terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Regina Mercia Sene Soares (Teia de Poesias)


Bolhas de Sabão

Bolhas de sabão soltas no ar 
 Voam em todas as direções
 Ao sabor do vento
 São coloridas como o 
 Arco íris!
 Traz alegria para quem
 As soltam!
 Ela eleva a minha imaginação
 Para a beleza infinita
 Que se mistura
 No ar!
 Bolha de sabão como gostaria
 De ser você!
 Para poder misturar-me com
 O ar e alcançar 
 O infinito!
 Esse infinito de tom azulado
 Que espalha o ar 
 Que respiro!
 E dá a vida e o colorido
 Como bolha de sabão
 Solta no ar!
 Enchendo-me de alegria 
 E fazendo eu voltar a ser
 Criança novamente!
 Uma infância colorida e saudável
 Com todas as cores
 Do arco-íris! 


ASAS DO TEMPO

Cadê as asas do tempo...
 Para onde foram?
 Estou em busca delas...
 Parece uma ave que
 Saiu do ninho
 Como um pássaro que voa
 Contra o tempo...
 Contra a vida...
 Em busca da felicidade
 Para deixar a tristeza
 Tristeza esta que se fazia
 Amargas as palavras
 Que saiam da boca
 Enlouquecida... gritando
 Por afeto e em busca
 Da musica suave
 Que as asas do tempo...
 Não param de voar
 Querem encontrar onde pousar
 Numa flor...
 Numa noite enluarada
 Onde as asas tocam
 As estrelas que refletem
 A luz do tempo...
 Tempo esse que é o hoje
 Foi o ontem...
 E será o amanhã
 Marcando o destino
 Como a vida de um pássaro
 Que voa em busca
 Do seu eu interior…

AREIA

Areia leve e branca!
 Fina como um pó
 Mas sua energia cobre as praias
 Como um tapete
 Quando o vento bate
 Levantam com uma nuvem...
 Marcando seu espaço
 Com uma grandeza! 
 Como um deserto
 Que se expande...
 A grandes altitudes
 Revelando sua amplitude
 Como um circulo mágico!
 Inspirando pensamentos
 Que voam formando dunas
 Formadas por milhões
 Bilhões... trilhões de grãos...
 Que cobrem a terra!
 Tornando um imenso deserto
 Mostrando sua grandeza
 Que de partícula em partícula
 Minúscula areia branca
 Nos faz delirar ...
 E deixarmos nos levar
 No tapete mágico
 Pelo espaço infinito...
 E entrar no circulo mágico
 No deserto que se expande
 Nas grandes inspirações
 De milhões de pensamentos!

ESTRELA MAIOR

A luz da terra sobrepõe
 Iluminando os corações
 E as estrelas brilham
 Cada vez mais mostrando a trilha

Saudamos os anjos
 Da fraternidade que guia
 Os amigos companheiros
 Que já se foram com toda valia...

 Para semearem os feitos
 Nos campos áridos
 Com amor e transformar
 Em benção do céu em amar...

Pouco a pedir e muito a tecer
 E muito a agradecer
 Acreditando que cativa
 Nosso planeta dá a viva...

Na esperança e na coragem
 Que a espiritualidade ausente
 Se faça presente
 E traga a mensagem...

Para saudar um novo
 Inicio de vida e do povo
 De dádiva recebida
 Como foi concebida…

CAMINHO

Acho que me perdi
 Vivo vagando sem rumo
 No escuro de um caminho perdido!
 Busco o caminho e não encontro
 Parece que a estrada
 Fica mais longa.
 Quanto mais ando
 Mais perdida fico
 Sinto uma dor tão grande no peito
 Que me coroe
 Ando... ando e o mundo
 Se torna cada vez mais estranho
 Parece que estou nua
 Desprotegida e despojada.
 Que mundo é esse?
 Sem paz, sem compreensão
 Cheio de desencanto
 Desencontro.... egoísmo... desilusão
 Será que não tem solução?
 Os corações estão perdidos
 As mentes estão entorpecidas
 Os corpos cansados
 Nosso ego fica a zero
 Será que a morte está para chegar?
 Será que estamos esperando 
 Nossa hora?
 Nesta longa estrada
 Da vida!!!

