegando esta a ponto de, ao sobrevir a Lei Áurea, nenhum ter ânimo de afastar-se da fazenda. Emancipação? Loucura! Quem, uma vez cativo de Sinhazinha, podia jamais romper as algemas da doce escravidão?

Assim ela na família, assim o seu canteiro entre os demais. Livro aberto, símbolo vivo, crônica vegetal, dizia pela boca das flores toda a sua vidinha de moça. O pé de flor-de- noiva, primeira “planta séria” ali brotada, marcou o dia em que foi pedida em casamento. Até então só vicejavam neles flores alegres de criança: – esporinhas, bocas-de-leão, “borboletas”, ou flores amáveis da adolescência – amores-perfeitos, damas-entre-verdes, beijos-de-frade, escovinhas, miosótes.

Quando lhe nasceu, entre dores, o primeiro filho, plantou Timóteo os primeiros tufos de violeta.

– Começa a sofrer...

E no dia em que lhe morreu esse malogrado botãozinho de carne rósea, o jardineiro, em lágrimas, fincou na terra os primeiros goivos e as primeiras saudades. E fez ainda outras substituições: as alegres damas-entre-verdes cederam o lugar aos suspiros roxos, e a sempre-viva foi para o canto onde viçavam as ridentes bocas-de-leão.

Já o canteiro de Sinhô-moço revelava intenções simbólicas de energia. Cravos vermelhos em quantidade, roseiras fortes, ouriçadas de espinhos; palmas-de-santa-rita, de folhas laminadas; junquilhos nervosos.

E tudo mais assim.

Timóteo compunha os anais vivos da família, anotando nos canteiros, um por um, todos os fatos dalgumas significações. Depois, exagerando, fez do jardim um canhenho de notas, o verdadeiro diário da fazenda. Registrava tudo.

Incidentes corriqueiros, pequenas rusgas de cozinha, um lembrete azedo dos patrões, um namoro de mucama, um hóspede, uma geada mais forte, um cavalo de estimações que morria – tudo memorava ele, com hieróglifos vegetais, em seu jardim maravilhoso.

A hospedagem de certa família do Rio – pai, mãe e três sapequíssimas filhas – lá ficou assinalada por cinco pés de ora-pro-nóbis. E a venda do pampa calçudo, o melhor cavalo das redondezas, teve a mudança de dono marcada pela poda de um galho do jasmineiro.Além desta comemoração anedótica, o jardim consagrava uma planta a subalterno ou animal doméstico. Havia a roseira-chá da mucama de Sinhazinha; o sangue-de-adão do Tibúrcio; a rosa-maxixe da mulatinha Cesária, sirigaita enredeira, de cara fuxicada como essa flor. O Vinagre, o Meteoro, a Manjerona, a Tetéia, todos os cães que na fazenda nasceram e morreram, ali estavam lembrados pelo seu pezinho de flor, um resedá, um tufo de violetas, uma touça de perpétuas. O cão mais inteligente da casa, Otelo, morto hidrófobo, teve as honras duma sempre-viva rajada.

– Quem há de esquecer um bico daqueles, que até parecia gente?

Também os gatos tinham memória.

Lá estava a cinerária da gata branca morta nos dentes do Vinagre, e o pé de alecrim relembrativo do velho gato Romão.

Ninguém, a não ser Timóteo, colhia flores naquele jardim. Sinhazinha o tolerava desde o dia em que ele explicou:

– Não sabem, Sinhazinha! Vão lá e atrapalham tudo. Ninguém sa be apanhar flor...

Era verdade. Só Timóteo sabia escolhê-las com intenção e sempre de acordo com o destino. Se as queriam para florir a mesa em dia de anos da moça, Timóteo combinava os buquês como estrofes vivas. Colhia-as resmungando:

– Perpétua? Não. Você não vai pra mesa hoje. É festa alegra. Nem você, dona violetinha!... Rosa-maxixe? Ah! Ah! Tinha graça a Cesária em festa de branco!...

