domingo, 29 de julho de 2012

Camilo Martins (Caderno de Sonetos)

PRIMAVERA INCERTA
À minha amiga Camila Rocha

Em que braços viestes parar, amada de outrora...
Logo tu que desprezastes o maior amor do mundo!
Lograstes êxito em tua investida, na doce aurora,
Da minha vida! Invadiu o sentimento num segundo!

Hoje te tenho nos braços e não te quero como antes...
Posto que a desventura vivida em mim se eternizou!
Me abraçavas e não me querias, éramos amantes...
E eu nem sabia! Beijavas-me e nada sentias! Amou?

Quando foi que cultivastes esse dom maravilhoso?...
O tempo passou, não me reconhecestes, foi um engano!
Confessa-me! Tu és cruel... O coração ainda orgulhoso...

Vida minha, Deus do céu, olhai-nos hoje aqui, juntos!
Não nos imputes essa falta, sou pecador, sou profano!
Confesso, não resisti à primavera incerta, como muitos.

II

Hoje apenas olho o passado e fico a sorrir do destino!
O que éramos, o que somos e o que seremos um dia...
Por onde andastes, que não mudastes esta alma fria?!
O peito feito muralha gélida, mesmo o astro sol à pino!

Não, não me peças pra voltar e começar outra vez...
Nem olvidastes em arriscar a vida em outros braços!
Mesmo eu te mostrando no coração os tristes laços...
Que me unia a ti, meu sabiá! Culpa da tua altivez!

Nos rasgou em trapos, nos separou todos os sonhos...
Dividiu nossos desejos... Nossos, não, meus somente!
Pois que já estavas em outro mundo! Ah! Medonhos,

Fantasmas me atormentaram por séculos e a semente,
Que plantastes em mim, ficou! Mas, hoje, eu me liberto...
Pra sempre! Tenho agora a confiança no caminho certo.

QUAL O PREÇO?

Quanto vale um amor que se aprofunda em prantos,
Numa infinda madrugada, gélida, insana e infeliz?
Insólitos goles de amarguras em taças pelos cantos,
Ainda a desventura da procura de minha flor-de-lis...

Sombrios ais que me invadem a mente em melancolia,
E esta incerteza de te encontrar, amor, em liberdade!
Os pensamentos turvos, a vontade e a alma, vazia...
Eu cá, cambaleante e sóbrio, ainda grito: Igualdade!

Para os nossos sentimentos de desilusão, e, a ilusão,
Penetra novamente em meu ser e sinto tremores...
Ao léu, no céu... Sem calma, perdi todos os amores!

É o choque entre o preço a pagar e a pura confusão...
Do que vivi e ainda o que virá! Posto que é incógnita,
Pois sei que levarei para a eternidade, essa dor infinita!

SPLASH

À minha amiga Camila Viana

Em qual constelação habitas hoje, sonho meu,
Onde fica a estrela que repousas docemente?
Por anos luz, meu coração procura o teu!...
Nessa imensidão de sóis do universo quente!

És, no meu verso, a luz que irradia e fascina,
Num fervilhar de intensos brilhos siderais...
Neste mundo de paixões eternas, minha sina,
É olhar o céu nas madrugadas primaverais!

Para sentir dentro da própria alma saudosa,
O calor do teu peito em pulsação e descompasso!
Posto que meu sentimento, feito árvore frondosa,

Segue o brilho dos meus olhos, mesmo em cansaço!
A água que encontrarei em teus lábios, será orvalho,
Que restaurará meu pobre sentimento, já em retalho!

SHIKOBA

Não reparas na minha mágoa, na minha dor?
Onde estavas, que me deixaste partir, onde?
O que fazias, enquanto eu apenas chorava, flor?
É nesse vazio que minha triste alma se esconde...

Intransponível túnel, na via láctea do coração,
Que sentimentos teus não alcançam, minha bela!
Quantas vezes disse: Sawabona! Minha canção!
Esperei de ti: Shikoba! Não, só o olhar pela janela!

Mergulhei profundamente em tua África selvagem,
Na intenção de descobrir o segredo dessa indiferença,
Mas era tão escuro o âmago e densa tua folhagem...

Que me perdi em fluidos e sons... Fugiu toda a crença!
Quis, sem mais nada esperar, apenas escapar com vida,
Ubuntu! Carrego neste meu peito, uma grande ferida.

FRIO

Noutros tempos, teu rio era menos tempestuoso,
Nadei em ti, amor, em águas tranqüilas e mansas...
Temperatura amena, sob um brilho, majestoso!
Me aliviava as tensões, alimentava me esperanças.

Não houve um dia em que em ti não me deleitava!
O mergulho em ti, era tudo em minha pobre vida,
Por horas ficava pensando em ti, quando me deitava!
Rio da minha alma, mesmo longe, depois da partida.

Lá estavas tu, em meu sonho! Deslizando em leito...
Eterno. E eu em qualquer parte do universo infinito,
Juntando à tua água, a que rola dos olhos, no peito!

Onde foi, amor, que tudo mudou? Este é o meu grito!
A qual oceano fostes se ajuntar, que águas estranhas?!
Não encontro teu delta, estou louco! Vem, me banhas..

NÃO CREIO

Esfrego os olhos, disfarço as lágrimas, pergunto a mim mesmo,
Onde errei, Deus, para que fosse assim ficando ao léu, louco?
E meu sentimento, onde estava, num inferno, andando a esmo?
Maravilhosa ilusão, indescritível visão, só cegueira... É pouco!

Quem me dera o poder de me aproximar da boa amiga lua...
Ficaria de lá apenas a observar os teus inevitáveis castigos!
Eu que sempre te declarei com amor: Minha vida é toda tua!
Ah! Como fostes cruel! Eu Imaginei que fôssemos amigos...

Íntimos assim, como a árvore e a seiva, o néctar e o beija flor!
Não posso crer que durante toda a vida, apenas me enganaste,
Onde estava teu coração, nunca pesastes minha eterna dor?!

Cada vez que me recordo, é um pedaço de mim que se vai...
Não sou hoje, mais que uma triste flor que tu despetalaste!
Sim, minha mágoa segue para o espaço infinito e nunca cai.

ATENAS

Foi se, o vigor da minha juventude, em plena primavera,
Passou veloz feito estrela cadente, em noite enluarada!
Embebedei me em fantasias loucas e em vão eu quisera,
Beber o calix da vaidade, da felicidade, na madrugada...

Ah! O destino sorriu de mim, zombou de minha decepção,
Calou, no fundo de minha alma, o desejo que me consumia!
E a verdade, logo engoli, seco, perdi em segundos o chão.
Jamais senti tanto pavor! Pés, mãos, o corpo todo tremia!

Deus, clamei em alta voz, tirai-me deste pesadelo infernal!
Por que, se me deste a vida, deixai-a ir sem que eu a viva?
Oh, não! No auge de minha florada... Vida sem rumo, banal.

Elevo os pensamentos em alucinações profundas... Soltas!
Profecia?! Quero que você, neste mundo, para nada sirva!?
Sempre, desgraças vêm a galope e alegrias em conta gotas.

MISTERY

Ao amigo Aquino Tomaz

Pergunto a mim mesmo, louco, em alucinação,
De que universo surgiste, lindo e doce encanto?
Tiraste do teu mundo o prazer desta fascinação?
Irrompeu-me cascata de lágrimas no meu canto.

Viva o planeta que te enviou! Deusa da beleza...
Salve, salve, santo buraco negro, que adentrastes!
Se minha alma não abraçasse a tua, que tristeza!
Mas o maior amor se revela, eu sei, nos contrastes.

Eternizarei teus belíssimos e perfeitos traços, amor,
Nos magistrais fractais Aquinianos! Onde o irreal,
Toma vida nas sensitivas mãos do artista e o clamor

 Que se ouve desde a constelação de órion, em côro...
Em uníssono! Fica, me envolve como aurora boreal!
Enxuga minha lágrima, pára pra sempre meu choro.

ANTES DE AMANHÃ

Eu já chorei demais! Pobres olhos de agonia!
Já formaram até arco íris nas pupilas d’água!
Ah! Manso riacho, ouço aquela brisa que caía,
E o pranto, a interromper... No peito a mágoa...

Oh! Feliz foi mesmo o dia, antes de amanhã...
Os olhos embasados pela lágrima e eu só via,
Pela rota fresta do empalidecido coração e vã
Foi minha certeza de que eu ainda te merecia!

A fonte secou e não chorarei! Já chorei demais,
O sofrimento, a dor... E minha visão se renova,
Preciso viver o dia antes de amanhã e jamais

Deixarei que o oceano me afogue na lua nova!
Feliz dia antes de amanhã! Luz da minha vida...
Louvado seja o bem viver! Sem adeus na partida.

