sábado, 27 de outubro de 2012

Cléo Busatto (Dona Cotinha, Tom e Gato Joca)


Em frente à minha casa tem outra casa, pequena, de madeira, azul com janelas brancas. Está no fim de um terreno enorme com muitas árvores. Para mim aquilo é o que chamam de floresta. Tom diz que é um quintal. Ali mora dona Cotinha, uma velhinha que tem cabelos lilás e dirige um Fusquinha vermelho. Esse passou a ser meu esconderijo. Dona Cotinha sempre aparece com um prato de comida. Diz: 

 - Vem, gatinho. Olha só o que eu trouxe para você. 

 Sou premiado com sardinha fresca, atum, macarrão. Tenho engordado além da conta. Dia desses estava tomando sol e ouvi o Tom me chamar. O danado sentiu meu cheiro e descobriu meu segredo. Ele estava no portão quando chegou dona Cotinha, no seu Fusquinha. 

 - Bom dia, menino - disse ela. Já que está em frente à minha casa, faça uma gentileza e abra o portão. 

 Tom obedeceu. Dona Cotinha afagou minha cabeça e perguntou: 

 - Este gatinho é seu? 

 - Sim, senhora. 

 - Ele é muito educado. 

 - Obrigado - disse eu, na minha voz de gato. 

 - No primeiro dia que o vi por aqui, ele entrou na casa e cheirou tudo. Agora, sempre deixo uma comidinha para ele! 

 - Ah! Mas o Joca não come comida de gente, não, senhora. Só come ração - disse o Tom. 

 - Come, sim, meu filho. E come de tudo. 

 Dona Cotinha acabava de denunciar minha gula e o aumento de peso. Continuou: 

 - Passe aqui no fim da tarde. Faço um bolo de fubá com cobertura de chocolate que é de dar água na boca. 

 Com água na boca fiquei eu. Naquela tarde voltamos à casa de dona Cotinha. Ela foi logo mostrando pro Tom uma coleção de carrinhos antigos. Era do filho dela, que morreu bem pequeno. Depois nos levou para uma sala repleta de livros. Tom ficou de boca aberta e perguntou: 

 - A senhora já leu todos esses livros? 

 - Praticamente todos. Ler foi minha diversão, meu bom vício. Infelizmente meus olhos não ajudam mais. Essa pilha que você está vendo aqui ainda nem foi tocada. 

 Tom começou a ler em voz alta, e sua voz encheu a sala de seres fantásticos. O tempo parou. 

 Desse dia em diante, à tardinha, eu e Tom tínhamos uma missão. Abrir os livros de dona Cotinha e deixar os personagens passearem pela casa mágica, no meio da floresta da cidade de pedra.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 709)



Uma Trova de Ademar  

Caiu meu muro de arrimo; 
sinto fraqueza... E, aos oitenta, 
nem com Viagra eu me animo, 
só se der cobra em noventa! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

É minha a dívida, assumo,
e hei de saldá-la... porém,
enquanto a grana eu arrumo,
que tal me emprestar mais cem???
–José Ouverney/SP– 

Uma Trova Potiguar  

É por demais assanhada 
a galinha do vizinho: 
já tem a costa pelada 
por excesso de carinho... 
–Fabiano Wanderley/RN– 

Uma Trova Premiada  

1999   -   Cachoeiras de Macacu/RJ 
Tema   -   LADINO   -   M/E 

"Cara-de-pau!" E o grã-fino 
não se abala, não se afoba;
e no rosto, enfim, ladino,
passa um óleo de peroba...
–Antonio Colavite Filho/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Sendo traída, de graça, 
pelo esposo, capitão, 
a Maria, por pirraça, 
o traiu com o “batalhão”. 
–Célio Grunewald/MG– 

U m a P o e s i a  

O rádio é para se ouvir 
e todo mundo entender, 
0 telefone é melhor 
para a gente ouvir sem ver, 
sou matuto e não ignoro: 
no telefone eu namoro 
sem minha mulher saber! 
–Fenelon Dantas/PB– 

Soneto do Dia  

O POBRE. 
–Francisco Macedo/RN– 

Vida de pobre é um mutirão de dor, 
uma loucura e grande confusão, 
quando tem carne nunca tem feijão, 
se tem feijão, de carne nem a cor. 

Compra uma “muda” de roupa todo ano 
e no sapato, tome meia-sola! 
No celular faz pose de gabola, 
mas pra ligar, está sem vez no plano... 

No “lotação” precisa paciência, 
arroto choco e tome flatulência, 
e, mesmo assim, com jeito vai levando... 

Sendo enxerido, segura a aparência, 
pose de rico, mas rei da inadimplência 
e vai em frente, as dores disfarçando. 

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 3 de novembro: Máquinas de coser


(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).

Meu caro colega. – Acho-me seriamente embaraçado da maneira por que descreverei a visita que fiz ontem à fábrica de coser de M.me Besse, sobre a qual já os nossos leitores tiveram uma ligeira notícia neste mesmo jornal.

O que sobretudo me incomoda é o título que leva o meu artigo. Os literatos, apenas ao lerem, entenderão que o negócio respeita aos alfaiates e modistas. Os poetas acharão o assunto prosaico, e talvez indigno de preocupar os vôos do pensamento. Os comerciantes, como não se trata de uma sociedade em comandita, é de crer bem pouca atenção dêem a esse melhoramento da indústria.

Por outro lado, tenho contra mim o belo sexo, que não pode deixar de declarar-se contra esse maldito invento, que priva os seus dedinhos mimosos de uma prenda tão linda, e acaba para sempre com todas as graciosas tradições da galanteria antiga.

Aqueles lencinhos embainhados, penhor de um amante fiel, e aquelas camisinhas de cambraia destinadas a um primeiro filho, primores de arte e de paciência, primeiras delícias da maternidade, tudo isto vai desaparecer.

As mãozinhas delicadas da amante, ou da mãe extremosa, trêmulas de felicidade e emoção, não se ocuparão mais com aquele doce trabalho, fruto de longas vigílias, povoadas de sonhos e de imagens risonhas. Que coração sensível pode suportar friamente semelhante profanação do sentimento?...

Declarando-se as senhoras contra nós, quase que podemos contar com uma conspiração geral, porque é coisa sabida que desde o princípio do mundo os homens gastam a metade de seu tempo a dizer mal das mulheres, e a outra metade a imitar o mal que elas fazem.

