sábado, 28 de julho de 2012

Nemésio Prata Crisóstomo (Sextilhas: Respostas)

Quando eu (Feldman) propus ao Nemésio participar de um Septeto em Sextilhas, ele assim respondeu:

Já pensou este "poeta"
passando por menestrel,
vai ficar todo enrolado
tal qual linha em carretel;
melhor eu ficar de fora
pra não "melar" o papel!

Só de pensar neste fato
sinto tremores cruéis,
lembrando do desafio
de seguir tais menestréis,
pois na frente dessa gente
não valho nem um "derréis"!

Após o aceite e elogios do Zé Lucas, Nemésio assim se declara:

Pelo dizer do Zé Lucas
pensa o mesmo ser o Prata
poeta, e eu agradeço,
porém, sem qualquer bravata,
reconheço, estou é longe
de fazer parte da nata!

Fazer parte deste clã,
mesmo sem o merecer,
desde já será pra mim
um verdadeiro prazer,
pois com estes seis poetas
terei muito o que aprender!

No segundo e no minuto,
na hora, e no dia certo
acertemos os ponteiros;
o meu tempo está aberto
para atender os amigos
com o coração liberto!

Fonte:
O autor

Lu de Oliveira (Lançamento do Livro “Entre Muros e Pontes”, 4 de Agosto, em Maringá))

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Elane Rangel / RJ (Trovas Singrando Horizontes)

       Vou  cortando  céus  e  mares,
          Vou  galgando  serras...montes,
          Vou  em  busca  de  outros  ares,
           Vou  singrando  os   horizontes.
          
           Contemplando  o  por  do  sol
           E  bebendo  água  das  fontes,
           Debruçado  no  arrebol,
           Eu  vou  singrando  horizontes.

           Se eu no caminho encontrar,
           Dinossauros...Mastodontes...
           Nem  assim  irei  deixar
           De  singrar  os  horizontes.

          Pra  deixar desta  aventura,
          Peço, comigo  não  contes,
          Com  a  alma  leve  e  pura,
          Eu vou singrando   horizontes.

          Com  pensamentos  alados,
          Onde não  existem  pontes,
          Venço  rios  e   alagados
          E vou  singrando  horizontes.
         
          E vou singrando  horizontes,
          Lá  onde  se  esconde  o  sol,
          Buscando, assim, minhas fontes
           De  inspiração  no  arrebol.

          Todos singram horizontes,
          Ao  nascer  e  na  partida ,
         Atravessando, sem  pontes,
          Os  longos rios da  vida .

          Eu vou  singrando horizontes,
          Com a alma embevecida,
          Subindo e descendo montes,
          Dando mais  prazer à vida .

         Conheci, Atrás-os-Montes,
         Quando  fui  à Portugal,
         Também singrei horizontes,
         Na  Belmonte  de Cabral
      
         Vejo  rios  de  poesia
          Entrecortados de  pontes,
          Postadas em harmonia
          Com singrar dos horizontes.

          Se estou singrando horizontes,
          Os Anjos comigo  estão,
          Dos altos picos dos montes,
          Busco  a  Deus  em  oração.

          Eu vou singrando horizontes,
          Contornando  suas  curvas,
          Esquivando-me  dos  montes
          E dos rios de águas turvas.

          É singrando  os  horizontes,
          Carregando  a  bateria,
         Que escrevemos trova, aos montes,
          Para  gáudio  da  poesia!

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Malba Tahan (O Homem que Calculava) A Aventura dos 35 Camelos

À memória dos sete grandes geômetras cristãos ou agnósticos: Descartes, Pascal, Newton, Leibnitz, Euler, Lagrange, Comte, (Allah se compadeça desses infiéis), e à memória do inesquecível matemático, astrônomo e filósofo muçulmano, Buchafar Mohamed Abenmusa Al Kharismi, (Allah o tenha em sua glória!), e também a todos os que estudam, ensinam ou admiram a prodigiosa ciência das grandezas, das formas, dos números, das medidas, das funções, dos movimentos e das forças, eu, el-hadj xerife Ali Iezid Izz-Edim ibn Salim Hank Malba Tahan (crente de Allah e de seu santo profeta Maomé), dedico esta desvaliosa página de lenda e fantasia.
De Bagdá, 19 da Lua de Ramadã de 1321.

CAPÍTULO I

No qual encontro, durante uma excursão, singular viajante. Que fazia o viajante e quais as palavras que ele pronunciava.

Em nome de Alá, Clemente e Misericordioso![1]

Voltava eu, certa vez, ao passo lento do meu camelo, pela estrada de Bagdá, de uma excursão à famosa cidade de Samarra, nas margens do Tigre, quando avistei, sentado numa pedra, um viajante, modestamente vestido, que parecia repousar das fadigas de alguma viajem.

Dispunha-me a dirigir ao desconhecido o sala [2] trivial dos caminhantes quando, com grande surpresa, o vi levantar-se e pronunciar vagarosamente:

- Um milhão, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e quarenta e cinco!

Sentou-se em seguida e quedou em silêncio, a cabeça apoiada nas mãos, como se estivesse absorto em profunda meditação.

Parei a pequena distância e pus-me a observá-lo, como faria diante de um monumento histórico dos tempos lendários.

Momentos depois o homem levantou-se novamente e, com voz clara e pausada, enunciou outro número igualmente fabuloso:

- Dois milhões, trezentos e vinte e um mil, oitocentos e sessenta e seis!

E assim, várias vezes, o esquisito viajante pôs-se de pé, disse em voz alta um número de vários milhões, sentando-se em seguida, na pedra tosca do caminho.

Sem poder refrear a curiosidade que me espicaçava, aproximei-me do desconhecido e, depois de saudá-lo em nome de Allah (com Ele a oração e a glória)[3], perguntei-lhe a significação daqueles números que só poderiam figurar em gigantescas proporções.