O SABIÁ

Frágil sabiá que no galho pende,
Dias de inverno e o frio forte...
Os fracos pés que firme prende,
Um débil corpo que teme a morte.

Que cena marcante, Deus do céu!
Pombinhas voam aos magotes...
Enquanto abelhas fazem seu mel,
O lindo sabiá protege os filhotes.

Sou tal qual esse sabiá, cansado,
Nas asas conto o tempo já voado...
No peito as histórias do passado!

Meu coração de amores povoado...
E ainda canta o sabiá, feliz da vida!
Felicidade é ter a mágoa esquecida.

Fonte:
http://camilomartins.zip.net/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 622)

Uma Trova de Ademar 

Assim que começa o dia,
envolto em profundo enlevo,
sinto o cheiro da poesia
em cada verso que escrevo.
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Uma página arrancada,
jogada ao léu, esquecida:
assim sou eu – quase nada –
no livro da sua vida!
–Conceição A. C. de Assis/MG–

Uma Trova Potiguar 


O cego, com dedos certos,
tange a sanfona dorida,
e eu, com dois olhos abertos,
erro nas teclas da vida.
–José Lucas de Barros/RN–

Uma Trova Premiada 


1985  -  Porto Alegre/RS
Tema  -  UNIÃO  -  4º Lugar


Lábios unidos demais,
num beijo gostoso e longo,
lembram união de vogais
no mais sonoro ditongo...
–Batista Soares/CE–

...E Suas Trovas Ficaram
 
Quem de cólera enche a alma,
esvazia o coração,
ganha medo, perde a calma,
ofusca e perde a razão.
–Mário Barreto/PE–

Uma  Poesia 


Ter coragem não é matar alguém
nem sacar da pistola ou do punhal,
é buscar um lugar no social
respeitando o valor que os outros tem,
e não manchar a estrela de ninguém
para a sua brilhar e se acender;
ter no palco da luta o seu lazer
para que o seu mérito se transmita
– A história do homem está escrita
na coragem, na luta e no saber.
–Pedro Ernesto Filho/CE–

Soneto do Dia 

DOAÇÃO DE AMOR.
–Maria Nascimento/RJ–


Não quero o teu adeus de despedida,
como uma doação de liberdade,
pois, quando te doei a minha vida,
jurei amar-te além da eternidade.

Mas, se é para o teu bem, tua partida,
não fiques junto a mim contra a vontade,
porque apesar de ser mal compreendida,
Eu posso te doar minha saudade.

Por amor, te doei meu coração,
mas rejeitaste a minha doação
para não me doar também o teu ...

E na esperança de te conquistar
eu vou tentando, em vão, ressuscitar
o meu sonho de amor que já morreu.

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 6 – Tema – Assunto – Mensagem

       De um modo geral o iniciante da análise literária tende a confundir tema, assunto e mensagem do texto narrativo. Considerando que estes conceitos são usados em larga escala e que provavelmente você já se deparou ou irá se deparar com eles, vamos distingui-los e esclarecê-los.

       Tema é a idéia em torno da qual se desenvolve a história. Pode-se identificá-lo, pois corresponde a um substantivo (ou expressão substantiva) abstrato(a).

       Assunto é a concretização do tema, isto é, como o tema aparece desenvolvido no enredo. Pode-se identificá-lo nos fatos da história e corresponde geralmente a um substantivo (ou expressão substantiva) concreto(a).

       Mensagem é um pensamento ou conclusão que se pode depreender da história lida ou ouvida. Configura-se como uma frase. Mas cuidado: nem sempre a mensagem equivale à moral da história. As fábulas, por exemplo, têm uma mensagem moral. Lembre-se da lebre e da tartaruga: “Devagar se vai ao longe”. Mas muitas histórias têm mensagens que contrariam a moral vigente e seriam, portanto, imorais. Um exemplo de mensagem que contraria a expectativa é o texto de Millôr Fernandes: “Galinha dos ovos de ouro”, no qual o autor recria uma história bem popular e lhe dá uma abordagem mais moderna; assim, a moral da história é irônica e, poderíamos dizer, “imoral”.

Era uma vez um homem que tinha uma Galinha. Subitamente, em dia inesperado, a Galinha pôs um ovo de ouro. Outro ovo de ouro! O homem mal podia dormir. Esperava todas as manhãs pelo ovo de ouro — clara, gema, gala, tudo de ouro!— que o tirava da miséria aos poucos, e aos poucos o ia guindando ao milionarismo. O fato, que antigamente poderia passar despercebido, na data de hoje atraía verdadeiras multidões. E não só multidões. Rádios, jornais, televisão, tudo entrevistava o homem, pedindo-lhe suas impressões, querendo saber detalhes de como acontecera o espantoso acontecimento. E a Galinha, também, ia dando aqui e ali seus shows diante de jornais, câmaras, microfones. Certa vez até, num esforço de reportagem, conseguiu pôr um ovo diante da câmara da TV Tupi. Porém o tempo passou e muito antes que o homem conseguisse ficar rico, a Galinha deixou de botar ovos de ouro. Desesperado, o homem foi ocultando o fato, até que, certo dia, não se contendo mais, abriu a Galinha para apanhar os ovos que ela tivesse lá dentro. Para sua decepção não havia mais nenhum.
 
Então o homem — espírito bem moderno — resolveu explorar o nome que lhe ficara do acontecimento e abriu um enorme restaurante, com o sugestivo nome de Aos Ovos de Ouro. E isso lhe deu muito mais dinheiro do que a Galinha propria mente dita.
MORAL: CRIA GALINHAS E DEITA-TE NO NINHO.
(ln: ______ Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro, Nórdica, 1963. p. 99.)

       Para fixar bem os conceitos de tema, assunto e mensagem, imaginemos uma história que tenha o seguinte enredo: a moça (Aurélia) gosta do rapaz (Fernando) e ele dela, mas ele é ambicioso e troca o amor de uma mulher pobre pelo de uma mulher rica. Não nos esqueçamos de que esta história se passa no Rio dê Janeiro do século XIX, quando moça que não tem dote pode ficar para “tia”. Mas o surpreendente acontece: Aurélia recebe uma herança e, então rica, pode comprar Fernando, oferecendo-lhe um dote maior do que a outra moça. Uma vez casados, Aurélia decide punir Fernando, negando-se a dormir com ele; em outras palavras, a consumar o casamento. Então Fernando, magoado em seu orgulho, junta o dinheiro do dote e o devolve a Aurélia, com intenção de partir. Neste momento, Aurélia, arrependida, atira-se aos pés do marido. Final feliz. “As cortinas cerram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.”

       Este é o resumo do enredo do romance de José de Alencar, Senhora (cuja leitura recomendamos). Nele podemos identificar:

tema: Amor x Ambição (dinheiro).   

assunto: O casamento e a vida conjugal de Aurélia e Fernando        mensagem: O amor é mais forte que a ambição.

Continua… discursos

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

Malba Tahan (O Homem que Calculava) Solução de A Aventura dos 35 Camelos

“Felizes aqueles que se divertem com problemas que educam a alma e elevam o espírito.’’
Fenelon


Para o “problema dos 35 camelos” podemos apresentar uma explicação muito simples.
O total de 35 camelos, de acordo com o enunciado da história, deve ser repartido, pelos três herdeiros, do seguinte modo:
O mais velho deveria receber a metade da herança, isto é, 17 camelos e meio; O segundo deveria receber um terço da herança, isto é, 11 camelos e dois terços; O terceiro, o mais moço, deveria receber um nono da herança, isto é, 3 camelos e oito nonos.

Feita a partilha, de acordo com as determinações do testador, haveria uma sobra.

17 1/2 +11 2/3 + 3 8/9 = 33 1/18

Observe que a soma das três partes não é igual a 35, mas sim a 33 1/8

Há, portanto, uma sobra.

Essa sobra seria de um camelo e 17/18 de camelo.

A fração 17/18 exprime a soma 1/2+1/3+1/9, frações que representam as pequenas sobras.

Aumentando-se de 1/2 a parte do primeiro herdeiro, este passaria a receber a conta certa de 18 camelos; aumentando-se de 1/3 a parte do segundo herdeiro, este passaria a receber um número exato de 12; aumentando-se de 1/9 a parte do terceiro herdeiro, este receberia quatro camelos (número exato). Observe, porém, que, consumidas com este aumento as três pequenas sobras, ainda há um camelo fora da partilha.

Como fazer o aumento das partes de cada herdeiro? Esse aumento foi feito, admitindo-se que o total não era de 35, mas de 36 camelos (com o acréscimo de 1 ao dividendo).