Por conseguinte, refletindo bem, só nos restam para leitores alguns homens graves e sisudos, e que não se deixam dominar pela influência dos belos olhos e dos sorrisos provocadores. Mas como é possível distrair estes espíritos preocupados com altas questões do Estado de faze-los descer das sumidades da ciência e da política a uma simples questão de costura?

Parece-lhe isto talvez uma coisa muito difícil; entretanto tenho para mim que não há nada mais natural. A história, essa grande  mestra de verdades, nos apresenta inúmeros exemplos do grande apreço que sempre mereceu dos povos da antiguidade, não só a arte de coser, como as outras que lhe são acessórias.

Eu podia comemorar o fato de Hércules fiando aos pés de Onfale, e mostrar o importante papel que representou na antiguidade, a teia de Penépole, que mereceu ser cantada por Homero. Quanto à agulha de Cleópatra, esse lindo obelisco de mármore, é a prova mais formal de que os Egípcios votavam tanta admiração à arte da costura, que elevaram aquele monumento à sua rainha, naturalmente porque ela excedeu-se nos trabalhos desse gênero.

As tradições de todos os povos conservam ainda hoje o nome dos inventores da arte de vestir os homens. Entre os gregos foi Minerva, entre os lídios Aracne, no Egito Isis, e no Peru Manacela, mulher de Manco Capa.

Os chineses atribuem essa invenção ao Imperador Ias; e na Alemanha, conta a legenda que a fada Ave, tendo um amante muito friorento, compadeceu-se dele, e inventou o tecido para muito friorento, compadeceu-se dele, e inventou o tecido para vesti-lo. Naquele tempo feliz ainda eram as amantes que pagavam os gastos da moda; hoje, porém, este artigo tem sofrido uma modificação bem sensível. As fadas desapareceram, e por isso os homens vão cuidando em multiplicar as máquinas.

Só estes fatos bastariam para mostrar que importância tiveram em todos os tempos e entre todos os povos as artes que servem para preparar o traje do homem. Além disto, porém a tradição religiosa conta que já no Paraíso, Eva criara, com as folhas da figueira, diversas modas, que infelizmente caíram em desuso.

Já não falo de muitas rainhas, como Berta, que foram mestras e professoras na arte de coser e fiar; e nem das sábias pragmáticas dos Reis de Portugal a respeito do vestuário, as quais mostram o cuidado que sempre mereceu daqueles monarcas, e especialmente do grande Ministro Marquês de Pombal, a importante questão dos trajes.

Hoje mesmo, apesar do rifão antigo, todo o mundo entende que o hábito faz o monge; e se não vista alguém uma calça velha e uma casaca de cotovelos roídos, embora seja o homem mais relacionado do Rio de Janeiro, passará por toda a cidade incógnito e invisível, como se tivesse no dedo o anel de Giges.

Assim, pois, é justamente para os espíritos graves, dados aos estudos profundos e às questões de interesse público, que resolvi descrever a visita à fábrica de coser de M.me Besse, certo de que não perderei o meu tempo, e concorrerei quanto em mim estiver para que se favoreça este melhoramento da indústria, que pode prestar grandes benefícios, fornecendo não só à população desta côrte, mas também a alguns estabelecimentos nacionais. 

A fábrica está situada à Rua do Rosário, n.º 74. Não é uma posição tão aristocrática como a das modistas da Rua do Ouvidor; porém tem a vantagem de ser no centro da cidade; e, portanto, as senhoras do tom podem facilmente e sem derrogar aos estilos da alta fashion fazer a sua visita a M.me Besse, que as receberá com graça e a amabilidade que a distingue.

Era na ocasião de uma dessas visitas que eu desejaria achar-me lá para observar o desapontamento das minhas amáveis leitoras (se é que as tenho, visto que estou escrevendo para os homens pensadores). Dizem que o espírito da indústria tem despoetizado todas as artes, e que as máquinas vão reduzindo o mais belo trabalho a um movimento monótono e regular, que destrói todas as emoções, e transforma o homem num autômato escravo de outro autômato.

Podem dizer o que quiserem; eu também pensava o mesmo antes de ver aquelas lindas maquinazinhas que trabalham com tanta rapidez, e até com tanta graça. Figurai-vos umas banquinhas de costura fingindo charão, ligeiras e cômodas, podendo colocar-se na posição que mais agradar, e sobre esta mesa uma pequena armação de aço, e podeis fazer uma idéia aproximada da vista da máquina. Um pezinho o mais mimoso do mundo, um pezinho de Cendrillon, como conheço alguns, basta para fazer mover sem esforço todo este delicado maquinismo.

E digam-me ainda que as máquinas despoetizam a arte! Até agora, se tínhamos a ventura de ser admitidos no santuário de algum gabinete de moça, e de passarmos algumas horas e  conversar e a vê-la coser, só podíamos gozar dos graciosos movimentos das mãos; porém não se nos concedia o supremo prazer de entrever sob a orla do vestido um pezinho encantador, calçado por alguma botinazinha azul; um pezinho de mulher bonita, que é tudo quanto há de mais poético neste mundo.

Enquanto este pezinho travesso, que imaginareis, como eu, pertencer a quem melhor vos aprouver, faz mover rapidamente a máquina, as duas mãozinhas, não menos ligeiras, fazem passar pela agulha uma ourela de seda ou de cambraia, ao longo da qual vai-se estendendo com incrível velocidade uma linha de pontos que acaba necessariamente por um ponto de admiração (!).

Está entendendo que o ponto de admiração é feito pelos vossos olhos, e não pela máquina, que infelizmente não entende nada de gramática, senão podia-nos bem servir para  elucidar as famosas questões do gênero do cólera e da ortografia da palavra asseio. Questões estas muito importantes, como todos sabem, porque, sem que elas se decidam, nem os médicos podem acertar no curativo da moléstia, nem o Sr. Ministro do Império pode publicar o seu regulamento da limpeza da cidade.

Voltando, porém, à nossa máquina, posso assegurar-lhes que a rapidez é tal, que nem o mais cabula dos estudantes de São Paulo ou de medicina, nem um poeta e romancista a fazer reticências, são capazes de ganha-la a dar pontos. Se a deixarem ir à sua vontade, faz uma ninharia de trezentos por minuto; mas, se a zangarem, vai aos seiscentos; e então, ao contrário do que desejava um nosso espirituoso folhetinista contemporâneo, o Sr. Zaluar, pode-se dizer que quando começa a fazer ponto, nunca faz ponto.

Mau! Já me andam os calemburs  às voltas! É preciso continuar; mas, antes de passar adiante, sempre aconselharei a certos credores infatigáveis, a certos escritores cuja verve é inesgotável, que vão examinar aquelas máquinas a ver se aprendem delas a arte de fazer ponto. É uma coisa muito conveniente ao nosso bem estar, e será mais um melhoramento que deveremos a M.me Besse.