- Forasteiro – respondeu o Homem que Calculava -, não censuro a curiosidade que te levou a perturbar a marcha de meus cálculos e a serenidade de meus pensamentos. E já que soubesse ser delicado no falar e no pedir, vou atender ao teu desejo. Para tanto preciso, porém, contar-te a história de minha vida!

CAPÍTULO II

E narrou o seguinte:

Chamo-me Beremiz Samir e nasci na pequenina aldeia de Khói, na Pérsia, à sombra da pirâmide imensa formada pelo Ararat. Muito moço ainda, empreguei-me, como pastor, a serviço de um rico senhor de Khamat.[4]

Todos os dias, ao nascer do sol, levava para o campo o grande rebanho e era obrigado a trazê-lo ao abrigo antes de cair à noite. Com receio de perder alguma ovelha tresmalhada e ser, por tal negligência, severamente castigado, contava-as várias vezes durante o dia.

Fui, assim, adquirindo, pouco a pouco, tal habilidade em contar que, por vezes, num relance calculava sem erro o rebanho inteiro. Não contente com isso passei a exercitar-me contando os pássaros quando, em bandos, voavam, pelo céu afora. Tornei-me habilíssimo nessa arte.

Ao fim de alguns meses – graças a novos e constantes exercícios – contando formigas e outros pequeninos insetos, cheguei a praticar a proeza incrível de contar todas as abelhas de um enxame! Essa façanha de calculista, porém, nada viria a valer, diante das muitas outras que mais tarde pratiquei! O meu generoso amo possuía, em dois ou três oásis distantes, grandes plantações de tâmaras e, informado de minhas habilidades matemáticas, encarregou-me de dirigir a venda de seus frutos, por mim contados nos cachos, um a um. Trabalhei, assim, ao pé das tamareiras, cerca de dez anos. Contente com os lucros que obteve, o meu bondoso patrão, acaba de conceder-me quatro meses de repouso e vou, agora, a Bagdá, pois tenho desejo de visitar alguns parentes e admirar as belas mesquitas e os suntuosos palácios da cidade famosa. E para não perder tempo, exercito-me durante a viajem, contando as árvores que ensombram esta região, as flores que a perfumam, os pássaros que voam no céu entre nuvens.

E, apontando para uma velha grande figueira que se erguia à pequena distância, prosseguiu:

- Aquela árvore, por exemplo, tem duzentas e oitenta e quatro ramos. Sabendo-se que cada ramo tem, em média, trezentas e quarenta e sete folhas, é fácil concluir que aquela árvore tem um total de noventa e oito mil, quinhentas e quarenta e oito folhas! Estará certo, meu amigo?[5]

- Que maravilha! – exclamei atônito. – É inacreditável possa um homem contar, em rápido volver d’olhos, todos os galhos de uma árvore e as flores de um jardim! Tal habilidade pode proporcionar, a qualquer pessoa, seguro meio de ganhar riquezas invejáveis!

- Como assim? – estranhou Beremiz. – Jamais me passou pela idéia que se
pudesse ganhar dinheiro, contando aos milhões folhas de árvores e enxames de abelhas! Quem poderá interessar-se pelo total de ramos de uma árvore ou pelo número do passaredo que cruza o céu durante o dia?

- A vossa admirável habilidade – expliquei – pode ser empregada em vinte mil casos diferentes. Numa grande capital, como Constantinopla, ou mesmo Bagdá, sereis auxiliar precioso para o governo. Podereis calcular populações, exércitos e rebanhos. Fácil vos será avaliar os recursos do país, o valor das colheitas, os impostos, as mercadorias e todos os recursos do Estado. Asseguro-vos – pelas relações que mantenho, pois sou bagdáli [6] – que não vos será difícil obter lugar de destaque junto ao glorioso califa Al Motacém (nosso amo e senhor). Podeis talvez exercer o cargo de vizir-tesoureiro ou desempenhar as funções de secretário da Fazenda muçulmana.[7]

- Se assim é, ó jovem – respondeu o calculista -, não hesito. Vou contigo para Bagdá.

E sem mais preâmbulos, acomodou-se como pode em cima do meu camelo único que possuíamos), e pusemo-nos a caminhar pela larga estrada em direção à gloriosa cidade.

E daí em diante, ligados por este encontro casual em meio da estrada agreste, tornamo-nos companheiros e amigos inseparáveis.

Beremiz era de gênio alegre e comunicativo. Muito moço ainda – pois não
completara vinte e seis anos -, era dotado de inteligência extremamente viva e notável aptidão para a ciência dos números.

Formulava, às vezes, sobre os acontecimentos mais banais da vida, comparações inesperadas que denotavam grande agudeza de espírito e raro
talento matemático. Sabia, também, contar histórias e narrar episódios que muito ilustravam suas palestras, já de si atraentes e curiosas.

Às vezes punha-se várias horas, em silêncio, num silêncio maníaco, a meditar sobre cálculos prodigiosos. Nessas ocasiões esforçava-me por não o perturbar. Deixava-o sossegado, a fim de que ele pudesse fazer com os recursos de sua memória privilegiada, descobertas retumbantes nos misteriosos arcanos da Matemática, a ciência que os árabes tanto cultivaram e engrandeceram.

CAPÍTULO III

Onde é narrada a singular aventura dos 35 camelos que deviam ser repartidos por três árabes. Beremiz Samir efetua uma divisão que parecia impossível, contentando plenamente os três querelantes. O lucro inesperado que obtivemos com a transação.
Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista.

Encontramos perto de um antigo caravançará [8] meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos.

Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:

-Não pode ser!

-Isto é um roubo!

-Não aceito!

O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.

- Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos como herança esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e, ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e, a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona parte de 35 também não são exatas?

- É muito simples – atalhou o Homem que Calculava. – Encarrego-me de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que em boa hora aqui nos trouxe!

Neste ponto, procurei intervir na questão:

- Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viajem se ficássemos sem o camelo?

- Não te preocupes com o resultado, ó Bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz – Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.

Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal,[9] que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.

- Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos -, fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem em número de 36.

E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:

- Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão.

E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:

- E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.

E disse por fim ao mais moço:

E tu jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!
 