Mas, sendo o dividendo 36, a sobra passaria a ser de dois camelos. Tudo resultou, em resumo, do fato seguinte: Houve um erro do testador. A metade de um todo, mais a terça parte desse todo, mais um nono desse todo, não é igual ao todo. Veja bem:

1/2 + 1/3 + 1/9 = 17/18

Para completar o todo, falta, ainda, 1/18 desse todo.

O todo, no caso, é a herança dos 35 camelos.

1/18 de 35 é igual a 35/18,

A fração 35/18 é igual a 1 17/18.

Conclusão: feita a partilha, de acordo com o testador, ainda haveria uma sobra de 1 17/18 .

Beremiz, com o artifício empregado, distribuiu os 17/18 pelos três herdeiros aumentando a parte de cada um) e ficou com a parte inteira da fração excedente.

Em alguns autores encontramos um problema curioso, de origem folclórica, no qual o total de camelos é 17 e não 35. Esse problema dos 17 camelos pode ser lido em centenas de livros de recreações matemáticas.

Para o total de 17 camelos a divisão é feita por meio de um artifício idêntico (o acréscimo de um camelo à herança do cheique), mas a sobra é só do camelo que foi acrescentado. No caso do total de 35, como ocorreu no episódio com Beremiz, o desfecho é mais interessante, pois o calculista obtém um pequeno lucro com a sua habilidade.

Se o total fosse de 53 camelos, a divisão da herança, feita do mesmo modo, aplicado o artifício, daria uma sobra de 3 camelos. Eis os números que poderiam servir: 17, 35, 53, 71, etc.

Para o caso dos 17 camelos, leia: E. Fourrey, Récréations mathématiques, Paris, 1949, pág. 159. Gaston Boucheny, Curiosités et récréations mathématiques. Paris, 1939, pág. 148. Problemas famosos e curiosos da matemática.

Fonte:
Malba Tahan.O Homem Que Calculava. Ilustrações Sílvio Vitorino. Digitalização e Revisão Arlindo_San

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (Parte 5: Cabo Verde – 1. Lírica, continuação)

A década de cinquenta abre com Unha do horizonte (1951) de Aguinaldo Fonseca, quando já se encontrava em Portugal e havia publicado alguns poemas soltos. Poesia marcada, em muitos lances, pela angústia da «secura calada na garganta», e daí o avanço para a denúncia do drama cabo-verdiano, entendido não só no presente como que ainda diacronicamente, enquanto grava, com insistência, o seu «grito», um grito imperfeito, «porque não sai/do poço desta angústia amordaçada». A novidade de Aguinaldo Fonseca está em ter sido ele o primeiro a utilizar a «África» como substância poética cabo-verdiana, facto inédito se dermos à expressão de Pedro Cardoso — «África minha, das Esfinges berço/Já foste grande, poderosa e livre» [61] — uma conotação sentimental e não necessariamente política. No texto de A. Fonseca há, pelo menos, duas alusões a África. Uma delas, em «Magia negra»:

Das estrelas e dos grilos, Arrasta-se o vão lamento Da África dos meus Avós, Do coração desta noite, Ferido, sangrando ainda Entre suores e chicotes [62].

Do «(...) vão lamento/Da África de meus avós» instalado no «coração ferido» que ainda sangra «entre suores e chicotes» se procede a um enunciado de sofrimento inculpado a uma situação colonial.

É um tanto nesta linha que vai prosseguir, com todas as variantes possíveis, a produção poética daqueles que, tal corno A. Fonseca se associaram ao Suplemento Cultural (1958): Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo. Todos, ou quase todos, bem como os elementos do grupo da Certeza, terminaram por colaborar na Claridade.

O projecto da geração da Claridade descola-se pela transgressão, pelo deslocamento da visão europeia para uma visão cabo-verdiana. Daí o rompimento com os modelos temáticos europeus e uma radical consciência regional. O ideário de Certeza enriquece a tomada de posição de Claridade pela introdução de uma visão dialéctica dada pelo marxismo. Este grupo do Suplemento Cultural, mercê da participação de alguns dos seus membros, enceta a substituição do conceito regional pelo conceito nacional. É assim que uma nova perspectiva em relação à situação colonial surge já próxima da década de sessenta, e nesta se vai prolongar e aprofundar.

Acentue-se: menos nuns que noutros; ou antes: evidente nuns e não em todos. Mas, no que à maioria é comum será o travo amargo da dominação. Vejamos em Gabriel Mariano (12 poemas de círcunstâncía, 1965).

Não, Amigos, já vos disse não!
Mais uma vez minha resposta é
Não!
Não insistam mais!
Que me importa o doce
que só a mim me dais?
Nada me separa dos meus companheiros!... [63]

Onésimo Silveira (Hora grande, 1962), um dos que primeiro ensaiaram o «convívio linguístico»: «Caba vapor — caba carvom... /Restam praias vazias e botes agonizantes» [...] «Caba vapor — caba carvom.../Nos campos dantescos de S. Vicente» M no propósito da eficaz expressão de uma sofrida realidade cabo-verdiana, demarca-se também dos poetas da Claridade pelo carácter de intervenção poética, ao jeito vocativo-imperativo.

Atrás dos ferros da prisão
É preciso levantar os braços algemados
Contra a prepotência! [65]

Ou na forma interrogativa, mas ainda subjacentemente a recusa:

Para quê chorar Se as suas mãos são limpas A sua culpa inocente E a nudez das suas vozes Bandeiras desfraldadas? [66]

E o mais determinado dos poetas cabo-verdianos, aquele que, desde cedo, envolveu o seu verbo de signos directamente combatidos, Ovídio Martins (Caminhada, 1962; Gritarei berrarei matarei/Não vou para Pasárgada (1973), partidário, consciente e obstinado, de uma poesia de confrontação, empenha-se na contestação do chamado evasionismo («Não vou para Pasárgada») e ironiza:

Mordaças
A um Poeta?
Não me façam rir!...
Experimentem primeiro Deixar de respirar Ou rimar... mordaças Com Liberdade [67] dando-se numa entrega cerrada, ao «tempo cabo-verdiano», tempo «de se entupir/de raiva/de explodir em raiva».

Ainda quando da sua linguagem se verte um lirismo amorável (e isto aplica-se à quase totalidade dos poetas não só cabo-verdianos como angolanos ou moçambicanos) o poema se organiza numa intencionalidade desmistificadora. Bem iríamos sublinhando: aqui, o signo poemático é o «grito quotidiano» de quem se assume, ao nível da escrita, como militante:

No meu grito quotidiano
canto
a madrugada
a mim mesmo
renovado na terra renovada
pela nossa luta [68]

Diríamos então que à poesia declamatória, veemente, de Ovídio Martins ou de um Onésimo Silveira, responde Gabriel Mariano com um exercício de linguagem repousada, mas com um amplo efeito sugestivo, às vezes no lanço da insinuação:

Depois ninguém me acuse
de ter sido misterioso...
Apenas guardei comigo
a calma verde da terra
e a certa repetição
das madrugadas sem sono... [69]

Mesmo quando o seu discurso penetra no espaço declamativo, aí ainda o retórico se disciplina. Como no «Capitão Ambrósio», longo poema épico, em que, por transferência dis simuladora, o «Ambrósio», herói popular em tempo de fome, personifica o libertador que há-de ser festejado: «em mãos seguras erguidas/Em trilhos verdeluzindo/Luzindo a negra bandeira/Clara bandeira na frente/Na frente segue o Ambrósio!/Meu pai: manda o povo cantar/Manda o povo cantar na madrugada limpa./Manda o povo cantar com tambores e búzios/Quando Ambrósio chegar.» [70].

A presença feminina na moderna poesia cabo-verdiana é preenchida por Yolanda Morazzo que aparece integrada no grupo do Suplemento Cultural. A sua lírica de então tende a enraizar-se numa poética caracterizadamente cabo-verdiana. Mas a uma estadia em Iisboa sucede-se uma longa permanência, diríamos mesmo uma radicação em Angola. E o seu discurso tende a diversificar-se em jeito de «velas soltas» (título de um livro inédito), «velas brancas» soltas no «vento a galope» numa ansiosa determinação que alias já estava inscrita em poemas seus dos anos cinquenta: «Amanhã será uma nova Aurora» [71]. Mas é agora em Cântico de ferro (1976), que reúne alguns dos seus versos que vão desde 1956 a 1975, onde o espaço angolano é a semântica por excelência:

«Um dia se escreverá nas tuas veias/uma história de sangue triste triste/história de ódio dos algozes/cadastro rasgando o útero fértil/do café do algodão e do sisal/tentáculos de manhas e de garras/unhas envenenadas unhas verdes»[72].