Aos Estados Unidos cabe a invenção das máquinas de coser, que hoje se têm multiplicado naquele país de uma maneira prodigiosa, principalmente depois dos últimos aperfeiçoamentos que se lhe têm feito. M.me Besse possui atualmente na sua fábrica seis destas máquinas, e tem ainda na alfândega doze, que pretende  despachar logo que o seu estabelecimento tomar o incremento que é de esperar.

M.me Besse corta perfeitamente qualquer obra de homem ou de senhora; e, logo que for honrada com a confiança das moças elegantes, é de crer que se torne a modista do tom, embora não tenha para isto a patente de francesa, e não more na Rua do Ouvidor.

Além disto, como ela possui máquinas de diversas qualidades, umas que fazem a costura a mais fina, outras próprias para coser fazenda grossa e ordinária, podem também muitos estabelecimentos desta corte lucrar com a sua fábrica um trabalho, não só mais rápido e mais bem acabado como mais módico no preço.

Presentemente a fábrica já tem muito que fazer; mas, quando se possui seis máquinas, e por conseguinte se dá três mil e seiscentos pontos por minuto, é preciso que se tenha muito pano para mangas.

Sou, meu caro colega, etc.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Eliana Jimenez (A Trova-Legenda)


artigo pela autora

A ideia da publicação de uma imagem no blog para instigar a imaginação dos trovadores surgiu por acaso.

Fiz uma trova alusiva à foto de uma passarinha abrigando seus filhotes sob as asas e percebi que a trova não tinha existência própria, que precisava da imagem para ser compreendida.

Em seguida, comecei a procurar trovas para imagens, mas nem sempre se encaixavam perfeitamente, além de consistir em um grande trabalho de pesquisa.

Surgiu então a ideia de fazer o contrário: publicar a imagem e convidar os trovadores para enviarem uma trova que funcionasse como legenda.

Na edição de estréia, em 21 de outubro de 2011, tive o apoio de grandes mestres e divulgadores do movimento trovadoresco, como A. A. de Assis, Ademar Macedo, José Feldman, e Prof. Garcia. Logo em seguida, importantes nomes da trova aderiram ao blog, como Carolina Ramos, Darly O. Barros, José Fabiano, entre outros. Esse suporte dos trovadores consagrados foi sempre crescente e fundamental para que a ideia se propagasse.

Após esse primeiro ano de existência da Trova-legenda, o blog consolidou-se, tendo até obtido reconhecimento da UBT de São Paulo. Conta com uma média de 45 trovas por edição. A cada 10 dias uma nova imagem é publicada, sempre tentando desafiar a imaginação e a habilidade dos trovadores.

Como não é concurso, todas as trovas que atendam aos requisitos de métrica e rima são publicadas e com isso, o blog está cumprindo uma importante missão, que é cativar e trazer novos admiradores para o movimento trovadoresco.

A trova tem esse poder, como dizia Luiz Otávio, de nos tomar por inteiro e abrir o coração para abrigar tantos irmãos queridos e iluminados, de romper fronteiras, e ainda preencher nossos momentos com a chama da inspiração.

O endereço do blog é:
http://poesiaemtrovas.blogspot.com.br e estão todos convidados a participar.
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José Feldman escreve:

São ativistas como Jimenez que mantém acesa a chama da cultura brasileira. Pessoas como ela, com garra, com novas idéias, com dedicação que endossam este exército de literatos, tremulando a nossa bandeira.
Parabéns pelo seu trabalho, que  seja uma árvore carregada de frutos.

E aproveitando o espaço, prezado trovador, você já enviou sua trova para a nova trova-legenda? Vence em mais uns dias. Desta vez, não vou colocar a figura. Entre no blog da Jimenez. Vamos participar com mais afinco, não vejo o nome de muitos outros trovadores que poderiam estar participando. Lembrando, o endereço é http://poesiaemtrovas.blogspot.com.br. Nos encontramos por lá.

Fonte:
Boletim Nacional n. 531 – outubro/2012 – União Brasileira de Trovadores – UBT/Nacional

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 708)



Uma Trova de Ademar  

Não acredito em trapaça, 
o livre arbítrio eu imponho; 
não há destino que faça 
eu desistir do meu sonho. 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Lançada a sorte! Em verdade,
eu parti... Mares medonhos!...
E, no Porto da Saudade,
fui ancorar com meus sonhos...
–Giselda Medeiros/CE– 

Uma Trova Potiguar  

Quando um jardim perde as flores, 
a mão de Deus recupera, 
pintando as mais lindas cores 
nas flores da primavera! 
–Prof. Garcia/RN– 

Uma Trova Premiada  

2010   -   ATRN - Natal/RN 
Tema   -   INSPIRAÇÃO   -   1º Lugar 

Inspiração, não me deixes 
neste mundo imerso em dor! 
– Sem ti, sou rio... sem peixes... 
Sou coração... sem amor...! 
–Marisa Vieira Olivaes/RS – 

..E Suas Trovas Ficaram  

Somos dois gritos calados 
dois momentos desiguais, 
dois seres desencontrados 
mas que se buscam demais. 
–Marisol/RJ– 

U m a P o e s i a  

O meu jeito de ser não me subleva 
quero ser como Deus mandou que eu fosse, 
quando eu vim foi a vida quem me trouxe 
quando eu for é a morte quem me leva, 
pra que eu reclamar de Adão e Eva 
se a serpente lhes fez quebrar a jura, 
pra que eu exibir a dentadura 
se não tem nenhum osso que ela roa; 
pra que tanta riqueza se a pessoa 
nada leva daqui pra sepultura. 
–Fernando Emídio/PE– 

Soneto do Dia  

DONA FLOR.
–Vicente de Carvalho/RJ– 

Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso 
vago como os crepúsculos do estio, 
treme a ternura, como sobre um rio 
treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria, 
a sua boca úmida floresce, 
naquele rosto angelical parece 
que é primavera, e que amanhece o dia. 

Um rosto de anjo, límpido, radiante... 
Mas, ai! sob esse angélico semblante 
mora e se esconde uma alma de mulher 

que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo 
– Como atirando ao vento fugitivo 
as folhas sem valor de um malmequer...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ialmar Pio Schneider (Efemérides Poética) Outubro - até dia 25



SONETO A HUMBERTO DE CAMPOS 
– In Memoriam  
Nascimento do escritor em 25.10.1886 

Ao ler suas Memórias comoventes, 
e as crônicas, sonetos, cujos temas 
demonstram como ele enfrentou problemas, 
e o fez em páginas inteligentes,... 

fico a pensar também quantos poemas 
nascem das almas boas, penitentes, 
nos momentos aflitos em que os crentes 
se debruçam perante seus dilemas... 