E sua tesoura ia cortando os caules com ciência de mestre. Às vezes parava, a filosofar:

– Ninguém se lembra hoje do anjinho... Pra que, então, goivo nos vasos? Quieto fique aqui o senhor goivo, que não é flor de vida, é flor de cemitério...

E sua linguagem de flores? Suas ironias, nunca percebidas de ninguém? Seus louvores, de ninguém suspeitados? Quantas vezes não depôs na mesa, sobre um prato, um aviso a um hóspede, um lembrete à patroa, uma censura ao senhor, composto sob forma dum ramalhete? Ignorantes da língua do jardim, riam-se eles da maluquice do Timóteo, incapazes de lhe alcançar o fino das intenções.

Timóteo era feliz. Raras criaturas realizam na vida mais formoso delírio de poeta. Sem família, criara uma família de flores; pobre, vivia ao pé de um tesouro.

Era feliz, sim. Trabalhava por amor, conversando com a terra e as plantas – embora a copa e a cozinha implicassem com aquilo.

– Que tanto resmunga o Timóteo! Fica ali mamparreando horas, a cochichar, a rir, como se estivesse no meio duma criançada!...

É que na sua imaginação as flores se transfiguravam em seres vivos. Tinham cara, olhos, ouvidos... O jasmim-do-cabo, pois não é que lhe dava a benção todas as manhãs? Mal Timóteo aparecia, murmurando “A benção, Sinhô”, e já o velho, encarnado na planta, respondia com voz alegre: “Deus te abençoe, Timóteo”.

Contar isso aos outros? Nunca! “Está louco”, haviam de dizer. Mas bem que as plantinhas falavam...

– E como não hão de falar, se tudo é criatura de Deus, hom’essa!...

Também dialogava com elas.

– Contentinha, hein? Boa chuva a de ontem, não?

– ...

– Sim, lá isso é verdade. As chuvas miúdas são mais criadeiras, mas você bem sabe que não é tempo. E o grilo? Voltou? Voltou, sim, o ladrão... E aqui roeu mais esta folhinha... Mas deixe estar, que eu curo ele!

E punha-se a procurar o grilo. Achava-o.

– Seu malfeitor!... Quero ver se continua agora a judiar das minhas flores.

Matava-o, enterrava-o. “Vira esterco, diabinho!”

Pelo tempo da seca era um regalo ver Timóteo a chuviscar amorosamente sobre as flores com o seu velho regador.– O sol seca a terra? Bobice!... Como se o Timóteo não estivesse aqui de chovedor na mão.

– Chega também, ué! Então quer sozinho um regador inteiro? Boa moda! Não vê que as esporinhas estão com a língua de fora?

– E esta boca-de-leão, ah! ah! está mesmo com uma boca de cachorro que correu veado! Tome lá, beba, beba!

– E você também, seu rosedá, tome lá seu banho pra depois, namorar aquela dona hortênsia, moça bonita do “zóio” azul...
E lá ia...

Plantas novas que abrolhavam o primeiro botão punham alvoroço de noivo no peito do poeta, que falava do acontecimento na copa provocando as risadinhas impertinentes da Cesária.

– Diabo do negro velho, cada vez caducando mais! Conversa com flor como se fosse gente.

Só a moça, com seu fino instinto de mulher, lhe compreendia as delicadezas do coração.

– Está aqui Sinhá, a primeira rainha margarida deste ano!

Ela fingia-se extasiada e punha a flor no corpete.

– Que beleza!

E Timóteo ria-se, feliz, feliz...

Certa vez falou-se na reforma do jardim.

– Precisamos mudar isto – lembrou-se o moço, de volta dum passeio a São Paulo. – Há tantas flores modernas, linda, enormes, e nós toda a vida com estas cinerárias, estas esporinhas, estas flores caipiras... Vi lá crisandálias magnífias, crisântemos deste tamanho e uma rosa nova, branca, tão grande que até parece flor artificial.