E concluiu com a maior segurança e serenidade:

- Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir – partilha em que
todos três saíram lucrando – couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos. Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois.

Um pertence como sabem ao bagdáli, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança!

- Sois inteligente, ó Estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos.

– Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!

E o astucioso Beremiz – o Homem que Calculava – tomou logo posse de um dos mais belos “jamales” do grupo e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:

- Poderás agora, meu amigo, continuar a viajem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro, especialmente para mim!

E continuamos nossa jornada para Bagdá.
–––––––-
NOTAS
1 O árabe muçulmano não inicia uma obra literária, ou uma simples narrativa, sem fazer essa evocação respeitosa ao nome de Deus. Vale por uma prece.

2 Saudação.

3 “Alá” ou “Allah” – Deus. Os árabes designam o Criador por quatrocentos e noventa e nove nomes diferentes. Os muçulmanos, sempre que pronunciam o nome de Deus, acrescentam-lhe uma expressão de alto respeito e adoração. O Deus dos muçulmanos é o mesmo Deus dos cristãos. Os muçulmanos são rigorosamente monoteístas.

4 Khamat de Maru, cidade situada na base do Monte Ararat. Khói fica no vale desse mesmo nome e é banhada pelas águas que descem das montanhas de Salmas (Malta Tahan).

5 Calculistas Famosos.

6 Indivíduo natural de Bagdá.

7 Califado, conselho de ministros do Rei.

8 Refúgio construído pelo governo ou por pessoas piedosas à beira do caminho, para servir de abrigo aos peregrinos. Espécie de rancho de grandes dimensões em que se acolhiam as caravanas.

9 Uma das muitas denominações que os árabes dão ao camelo.
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Para um melhor entendimento deste cálculo, a resposta será postada amanhã. Fica por conta do leitor por hora chegar a esta divisão.

Fonte:
Malba Tahan.O Homem Que Calculava. Ilustrações Sílvio Vitorino. Digitalização e Revisão Arlindo_San

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 621)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional 

Do casamento, é verdade,
já fugi mais de mil vezes…
amo tanto a liberdade
que nasci de sete meses.
–Nicolau Kleinsorge/MG–


Uma Trova Potiguar 

Casar, ainda que seja
a busca de ser feliz,
nasce nos braços da igreja
morre nos pés do juiz...
–Heliodoro Morais/RN–


Uma Trova Premiada 

1999  -  Nova Friburgo/RJ
Tema  -  MANIA  -  5º Lugar

Usar pente todo dia
é a mania do Rabelo!
Seria normal? Seria...
se ele tivesse cabelo!!?
–José Ouverney/SP–


...E Suas Trovas Ficaram 

Ao por-lhe a esmola no prato
pergunta ao surdo, baixinho:
– És mesmo surdo de fato?
E ele: ”Surdinho, surdinho!”
–José Maria M. de Araújo/RJ–


Uma  Poesia 

Minha mulher tem ciúme,
roga praga e se maldiz;
desconfia da vizinha,
tem raiva da meretriz,
mas, quando eu tiro o pijama,
esquece tudo o que eu fiz!
–Domingos Tomás/RN–


Soneto do Dia 


A FAMÍLIA.
–Edmar Japiassú Maia/RJ–

Nas garras do marido ciumento,
sem ter um pouco só de liberdade
e sendo adepta da infidelidade,
foi sempre o dia a dia o seu tormento...

Mil desculpas brotavam à vontade...
Dentista, manicure, ida ao convento...
Mas o marido, desconfiado e atento,
cismava em suspeita da realidade.

Um belo dia a campainha soa,
ela abre a porta e quase fica inerte
ao perceber dois primos em pessoa..

E o esposo, antes atento e sempre à espreita,
com seus dois primos tanto se diverte,
que hoje, afinal, é ela quem suspeita!

Machado de Assis (Badaladas – 3 de novembro de 1872)

Em que cidade estamos?

A câmara municipal diz-me, afirma-me, convence-me de que estamos no Rio de Janeiro. Os polemistas políticos, entretanto, só me falam de Roma.

Roma para aqui, Roma para ali. O Jornal do Comércio só é nosso em pouca coisa; quase tudo é discutir a cidade eterna, não a moderna, mais a outra.

Qui nous delivrera des Grecs et des Rornains?

O caso é que eu já não estou certo se sou um badaladeiro fluminense ou simplesmente o flautista Ambrosius.

Tanto me romanizaram que eu penso vestir a toga quando envergo a casaca !

Há dias mandei uma carta ao livreiro Garnier, via Appia. O correio não hesitou; foi levá-la a Niterói.

E a cadeia velha? Não há nada que se pareça menos com o Capitólio; entretanto, quando agora ali passo, parece-me sempre que estou a ver a sombra dos gansos.

— Quando vai para baias? Perguntei eu a um amigo.

— Serei eu cavalo?

— Perdão; pergunto quando vai para Petrópolis.

Não me admirará, pois, se o leitor também andar atarantado com estas transformações. A. culpa não é minha nem dele, é da política. Trata-se de saber, em primeiro lugar, se isto é Roma; em segundo lugar, se Roma foi uma nação imitável.

Dividem-se as opiniões; uns dizem que não, outros dizem que sim; alguns não dizem sim nem não; outros dizem sim e não; não falta quem diga sim-não, à maneira homem-mulher.

E não se me dará de apostar dez mil sestércios em como uma parte dos leitores é desta última categoria.

Efetivamente em alguma coisa havemos de parecer-nos com os romanos, quando mais não seja, na língua,

... na qual, quando imagina, com pouca corrupção crê que é latina.

Ao mesmo tempo em alguma coisa há de haver diferença entre eles e nós.

Pela minha parte, afirmo que estive ontem com Lucullo.

Esse apreciador de bons manjares conversou comigo mais de uma hora. Éramos três e uma moça. A moça tinha ao ombro um pombinho ainda mal empenado, desses a que chamamos borrachos.

— Oh!Coitadinho! disse eu.