O VIOLINISTA

Ele é a revelação do amor
 De um amor que busca
 O tempo que parece não voltar! 

Mas ao ter voltado desperta
 Canções apaixonantes que saem
 Das cordas do violino daquele
 Violinista que faz as lembranças 
 Do tempo voltarem sem piedade

Trazendo o infortúnio com saudade
 O toque de sua canção emocionante
 Que sai de seu violino encantador!

Sustentando a tonalidade musical
 Com suas notas melódicas e fortes
 Abrindo o caminho para passar
 Por uma porta que jamais se fechou
 Através dela transpassaria a dor
 Do peito dilacerado e sofrido

O som do violino levou a mulher
 A levantar as mãos ao coração e a dor
 Do peito aumentou o desespero de um amor
 Que revive com a musica do violinista
 A tocar e levantou seus olhos e viu a sua amada
 Ao termino da musica num momento de emoção

Chegou perto de sua bela amada e acolheu-a
 Em seus braços depois de tocar aquela musica
 Que fazia parte da lembrança do passado!

Olhou bem nos olhos de sua amada
 Levando seus lábios a unirem-se com o dela
 Dando-lhe um grande beijo de amor
 Tornando aquele momento emocionante
 No mais lindo momento de amor
 Tudo acontecendo por causa da apresentação
 Do violinista que reencontrou o seu amor.

Fonte:
http://www.albumdereginamerciaepoemas.com.br/

Regina Mercia Sene Soares (1947)


Nasceu em Novo Horizonte-SP, no dia 18 de junho de 1947, onde reside.

Historiadora e Pesquisadora, Pós –Graduada em Técnicas Pedagógicas, ministrou aulas de Ciências, Geografia, Filosofia, Sociologia, Iniciação a Pesquisa, Programa de Saúde, OSPB. Leitura Interpretação de Texto e montagem de texto e Monografia.

Professora de Ensino Fundamental, Médio e Superior. 

Formação Escolar

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Catanduva-SP – Curso Superior História- Plena

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Jales - SP, Curso de Pós Graduação em Especialização em Prática Docente, Fundamentos e Técnicas com ênfase em História.

I.T.E.C- Faculdade de Educação de Tangara da Serra - MT, Curso de PPP X Parâmetros Curriculares,onde ministrou aulas de Sociologia.

Ministrou curso de Leitura, Interpretação e Montagem de Texto e Monografia, na UNIC (Universidade de Cuiabá) na extensão da Universidade em Nova Olimpia-MT.

Também contadora de Historias Infantis.

Participação:
0 Antologias: Versos Luso - Brasileiros- Editora Sapere;
– Poetas Em/Cena 5. Reunião de poemas de poetas brasileiros, no VII Belô Poetico;
–  IX Antologia Poética de Diversos Autores, Voz de Aço, todas em 2011.

Fonte:
http://www.albumdereginamerciaepoemas.com.br/

André Carneiro (O Peregrino das Dimensões Simbólicas em Xeque)



O escritor Luiz Bras entrevista o romancista e poeta André Carneiro, um dos precursores da da literatura de ficção científica no Brasil e que, há mais de uma década, está radicado em Curitiba 


 Os recém-nascidos são na verdade viajantes interdimensionais. É o que afirmam certas doutrinas místicas. Se verdadeiras ou falsas, não importa. Na obra multidimensional de André Carneiro elas fazem bastante sentido. André desembarcou neste planeta há noventa anos. Mais precisamente em 9 de maio de 1922. Veio em missão de paz. Desembarcou em Atibaia, no interior paulista, morou muitos anos em São Paulo e vive em Curitiba desde 1999.