Mas, o Senhor que reina nas Alturas, 
o Pai Supremo de todas criaturas, 
olha por nós, Seus filhos prediletos,... 

pra que sejamos ternamente irmãos 
e os nossos sonhos nunca sejam vãos 
num mundo justo e fraternal de afetos…

SONETO ALEXANDRINO A AMADEU AMARAL
– In Memoriam 
Falecimento do poeta em 24.10.1929 

“Rios”, “Sonhos de Amor”, e “A um Adolescente”, 
são sonetos de escol que leio comovido, 
porque me fazem bem neste dia envolvente 
pela nublada luz do céu escurecido... 

E fico a meditar, trazendo para a mente, 
os poemas “A Estátua e a Rosa”, em sublime sentido; 
“Prece da Tarde”, quando exsurge a voz do crente 
como um sopro de amor no caminho escolhido... 

Estou perante o mestre Amadeu Amaral, 
cujos versos serão sempre muito admirados, 
como régio cultor da nobre poesia... 

Além do mais, ficou sendo vate Imortal, 
pois eleito ele foi por membros consagrados 
de nossa Brasileira Excelsa Academia !

SONETO A THÉOPHILE GAUTIER 
Falecimento do poeta em 23.10.1872 
– In Memoriam 

Poeta que saudou a Primavera, 
ao chegar com seu primeiro sorriso, 
por toda a parte a floração impera 
como se próxima do paraíso... 

No jardim, no pomar, também diviso 
as mais lindas flores e o crescer da hera... 
Quanta imaginação fora preciso 
para desenvolver esta quimera ! 

No vergel, as pequenas margaridas; 
no bosque, violetas e malmequeres; 
tudo aparece viçoso a florir... 

Enfim, para alegrar as nossas vidas, 
e tornar mais bonitas as mulheres, 
proclamo: “Primavera, podes vir!”

SONETO LIVRE A OSWALD DE ANDRADE 
Falecimento do escritor em 22.10.1954 
– In Memoriam 

Homenagear um poeta modernista 
como o foi Oswald de Andrade, como seria? 
se escrevo versos rimados de artista 
nos modelos antigos da poesia?! 

Mas minha verve faz com que eu insista 
a prestar, já nem sem se é honraria, 
este preito em palavras de anarquista, 
num soneto livre de métrica, neste dia ! 

Entretanto, não prescindo da rima, 
por ser ela que sempre me anima 
quando qualquer poema componho... 

Desculpe-me por este sacrilégio 
de abandonar as normas do colégio 
parnasiano ! Foi apenas um sonho…

SONETO A ARTHUR AZEVEDO 
– In Memoriam 
Falecimento em 22.10.1908

Foi dramaturgo, poeta e contista, 
com “Arrufos”, um soneto forte, 
após desentender-se com a consorte, 
fez uns ares de quem do amor desista... 

Toma o chapéu e sai, sem que suporte, 
fingir que não mais ama e se contrista, 
mas algo o faz voltar e então persista 
a manter a paixão até a morte... 

Assim são os amores verdadeiros, 
ao menos na aparência dos amantes, 
que às vezes têm questiúnculas por nada... 

E quando voltam ficam companheiros 
para viverem todos os instantes, 
seguindo adiante pela mesma estrada…

SONETO A ALPHONSE DE LAMARTINE 
Nascimento do poeta em 21.10.1790 
– In Memoriam

Recordo-me do seu poema “Outono”, 
que o Irmão Érico, enfaticamente, 
lia alto, na aula, com tamanho entono, 
que despertava a comoção na gente... 

Saudava a natureza, tristemente, 
como se a visse ficar no abandono 
pela queda das folhas, de repente, 
ao reclinar pra o derradeiro sono! 

Nesse cálice em que bebia a vida, 
talvez, houvesse uma gota de mel, 
após ter sorvido néctar e fel... 

Na multidão uma alma desconhecida, 
quem sabe, o compreendesse com bondade 
e lhe desse, afinal, felicidade !…

SONETO A ARTHUR RIMBAUD 
Nascimento do poeta em 20.10.1854 
– In Memoriam 

Jovem poeta que parou bem cedo 
de fazer versos plenos de emoção... 
Soneto de “Vogais” em cujo enredo 
cada uma tem a significação. 

Sua obra não foi simples arremedo 
de alguém que pensa apenas na ilusão; 
não se sabe do enigma nem do medo 
de a poesia dar continuação... 

O certo é que depois, quando indagado 
se era parente de Rimbaud, dizia: 
“Eu nunca ouvi falar !” E assim calado 

continuou pelo resta da vida, só, 
com sua nova e vã filosofia 
em que se sabe que seremos pó !

SONETO  AO DIA DO POETA
20.10

O poeta é aquele que vê mais longe: 
pode saber de tudo ou quase nada... 
Tanto é um pecador quanto é um monge, 
vive numa caverna ou segue a estrada 

dos sonhos. Às vezes parece um conde 
a procurar sua alma gêmea, a maga 
que num castelo medieval se esconde, 
cuja lembrança a solidão lhe afaga. 

Também não deixa de sofrer por isso 
e nunca se conforta no prazer 
de sempre se afastar do rebuliço: 

assim é que pretende compreender 
o destino que leva no feitiço 
questionável do ser ou do não ser !

SONETO A VINÍCIUS DE MORAES 
Nascimento do poeta em 19.10.1913
- In Memoriam

Quando nasceu Vinícius de Moraes 
trouxe consigo a chama da poesia, 
pra celebrar as musas, dia a dia, 
até o fim com versos geniais... 

Poeta da Paixão e da magia 
de conquistar mulheres especiais, 
compondo seus sonetos sensuais, 
viveu intensamente na boemia. 

Nesta data do seu aniversário 
há que lembrar-se: “Eu sei que vou te amar...” 
E assim nesse romântico cenário 

ouvir “Soneto da Fidelidade”, 
na voz do poetinha a declamar 
com tanto romantismo e intensidade !

SONETO A CASIMIRO DE ABREU 
– In Memoriam 
Falecimento do poeta em 18.10.1860 

Mas, onde se esconderam “Meus Oito Anos”, 
que os procuro debalde na distância? 
Casimiro de Abreu, teus desenganos, 
trazem saudades de minha infância... 