Lucullo juntou os dedos da mão direita, levou-os assim à boca, estalou um beijo e
exclamou:

— Isto com ervilhas! ...

Mas nem Lucullo nem os escritores romanistas dão assunto cabal para a crônica.
. . .. . .. . . .. .. . .. . . . .. .. . .. . . . .. .. . .. . . . .. .
E a propósito de loterias.

Aqui mesmo, há anos, tive ocasião de notar que algumas irmandades embaçavam a lei, vendendo um bilhete singular. Não diziam que em tal data o portador do bilhete teria de ser inscrito como irmão, e desde já lhe ficava marcado a jóia de tanto. Vêem os leitores que há duas coisas aqui repreensíveis.

 A primeira é embaçar a lei. A segunda é ... como direi? ... é pregar uma peta, o que, se é mau num homem do mundo, deve ser péssimo em pessoas que ocupam os lazeres no serviço divino.

Mas provavelmente o que eu então disse mereceu o mesmo sorriso que há de agora
assomar aos lábios do leitor, mau sintoma, porque o desprezo da lei não é romano nem revela saúde.

Não é romano, mas revela alguma saúde o contrato teatral que o presidente da Bahia acaba de celebrar com uma empresa.

Um dos artigos estabelece, entre as obrigações da empresa, esta:
“8.º — Auxiliar quanto lhe seja possível o Conservatório Dramático para a fundação de uma escola que eduque e instrua as pessoas de ambos os sexos que se quiserem dedicar à arte dramática, prestando-se ele, empresário, e seus artistas a ensinar gratuitamente durante este contrato qualquer matéria para que o mesmo Conservatório julgue-os, e dar outrossim, até dois espetáculos em favor da dita escola, quando criada.”

Desta maneira temos a Bahia com uma escola dramática meio fundada, enquanto a
capital do Império está ainda num doce desejo, numa vaga esperança. A escola, não só tem a vantagem de educar os atores, mas também a de atrair vocações. Escola não temos; vocações novas creio que não aparecem; não as há pelo menos dignas de futuro.

Estamos, portanto condenados a ver desaparecer o cenário atual, sem outro que o
substitua convenientemente.

Venha o remédio; empreguem-se os recursos da medicina. Mas o leitor está achando isto muito grave, e pergunta-me naturalmente, ao ler a palavra medicina, se eu conheço a sua etimologia.

Por que não?

A etimologia de medicina é, como acontece com outras palavras, uma lenda.

Conta-se que, no tempo do rei Numa, o corpo médico era composto unicamente de coveiros, regidos por um coveiro-mor, chamado Cinna, avô, dizem, da tragédia de Corneille.

Adoecia um romano (eterno romano!) iam os coveiros a casa do doente medir-lhe o
corpo para abrir a sepultura.

— Mediste, Caio? Perguntava o chefe.

— Medi, Cina, respondia o coveiro oficial.

Daí, etc.

Agora o que não é lenda, mas coisa muito real, talvez realista, é este aviso de um N a uma N:

“N...

“Não é possível nos dias que dias que marquei segunda-feira, por caso de força maior; no dia que tiver lugar que te disse, de novo te comunicarei por este meio. Estarás de saúde? Sempre teu até a ...”
“P.S. — Lembranças. — N.”

Até à morte, queria ele dizer, mas parece que não quis comprometer o futuro. Não sei se sabem que estamos com a perspectiva de ouvir sinos por música. Vejo no Jornal do Comércio que uma pessoa, recentemente chegada, se oferece para dar-nos este melhoramento.

Realmente, com as tendências musicais que temos, não é mal ouvir sinos por música. Mas que música será? Sacra ou profana? José Maurício ou Carlos Gomes? Não sei se faria bom efeito o Addio del passato executado nos sinos de S. José; mas
estou convencido de que os dobres das dez horas da noite, com que ainda nos matraqueiam a cabeça, podiam ser substituídos pelo Bonne Nuit, da Grã-duquesa ou o Bonsoir, Mr. Pantalon.

Em todo caso venha o melhoramento.

Dr. Semana.
–––––
Nota:
Dr. Semana é o pseudonimo que Machado usava nestas cronicas

Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson,1938. Publicado originalmente na. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, de 22/10/1871 a 02/02/1873.

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 5 – Narrador

Narrador

Não existe narrativa sem narrador, pois ele é o elemento estruturador da história. Dois são os termos mais usados pelos manuais de análise literária, para designar a função do narrador na história: foco narrativo e ponto de vista (do narrador ou da narração). Tanto um quanto outro referem-se à posição ou perspectiva do narrador frente aos fatos narra dos. Assim, teríamos dois tipos de narrador, identificados à primeira vista pelo pronome pessoal usado na narração: primeira ou terceira pessoa (do singular).

Tipos de narrador

1. Terceira pessoa: é o narrador que está fora dos fatos narrados, portanto seu ponto de vista tende a ser mais imparcial. O narrador em terceira pessoa é conhecido também pelo nome de narrador observador e suas características principais são:

a) onisciência: o narrador sabe tudo sobre a história;

b) onipresença: o narrador está presente em todos os lugares da história.

       Veja um exemplo de narrador observador no trecho extraído da obra de Érico Veríssimo, O tempo e o vento, num dos episódios em que se fala de Ana Terra e Pedro Missioneiro:

(...) Pedro sentou-se, cruzou as pernas, tirou algumas notas da flauta, como para experimentá-la e depois, franzindo a testa, entrecerrando os olhos, alçando muito as sobrancelhas, começou a tocar. Era uma melodia lenta e meio fúnebre. O agu do som do instrumento penetrou Ana Terra como uma agulha, e ela se sentiu ferida, trespassada. (...)
Tirou as mãos de dentro da água da gamela, enxugou-as num pano e aproximou-se da mesa. Foi então que deu com os olhos de Pedro e daí por diante, por mais esforços que fizesse, não conseguiu desviar-se deles. Parecia-lhe que a música saia dos olhos do índio e não da flauta — morna, tremida e triste como a voz duma pessoa infeliz. (...)
(O continente. ln:..O tempo e o vento. Rio de Janeiro, Globo, 1963. t. 1, p. 88.)