Quando soube da conversa, Timóteo sentiu gelo no coração. Foi agarrar-se com a moça. Ele também conhecia essas flores de fora, vira crisântemos na casa do Coronel Barroso, e as tais dálias mestiças no peito duma faceira, no leilão do Espírito Santo.

– Mas aquilo nem é flor, Sinhá! Coisas da estranja que o Canhoto inventa para perder as criaturas de Deus. Eles lá que plantem. Nós aqui devemos zelar das plantas de família. Aquela dália rajada, está vendo? É singela, não tem o crespo das dobradas; mas quem troca uma menina de sainha de chita cor-de-rosa por uma semostradeira da cidade, de muita seda no corpo, mas sem fé no coração? De manhã “fica assim” de abelhas e cuitelos em volta delas!...

E eles sabem, eles não ignoram quem merece. Se as das cidades fossem mais de estimação, por que é que esses bichinhos de Deus ficam aqui e não vão pra lá? Não, Sinhá! É preciso tirar essa idéia da cabeça de Sinhô-moço. Ele é criança ainda, não sabe a vida. É preciso respeitar as coisas de dantes...

E o jardim ficou.

Mas um dia... Ah! Bem sentira-se Timóteo tomado de aversão pela família dos ora-pro- nóbis! Pressentimento puro... O ora-pro-nóbis pai voltou e esteve ali uma semana em conciliábolo com o moço. Ao fim deste tempo, explodiu como bomba a grande notícia: estava negociada a fazenda, devendo a escritura passar-se dentro de poucos dias.

Timóteo recebeu a nova como quem recebe uma sentença de morte. Na sua idade, tal mudança lhe equivalia a um fim de tudo. Correu a agarrar-se à moça, mas desta vez nada puderam contra as armas do dinheiro os seus pobres argumentos de poeta.

Vendeu-se a fazenda. E certa manhã viu Timóteo arrumarem-se no trole os antigos patrões, as mucamas, tudo o que constituía a alma do velho patrimônio.

– Adeus, Timóteo! – disseram alegremente os senhores-moços, acomodando-se no veículo.

– Adeus! Adeus!...

E lá partiu o trole, a galope... Dobrou a curva da estrada... Sumiu-se para sempre...

Pela primeira vez na vida Timóteo esqueceu de regar o jardim. Quedou-se plantando a um canto, a esmoer o dia inteiro o mesmo pensamento doloroso:– Branco não tem coração...

Os novos proprietários eram gente da moda, amigos do luxo e das novidades. Entraram na casa com franzimentos de nariz para tudo.
– Velharias, velharias...

E tudo reformaram. Em vez da austera mobília de cabiúna, adotaram móveis pechisbeques, com veludinhos e friso. Determinaram o empapelamento das salas, a abertura de um hal l, mil coisas esquisitas...

Diante do jardim, abriram-se em gargalhadas. – É incrível! Um jardim destes, cheirando a Tomé de Sousa, em pleno século das crisandálias!

E correram-no todo, a rir, como perfeitos malucos.

– Olhe, Ivete, as esporinhas! É inconcebível que inda haja esporinhas no mundo!

– E periquito, Odete! Pe-ri-qui-to!... – disse uma das moças, torcendo-se em gargalhadas.

Timóteo ouvia aquilo com mil mortes n’alma. Não restava dúvida, era o fim de tudo, como pressentira: aqueles bugres da cidade arrasariam a casa, o jardim e o mais que lembrasse o tempo antigo. Queriam só o moderno.

E o jardim foi condenado. Mandariam vir o Ambrogi para traçar um plano novo, de acordo com a arte moderníssima dos jardins ingleses. Reformariam as flores todas, plantando as últimas criações da floricultura alemã. Ficou decidido assim.

– E para não perder tempo, enquanto o Ambrogi não chega ponho aquele macaco e me arrasar isto – disse o homem apontando para Timóteo.

– Ó tição, vem cá!

Timóteo aproximou-se com ar apatetado.

– Olha, ficas encarregado de limpar de limpar este mato e deixar a terra nuazinha. Quero fazer aqui um lindo jardim. Arrasa-me isto bem arrasadinho, entendes?