No entanto, sempre na mesma constância, 
bate meu coração com seus arcanos; 
e o que outrora tinha significância, 
hoje, são meus pobres cantos profanos. 

Pois, “oh! que saudades que tenho”, agora, 
daquele tempo bom que foi embora, 
e que, bem sei, não volta nunca mais? 

Sigo meu caminho sempre confiante, 
que cada etapa que me surge adiante, 
só vem complementar meus ideais…

SONETO A MANUEL BANDEIRA
Falecimento do poeta em 13.10.1968
– In Memoriam

MEU CARNAVAL 78 

Ilusão desta vida imaterial, 
não adianta pensar nem presumir, 
o negócio é deitar para dormir 
ou ler Manuel Bandeira tão jovial... 

Mas que anseio, que lástima, afinal, 
se tudo é passageiro ?! quero ouvir 
Sonatas ao Luar e me sumir 
à procura de um bálsamo ao meu mal. 

E não será aqui, nem mais distante... 
Lança-perfume d éter não existe ! 
O que fazer? Confete e serpentina?! 

Desvairado, sem álcool e perante 
mulheres tão bonitas e eu tão triste: 
pobre Pierrô buscando a Colombina !

SONETO CAÓTICO A MÁRIO DE ANDRADE
Nascimento do poeta em 9.10.1893
– In Memoriam

Mário de Andrade cria o Desvairismo, 
foge da rima e métrica também... 
Houvera de existir, no entanto, alguém 
que a outra escola desse outro batismo ! 

Hoje apresento-lhes o Caotismo 
e de antemão não sei se lhes convém; 
voltando a antigas fórmulas, porém, 
a conservar ainda o Telurismo... 

Procuro na desordem o entendimento 
e misturando todos, bons e maus, 
faço versos, até com sentimento, 

que singram mares, vagarosas naus... 
Seguem o rumo que lhes dita o vento 
na vastidão das águas para o caos...!

SONETO A CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE  
Nascimento do poeta EM 8.10.1863 -– 
– In Memoriam 

Faz-me lembrar o tempo de menino, 
no lar paterno, lá na velha aldeia, 
com minha mãe, irmãos e irmãs, na ceia, 
de noitezinha, ao bimbalhar do sino... 

Depois, eu contemplava a lua cheia 
e perguntava aos céus: qual meu destino, 
neste mundo que roda e cambaleia, 
com momentos de luz e desatino?!... 

E ouvia a minha voz na voz do vento, 
dizendo que eu tivesse paciência, 
estudasse, aprendesse e na paixão 

de adquirir maior conhecimento, 
ingressasse no reino da sapiência... 
Que lindo era o Luar do meu Sertão !…

SONETO A EDGAR ALLAN POE 
Falecimento do escritor em 7.10.1849
– In Memoriam 

À meia-noite o visitou alguém, 
enquanto refletia nessa hora, 
lendo doutrinas em manuais de quem 
pudesse distraí-lo, sem demora... 

Curiosidade neste mundo têm 
todos os seres em que a dor vigora, 
e ao vate parecia que do Além 
surgia a voz saudosa de Lenora. 

Pensou, então, que fosse algum amigo, 
que tinha vindo lhe pedir abrigo 
p´ra mitigar as dores infernais... 

Abre a janela a olhar, e num tumulto 
enxerga esvoaçar sinistro vulto; 
era o Corvo que disse: “Nunca mais!”

Fontes:
O Autor
Imagem = montagem por J. Feldman

Heloísa Crespo (Ciranda “Professor Versos”) Parte VI – Heloísa Crespo (Sapiência)


Aprendi a vida inteira,
desde o momento em que fui
concebida no planeta.
Aprendi com os meus pais,
meus avós, meus professores.
Aprendi com os meus alunos,
meus amigos, meus vizinhos.
Aprendi e aprendo sempre
com os meus filhos,
com o mundo
em qualquer ocasião,
a toda hora,
o tempo todo,
sem cessar...

Aprendi a vida inteira.
E continuo aprendendo.
Sou um eterno aprendiz
porque sei que o meu saber
é tão pouco, quase nada.
Sei muito perante a quem?
Nada, em relação a quê?
Sou múltiplo... e sou único.
Sou sábio... e não sei tudo.

Fonte: 
Organização e Programação Visual: Heloisa Crespo 
Campos dos Goytacazes/RJ.

R. Borges / RS (Um Barco na Meia Estação)


O poeta é de Erexim/RS
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Coletânea Declame para Drummond 2012 
110º aniversário do poeta e vários poemas no meio do caminho pelo Brasil 

observo calado e despretensioso. 
tudo na paisagem está correto, penso, menos o barco. 
expliquem-me a moral das nuvens e a euforia dos ventos 
e ainda assim continuarei sem entender a impressão da cena. 

silenciosos. comparsas na leveza dos vapores e do espanto. 
e tudo, isso tudo, por vagarmos sem consciência cartográfica. 
ele feito madeira e pregos, eu, cálcio e dúvidas. 
duas testemunhas da lógica vulgar das planícies. 

águas barrentas, o avermelhado da tarde que se vai... 
o sol partido no espelho perturbador do lago... 
sem perguntas, sem hipóteses. Sem um “haverá outro porto...”
 - ou alguém na multidão... 

ficarei sem entender o errado nele, e ele, 
sem entender o errado em mim. Iguais. 
surpreendidos na estranha trama da alteridade. 
o barco navegando sozinho, o marujo viajando nas margens... 

Se ao menos tu tivesses lido meu poema... 
os faróis vestiriam a cor dos plátanos na meia estação. 

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 707)



Uma Trova de Ademar  

A lua, de vez em quando 
fica um pouco sem brilhar, 
para ficar “espiando” 
dois pombinhos namorar! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Urge a esperança de um dia 
ver a criança cantar, 
hino de democracia, 
declinando o verbo amar. 
–Agostinho Rodrigues/RJ– 

Uma Trova Potiguar  

Passeando pela praça, 
admirando o jardim, 
nem notei que ela sem graça 
passou sem olhar pra mim. 
–José Alencar/RN– 

Uma Trova Premiada  

2005   -   ATRN - Natal/RN 
Tema   -   INSPIRAÇÃO   -   1º Lugar 

Inspiração, não me deixes 
neste mundo imerso em dor! 
– Sem ti, sou rio... sem peixes... 
Sou coração.. sem amor...! 
–Marisa Vieira Olivaes/RS– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Foi por falta de carinho 
que errei e perdi meus passos, 
mas bendigo o “mau caminho” 
que me levou aos teus braços... 
–Nádia Huguenin/RJ– 

U m a P o e s i a  

Eu queria voltar pro meu sertão
pra enfrentar outra vez a seca brava
pra de novo comer preá com fava
por a sela e montar meu alazão,
colocar minhas botas, meu gibão
campear e viver com liberdade,
desfrutar da maior felicidade
que na rua eu pelejo e não desfruto; 
se eu nasci lá no mato e sou matuto
nunca irei ser feliz numa cidade!
–Carlos Aires/PE– 

Soneto do Dia  

O PROFESSOR. 
–António Barroso/PRT– 

É sacerdócio, não é profissão, 
É um dar-se, a si próprio, por amor, 
Com prazer de ensinar, o professor 
Sempre se entrega de alma e coração. 