Neste caso, temos bem clara a onisciência do narrador observador, pois ele não apenas narra o que se passa com os personagens, mas também o que sentem; em outras palavras, ele sabe mais que os personagens.

      Variantes de narrador em terceira pessoa

a) Narrador “intruso”: é o narrador que fala com o leitor ou que julga diretamente o comportamento dos personagens. Um exemplo deste tipo de participação do narrador é o romance de Camilo Castelo Branco, Amor de perdição:

(...) Não desprazia, portanto, o amor de Mariana ao amante apaixonado de Teresa. Isto será culpa no severo tribunal das minhas leitoras; mas, se me deixarem ter opinião, a culpa de Simão Botelho está na fraca natureza, que é todas as galas no céu, no mar e na terra, e toda incoerência, absurdezas e ví cios no homem, que se aclamou a si próprio rei da criação, e nesta boa-fé dinástica vai vivendo e morrendo.
(São Paulo, Ática, 1983. p. 60.)


b) Narrador “parcial”: é o narrador que se identifica com determinado personagem da história e, mesmo não o defendendo explicitamente, permite que ele tenha mais espaço, isto é, maior destaque na história. É o que ocorre no romance Capitães da areia, de Jorge Amado, no qual o narrador se identifica com os heróis da história, em especial Pedro Bala, contrariando a ideologia dominante que os vê como bandidos.

2. Primeira pessoa ou narrador personagem: é aquele que participa diretamente do enredo como qualquer personagem, portanto tem seu campo de visão limitada isto e, não é onipresente, nem onisciente. No entanto, dependendo do personagem que narra a história, de quando o faz e de que relação estabelece com o leitor, podemos ter algumas variantes de narrador personagem.
    
  Variantes do narrador personagem

a) Narrador testemunha: geralmente não é o personagem principal, mas narra acontecimentos dos quais participou, ainda que sem grande destaque. Um exemplo deste tipo de participação do narrador personagem é o romance Amor de salvação, de Camilo Castelo Branco, no qual o narrador é amigo de Afonso de Teive, personagem principal; do reencontro dos dois depois de alguns anos decorridos da amizade na época da universidade nasce a história tentando aproximar o jovem boêmio idealista Afonso do pai careca e barrigudo, que o narrador vê diante de si.

b) Narrador protagonista: é o narrador que é também o personagem central. Podem-se citar inúmeros exemplos deste tipo de narrador e apresentaremos alguns bastante célebres: Paulo Honório, narrador do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, homem duro, que tenta entender a si e a sua vida após a morte da esposa Madalena; Bento, de Dom casmurro, de Machado de Assis, célebre por dar sua versão sobre a possível traição de Capitu, seu grande amor. Nos dois casos temos um narrador que está distante dos fatos narrados e que, portanto, pode ser mais crítico de si mesmo.

Narrador não é autor

       As variantes de narrador em primeira pessoa ou em terceira pessoa podem ser inúmeras, uma vez que cada autor cria um narrador diferente para cada obra. Por isso é bom que se esclareça que o narrador não é o autor, mas uma entidade de ficção, isto é, uma criação lingüística do autor, e por tanto só existe no texto. Numa análise de narrativas evite referir-se à vida pessoal do autor para justificar posturas do narrador; não se esqueça de que está lidando com um texto de ficção (imaginação), no qual fica difícil definir os limites da realidade e da invenção. Este pressuposto é válido também para as autobiografias, nas quais não temos a verdade dos fatos, mas uma interpretação deles, feita pelo autor.

Continua…Tema – assunto – mensagem


Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Nemésio Prata Crisóstomo (Sextilhas sobre o Sexteto em Setilhas) 2

Nossa espera foi bem pouca
pelos grandes menestréis
que agora formam Sexteto
de Sextilhas, bem fiéis,
e num risco de fagulha
cada qual mandou mais dez!

Ao lê-los fico babando
e pensando se serei
um dia, não sei nem quando,
se ainda vivo nessa grei,
um sexto de trovador
desse Sexteto de Lei!

Sexteto em Sextilhas (Parte 3)

61 – Assis
Pouca rima há no cadastro
para "astro", ó grande Lucas,
mas para "Lucas" também.
No entanto, tanto cutucas,
que acabas dando um jeitinho
de achar algumas... e trucas!

62 – Ademar
Em rimas não me embatucas,
pois sou um “cabra da peste”;
na poesia nordestina
já passei em todo teste;
e para minha mulher...
Sou o melhor do nordeste!

63 – Delcy
Como tu mesmo disseste,
que és o melhor, eu suponho,
não ser o juízo da esposa,
mas como te vês em sonho;
para não te entristecer,
minhas dúvidas, transponho!

64 – Prof. Garcia
No debate eu me transponho
de Norte a Sul, todo dia;
levando de manhã cedo
um fardo de poesia,
e à tarde, a canção dolente
na voz de uma Ave-Maria!
 
65 – Gislaine
Há  momentos de alegria,
de paz, de amor e emoção,
que  vêm de dentro de nós,
como uma doce oração,
de onde surge, é bem verdade,
toda a nossa inspiração!

66 – Zé Lucas
Lendo, um dia, minha mão,
disse-me velha cigana:
-Teu destino é de poeta,
se o espírito não me engana,
e injetarás na sextilha
o doce do mel de cana.

67 – Assis
Também quero uma cigana
entendida em cana e mel,
que me ensine a, com doçura,
bem cumprir o meu papel
de sonhador, seresteiro,
aprendiz de menestrel.

68 – Ademar
Qual uma abelha no mel,
no verso, és um professor.
Seja sextilha ou soneto,
haicai ou seja o que for;
ninguém faz versos no mundo
igualmente aos do senhor!

69 – Delcy
Gosto de ver  o  calor
que pões nos versos que usas.
Assis, de  fato, é um colosso,
abençoado  das  musas...
mas há outros,  excelentes,
com os quais, teus versos, cruzas!