Ficou-se pelo caminho, parece, um destes poetas, Terêncio Anahory (Caminho longe, 1962), na época dramática do trânsito glorioso do seu povo, ele que em 1962 se havia associado ao junta-mom: « no meio da baía um galo canta a sua canção de aurora» [73].

O discurso da revolta prolonga-se e generaliza-se com o grupo dos poetas do suplemento «Sèló» (1962), do Notícias de Cabo Verde, nascidos entre 1937 a 1941: Arménio Vieira, Jorge Miranda Alfama, Mário Fonseca, Osvaldo Osório, Rolando Vera-Cruz Martins, todos ainda sem livro publicado, com excepção para Oswaldo Osório, como adiante se regista. O universo da poesia destes poetas continua a ser o espaço cabo-verdiano. Mas à medida que o tempo avança a tendência é para a interpretação dialéctica da situação social marcada pelo colonialismo e a transparência de uma sistemática recusa.

Fala-se de «Ilhas renascidas/nuvens libertas.../Talvez um continente/À medida dos nossos desejos» (Arménio Vieira) [74].

Fala-se de «Quando a vida nascer...» e então «Rasgarei as grades/Rasgarei os açaimes/Enterrarei a dor, /Gritarei bem alto/A minha sede de viver...» (Mário Fonseca in Cabo Verde, n.° 126,1960). Parte deste grupo, durante anos silencioso (ou silenciado), ressurge mais tarde com poemas construídos no recato enganoso e publicados na revista Vértice (Coimbra).

O caso de Arménio Vieira que aí inicia, em cruel ironia, o ciclo da «animalização»:
Pensamos:

lá fora...
Isto é que fazem de nós quando nos inquirem:
— estais vivos?
E em nós
as galinhas respondem:
— dormimos. ISTO É QUE FAZEM DE NÓS!
(in Vértice, n.° 334-345,1971, p. 845)

Estamos em 1971, em África o derradeiro império apodrece. Os homens no reino da clandestinidade, a vida cresce e está prestes a romper na «manhã inflor», ao sopro de uma «coragem renovada de todos nós», na «veemente ressurreição!» (Osvaldo Osório). Os poetas sentem o halo próximo da «aurora de vitórias» e um deles, Rolando Vera-Cruz, pode num «gesto» colectivo, afirmar: «Ah! Que reflorir de sorrisos ocultos no tempo!/Um outro gesto/cálido como vontade de criança,/um outro querer/veemente de ressurreição!». Ou Jorge Miranda Alfama: «... Eu me semeei na argila/com sangue e tempo para florir». («Sèló», n.°l, 1962). [75]

É na verdade, o tempo da «ressurreição!» E com a ressurreição, que é a da liberdade, a da libertação, se organiza um novo espaço: o de uma nova escrita, o de uma nova língua, várias gramáticas. Os primeiros indícios vêm de Claridade, avolumam-se na poética das gerações seguintes, com Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Onésimo Silveira — mas ainda aqui a presença de Jorge Barbosa, a influência do grupo da Claridade é soberana. O primeiro sinal dessa libertação definitiva vem com Timóteo Tio Tiofe (heterónimo de João Manuel Varela, a ajuntar ao de João Vário) [76] com fragmentos de poemas que faria publicar no jornal Letras e Artes (1963 e 1964) e Nós Vida (Roterdão, 1972) depois incorporados em O primeiro livro de Notcha (1975) no qual Timóteo recorta o destino histórico do arquipélago:

«O nosso destino, o destino político do arquipélago é inconcebível fora do contexto africano» (palavras da sua introdução).

Longo poema, de oitenta e nove páginas, seccionado em três «partes», as partes em «discursos», recorrendo à intertextualidade, à convivência linguística, aos dados da história, da botânica, da economia, da geografia, evocando os vultos da literatura cabo-verdiana, os heróis populares, os heróis nacionais africanos, afrontando a enumeração estatística, inserindo dezenas e dezenas de palavras do espaço cabo-verdiano até então ignoradas pela poética cabo-verdiana, caldeando grandezas e misérias, mitos, revoltas, fomes, esperanças, ao modo de evocação e narração bíblica. Timóteo Tio Tiofe abala as estruturas poéticas tradicionais do Arquipélago, e organiza um discurso sereno, veemente, ao ritmo caudaloso, e assim reconstroe a gesta cabo-verdiana, a narrativa poética da epopeia histórica do ser cabo-verdiano, desde as origens até aos nossos dias:

Mas que não venham mais fomes sobre nós,
sobre nossas casas, nossos estábulos e apriscos
sobre nossas escolas e asilos.
Que não venham corvos, gafanhotos,
lestados, nordeste, harmatão ou tempestades, marés bravas,
[chuvas que danifiquem estes cereais, estas oleaginosas,
[estas árvores de fruta.
Que não venha fogo sobre nossos leitos de madeira, nossos colchões de palha, nossos lençóis de linho, sobre nossos campos de cultivo e nossas alfaias agrícolas. Nem varíola ou cólera ou epidemias de outro teor sobre nossos pais, nossas mulheres, nossas crianças. E estes canavais, estas aves de criação, estes porcos de ceva, oh  que  tenhamos   o  gozo   deles   ou  a  alegria  da   sua
[multiplicação [77].


Corsino Fortes, após a estreia no Boletim dos Alunos do Uceu Gil Eanes (1959), a seguir participa na Claridade, e no Cabo Verde, mas ainda aqui a estrutura da sua poesia é símile da dos «claridosos». O salto qualitativo (e significativo) vem com Pão <ò" fonema (1975) que objectiva a ruptura total com a tradição jorge-barbosiana. São próximas no tempo, embora de características diferentes, as experiências de um e de outro: de Corsino e Timóteo. «Encontro» natural no tempo histórico e cultural? Influências de um no outro, ou recíprocas, já que ambos, parece, teriam vivido, em comum, anseios novos? Do ponto de vista da poesia cabo-verdiana isso não será importante. Importante é fazer o registo destas duas perspectivas inéditas e, ao cabo, marcadas por características poéticas próprias, até porque no domínio da «gramática» tão afastados estão um do outro. A um certo discursivismo, a um certo barroquismo se contrapõe uma contenção visivelmente trabalhada de Corsino. Neste, numa elaboração, verso a verso, cingida ao tropo, também à convivência linguística, estrutura da linguagem ao nível mítico, metabolizada no recurso metonímico estrofe a estrofe —, a sua proposta é a de uma grande parábola: a terra do sofrimento engravidou e a sua dor agora é a dor da parturiente: a vida nova vai surgir. Ritmo repousado, na feição de lenga-lenga popular intelectualizada, a espessura de poema ganha um brilho inusitado:

Ouve-me! primogénito da ilha
Ontem
fui lenha e lastro para navio Hoje
sol semente para sementeira
Devolvo às ondas
A evocação de ser viagem E fico pão à porta das padarias
Onde
o bolor da terra
é sangue e trigo E o milho que amamos
É nosso irmão uterino
Onde
os corvos sangram do alto bibliotecas de tantas sílabas
Onde
o osso é cada vez mais espiga
a espiga cada vez mais osso Aqui Ergo a minha aliança
De pão & fonema Enquanto o vento bebe E o vento bebe meu sangue a barlavento [78]

NOTAS:
61    Pedro Cardoso, Jardim das Hespérides, 1926, p. 11.

62    Aguinaldo Fonseca, Unha do horizonte, 1951, p. 61.

63    Gabriel Mariano, «Nada nos separa» in Cabo Verde, n.°109 p. 19.

64    Onésimo Silveira, «Saga» in Claridade, n.° 8,1958, p. 70.

65    Idem, Hora grande, 1962, p. 41.

66    Idem, p. 26.

67    Ovídio Martins, Caminhada, 1962, p. 12.

68    Idem, Gritarei berrarei matarei/Não vou para Pasárgada, s/d, 1973, p. 76.

69    Gabriel Mariano, «Cantiga da minha ilha» in Mário Pinto de Andrade, Antologia da poesia africana de expressão portuguesa, 1968, p. 6.

70    Idem, «Capitão Ambrósio», 1975, p. 13.

71    Yolanda Morazzo, Cântico de ferro, 1977, p. 63

72    Idem, idem, p. 11.

73    Terêncio Anahory, Caminho longe, 1962, p. 19.

74    Arménio Vieira, «Poema» in Mákua 1,1962, p. 22.

75    Rolando Vera-Cruz, «Poema sem tempo» in Vértice, n.°s 334-335,1971, p. 849.

76    João Vário é autor de quatro livros, o primeiro dos quais Horas sem carne, 1958, retirado da sua bibliografia pelo próprio. Os outros são: Exemplo geral,  1966; Exemplo relativo, 1968; Exemplo   dúbio,   1975.  João   Vário   participou   também  na iniciativa coimbrã Êxodo (1961).