 Como ocorre com todos os artistas e escritores deste mundo, o que mais fascinou o jovem visitante de outra dimensão, logo que aqui chegou, foi o drama humano. Para melhor entender esse drama, André rapidamente começou a escrever, fotografar, pintar e filmar, virando do avesso todas as pessoas que encontrava pela frente. A matéria-prima de sua arte e de sua literatura é o ser humano em estado sólido, líquido, gasoso e simbólico.

 “André Carneiro, antes de tudo, é um poeta”, escreveu o jornalista Dorva Rezende no prefácio da coletânea Confissões do inexplicável, de 2007. A substância poética, sempre radioativa, contamina todo o trabalho criativo de André, em prosa, verso ou imagem. Ângulo e face (1949), seu livro de estreia, é uma reunião de poemas sinuosos e comoventes, numa palavra: transfiguradores. Em seguida vieram Diário da nave perdida (1963), de contos, e Espaçopleno (1963), novamente de poemas, elogiado por Sérgio Milliet e Wilson Martins, entre outros.

 Os últimos cem anos foram tão fabulosos, que às vezes é difícil acreditar que realmente existiram. No começo do século XX não havia o plástico, a televisão, o avião, o antibiótico… No final do século, duas dúzias de pessoas já haviam visitado a lua. Por um lado, a arte e a literatura de André Carneiro examinam o presente e o futuro, mas, por outro, são uma tentativa de provar que os últimos cem anos não foram um sonho louco. Eles realmente existiram. Se não existiram, precisam ser inventados, e André já inventou uma boa parte.

 Nem mesmo a acentuada dificuldade de visão impede André de ler e escrever cada vez melhor, provando que a visão interior, mental, é muito mais potente do que a meramente orgânica.

Ao longo de sua vida criativa, você se expressou por meio da poesia, da prosa, da fotografia, da pintura, da colagem e do cinema. Sabendo que as artes visuais e a literatura estimulam nossa sensibilidade de modos diferentes, você procurou criar conexões entre elas? Ou preferiu trabalhar com as particularidades de cada meio de expressão?

 A sensibilidade e a visão crítica do entrevistador podem mostrar um retrato representativo do entrevistado. Quando criei as obras de arte e de literatura aqui citadas, sempre vivi a emoção por elas provocada. No momento da criação, não havia relação com quaisquer de minhas outras realizações. Entretanto, escrevendo tantos roteiros de cinema, senti a parecença de processos entre a descrição das imagens de cinema e as dos contos. Um bom crítico ajuda o autor a desvendar os processos da sua criação. Admito que sua proposição é correta, todas as minhas atividades têm um inegável parentesco intrínseco entre elas.

Sabemos que o vínculo afetivo entre o criador e sua obra é algo capaz de resistir a qualquer tentativa de autoanálise fria e objetiva. Mas, se você fosse convidado a fazer um balanço, o mais imparcial possível, de sua longa produção criativa, quais obras você salvaria e quais descartaria?

 Terrível pergunta que nunca me fizeram. Cheguei a sentir-me com duas asas e dois olhos de coruja, pensando: todos os meus filhos são tão bonitos... De toda a minha obra publicada, não sou capaz de separar uma que eu rejeite. Mesmo os contos antigos, publicados no meu jornal literário Tentativa, leio hoje com surpresa e nenhuma resistência crítica. Confio essa tarefa aos críticos.

 Você sobreviveu a duas ditaduras: a de Getúlio Vargas, na época do jornal Tentativa, e a dos militares que derrubaram o governo de João Goulart. Então, em 1985, a opressão e a censura foram substituídas pela liberdade e pela corrupção: Fernando Collor de Mello, escândalo dos anões do orçamento, escândalo do mensalão, caso Renan Calheiros, escândalo dos Correios etc. A espécie humana ainda tem jeito ou é um caso perdido?

 Todas as vezes que a espécie humana me causou grandes decepções, sempre me consolei com a máquina do tempo: se olharmos a História em uma visão panorâmica, é inevitável descobrirmos que agora, com todas as imperfeições do mundo contemporâneo, podemos encontrar nítidas melhoras. A horrorosa escravidão explícita de um ser humano, imposta por outro, está eliminada oficialmente. As leis trabalhistas em todo o mundo têm sido paulatinamente melhoradas. Eu ainda acredito no ser humano. Acredito até que a ciência chegará ao ponto de uma mutação que nos garanta um DNA mais favorecido.