70 – Prof. Garcia
Quem tem a bênção das musas,
vê no mundo outros valores;
pois o sonho do poeta
é ao preto e branco dar cores,
transformar o pranto em riso
e encher o mundo de amores!

71 – Gislaine
Com seus versos sedutores
o poeta sempre encanta
e a semente da poesia,
com carinho, em Terra, planta,
afastando a dor do mundo,
que só a poesia espanta!

72 – Zé Lucas
Nossa missão pura e santa
é manter acesa a vela
da inspiração que ilumina
os versos que Deus pincela
e dar retoques na vida
para torná-la mais bela.

73 – Assis
Se manter acesa a vela
às vezes é perigoso,
bem mais é tentar a velha
reacender no velho esposo
o velho vulcão bravio
há tanto tempo ocioso...

74 – Ademar
Zé Lucas é talentoso
em tudo aquilo que cria,
e buscando a inspiração,
seja de noite ou de dia;
mantém sempre a vela acesa
pra iluminar a poesia!

75 – Delcy 
Para nós é uma alegria
ter Zé Lucas por parceiro,
pois, como diz  Ademar,
é,  de todos,  o  primeiro
e, além de ser nordestino,
é   notável   brasileiro!
 
76 – Prof. Garcia
Sou apenas um barqueiro
nessa longa travessia;
enfrentando vendavais
e noites de calmaria,
em busca da brisa mansa
do sopro da poesia!

77 – Gislaine
Sendo o meu barco, meu guia,
sinto o mar todinho meu,
e enfrento tudo, sem medo,
conheço o segredo seu,
minhas horas são de paz
e alcanço o meu apogeu!

78 – Zé Lucas
De mim, o mar escondeu
as cantigas de sereia,
a poesia derramada
nas noites de lua cheia
e as mil histórias de amores
que o vento embalou na areia. 

79 – Assis
Aqui, ouvindo a sereia,
nesta praia maravilha,
estou cercado de mar,
não sou no entanto uma ilha,
por isso, via Gislaine,
lhes mando a minha sextilha.

80 – Ademar
Internet é maravilha
em tudo ela colabora,
o seu cérebro eletrônico
não ama e também não chora;
sei também que não faz versos
mas manda os nossos pra “fora”...

81 – Delcy
Com a Internet  melhora
nossa comunicação;
em instantes, contatamos
com o mundo e cada irmão,
e fazemos amizades ,
e  ganhamos afeição!

82 – Prof. Garcia
Tenho a estranha sensação,
que o mundo se contradiz.
Se estamos todos tão perto
de norte a sul do país,
então, por que tanta gente
vive no mundo infeliz!

83 – Gislaine
Eu me sinto mais feliz
tendo a internet em ação,
com ela não há limites
aos sonhos do coração,
pois viajo ao mundo inteiro,
faço amigos de montão!

84 – Zé Lucas
Com o mouse em minha mão,
eu vejo o que nunca vi,
desafio a lei da inércia,
percorrendo, de per si,
os quatro cantos do mundo,
sem tirar os pés daqui.
 
85 – Assis
Vocês trabalhando aí
e eu aqui papo pro ar:
de dia aguinha de coco
no quiosque à beira-mar,
de noite ouvindo seresta
ou biritando no bar.

86 – Ademar
Ah, se eu pudesse gozar
o que está gozando Assis,
mas isso é para quem pode
e em nada me contradiz.
Eu vendo um amigo bem,
também me sinto feliz!

87 – Delcy
Como Zé Lucas e Assis,
numa praia  descansar,
eis gostosa  terapia
pra quem vive a trabalhar,
e ambos  labutam demais,
num  constante  poetar!
 
88 – Prof. Garcia
Eu vivo sempre a cantar
neste mundo em desatino,
faço verso todo dia,
desde o tempo de menino,
como quem segue a poeira
das pegadas do destino!

89 – Gislaine
Fazer versos é divino,
e o que posso então dizer,
se eu moro no Paraíso,
nesta cidade a crescer?
Tendo o mar como paisagem,
eu me sinto renascer!

90 – Zé Lucas
Pode o poeta reviver
no mistério de um repente,
quando, dedilhando a lira,
ao brilho do Sol nascente,
desabrochar um poema
no campo fértil da mente.

Luís de Camões (Livro de Sonetos)

Soneto 136

A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos oferece,
me está (se não te vejo) magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.

Soneto 114

Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.

Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
então numa hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.

Ah! quanto melhor fora não vos ver,
gostos, que assim passais tão de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:

sem vós já me não fica que perder,
se não se for esta cansada vida,
que por mor perda minha não perdi.

Soneto 101

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
quem não deixara nunca de querer-te?
Ah! Ninfa minha! Já não posso ver-te,
tão asinha esta vida desprezaste!

Como já para sempre te apartaste
de quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te,
que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura morte
me deixou, que tão cedo o negro manto
em teus olhos deitado consentiste!

Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!
Que pena sentirei, que valha tanto,
que inda tenho por pouco o viver triste?

Soneto 013

Alegres campos, verdes arvoredos,
claras e frescas águas de cristal,
que em vós os debuxais ao natural,
discorrendo da altura dos rochedos;

Silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual,
sabei que, sem licença de meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos.

E, pois me já não vedes como vistes,
não me alegrem verduras deleitosas,
nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,
regando-vos com lágrimas saudosas,
e nascerão saudades de meu bem.

Soneto 080

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer te
alguma causa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver te,
quão cedo de meus olhos te levou.

Soneto 083

Amor, co’a esperança já perdida,
teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.

Que queres mais de mim, que destruída
me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de forçar me, que não sei
tornar a entrar onde não há saída.

Vês aqui alma, vida e esperança,
despojos doces de meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro:

nelas podes tomar de mim vingança;
e se inda não estás de mim vingado,
contenta te com as lágrimas que choro.