77    Timóteo Tio Tiofe, O primeiro livro de Notcha, 1975, pp. 88-89.

78    Corsino Fortes, Pão & fonema, 1974, p. 60.


Continua…

Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977

sábado, 28 de julho de 2012

Sexteto em Sextilhas (Parte 4)

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Este debate possui 300 sextilhas. As postagens são diariamente de 30 em 30, ficando assim divididas em 10 dias.

91 –  Assis
Depois do samba, eis que a gente
precisa parar um pouco;
aproveitar a quaresma
pra fazer ouvido mouco
aos ruídos deste mundo,
a cada dia mais louco.

92 – Ademar
Eu acho que vimos pouco
no carnaval, este mês;
o mundo está mesmo louco,
e com a falta de honradez,
a mulher se fantasia
com sua própria nudez!

93 – Delcy
Hoje, eu vivo a embriaguez
que o carnaval propicia,
olhando Escolas e blocos
na  TV,  dia  após  dia,
e vibrando com o calor
dessa explosão de alegria!

94 – Prof. Garcia 
É triste, mas hoje em dia,
carnaval não presta mais;
só se escuta funk e rock
e outras drogas infernais,
matando nossas marchinhas
de passados carnavais!

95 – Gislaine
São marchinhas que jamais
sairão do coração
de quem é da velha guarda,
pois causam muita  emoção,
saudade de anos vividos
com prazer e animação!

96 – Zé Lucas
Deixei de ser folião;
dei adeus à brincadeira.
Vejo agora o carnaval
como ilusão passageira,
de três dias de loucura,
que morre na quarta-feira. 

97 – Assis
Nossa gente brasileira
de cuca fresca tem fama;
dança, canta, joga bola,
e contra nada reclama,
e ao ver o planeta em crise
diz que é problema do Obama.

98 – Ademar
Ao poeta nada inflama,
nem nos deixa cicatriz.
Essas crises não me atacam
a própria vida me diz,
só uma coisa me importa:
fazer verso e ser feliz!

99 – Delcy
O meu destino não quis
que, neste mundo, a ventura
sorrisse mais para mim!
Sem dinheiro e com cultura,
ganhei mais que muita gente:
me enriqueci de ternura!

100 – Prof. Garcia
Viver é a grande ventura
nesta nossa caminhada.
Mas o saber nos revela
todas as curvas da estrada,
e é luz que nunca se apaga
até o fim da jornada!

101 – Gislaine
Tendo a fé por aliada,
não tememos o futuro,
sabemos que nos espera
algo bom e muito puro,                     
e seguimos palmilhando
nosso caminho seguro!

102 – Zé Lucas
O que chamamos futuro
às vezes está pertinho;
pode ser alvissareiro,
quando o pintamos mesquinho;
por isso, seguir cantando
torna mais belo o caminho.

103 – Assis
Desculpem mais um pouquinho
pelos atrasos do Assis;
é que estive por uns dias
ausente, porém feliz,
curtindo as águas quentinhas
das Termas de Imperatriz.

104 – Ademar
Você, sim, é que é feliz
da forma mais inconteste,
e eu lhe faço um convite
peço que não me conteste:
venha conhecer nas férias,
as belezas do nordeste.
 
105 – Delcy
O  convite que  fizeste
ao Assis, querido irmão,
nos mostra que muito queres
teu  Nordeste, com  paixão,
mas meu Sul não fica atrás,
merece nossa  atenção!
  
106 – Prof. Garcia
Já senti a sensação
de conhecer novos lares;
visitar terras distantes
cruzar os mais belos mares,
nunca vi nada mais lindo
que nossos próprios lugares!
 
107 – Gislaine
O respirar novos ares,
faz feliz o coração.
Morarmos num paraíso
nos causa grande emoção,
mas viajar pelo mundo
nos traz nova inspiração!
 
108 – Zé Lucas
Os meus sonhos sempre vão
muito distante daqui,
atravessam céus e mares,
paragens que nunca vi,
porém, de volta, me dizem:
-teu lugar é Pirangi!

109 – Assis
Assim que houver tempo aqui,
mais o et-cétera-e-tal,
farei o que há muito eu quero:
vou pegar o meu bornal,
montar num corcel voante
e apear dele em Natal.
 
110 – Ademar
Ao chegares em Natal
vais me encontrar de joelho,
pois neste “vale de trovas”
és, de fato, o meu espelho;
e haverás de andar aqui
sobre um tapete vermelho...

111 – Delcy
Tu falas que Assis é espelho
e eu digo que ele é especial,
mas os outros do sexteto
também são bons, afinal,
por isso, eu faço um convite:
-Vamos todos a Natal!!!

112 – Prof. Garcia
Nosso trabalho, afinal,
volta com força e vigor;
muitas estrelas brilhando
mostrando luz e esplendor,
e a musa inspirando os vates
na caminhada do amor.

113 – Gislaine
Mais que lindo, é encantador
versos, poder escrever,           
deixando um pouco de nós,
neles, vamos reviver,
e algo deles vai ficar
pois, de nós, vai transcender!

114 – Zé Lucas
Sinto minha alma se encher
de uma alegria infinita;
parece que a vida canta
e o próprio silêncio grita,
quando eu monto os seis pilares
de uma sextilha bonita!

115 – Assis
Minha é a alegria infinita,
por poder, por esta via,
abraçar o Mestre Lucas
no seu belíssimo dia,
com votos de mais cem anos
a serviço da poesia.

116 – Ademar
Dediquei-lhe uma poesia,
orei e fiz uma prece,
e eu falando com Jesus
algo de bom me acontece;
e o que eu pedi pra Zé Lucas,
com certeza ele merece!

117 – Delcy
Eu também fiz uma prece
pelo nosso  Professor
e no "Universo da Trova"
falei sobre o seu  valor,
comentando os lindos versos
de Zé Lucas, cantador!

118 – Prof. Garcia
Sob o feitiço do amor
todo poeta se extasia.
Somos fiéis mensageiros
do mundo da fantasia,
e tangerinos dos versos
do reinado da poesia!

119 – Gislaine
É um reinado de alegria,
e a musa, sempre presente,
traz tanta felicidade,
de uma maneira envolvente,
que toca a nossa emoção
e nos faz sentir mais gente!

120 – Zé Lucas
Temos na esfera da mente
o nosso mundo encantado:
raios dispersos de estrelas,
imagens por todo lado,
e sempre um novo caminho
em cada verso inventado.

Nemésio Prata Crisóstomo (Sextilhas: Respostas)

Quando eu (Feldman) propus ao Nemésio participar de um Septeto em Sextilhas, ele assim respondeu:

Já pensou este "poeta"
passando por menestrel,
vai ficar todo enrolado
tal qual linha em carretel;
melhor eu ficar de fora
pra não "melar" o papel!

Só de pensar neste fato
sinto tremores cruéis,
lembrando do desafio
de seguir tais menestréis,
pois na frente dessa gente
não valho nem um "derréis"!

Após o aceite e elogios do Zé Lucas, Nemésio assim se declara:

Pelo dizer do Zé Lucas
pensa o mesmo ser o Prata
poeta, e eu agradeço,
porém, sem qualquer bravata,
reconheço, estou é longe
de fazer parte da nata!

Fazer parte deste clã,
mesmo sem o merecer,
desde já será pra mim
um verdadeiro prazer,
pois com estes seis poetas
terei muito o que aprender!

No segundo e no minuto,
na hora, e no dia certo
acertemos os ponteiros;
o meu tempo está aberto
para atender os amigos
com o coração liberto!

Fonte:
O autor

Lu de Oliveira (Lançamento do Livro “Entre Muros e Pontes”, 4 de Agosto, em Maringá))

clique sobre a imagem para melhor visualização

Elane Rangel / RJ (Trovas Singrando Horizontes)

       Vou  cortando  céus  e  mares,
          Vou  galgando  serras...montes,
          Vou  em  busca  de  outros  ares,
           Vou  singrando  os   horizontes.
          
           Contemplando  o  por  do  sol
           E  bebendo  água  das  fontes,
           Debruçado  no  arrebol,
           Eu  vou  singrando  horizontes.

           Se eu no caminho encontrar,
           Dinossauros...Mastodontes...
           Nem  assim  irei  deixar
           De  singrar  os  horizontes.

          Pra  deixar desta  aventura,
          Peço, comigo  não  contes,
          Com  a  alma  leve  e  pura,
          Eu vou singrando   horizontes.