Timóteo, trêmulo, mal pôde engrolar uma palavra:

–Eu?

– Sim, tu! Por que não?

O velho jardineiro, atarantado e fora de si, repetiu a pergunta:

– Eu? Eu, arrasar o jardim?

O fazendeiro encarou-o, espantado da sua audácia, sem nada compreender daquela resistência.

– Eu? Pois me acha com cara de criminoso?


E, não podendo mais conter-se, explodiu num assomo estupendo de cólera – o primeiro e o único de sua vida.

– Eu vou mas é embora daqui, morrer lá na porteira como um cachorro fiel. Mas, olhe, moço, que hei de rogar tanta praga que isto há de virar um tapera de lacraias! A geada há de torrar o café. A peste há de levar até as vacas de leite! Não há de ficar aqui nenhuma galinha, nem um pé de vassoura! E a família amaldiçoada, coberta de lepra, há de comer na gamela com os cachorros lazarentos!... Deixa estar, gente amaldiçoada! Não se assassina assim uma coisa que dinheiro nenhum paga.

Não se mata assim um pobre negro velho que tem dentro do peito uma coisa que lá na cidade ninguém sabe o que é. Deixa estar, branco de má casta! Deixa estar, caninana! Deixa estar!...

E fazendo com a mão espalmada o gesto fatídico, saiu às arrecuas, repetindo cem vezes a mesma ameaça:

– Deixa estar! Deixa estar!

E longe, na porteira, ainda espalmava a mão para a fazenda, num gesto mudo:

– Deixa estar!

Anoitecia. Os curiangos andavam a espacejar silenciosamente vôos de sombra pelas estradas desertas. O céu era todo um recamo fulgurante de estrelas. Os sapos coaxavam nos brejos e vagalumes silenciosos piscavam piques de luz no sombrio das capoeiras.

Tudo adormecera na terra, em breve pausa de vida para o ressurgir do dia seguinte.Só não ressurgirá Timóteo. Lá agoniza ao pé da porteira. Lá morre.

E lá encontrará a manhã enrijecido pelo relento, de borco na grama orvalhada, com a mão estendida para a fazenda num derradeiro gesto de ameaça:

– Deixa estar!...

Fonte:
Monteiro Lobato. Negrinha. Ed. Brasiliense.

Fernando Augusto Buarque Franco Netto (Poemas Escolhidos)

A GRANDE ESPERA

As palavras que disseste nesta noite
Não foram pronunciadas em vão;
Tampouco dissiparam-se os teus gestos
E o brilho dos teus olhos,
Ou se perdeu o teu prazer efêmero.

O som de tua voz e de outras vozes,
O cinto das nuvens carregadas,
A melancólica nudez das ruas molhadas,
O bater de tua porta quando entraste,

Tudo ficou gravado invisivelmente
Na lousa branca do tempo,
E no dia da revelação,
Teus olhos espantados
Ver-se-ão a si próprios.

A VOLTA INÚTIL

Um canto de cigarras se acomoda
Na amplidão da tarde e da saudade.
As flores trocam segredos
Que o vento trouxe de longe;
Só tu não estas.

Mas tua evocação se dilata no pensamento,
E na tua presença de milagre
Eu contemplo os tens olhos abatidos
Pela longa espera.
Eu contemplo os teus olhos apagados
Que não me dizem nada,
Como a boca que não sorri ,
E os braços que não se movem.
Quisera que me visses, que falasses,
Como se não estivesses imóvel e fria
Entre as coisas que nunca mais retornam.

BEATRIZ

Beatriz temerosa, subindo a velha escada,
Balançando a medo quadris de vinte anos.
(Até a escada era voluptuosa).

Beatriz furtiva, empurrando um sorriso meigo
Detrás do pudor quase intransponível.
Beatriz de pupilas de criança,
Em que havia uma pequenina mulher adormecida..
Beatriz lânguida, de olhos quase amorosos
(Beatriz ainda não sabia o que era o amor)

Beatriz quase mulher.