Soneto 005

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Soneto 042

Amor, que o gesto humano n'alma escreve,
vivas faíscas me mostrou um dia,
donde um puro cristal se derretia
por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
por se certificar do que ali via,
foi convertida em fonte, que fazia
a dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor que brandura de vontade
causa o primeiro efeito; o pensamento
endoidece, se cuida que é verdade.

Olhai como Amor gera num momento,
de lágrimas de honesta piedade
lágrimas de imortal contentamento.

Soneto 058

A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contra ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.

Duas contrárias, que uma a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
Uma é Razão contra a Fortuna austera,
outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.

Mas mostre a sua imperial potência
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;

porque assim leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da Ausência,
do Tempo, da Razão e da Fortuna.

Soneto 068

Apartava se Nise de Montano,
em cuja alma partindo se ficava;
que o pastor na memória a debuxava,
por poder sustentar se deste engano.

Pelas praias do Índico Oceano
sobre o curvo cajado s'encostava,
e os olhos pelas águas alongava,
que pouco se doíam de seu dano.

Pois com tamanha mágoa e saudade
(dizia) quis deixar me a que eu adoro,
por testemunhas tomo Céu e estrelas.

Mas se em vós, ondas, mora piedade,
levai também as lágrimas que choro,
pois assim me levais a causa delas!

Soneto 051

Apolo e as nove Musas, discantando
com a dourada lira, me influíam
na suave harmonia que faziam,
quando tomei a pena, começando:

— Ditoso seja o dia e hora, quando
tão delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
estar se em seu desejo traspassando!

Assim cantava, quando Amor virou
a roda à esperança, que corria
tão ligeira que quase era invisível.

Converteu se me em noite o claro dia;
e, se alguma esperança me ficou,
será de maior mal, se for possível.

Soneto 041

Aquela fera humana que enriquece
sua presuntuosa tirania
destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;

Se nela o Céu mostrou (como parece)
quanto mostrar ao mundo pretendia,
porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte s'enobrece?

Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer me e cativar me:
fazei disto no mundo larga história.

Que, por mais que vos veja maltratar me,
já me fico logrando desta glória
de ver que tendes tanta de matar me.

Soneto 098

Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por uma breve e súbita mudança,
contrária a sua honra e qualidade

(venceu à formosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),

de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.

[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memória larga vida!

Soneto 091

Formosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor não quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.

E se dentro nest'alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, não quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
-
Fonte:
Luís de Camões. Sonetos.
Texto proveniente de A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro . A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo. Permitido o uso apenas para fins educacionais. Texto-base digitalizado por FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt) IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt) Disponível em: http://web.rccn.net/camoes/camoes/index.html

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 4 – Tempo

      Neste livro abordaremos o tempo fictício, isto é, interno ao texto, entranhado no enredo.

       Os fatos de um enredo estão ligados ao tempo em vários níveis:

       Época em se passa a história

       Constitui o pano de fundo para o enredo. A época da história nem sempre coincide com o tempo real em que foi publicada ou escrita. Um exemplo disso é o romance de Umberto Eco, O nome da Rosa, que retrata a Idade Média, embora tenha sido escrito e publicado recentemente.

       Duração da história

       Muitas histórias se passam em curto período de tempo, já outras têm um enredo que se estende ao longo de muitos anos. Os contos de um modo geral apresentam uma duração curta em relação aos romances, nos quais o transcurso do tempo é mais dilatado. Como exemplo de duração curta, o conto de Rubem Fonseca, “Feliz Ano Novo” (o livro tem o mesmo nome), cujo enredo se passa em algumas horas na véspera do Ano-Novo. No outro extremo, apresentaríamos os romances Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez, ou então O tempo e o vento, de Érico Veríssimo, nos quais se narra a vida de muitas gerações de uma família,

Obs.: Para identificar o tempo-época ou a duração, procure fazer um levantamento dos índices de tempo, pois tais referências representam marcações de tempo; por exemplo: “Era no tempo do Rei”, que inicia o romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, indica a época em que se passa a história.
  
       Tempo cronológico

       É o nome que se dá ao tempo que transcorre na ordem natural dos fatos no enredo isto e do começo para o final. Está, portanto, ligado ao enredo linear (que não altera a ordem que os fatos ocorreram); chama-se cronológico porque é mensurável em horas, dias, meses, anos, séculos. Para você compreender melhor esta categoria de tempo, pense nu ma história que começa narrando a infância do personagem e depois os demais fatos de sua vida na ordem em que eles ocorreram: você terá o tempo cronológico. Isto é o que ocorre na novela de Moacyr Scliar, Max e os felinos.

Tempo psicológico

       É o nome que se dá ao tempo que transcorre numa ordem determinada pelo desejo ou pela imaginação do narrador ou dos personagens, isto é,  altera a ordem natural dos acontecimentos. Está, portanto, ligado ao enredo não linear (no qual os acontecimentos estão fora da ordem natural). Um exemplo de tempo psicológico é o romance de Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas, no qual o narrador, já defunto, conta seu enterro, depois sua morte, só então conta sua infância, sua juventude, aos caprichos do “defunto autor”. Confira o tempo psicológico neste trecho do livro no qual o personagem narrador relata seu delírio, pré-morte. Ele conversava com a Natureza, Pandora, que lhe permite ver o que é a vida do homem:

       (...) Isto dizendo, arrebatou-me ao alto de uma montanha. Inclinei os olhos a uma das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma coisa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. (..) Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, — flagelos e delícias, — (...) Meu olhar, enfarado e distraído, viu enfim chegar o século presente, e atrás dele os futuros. (...) Re dobrei de atenção; fitei a vista; ia enfim ver o último — o último! mas então já a rapidez da marcha era tal, que escapava a toda a c é ao pé dela o relâmpago seria um século. Talvez por isso entraram os objetos a trocarem-se; uns cresceram, outros minguaram, outros perderam-se no ambiente; um nevoeiro cobriu tudo, — menos o hipopótamo que ali me trouxera, e que aliás começou a diminuir, a diminuir, a diminuir, até ficar do tamanho de um gato. Era efetivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato Sultão, que brincava à porta da alcova, com uma bola de papel...
(São Paulo, Ática, 1982. p. 22-3.)