          Com  pensamentos  alados,
          Onde não  existem  pontes,
          Venço  rios  e   alagados
          E vou  singrando  horizontes.
         
          E vou singrando  horizontes,
          Lá  onde  se  esconde  o  sol,
          Buscando, assim, minhas fontes
           De  inspiração  no  arrebol.

          Todos singram horizontes,
          Ao  nascer  e  na  partida ,
         Atravessando, sem  pontes,
          Os  longos rios da  vida .

          Eu vou  singrando horizontes,
          Com a alma embevecida,
          Subindo e descendo montes,
          Dando mais  prazer à vida .

         Conheci, Atrás-os-Montes,
         Quando  fui  à Portugal,
         Também singrei horizontes,
         Na  Belmonte  de Cabral
      
         Vejo  rios  de  poesia
          Entrecortados de  pontes,
          Postadas em harmonia
          Com singrar dos horizontes.

          Se estou singrando horizontes,
          Os Anjos comigo  estão,
          Dos altos picos dos montes,
          Busco  a  Deus  em  oração.

          Eu vou singrando horizontes,
          Contornando  suas  curvas,
          Esquivando-me  dos  montes
          E dos rios de águas turvas.

          É singrando  os  horizontes,
          Carregando  a  bateria,
         Que escrevemos trova, aos montes,
          Para  gáudio  da  poesia!

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Malba Tahan (O Homem que Calculava) A Aventura dos 35 Camelos

À memória dos sete grandes geômetras cristãos ou agnósticos: Descartes, Pascal, Newton, Leibnitz, Euler, Lagrange, Comte, (Allah se compadeça desses infiéis), e à memória do inesquecível matemático, astrônomo e filósofo muçulmano, Buchafar Mohamed Abenmusa Al Kharismi, (Allah o tenha em sua glória!), e também a todos os que estudam, ensinam ou admiram a prodigiosa ciência das grandezas, das formas, dos números, das medidas, das funções, dos movimentos e das forças, eu, el-hadj xerife Ali Iezid Izz-Edim ibn Salim Hank Malba Tahan (crente de Allah e de seu santo profeta Maomé), dedico esta desvaliosa página de lenda e fantasia.
De Bagdá, 19 da Lua de Ramadã de 1321.

CAPÍTULO I

No qual encontro, durante uma excursão, singular viajante. Que fazia o viajante e quais as palavras que ele pronunciava.

Em nome de Alá, Clemente e Misericordioso![1]

Voltava eu, certa vez, ao passo lento do meu camelo, pela estrada de Bagdá, de uma excursão à famosa cidade de Samarra, nas margens do Tigre, quando avistei, sentado numa pedra, um viajante, modestamente vestido, que parecia repousar das fadigas de alguma viajem.

Dispunha-me a dirigir ao desconhecido o sala [2] trivial dos caminhantes quando, com grande surpresa, o vi levantar-se e pronunciar vagarosamente:

- Um milhão, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e quarenta e cinco!

Sentou-se em seguida e quedou em silêncio, a cabeça apoiada nas mãos, como se estivesse absorto em profunda meditação.

Parei a pequena distância e pus-me a observá-lo, como faria diante de um monumento histórico dos tempos lendários.

Momentos depois o homem levantou-se novamente e, com voz clara e pausada, enunciou outro número igualmente fabuloso:

- Dois milhões, trezentos e vinte e um mil, oitocentos e sessenta e seis!

E assim, várias vezes, o esquisito viajante pôs-se de pé, disse em voz alta um número de vários milhões, sentando-se em seguida, na pedra tosca do caminho.

Sem poder refrear a curiosidade que me espicaçava, aproximei-me do desconhecido e, depois de saudá-lo em nome de Allah (com Ele a oração e a glória)[3], perguntei-lhe a significação daqueles números que só poderiam figurar em gigantescas proporções.

- Forasteiro – respondeu o Homem que Calculava -, não censuro a curiosidade que te levou a perturbar a marcha de meus cálculos e a serenidade de meus pensamentos. E já que soubesse ser delicado no falar e no pedir, vou atender ao teu desejo. Para tanto preciso, porém, contar-te a história de minha vida!

CAPÍTULO II

E narrou o seguinte:

Chamo-me Beremiz Samir e nasci na pequenina aldeia de Khói, na Pérsia, à sombra da pirâmide imensa formada pelo Ararat. Muito moço ainda, empreguei-me, como pastor, a serviço de um rico senhor de Khamat.[4]

Todos os dias, ao nascer do sol, levava para o campo o grande rebanho e era obrigado a trazê-lo ao abrigo antes de cair à noite. Com receio de perder alguma ovelha tresmalhada e ser, por tal negligência, severamente castigado, contava-as várias vezes durante o dia.

Fui, assim, adquirindo, pouco a pouco, tal habilidade em contar que, por vezes, num relance calculava sem erro o rebanho inteiro. Não contente com isso passei a exercitar-me contando os pássaros quando, em bandos, voavam, pelo céu afora. Tornei-me habilíssimo nessa arte.

Ao fim de alguns meses – graças a novos e constantes exercícios – contando formigas e outros pequeninos insetos, cheguei a praticar a proeza incrível de contar todas as abelhas de um enxame! Essa façanha de calculista, porém, nada viria a valer, diante das muitas outras que mais tarde pratiquei! O meu generoso amo possuía, em dois ou três oásis distantes, grandes plantações de tâmaras e, informado de minhas habilidades matemáticas, encarregou-me de dirigir a venda de seus frutos, por mim contados nos cachos, um a um. Trabalhei, assim, ao pé das tamareiras, cerca de dez anos. Contente com os lucros que obteve, o meu bondoso patrão, acaba de conceder-me quatro meses de repouso e vou, agora, a Bagdá, pois tenho desejo de visitar alguns parentes e admirar as belas mesquitas e os suntuosos palácios da cidade famosa. E para não perder tempo, exercito-me durante a viajem, contando as árvores que ensombram esta região, as flores que a perfumam, os pássaros que voam no céu entre nuvens.

E, apontando para uma velha grande figueira que se erguia à pequena distância, prosseguiu:

- Aquela árvore, por exemplo, tem duzentas e oitenta e quatro ramos. Sabendo-se que cada ramo tem, em média, trezentas e quarenta e sete folhas, é fácil concluir que aquela árvore tem um total de noventa e oito mil, quinhentas e quarenta e oito folhas! Estará certo, meu amigo?[5]

- Que maravilha! – exclamei atônito. – É inacreditável possa um homem contar, em rápido volver d’olhos, todos os galhos de uma árvore e as flores de um jardim! Tal habilidade pode proporcionar, a qualquer pessoa, seguro meio de ganhar riquezas invejáveis!

- Como assim? – estranhou Beremiz. – Jamais me passou pela idéia que se
pudesse ganhar dinheiro, contando aos milhões folhas de árvores e enxames de abelhas! Quem poderá interessar-se pelo total de ramos de uma árvore ou pelo número do passaredo que cruza o céu durante o dia?

- A vossa admirável habilidade – expliquei – pode ser empregada em vinte mil casos diferentes. Numa grande capital, como Constantinopla, ou mesmo Bagdá, sereis auxiliar precioso para o governo. Podereis calcular populações, exércitos e rebanhos. Fácil vos será avaliar os recursos do país, o valor das colheitas, os impostos, as mercadorias e todos os recursos do Estado. Asseguro-vos – pelas relações que mantenho, pois sou bagdáli [6] – que não vos será difícil obter lugar de destaque junto ao glorioso califa Al Motacém (nosso amo e senhor). Podeis talvez exercer o cargo de vizir-tesoureiro ou desempenhar as funções de secretário da Fazenda muçulmana.[7]

- Se assim é, ó jovem – respondeu o calculista -, não hesito. Vou contigo para Bagdá.

E sem mais preâmbulos, acomodou-se como pode em cima do meu camelo único que possuíamos), e pusemo-nos a caminhar pela larga estrada em direção à gloriosa cidade.

E daí em diante, ligados por este encontro casual em meio da estrada agreste, tornamo-nos companheiros e amigos inseparáveis.

Beremiz era de gênio alegre e comunicativo. Muito moço ainda – pois não
completara vinte e seis anos -, era dotado de inteligência extremamente viva e notável aptidão para a ciência dos números.

Formulava, às vezes, sobre os acontecimentos mais banais da vida, comparações inesperadas que denotavam grande agudeza de espírito e raro
talento matemático. Sabia, também, contar histórias e narrar episódios que muito ilustravam suas palestras, já de si atraentes e curiosas.