No final do ano passado, numa votação informal promovida pelo blogue Cobra Norato, seu conto “A escuridão”, de 1963, foi eleito o melhor conto brasileiro de ficção científica. Na opinião dos leitores que conhecem bem a literatura brasileira, “A escuridão” merecia figurar em qualquer antologia do tipo Os cem melhores contos brasileiros do século 20, organizada por Ítalo Moriconi. Em sua opinião, o que está faltando para que nosso establishment perca o notório preconceito contra a ficção científica?

 Agradeço pela sua colocação. Aliás, talvez uma publicação com o mesmo peso, a maior editora do mundo, a G.P. Putnam’s Sons, em 1973 publicou uma antologia dos melhores contos mundiais daquele ano e o único representante brasileiro foi o meu “A escuridão”, traduzido para o inglês por Leo Barrow. É doloroso admitir, mas o establishment brasileiro segue o mesmo rumo das estatísticas da nossa ignorância literária em geral. Talvez por isso Fernando Henrique Cardoso tenha dito que somos um país caipira. Acrescente-se o tolo preconceito contra o gênero ficção científica, que os mal informados julgam pelos filmes B e pelas histórias em quadrinhos americanas, que o banalizam utilizando apenas temas como alienígenas, monstros e super-heróis.

 O desejo e o erotismo são a matriz de suas principais obras literárias. Estou pensando nos romances Piscina livre (1980) e Amorquia (1991), e na maioria dos contos de A máquina de Hyerônimus (1997), por exemplo. Em sua opinião, a chave de nossa transcendência não está na razão cartesiana, mas nos delírios do corpo sensível?

 Todos os delírios do erotismo e do corpo sensível, como você poeticamente afirmou, exigiriam um livro que fosse metade do entrevistador, metade do entrevistado. Nelson Rodrigues captou bem esse clima na sua dramaturgia. A mistura complexa das nossas etnias formadoras seria um ponto de partida. Sempre me impressionou nos Estados Unidos a diferença entre uma alegria ao estilo carioca, dos negros americanos quando reunidos em qualquer situação, contrastando com a sisudez dos brancos americanos, embora menos aguda que a dos britânicos.

Nelson Rodrigues é um dos teus dramaturgos prediletos? Qual a sua relação com o teatro? Você nunca se interessou em escrever também para o palco?

 Gosto muito de Nelson Rodrigues como retratista da realidade brasileira. Porém, prefiro peças mais arrojadas, como as de Arrabal, Sartre e Brecht. Escrevi uma vez uma peça que infelizmente não foi encenada. Chamava-se Azarada. A companhia que ia levá-la ao palco se dissolveu antes da estreia. E foi só essa experiência.

Muitos de seus personagens são publicitários ou ex-publicitários irritados com a profissão. Igual a outros escritores importantes, como Jamil Snege e Sebastião Nunes, você também trabalhou em agência de publicidade. Uns dizem que a publicidade também pode ser arte, outros dizem que isso é uma grande besteira…

 Acho impossível um bom publicitário que ignore a arte. É elogiável quando um comercial tem qualidades artísticas. Uma boa publicidade pode ser artística. É pena que nem sempre o produto tem as mesmas qualidades do anúncio. É pena também quando um bom artista gasta sua criatividade só na publicidade.

Outro de seus contos muito apreciado no Brasil e no exterior é “O homem que hipnotizava”, também de 1963, sobre um sujeito que aperfeiçoa a própria realidade por meio da auto-hipnose. Sobre esse assunto, a hipnose, você publicou dois livros teóricos. Em que circunstância aconteceu seu encontro com essa técnica de indução psicológica?