Obs.: Uma das técnicas mais conhecidas, utilizadas nas narrativas a serviço do tempo psicológico, é o flashback, que consiste em voltar no tempo. Neste romance de Machado de Assis, por exemplo, o presente para o narrador é sua condição de morto, a partir da qual ele volta ao passado próximo (como morreu) e ao passado mais remoto, sua infância e juventude, usando por tanto o flashback.

Espaço

       Espaço é, por definição, o lugar onde se passa a ação numa narrativa. Se a ação for concentrada, isto é, se houver poucos fatos na história, ou se o enredo for psicológico, ha verá menos variedade de espaços; pelo contrário, se a narrativa for cheia de peripécias (acontecimentos), haverá maior afluência de espaços.

       O espaço tem como funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles uma interação, quer influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções, quer sofrendo eventuais transformações provocadas pelos personagens.

       Assim como os personagens, o espaço pode ser caracterizado mais detalhadamente em trechos descritivos, ou as referências espaciais podem estar diluídas na narração. De qual quer maneira é possível identificar-lhe as características, por exemplo, espaço fechado ou aberto, espaço urbano ou rural e assim por diante.

       O termo espaço, de um modo geral, só dá conta do lugar físico onde ocorrem os fatos da história; para designar um “lugar” psicológico, social, econômico etc., empregamos o termo ambiente.

Ambiente

       É o espaço carregado de características socioeconômicas, morais psicológicas, em que vivem os personagens. Neste sentido, ambiente é um conceito que aproxima tempo e espaço, pois é a confluência destes dois referenciais, acrescido de um clima.

       Clima é o conjunto de determinantes que cercam os personagens, que poderiam ser resumidas às seguintes condições:
• socioeconômicas;
• morais;
• religiosas;
• psicológicas.

       Funções do ambiente
1. Situar os personagens no tempo, no espaço, no grupo social, enfim nas condições em que vivem.
2. Ser a projeção dos conflitos vividos pelos personagens. Por exemplo, nas narrativas de Noites na taverna (contos de Álvares de Azevedo), o ambiente macabro reflete a mente mórbida e alucinada dos personagens.

(...) Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro:
as estrelas passavam pelos raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abrio-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal apertados... Era uma defunta!..e aqueles traços todos me lembravam uma idéia perdida... Era o anjo do cemitério? Cerrei as portas da igreja, que, ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como um chumbo. (...)
Súbito abriu os olhos empanados. — Luz sombria alumiou-os como a de uma estrela entre névoa —, apertou-me em seus braços, um suspiro ondeou-lhe nos beiços azulados... Não era já a morte — era um desmaio. No aperto daquele abraço havia contudo alguma coisa de horrível, O leito de lájea on de eu passara uma hora de embriaguez me resfriava. Pude a custo soltar-me daquele aperto do peito dela... Neste instante ela acordou...
(In:____.Macário, noites na taverna e poemas malditos. Rio de Janeiro, Francisco Alves. 1983. p. 171-2.)


Estar em conflito com os personagens. Em algumas narrativas o ambiente se opõe aos personagens estabelecendo com eles um conflito. Um exemplo disso é o que ocorre no romance Capitães da areia, de Jorge Amado, no qual o ambiente burguês e preconceituoso se choca constante mente com os heróis da história.

(...) Os guardas vêm em seus calcanhares. Sem-Pernas sabe que eles gostarão de o pegar, que a captura de um dos Capitães da Areia é uma bela façanha para um guarda. Essa será a sua vingança. Não deixará que o peguem, não tocarão a mão no seu corpo. Sem-Pernas os odeia como odeia a todo mundo, porque nunca pôde ter um carinho. E no dia que o teve foi obrigado a abandoná-lo, porque a vida já o tinha marcado demais. Nunca tivera uma alegria de criança. Se fizera homem antes dos dez anos para lutar pela mais miserável das vidas: a vida de criança abandonada. Nunca conseguira amar a ninguém, a não ser a esse cachorro que o segue. Quando os corações das demais crianças ainda estão puros de sentimentos, o de Sem-Pernas já estava cheio de ódio. Odiava a cidade, a vida, os homens. Amava unicamente seu ódio, sentimento que o fazia forte e corajoso apesar do defeito físico. (...) Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam. Para ele é esse homem que corre em sua perseguição na figura dos guardas. Se o levarem o homem rirá de novo. Não o levarão. Vêm em seus calcanhares, mas não o levarão. Pensam que ele vai parar junto ao grande elevador. Mas Sem-Pernas não pára. Sobe para o pequeno muro, volve o rosto para os guardas que ainda correm, ri com toda a força de seu ódio, cospe na cara de um que se aproxima estendendo os braços, se atira de costas no espaço, como se fosse um trapezista de circo. (...)
(Rio de Janeiro, Record, 1985. p. 214-5.)

4. Fornecer índices para o andamento do enredo. É muito comum, nos romances policiais ou nas narrativas de suspense ou terror, certos aspectos do ambiente constituírem pistas para o desfecho que o leitor pode identificar numa leitura mais atenta. No conto “Venha ver o pôr-do-sol”, de Lygia Fagundes Telles, nas descrições do ambiente percebemos índices de um desfecho macabro, por exemplo, no trecho em que se insinua um jogo entre a vida e a morte, que é o que de fato ocorre com os personagens Raquel e Ricardo.

(...) O mato rasteiro dominava tudo. E não satisfeito de ter-se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrara-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira as alamedas de pedregulhos enegrecidos, como se quisesse com sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte.
(In: - Mistérios. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978. p. 205-6.)


Caracterização do ambiente

       Para se caracterizar o ambiente, levam-se em consideração os seguintes aspectos:

• época (em que se passa a história);
• características físicas (do espaço);
• aspectos socioeconômicos;
• aspectos psicológicos, morais, religiosos.

Continua… Narrador

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/