Às vezes punha-se várias horas, em silêncio, num silêncio maníaco, a meditar sobre cálculos prodigiosos. Nessas ocasiões esforçava-me por não o perturbar. Deixava-o sossegado, a fim de que ele pudesse fazer com os recursos de sua memória privilegiada, descobertas retumbantes nos misteriosos arcanos da Matemática, a ciência que os árabes tanto cultivaram e engrandeceram.

CAPÍTULO III

Onde é narrada a singular aventura dos 35 camelos que deviam ser repartidos por três árabes. Beremiz Samir efetua uma divisão que parecia impossível, contentando plenamente os três querelantes. O lucro inesperado que obtivemos com a transação.
Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista.

Encontramos perto de um antigo caravançará [8] meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos.

Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:

-Não pode ser!

-Isto é um roubo!

-Não aceito!

O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.

- Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos como herança esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e, ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e, a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona parte de 35 também não são exatas?

- É muito simples – atalhou o Homem que Calculava. – Encarrego-me de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que em boa hora aqui nos trouxe!

Neste ponto, procurei intervir na questão:

- Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viajem se ficássemos sem o camelo?

- Não te preocupes com o resultado, ó Bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz – Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.

Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal,[9] que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.

- Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos -, fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem em número de 36.

E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:

- Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão.

E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:

- E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.

E disse por fim ao mais moço:

E tu jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!
 
E concluiu com a maior segurança e serenidade:

- Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir – partilha em que
todos três saíram lucrando – couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos. Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois.

Um pertence como sabem ao bagdáli, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança!

- Sois inteligente, ó Estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos.

– Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!

E o astucioso Beremiz – o Homem que Calculava – tomou logo posse de um dos mais belos “jamales” do grupo e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:

- Poderás agora, meu amigo, continuar a viajem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro, especialmente para mim!

E continuamos nossa jornada para Bagdá.
–––––––-
NOTAS
1 O árabe muçulmano não inicia uma obra literária, ou uma simples narrativa, sem fazer essa evocação respeitosa ao nome de Deus. Vale por uma prece.

2 Saudação.

3 “Alá” ou “Allah” – Deus. Os árabes designam o Criador por quatrocentos e noventa e nove nomes diferentes. Os muçulmanos, sempre que pronunciam o nome de Deus, acrescentam-lhe uma expressão de alto respeito e adoração. O Deus dos muçulmanos é o mesmo Deus dos cristãos. Os muçulmanos são rigorosamente monoteístas.

4 Khamat de Maru, cidade situada na base do Monte Ararat. Khói fica no vale desse mesmo nome e é banhada pelas águas que descem das montanhas de Salmas (Malta Tahan).

5 Calculistas Famosos.

6 Indivíduo natural de Bagdá.

7 Califado, conselho de ministros do Rei.

8 Refúgio construído pelo governo ou por pessoas piedosas à beira do caminho, para servir de abrigo aos peregrinos. Espécie de rancho de grandes dimensões em que se acolhiam as caravanas.

9 Uma das muitas denominações que os árabes dão ao camelo.
–––––––-

Para um melhor entendimento deste cálculo, a resposta será postada amanhã. Fica por conta do leitor por hora chegar a esta divisão.

Fonte:
Malba Tahan.O Homem Que Calculava. Ilustrações Sílvio Vitorino. Digitalização e Revisão Arlindo_San

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 621)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional 

Do casamento, é verdade,
já fugi mais de mil vezes…
amo tanto a liberdade
que nasci de sete meses.
–Nicolau Kleinsorge/MG–


Uma Trova Potiguar 

Casar, ainda que seja
a busca de ser feliz,
nasce nos braços da igreja
morre nos pés do juiz...
–Heliodoro Morais/RN–


Uma Trova Premiada 

1999  -  Nova Friburgo/RJ
Tema  -  MANIA  -  5º Lugar

Usar pente todo dia
é a mania do Rabelo!
Seria normal? Seria...
se ele tivesse cabelo!!?
–José Ouverney/SP–


...E Suas Trovas Ficaram 

Ao por-lhe a esmola no prato
pergunta ao surdo, baixinho:
– És mesmo surdo de fato?
E ele: ”Surdinho, surdinho!”
–José Maria M. de Araújo/RJ–


Uma  Poesia 

Minha mulher tem ciúme,
roga praga e se maldiz;
desconfia da vizinha,
tem raiva da meretriz,
mas, quando eu tiro o pijama,
esquece tudo o que eu fiz!
–Domingos Tomás/RN–


Soneto do Dia 


A FAMÍLIA.
–Edmar Japiassú Maia/RJ–

Nas garras do marido ciumento,
sem ter um pouco só de liberdade
e sendo adepta da infidelidade,
foi sempre o dia a dia o seu tormento...

Mil desculpas brotavam à vontade...
Dentista, manicure, ida ao convento...
Mas o marido, desconfiado e atento,
cismava em suspeita da realidade.

Um belo dia a campainha soa,
ela abre a porta e quase fica inerte
ao perceber dois primos em pessoa..

E o esposo, antes atento e sempre à espreita,
com seus dois primos tanto se diverte,
que hoje, afinal, é ela quem suspeita!

Machado de Assis (Badaladas – 3 de novembro de 1872)

Em que cidade estamos?

A câmara municipal diz-me, afirma-me, convence-me de que estamos no Rio de Janeiro. Os polemistas políticos, entretanto, só me falam de Roma.

Roma para aqui, Roma para ali. O Jornal do Comércio só é nosso em pouca coisa; quase tudo é discutir a cidade eterna, não a moderna, mais a outra.

Qui nous delivrera des Grecs et des Rornains?

O caso é que eu já não estou certo se sou um badaladeiro fluminense ou simplesmente o flautista Ambrosius.

Tanto me romanizaram que eu penso vestir a toga quando envergo a casaca !

Há dias mandei uma carta ao livreiro Garnier, via Appia. O correio não hesitou; foi levá-la a Niterói.

E a cadeia velha? Não há nada que se pareça menos com o Capitólio; entretanto, quando agora ali passo, parece-me sempre que estou a ver a sombra dos gansos.

— Quando vai para baias? Perguntei eu a um amigo.

— Serei eu cavalo?

— Perdão; pergunto quando vai para Petrópolis.

Não me admirará, pois, se o leitor também andar atarantado com estas transformações. A. culpa não é minha nem dele, é da política. Trata-se de saber, em primeiro lugar, se isto é Roma; em segundo lugar, se Roma foi uma nação imitável.

Dividem-se as opiniões; uns dizem que não, outros dizem que sim; alguns não dizem sim nem não; outros dizem sim e não; não falta quem diga sim-não, à maneira homem-mulher.

E não se me dará de apostar dez mil sestércios em como uma parte dos leitores é desta última categoria.

Efetivamente em alguma coisa havemos de parecer-nos com os romanos, quando mais não seja, na língua,

... na qual, quando imagina, com pouca corrupção crê que é latina.

Ao mesmo tempo em alguma coisa há de haver diferença entre eles e nós.

Pela minha parte, afirmo que estive ontem com Lucullo.

Esse apreciador de bons manjares conversou comigo mais de uma hora. Éramos três e uma moça. A moça tinha ao ombro um pombinho ainda mal empenado, desses a que chamamos borrachos.

— Oh!Coitadinho! disse eu.

Lucullo juntou os dedos da mão direita, levou-os assim à boca, estalou um beijo e
exclamou:

— Isto com ervilhas! ...

Mas nem Lucullo nem os escritores romanistas dão assunto cabal para a crônica.
. . .. . .. . . .. .. . .. . . . .. .. . .. . . . .. .. . .. . . . .. .
E a propósito de loterias.

Aqui mesmo, há anos, tive ocasião de notar que algumas irmandades embaçavam a lei, vendendo um bilhete singular. Não diziam que em tal data o portador do bilhete teria de ser inscrito como irmão, e desde já lhe ficava marcado a jóia de tanto. Vêem os leitores que há duas coisas aqui repreensíveis.

 A primeira é embaçar a lei. A segunda é ... como direi? ... é pregar uma peta, o que, se é mau num homem do mundo, deve ser péssimo em pessoas que ocupam os lazeres no serviço divino.

Mas provavelmente o que eu então disse mereceu o mesmo sorriso que há de agora
assomar aos lábios do leitor, mau sintoma, porque o desprezo da lei não é romano nem revela saúde.

Não é romano, mas revela alguma saúde o contrato teatral que o presidente da Bahia acaba de celebrar com uma empresa.