A sua vontade e a sua ambição 
É ultrapassar todos os escolhos 
E, aos alunos, fazer abrir os olhos 
P’ra vida, para o sonho e p’ra razão. 

O professor só pensa que é mais nobre 
Ensinar tanto o rico como o pobre 
Com a força da fé, por si, sentida. 

Sem nunca se cansar ou esmorecer, 
Seu destino será, até morrer, 
Sempre a preparar homens para a vida.

Ricardo Azevedo (O Papagaio Congelado)


Ilustração: Heitor Yida
Um dia, um sujeito ganhou de presente um papagaio. 

 O bicho era uma praga. Não demorou muito, logo se espalhou pela casa. 

 Atendia telefone. 

 Gritava e falava sozinho nas horas mais inesperadas. 

 Dava palpite nas conversas dos outros. 

 Discutia futebol. 

 Fumava charuto. 

 Pedia café, tomava, cuspia, arregalava os olhos, esparramava semente de girassol e cocô por todo lado, gargalhava e ainda gritava para o dono de casa: "Ô seu doutor, vê se não torra faz favor!" 

 Uma noite, a família recebeu uma visita para jantar. 

 O papagaio não gostou da cara do visitante e berrou: "Vai embora, ratazana!" e começou a falar cada palavrão cabeludo que dava medo. 

 Depois que a visita foi embora, o dono da casa foi até o poleiro. Estava furioso: 

 — Seu mal-educado, sem-vergonha de uma figa! Estou cheio! Agora você vai ver o que é bom pra tosse. 

 Agarrou o papagaio pelo cangote e atirou dentro da geladeira: 

 — Vai passar a noite aí de castigo! 

 Depois, fechou a porta e foi dormir. 

 No dia seguinte, saiu atrasado para o trabalho e esqueceu o coitado preso dentro da geladeira. 

 Só foi lembrar do bicho à noite, quando voltou para casa. 

 Foi correndo abrir a geladeira. 

 O papagaio saiu trêmulo e cabisbaixo, com cara arrependida, cheio de pó gelado na cabeça. 

 Ficou de joelhos. 

 Botou as duas asas na cabeça. 

 Rezou. 

 Disse pelo amor de Deus. 

 Reconheceu que estava errado. 

 Pediu perdão. 

 Disse que nunca mais ia fazer aquilo. 

 Jurou que nunca mais ia fazer coisa errada, que nunca mais ia atender telefone e interromper conversa, nem xingar nenhuma visita. 

 Jurou que nunca mais ia dizer palavrão nem "vai embora, ratazana". 

 Depois, examinando o homem com os olhos arregalados, espiou dentro da geladeira e perguntou: 

 — Queria saber só uma coisa: o que é que aquele franguinho pelado, deitado ali no prato, fez?

Fonte:

Heloísa Crespo (Ciranda “Professor Versos”) Parte V – Trovas



Professor, ó professor!
Único: artista seleto!
Desobnubilador
dos saberes és completo!
Cristina Cacossi

Vejo os mestres, no passado,
e me enche a alma de dor
ver hoje, tão humilhado,
o antes... Senhor Professor!
Dorothy Jansson Moretti

Ser professor me engrandece
É minha doce missão;
E se o aluno reconhece,
Dá-me paz ao coração.
Eduardo Domingos Bitencourt


Triste destino bizarro
de um país na contramão:
alunos chegam de carro;
professor, de lotação.
Eliana Jimenez

O pó que emana do giz
e o salário sem valor,
tornam bem mais infeliz
a vida do professor!
Francisco José Pessoa

Quando há talento divino,
compromisso e bem- querer,
o professor faz do ensino
a razão do seu viver.
Glória Tabet Marson

Ser professor, que alegria:
plantar em todas lições
amor e sabedoria
no fundo dos corações...
Milton Souza

Ninguém pode se esquecer:
Professor tem seu valor;
boa conduta a manter,
ser de fato educador!
Nadir Giovanelli 

Ai que saudade me dá
do primeiro professor,
que ensinou-me o “b-a-bá”,
e me fez compositor!
Nei Garcez

Todo dia é da Criança
e também do Professor:
ela, aprende com confiança,
e ele, ensina com amor. 
Nei Garcez

Ao repensar minha história,
encontrei com emoção,
por trás de cada vitória,
um mestre no coração!
Renato Alves

Salve, salve o Professor
que na Vida se dedica
com ternura e muito amor,
sua lição sempre fica !...
Sônia Ditzel Martelo

Professora viga mestra,
que sustenta a educação,
regendo afinada orquestra
do saber e da instrução...
Vanda Alves da Silva

Desenvolvendo a pesquisa
para o ensino do saber
o professor realiza
evolução no aprender.
Vânia Ennes

Lembro-me de um professor,
em que jogava confete.
Eu lhe tinha tanto amor!
Doutor Milton Grandinete...
Zé de Uberaba

Fonte: 
Organização e Programação Visual: Heloisa Crespo 
Campos dos Goytacazes/RJ.

José de Alencar (Ao correr da pena) 29 de outubro: O Passeio Público


(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).

Quando estiverdes de bom humor e numa excelente disposição de espírito, aproveitai uma dessas belas tardes de verão como tem feito nos últimos dias, e ide passar algumas horas no Passeio Público, onde ao menos gozareis a sombra das árvores e um ar puro e fresco, e estareis livres da poeira e do incômodo rodar dos ônibus e das carroças.

Talvez que, contemplando aquelas velhas e toscas alamedas com suas grades  quebradas e suas árvores mirradas e carcomidas, e vendo o descuido e a negligência que reina em tudo isto, vos acudam ao espírito as mesmas reflexões que me assaltaram a mim e a um amigo meu, que há cerca de um ano teve a  habilidade de transformar em uma semana uma tarde no Passeio público.