 O primeiro livro, O mundo misterioso do hipnotismo, foi publicado em 1963; o segundo, Manual de hipnose, em 1978. Descobertas e novidades cientificas sempre me fascinaram. A hipnose era algo revolucionário, mas pouco estudado no mundo e muito menos no Brasil. Comprei livros estrangeiros e cuidadosamente tentei com amigos algumas experiências de indução hipnótica. O sucesso que consegui rapidamente me impressionou e me motivou a seguir mais adiante. Naquele tempo eu estava mergulhado no estudo da psicologia e da psicanálise, e foi inevitável que eu utilizasse técnicas hipnóticas em alguns pacientes. À medida que minhas experiências avançavam em profundidade, eu me espantava que o assunto fosse ainda ignorado pela medicina brasileira. Escrevi os dois livros e posso dizer, através de uma só citação, que foram um grande sucesso. Carol Sonenreich, o grande cientista radicado no Brasil, classificou meus livros como os melhores até então publicados sobre o assunto. Acredito que pelo fato de eu ser escritor, minhas explicações técnicas são melhor absorvidas pelos leitores em meus contos. Tenho em meus arquivos um caso de processo criminal em que um indivíduo casado foi indiciado por ter usado a hipnose numa divisão de herança. Observei que, na literatura universal, a hipnose era explorada de maneira amadora, sem conhecimento científico. Me inspirou o fato de que a hipnose já estava sendo usada criminalmente na realidade, e usei então essa sugestão em textos ficcionais.

Amigos brincam que você é uma espécie de Leonardo da Vinci brasileiro. Além da produção artística e literária, seu apartamento está cheio de invenções, objetos e esculturas feitos de sucata…

 A pintura modernista foi para mim uma grande fascinação. De Chirico, Picasso, Pollock, não importa se abstratos ou concretos, todos que revolucionaram a visão do espectador, mostrando um mundo inventado pelo artista, me influenciaram. O uso do objeto tridimensional me permitia então experiências dentro da minha relatividade monetária. Comecei a explorar ferros-velhos por toda São Paulo, e quando visitei Manhattan foi como se descobrisse Shangri-la, nunca vi lixos tão ricos em toda espécie de objetos interessantes. Como herdei de meu pai uma loja de ferragens, sou até hoje um perito cortador de vidros usando diamante. Criei o que chamei de quadros dinâmicos, com diversos compartimentos de vidros com líquidos de cores variadas, além de mercúrio e outros materiais. Manuseado pelo espectador, podem-se formar milhares de combinações plásticas. Pesquisei também na escultura com materiais que, solidificados, pareciam cristais. E, em Murano, até no chão resgatei pedaços de cristais de cores variadas que fazem parte de esculturas minhas. Como sou muito jovem, ainda tenho intenção de dar vida a diversas criações.

E o que nos diz sobre as oficinas de criação literária? Você coordenou várias, numa época em que não havia muitas. Agora há centenas. Que benefícios uma atividade como essa costuma trazer aos participantes?

 Tenho a impressão que a minha oficina, iniciada com algumas outras na casa que foi do Mário de Andrade, foi uma das primeiras em São Paulo. Durante anos essas oficinas funcionaram com grande sucesso e eu fico espantado como uma realização tão pródiga na ampliação da nossa cultura não tenha sido ampliada ainda mais. Em Curitiba, coordeno uma oficina há muitos anos, eficientemente secretariada pelo escritor Mustafá Ali Kanso. A palavra oficina é extraordinariamente adequada a esta forma de cultura direta e prática. Contos ou poemas elaborados pelos oficinandos (não chamo de alunos, pois muitos já têm livros publicados) são analisados de um ponto de vista construtivo, com um toque final dado por mim. A crítica coletiva possibilita uma visão magnífica sobre o trabalho e infunde um conhecimento prático da técnica literária com mais eficiência do que qualquer outro método. Espero que continuem ampliando essa prática para que novos e excelentes autores surjam dessa iniciativa.