Um dos artigos estabelece, entre as obrigações da empresa, esta:
“8.º — Auxiliar quanto lhe seja possível o Conservatório Dramático para a fundação de uma escola que eduque e instrua as pessoas de ambos os sexos que se quiserem dedicar à arte dramática, prestando-se ele, empresário, e seus artistas a ensinar gratuitamente durante este contrato qualquer matéria para que o mesmo Conservatório julgue-os, e dar outrossim, até dois espetáculos em favor da dita escola, quando criada.”

Desta maneira temos a Bahia com uma escola dramática meio fundada, enquanto a
capital do Império está ainda num doce desejo, numa vaga esperança. A escola, não só tem a vantagem de educar os atores, mas também a de atrair vocações. Escola não temos; vocações novas creio que não aparecem; não as há pelo menos dignas de futuro.

Estamos, portanto condenados a ver desaparecer o cenário atual, sem outro que o
substitua convenientemente.

Venha o remédio; empreguem-se os recursos da medicina. Mas o leitor está achando isto muito grave, e pergunta-me naturalmente, ao ler a palavra medicina, se eu conheço a sua etimologia.

Por que não?

A etimologia de medicina é, como acontece com outras palavras, uma lenda.

Conta-se que, no tempo do rei Numa, o corpo médico era composto unicamente de coveiros, regidos por um coveiro-mor, chamado Cinna, avô, dizem, da tragédia de Corneille.

Adoecia um romano (eterno romano!) iam os coveiros a casa do doente medir-lhe o
corpo para abrir a sepultura.

— Mediste, Caio? Perguntava o chefe.

— Medi, Cina, respondia o coveiro oficial.

Daí, etc.

Agora o que não é lenda, mas coisa muito real, talvez realista, é este aviso de um N a uma N:

“N...

“Não é possível nos dias que dias que marquei segunda-feira, por caso de força maior; no dia que tiver lugar que te disse, de novo te comunicarei por este meio. Estarás de saúde? Sempre teu até a ...”
“P.S. — Lembranças. — N.”

Até à morte, queria ele dizer, mas parece que não quis comprometer o futuro. Não sei se sabem que estamos com a perspectiva de ouvir sinos por música. Vejo no Jornal do Comércio que uma pessoa, recentemente chegada, se oferece para dar-nos este melhoramento.

Realmente, com as tendências musicais que temos, não é mal ouvir sinos por música. Mas que música será? Sacra ou profana? José Maurício ou Carlos Gomes? Não sei se faria bom efeito o Addio del passato executado nos sinos de S. José; mas
estou convencido de que os dobres das dez horas da noite, com que ainda nos matraqueiam a cabeça, podiam ser substituídos pelo Bonne Nuit, da Grã-duquesa ou o Bonsoir, Mr. Pantalon.

Em todo caso venha o melhoramento.

Dr. Semana.
–––––
Nota:
Dr. Semana é o pseudonimo que Machado usava nestas cronicas

Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson,1938. Publicado originalmente na. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, de 22/10/1871 a 02/02/1873.

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 5 – Narrador

Narrador

Não existe narrativa sem narrador, pois ele é o elemento estruturador da história. Dois são os termos mais usados pelos manuais de análise literária, para designar a função do narrador na história: foco narrativo e ponto de vista (do narrador ou da narração). Tanto um quanto outro referem-se à posição ou perspectiva do narrador frente aos fatos narra dos. Assim, teríamos dois tipos de narrador, identificados à primeira vista pelo pronome pessoal usado na narração: primeira ou terceira pessoa (do singular).

Tipos de narrador

1. Terceira pessoa: é o narrador que está fora dos fatos narrados, portanto seu ponto de vista tende a ser mais imparcial. O narrador em terceira pessoa é conhecido também pelo nome de narrador observador e suas características principais são:

a) onisciência: o narrador sabe tudo sobre a história;

b) onipresença: o narrador está presente em todos os lugares da história.

       Veja um exemplo de narrador observador no trecho extraído da obra de Érico Veríssimo, O tempo e o vento, num dos episódios em que se fala de Ana Terra e Pedro Missioneiro:

(...) Pedro sentou-se, cruzou as pernas, tirou algumas notas da flauta, como para experimentá-la e depois, franzindo a testa, entrecerrando os olhos, alçando muito as sobrancelhas, começou a tocar. Era uma melodia lenta e meio fúnebre. O agu do som do instrumento penetrou Ana Terra como uma agulha, e ela se sentiu ferida, trespassada. (...)
Tirou as mãos de dentro da água da gamela, enxugou-as num pano e aproximou-se da mesa. Foi então que deu com os olhos de Pedro e daí por diante, por mais esforços que fizesse, não conseguiu desviar-se deles. Parecia-lhe que a música saia dos olhos do índio e não da flauta — morna, tremida e triste como a voz duma pessoa infeliz. (...)
(O continente. ln:..O tempo e o vento. Rio de Janeiro, Globo, 1963. t. 1, p. 88.)

Neste caso, temos bem clara a onisciência do narrador observador, pois ele não apenas narra o que se passa com os personagens, mas também o que sentem; em outras palavras, ele sabe mais que os personagens.

      Variantes de narrador em terceira pessoa

a) Narrador “intruso”: é o narrador que fala com o leitor ou que julga diretamente o comportamento dos personagens. Um exemplo deste tipo de participação do narrador é o romance de Camilo Castelo Branco, Amor de perdição:

(...) Não desprazia, portanto, o amor de Mariana ao amante apaixonado de Teresa. Isto será culpa no severo tribunal das minhas leitoras; mas, se me deixarem ter opinião, a culpa de Simão Botelho está na fraca natureza, que é todas as galas no céu, no mar e na terra, e toda incoerência, absurdezas e ví cios no homem, que se aclamou a si próprio rei da criação, e nesta boa-fé dinástica vai vivendo e morrendo.
(São Paulo, Ática, 1983. p. 60.)


b) Narrador “parcial”: é o narrador que se identifica com determinado personagem da história e, mesmo não o defendendo explicitamente, permite que ele tenha mais espaço, isto é, maior destaque na história. É o que ocorre no romance Capitães da areia, de Jorge Amado, no qual o narrador se identifica com os heróis da história, em especial Pedro Bala, contrariando a ideologia dominante que os vê como bandidos.

2. Primeira pessoa ou narrador personagem: é aquele que participa diretamente do enredo como qualquer personagem, portanto tem seu campo de visão limitada isto e, não é onipresente, nem onisciente. No entanto, dependendo do personagem que narra a história, de quando o faz e de que relação estabelece com o leitor, podemos ter algumas variantes de narrador personagem.
    
  Variantes do narrador personagem

a) Narrador testemunha: geralmente não é o personagem principal, mas narra acontecimentos dos quais participou, ainda que sem grande destaque. Um exemplo deste tipo de participação do narrador personagem é o romance Amor de salvação, de Camilo Castelo Branco, no qual o narrador é amigo de Afonso de Teive, personagem principal; do reencontro dos dois depois de alguns anos decorridos da amizade na época da universidade nasce a história tentando aproximar o jovem boêmio idealista Afonso do pai careca e barrigudo, que o narrador vê diante de si.

b) Narrador protagonista: é o narrador que é também o personagem central. Podem-se citar inúmeros exemplos deste tipo de narrador e apresentaremos alguns bastante célebres: Paulo Honório, narrador do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, homem duro, que tenta entender a si e a sua vida após a morte da esposa Madalena; Bento, de Dom casmurro, de Machado de Assis, célebre por dar sua versão sobre a possível traição de Capitu, seu grande amor. Nos dois casos temos um narrador que está distante dos fatos narrados e que, portanto, pode ser mais crítico de si mesmo.

Narrador não é autor

       As variantes de narrador em primeira pessoa ou em terceira pessoa podem ser inúmeras, uma vez que cada autor cria um narrador diferente para cada obra. Por isso é bom que se esclareça que o narrador não é o autor, mas uma entidade de ficção, isto é, uma criação lingüística do autor, e por tanto só existe no texto. Numa análise de narrativas evite referir-se à vida pessoal do autor para justificar posturas do narrador; não se esqueça de que está lidando com um texto de ficção (imaginação), no qual fica difícil definir os limites da realidade e da invenção. Este pressuposto é válido também para as autobiografias, nas quais não temos a verdade dos fatos, mas uma interpretação deles, feita pelo autor.

Continua…Tema – assunto – mensagem


Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Nemésio Prata Crisóstomo (Sextilhas sobre o Sexteto em Setilhas) 2

Nossa espera foi bem pouca
pelos grandes menestréis
que agora formam Sexteto
de Sextilhas, bem fiéis,
e num risco de fagulha
cada qual mandou mais dez!

Ao lê-los fico babando
e pensando se serei
um dia, não sei nem quando,
se ainda vivo nessa grei,
um sexto de trovador
desse Sexteto de Lei!