Talvez pensareis como nós que o estrangeiro que procurar nestes lugares, banhados pela viração da tarde, um refrigério à calma abrasadora do clima deve ficar fazendo bem alta idéia, não só do passeio como do público desta corte.

A nossa sociedade é ali dignamente representada por dois tipos curiosos e dignos de uma fisiologia no gênero de Balzac. O primeiro é o estudante de latim, que, ao sair da escola, ainda com os Comentários debaixo do braço e o caderno de significados no bolso, atira-se intrepidamente qual novo César à conquista do ninho dos pobres passarinhos. O segundo é o velho do século passado que, em companhia do indefectível compadre, recorda as tradições dos tempos coloniais, e conta anedotas sobre a Rua das Belas Noites e sobre o excelente governo do sr. Vice-Rei D. Luís de Vasconcelos.

Assim, pois, não há razão de queixa. O passado e o futuro, a geração que finda e a mocidade esperançosa que desaponta, fazem honra ao nosso Passeio, o qual fecha-se às oito horas muito razoavelmente, para dar tempo ao passado de ir cear, e ao futuro de ir cuidar nos seus significados.

Quanto ao presente, não passeia, é verdade; porém, em compensação, vai ao Cassino, ao Teatro Lírico, toma sorvetes, e tem mil outros divertimentos agradáveis, como o de encher os olhos de poeira, fazer um exercício higiênico de costelas dentro de um carro nas ruas do Catete, e sobretudo o prazer incomparável de dançar, isto é, de andar no meio da sala, como um lápis vestido de casaca, a fazer oito nas contradanças, e a girar na valsa como um pião, ou como um corrupio.

Com tão belos passatempos, que se importa o presente com esse desleixo imperdoável e esse completo abandono de um bem nacional, que sobrecarrega de despesas os cofres do Estado, sem prestar nenhuma das grandes vantagens de que poderiam gozar os habitantes desta corte?

Quando por acaso se lembra de semelhante coisa, é unicamente para servir-lhe de pretexto a um estribilho de todos os tempos e de todos os países, para queixar-se da administração e lançar sobre ela toda a culpa. Ora, eu não pretendo defender o governo, não só porque, tendo tanta coisa a fazer, há de por  força achar-se sempre em falta, como porque ele está para a opinião pública na mesma posição que o menino de escola para o mestre, e que o soldado para o sargento, isto é, tendo a presunção legal contra si.

Contudo parece-me que o estado vergonhoso do nosso Passeio Público não é unicamente devido à falta de zelo da parte do governo, mas também aos nossos usos e costumes, e especialmente a uns certos hábitos caseiros e preguiçosos, que têm a força de fechar-nos em casa dia e noite.

Nós que macaqueamos dos franceses tudo quanto eles t~em de mau, de ridículo e de grotesco, nós que gastamos todo o nosso dinheiro brasileiro para transformar-nos em bonecos e bonecas parisienses, ainda não nos lembramos de imitar uma das melhores coisas que eles têm, uma coisa que eles inventaram, que lhes é peculiar e que não existe em nenhum outro país a menos que não seja uma pálida imitação: a flânerie.

Sabeis o que é a flânerie? É o passeio ao ar livre, feito lenta e vagarosamente, conversando ou cismando, contemplando a beleza natural ou a beleza da arte; variando a cada momento de aspectos e de impressões. O companheiro inseparável do homem quando flana é o charuto; o da senhora é o seu buquê de flores.

O que há de mais encantador e de mais apreciável na flânerie é que ela não produz unicamente o movimento material, mas também o exercício moral. Tudo no homem passeia: o corpo e a alma, os olhos e a imaginação. Tudo se agita; porém é uma agitação doce e calma, que excita o espírito e a fantasia, e provoca deliciosas emoções.

A cidade do Rio de Janeiro, com seu belo céu de  azul e sua natureza tão rica, com a beleza de seus panoramas e de seus graciosos arrabaldes, oferece muitos desses pontos de reunião, onde todas as tardes, quando quebrasse a força do sol, a boa sociedade poderia ir passar alguns instantes numa reunião agradável, num círculo de amigos e conhecidos, sem etiquetas e cerimônias, com toda a liberdade do passeio, e ao mesmo tempo com todo o encanto de uma grande reunião.

Não falando já do Passeio Público, que me parece injustamente votado ao abandono, temos na Praia de Botafogo um magnífico boulevard como talvez não haja um em Paris, pelo que toca à natureza. Quanto à beleza da perspectiva, o adro da pequena igrejinha da Glória é para mim um dos mais lindos passeios do Rio de Janeiro. O lanço d’olhos é soberbo: vê-se toda a cidade à vol d’oiseau, embora não tenha asas para voar a  algum cantinho onde nos leva sem querer o pensamento.

Mas entre nós ninguém dá apreço a isto. Contanto que se vá ao baile do tom, à ópera nova, que se pilhem duas ou três constipações por mês e uma tísica por ano, a boa sociedade se diverte; e do alto de seu cupê aristocrático lança um olhar de soberano desprezo para esses passeios pedestres, que os charlatães dizem ser uma condição da vida e de bem-estar, mas que enfim não têm a agradável emoção dos trancos, e não dão a um homem a figura de um boneco de engonço a fazer caretas e a deslocar os ombros entre as almofadas de uma carruagem.

A boa sociedade não precisa passear;  tem à sua disposição muitos divertimentos, e não deve por conseguinte invejar esse mesquinho passatempo do caixeiro e do estudante. O passeio é a distração do pobre, que não tem saraus e reuniões.

Entretanto, se por acaso encontrardes o diabo Coxo de Lesage, pedi-lhe que vos acompanhe em alguma nova excursão aérea, e que vos destampe os telhados das casas da cidade; e, se for noite em que a Charton esteja doente e o Cassino fechado, vereis que a atmosfera de tédio e monotonia encontrareis nessas habitações, cujos moradores não passeiam nunca, porque se divertem de uma maneira extraordinária.

Felizmente creio que vamos ter breve uma salutar modificação nesta maneira de pensar. As obras para a iluminação a gás do Passeio Público e alguns outros reparos e melhoramentos necessários já começaram e brevemente estarão concluídos.

Autorizando-se então o administrador a admitir o exercício de todas essas pequenas indústrias que se encontram nos passeios de Paris para comodidade dos freqüentadores, e havendo uma banda de música que toque a intervalos, talvez apareça a uma banda de música que toque a intervalos, talvez apareça a concorrência, e o Passeio comece a ser um passatempo agradável.