Antônio Abujamra, do programa Provocações (TV Cultura), termina seu programa de um jeito que eu gosto: ele olha para o entrevistado e diz: “Qual pergunta importante, na sua opinião, ficou faltando eu fazer?” No seu caso, André, qual pergunta ficou faltando eu fazer? Algo que você sempre julgou importante, mas nenhum entrevistador pensou em perguntar.

 Nenhuma. Você é um ótimo psicanalista, suas perguntas são aquelas que induzem à confissão das nossas verdades. Você foi gentil não pedindo detalhes do golpe militar. Eu não posso falar mesmo dele, perco a calma porque o assunto é sempre triste. Ainda bem que entre altos e baixos a nossa democracia tem melhorado visivelmente.

Fonte:
Revista Cândido n. 16 – nov 2012 – Curitiba

João Carlos Faria (Tarde Sem Chuva)


Poemas rasgados na tarde de sexta … Enquanto a casa de Paraty esta vazia … Adentro a ela, uma casa sem nada, sem televisão, um espaço em branco a ser preenchido. Adentro a casa e leio Gramática Expositiva do Chão de Manuel de Barros … Nas ruas, crianças brincam, famílias brigam e cães dormem em quintais. Quanto clichê! Mas respiramos e adentramos a poesia. Os poemas de Manuel são simples, mas não são fáceis. Nunca vi um poeta fácil. Sou ex poeta… Mas leio vorazmente poetas. Nas tardes, a vida é sem rima, cheia de prazeres… Nas manhãs nas tardes e nas madrugadas conversamos em bancas de jornais, enquanto elas ainda existem … E a vida desfila em nossa frente. Várias cores de emoções…As emoções tem cores … E a casa de Paraty continua vazia … Ando por suas ruas com um vestido indiano. É, eu usando um vestido indiano, com um tênis no pé. Não tem nada a ver.

Quantas propostas fiz a sociedade e sempre continuo anônimo. Graças a Deus nunca saberia lidar com a fama. Ela não ajuda a entender o mundo. Estamos aqui brincando de aprender. Se não entendermos para que servem os clichês, a escrita se faz inútil. Assisti a um programa de TV onde um mestre do roteiro ensina as manhãs de um roteiro. Deveria assistir várias vezes. Nem sei se escreverei algum roteiro, mas já sei que não poderei mais contar com Walmor Chagas que acabou de pegar um avião para o desconhecido, sem passagem de volta. Não acho que a morte acaba com tudo. Já não sou ateu. Nem me lembro se fui ateu. Crer depende de atitude. Tarde sem chuva. Manuel tem um corte nos poemas, um ar cinematográfico no seu jeito de contar historias. É um poeta de hoje. Demorei para ler este autor e agora se faz importante. Desculpem minha vil ignorância, para mim, estar junto com Fernando Pessoa nos diz muito de formas sutis. Leio muitas e muitas vezes um poema. Faço do poema parte de mim.

Hoje ouvi Raul numa banca de revista, que tem muita importância para mim nestes últimos anos. Uma conversa e troca de amizade sem nenhuma competição e sim compartilhamento. As emoções tem cores as vejo nas pessoas. Antes de voltar a cidade,fiquei em silencio vendo as emoções coloridas de meus familiares e procurei o silencio. Tenho uma voz alta, carregada de emoção. Quando falo, as árvores tampam os ouvidos. Devo calar-me e escrever. Já fui performance e alguém falou que eu poderia ter feito sucesso,  faltava teorizar, para não ficar no vazio. Deixe o tempo passar a escrita se faz inútil a razão humana mas necessária ao coração. Pássaros cantam em meu coração, Manuel me abriu infinitas possibilidades… Como amigos em bancas de revista. Conheço o mundo sem sair de meu bairro. Mas não deixo de querer pisar no Chão da Amazônia, nem de andar nas areias dos lençóis Maranhenses.