A tarde cora de lhe ver os olhos,
E encosta suavemente nas vidraças
O biombo negro da noite.

OUTONAL

Olhei a noite e senti-me só.
Olhei a noite que te abraçava
Com infinitos braços de treva;
De tanto te desejar,
Senti os braços imensos,
E abracei a noite toda
Para abraçar-te dentro dela.

Não posso juntar as estrelas,
Por meus olhos dentro delas.
Se pudesse, não cegava:
Não ceguei quando chegaste.

O forro negro do céu
São teus olhos dissolvidos
Na pele azul do Inf inito,
E teu sorriso se oculta
Atrás dos raios da lua;
Mas a lua se esconde aflita
Atrás de nuvens de chumbo,
Cansada de ser ferida
Que verte sangue de prata.

Que alvura invade o ar!
Sempre imaginei teus seios
De indefinida brancura -

Desce de leve a neblina,
Trama de chuva tão fina
Como o ouro entretecido
Na seda dos teus cabelos.

As nuvens negras castigam
Meu caminhar solitário
Com finas gotas geladas,
Que me escorrem pela face.

E eu beijo a chuva que cai
Longe, nos teus cabelos.

RECUERDO

Imagens preciosas de outros dias
Irrompem como flores na lembrança,
Enchendo de perfume e esquecimento
Os momentos tristíssimos de hoje.

Aquele amor das tardes muito azuis
Em que o mundo eram teus olhos, o céu e teus cabelos...
Amor era uma rosa perfeita.

Teus cabelos douraram a despedida,
Do azul de teus olhos partia uma angústia
Maior que toda as lágrimas.
Amor despedaçou-se em adeuses
Na dor da tarde vermelha.

TODA VESTIDA DE AZUL

Toda vestida de azul.
As pálpebras tenuemente fechadas,
Como à espera de minha voz
Para descobrirem os olhos infinitamente límpidos.

Toda vestida de azul.
A cabeça suavemente reclinada
No travesseiro e no último sonho,
E os cabelos se desmanchando pelos ombros
Como rios de luz.

Fechei todas as janelas,
Para não deixar o vento apagar
O sorriso levíssimo que seduziu teus lábios.

Estas tão pura dormindo!
Para acordar-te pura assim
É preciso chamar Deus..

- Estás toda vestida de azul, Meu Senhor,
E morta.

Fonte:
JORGE, J. G. de Araújo. Antologia da Nova Poesia Brasileira. 1a ed. 1948.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 654)

 Uma Trova de Ademar 

Toda dor deixa sequela,
mas devido eu sofrer tanto,
minha dor só se revela
na angústia triste do pranto.
–Ademar Macedo/RN–

 Uma Trova Nacional 


Nas noites claras de lua,
no desenho da calçada,
vejo a silhueta sua
à minha sombra abraçada.
–Olympio Coutinho/MG–

 Uma Trova Potiguar 


A lua cheia de agosto
é de uma beleza infinda...
nos olhos de um lindo rosto
é duas vezes mais linda.
–Djalma Mota/RN–

 Uma Trova Premiada 


2006  -  CTS/Caicó/RN
Tema  -  PONTE  -  6º Lugar.


No seco botão da rosa
que me deste em tenra idade,
vejo a ponte afetuosa
que me conduz à saudade.
–Renato Alves/RJ–

 ...E Suas Trovas Ficaram 


Presença é luz, sol que arde,
no firmamento incendido.
Saudade é sombra da tarde,
pungente como um gemido.
–Pe. Celso de Carvalho/MG–

 Uma  Poesia 


Casinha à beira da estrada
com chão de terra batida,
fiz do teu portão de entrada
o meu portão de saída,
parti morto de saudade
tangendo os sonhos da idade
pelas estradas da vida!
–Prof. Garcia/RN–

 Soneto do Dia 

CONTRADIÇÃO.
–Maria Nascimento/RJ–


Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Fontes:
Textos enviados por Ademar Macedo/RN
Imagem formatada por Dáguima Veronica/MG