Já houve a idéia de entregar-se a administração a uma companhia, que, sem nenhuma subvenção do governo, se obrigaria a estabelecer os aformoseamentos necessários, obtendo como indenização um direito muito módico sobre a entrada, e a autorização de dar dois ou três bailes populares durante o ano.

Não achamos inexeqüível semelhante idéia; e, se não há nela algum inconveniente que ignoramos, é natural que o Sr. Ministro do Império já refletido nos meios de leva-la a efeito.

Entretanto o Sr. Ministro que se acautele, e pense maduramente nesses melhoramentos que está promovendo. São úteis, são vantajosos; nós sofremos com a sua falta, e esperamos ansiosamente a sua realização. Mas, se há nisto uma incompetência de jurisdição, nessa caso, perca-se tudo, contanto que salve-se o princípio: Quod Dei Deo, quod Cesaris Cesare.. 

A semana passada já o Sr. Pedreira deu motivo a graves censuras com o seu regulamento do asseio público. E eu que caí em dizer algumas palavras a favor! Não tinha ainda estudado a questão, e por isso julgava que, não dispondo a Câmara Municipal dos recursos necessários para tratar do asseio da cidade, o Sr. Ministro do Império fizera-lhe um favor isentando-a desta obrigação onerosa e impossível, e a nós um benefício, substituindo a realidade do fato à letra morta das posturas.

Engano completo! Segundo novos princípios modernamente descobertos em um jornal velho, a Câmara Municipal não tem obrigação de zelar a limpeza da cidade, tem sim um direito; e por conseguinte dispensa-la de cumprir aquela obrigação é esbulha-la desse seu direito. Embora tenhamos as ruas cheias de lama e as praias imundas, embora a cidade às dez horas ou meia-noite esteja envolta numa atmosfera de miasmas pútridos, embora vejamos nossos irmãos, nossas famílias e nós mesmos vítimas de moléstias provenientes destes focos de infecção! Que importa! La garde meurt, mais ne se rend pas. Morramos, mas respeite-se o elemento municipal; salve-se a sagrada inviolabilidade das posturas!

Filipe III foi legalmente assassinado, em virtude do rigor das etiquetas da corte espanhola. Não é muito, pois, que nós, os habitantes desta cidade, sejamos legalmente pesteados, em virtude das prerrogativas de um novo regime municipal.

A pouco tempo eu diria que isto era mais do que um contra-senso,  porém hoje, não; reconheço que o Ministro do Império não deve tocar no elemento municipal, embora o elemento municipal esteja na pasta do Ministro do Império, que aprova as posturas e conhece dos recursos de suas decisões.

Respeite-se, portanto, a independência da edilidade, e continuemos a admirar os belos frutos de tão importante instituição, como sejam a reedificação das casas térreas da Rua do Ouvidor, a conservação das biqueiras, o melhoramento das calçadas das Ruas da Ajuda e da Lapa, e a irregularidade da construção das casas, que se regula pela vontade do proprietário e pelo preceito poético de Horácio – Omnis variatio delectat.

Ora, na verdade um elemento municipal, que tem feito tantos serviços, que além de tudo tem poetizado esta bela corte com a aplicação dos preceitos de Horácio, não pode de maneira alguma ser privado do legítimo direito que lhe deu a lei de servir de valet de chambre da cidade.

Pelo mesmo princípio, sendo o pai obrigado a alimentar o filho, sendo cada um obrigado a alimentar-se a si mesmo, qualquer esmola feita pela caridade, qualquer instituição humanitária, como recolhimento de órfãos e de expostos, não pode ser admitido, porque constitui uma ofensa ao direito do terceiro.

E agora que temos chegado às últimas e absurdas conseqüências de um princípio arbitrário, desculpem-nos aqueles a quem contestamos o tom a que trouxemos discussão. Neste mundo, onde não faltam motivos de tristeza, é preciso rir ainda à custa das coisas as mais sérias.

A não ser isto, provaríamos que o Sr. Ministro do Império, tomando as medidas extraordinárias que reclama a situação, respeitou e considerou o elemento municipal, e deixou-lhe plena liberdade de obrar dentro dos limites de sua competência. Se me contestarem semelhante fato, então não terei remédio senão vestir o folhetim de casaca preta e gravata branca, e voltar à discussão com a lei numa mão e a lógica na outra.

Aposto, porém, que a esta hora já o meu respeitável leitor está torcendo a cabeça em forma de ponto de interrogação, para perguntar-me se pretendo escrever uma revista hebdomadária sem dar-lhe nem ao menos uma ou duas notícias curiosas.

Que quer que lhe faça? O paquete de Liverpool chegou domingo, mas a única notícia que nos trouxe foi a do desembarque na Criméia. Ora, parece-me que não é preciso ter o dom  profético para adivinhar os lances de semelhante expedição, que deve ser o segundo tomo da tomada de Bommarsund, já tão bem descrita, todos sabem por quem.

Há três ou quatro vapores soubemos que se preparava a expedição da Criméia; depois disto, as notícias vieram, e continuaram a vir pouco mais ou menos desta maneira. – As forças aliadas embarcaram. – estão em caminho. Devem chegar em tal tempo. – Chegaram. – Desembarcaram. – Reuniu-se o conselho general para resolver o ataque. – O ataque foi definitivamente decidido. – Começou o assalto. – Interrompeu-se o combate para que os pintores ingleses tirem a vista da cidade no meio do assalto. – Continuou o combate. – Fez-se uma brecha. – Nova interrupção para tirar-se a vista da brecha.

Isto, a dois paquetes por mês, dá-nos uma provisão de notícias que pode chegar até para meados do ano que vem. Provavelmente durante este tempo mudar-se-ão os generais, e os pintores da Europa terão objeto para uma nova galeria de retratos, os escritores tema para novas brochuras, e os jornalistas matéria vasta para publicações e artigos de fundo. E todo este movimento literário e artístico promovido por um bárbaro russo, o qual com a ponta do dedo abalou a Europa e tem todo o mundo suspenso! 

É um fenômeno este tão admirável como o que se nota no Teatro Lírico nas noites em que canta a Casaloni. A sua voz extensa e volumosa, e os enormes ramos de flores enchem o salão de tal maneira, que não cabe senão um pequeno número de espectadores; o resto, não achando espaço e não podendo resistir à  força de tal voz, é obrigado a retirar-se. Entretanto os desafetos da cantora dizem que ela não tem entusiastas e adoradores! Tudo porque ainda não compreenderam aquele fenômeno artístico e musical!

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.