Caraca não falei das mazelas dos desgovernos da politica … Danem-se as mazelas, são homens mediocres que governam … Somos tão imitadores da América do Norte que criamos ao nosso jeito, uma Republica de dois grandes partidos … Estou fora se Deus me permitir. Já não tenho tantas ilusões. Não quero um paleto de Barnabé… Só preciso de um trabalho honesto e um teclado de computador, quem sabe um Tablet para ler tantos e tantos livros que quando morrer talvez os esqueça. Assim como esquecerão minha má literatura. Esforço-me para criar meu próprio estilo. Como não há nada novo entre o céu e a terra, devo só escrever … Dias destes critiquei um texto de alguém. Não consigo ficar em silencio quando alguém que escreve muito, faz algum texto medíocre. É o sistema que nos engole. Desculpem não sou devasso. Talvez já queira ter sido. Mas nunca fui. Só está em meus escritos antigos. Passado passou … A vida sempre segue, adentro a minha Casa de Paraty…Esta vazia, mas completamente cheia de Utopia … Que Walmor descanse … A vida é longa e curta … As estrelas estão ai a nos iluminar … Preciso recolher-me ainda não é madrugada.

Fonte:
http://entrementes.com.br/2013/01/tarde-sem-chuva/

Coelho Neto (Mano) Parte 8

O QUE RESTA

Leva a tempestade o ninho e a ave, órfã e desabrigada, esvoaça tonta e aflita. Vai de árvore a árvore, salta de ramo em ramo ansiosa; eleva-se no ar, libra-se em pairo, torna ao chão, olha, pesquisa e, do que foi, nem a mais tênue achega encontra.

Dolorida, ainda que tudo se lhe balde, revoa em volta da árvore em que teve o pouso e a prole, até que, de todo desanimada, abala, fugindo ao sítio da desventura.

Longe, porém, em verdes silvas, cantando aqui, ali palhiço e folhas, tece outro ninho, reinstala-se em tépido aconchego e dorme até que rompe a madrugada, e ei-la desperta, pronta para voar de novo, cantar ao sol, feliz.

Teu nome!

Anda de boca em boca como, de ramo em ramo, voa e revoa a ave desditosa. Ouço, a todo o instante, o doce nome ao qual dantes respondias. Mas o ninho em que ele vivia foi-se levado pela tempestade, caiu da árvore do amor, desfez-se em pó no chão.

Debalde soas, pobre nome! Não és mais que som. Andas nas falas, voas nos suspiros, sinto-te nas lágrimas.

Isso, porém, que monta se não assentas, porque o corpo, que era o teu pousadouro, desapareceu para sempre.

O desespero da ave cessa desde que ela refaz o ninho em outro sítio. Teu nome, esse... ai! de nós! nunca mais se firmará na vida, andará de boca em boca, de lembrança em lembrança em nossa saudade, como a ave, de ramo em ramo, nas árvores da floresta, mas sem poder fazer de novo o ninho, reinstalar-se e adormecer, para sair com a luz da manhã, reentrar na vida alegremente, ao sol.

Pobre nome! E é tudo que resta do que se foi na tormenta.

CONSOLAÇÃO

Já entrando no gabinete, detive-me, porém, à porta, comovido com aquele culto suave vendo-a escolher no ramo que, todas as manhã, lhe é levado pelo florista, as mais belas rosas, de preferência os botões com que ornamenta o retrato do filho amado, posto entre o grande tinteiro de bronze e a caixa dos cigarros.

Deixei-me estar quieto como se assistisse a uma cerimônia religiosa. E outra coisa não era aquele ofício de saudade, diante da mesa que fora o altar em que ele estivera exposto toda uma noite, entre as colunas flamejantes dos ciriais, com um crucifixo sobre o peito, e cercado de flores.

Com que enlevo ela colocava uma a uma no vaso, as rosas escolhidas!

Inclinava a cabeça para contemplá-las, a ver se estavam bem. Endireitava uma, chegava outra mais ao centro, punha os botões às bordas para que desabrochassem livremente, sem empeço.

Por fim, tomou o retrato delicadamente, a mãos ambas, chegou-o aos lábios e reteve-o, muito tempo num beijo. Depô-lo no lugar próprio e pôs-se a falar baixinho.

De repente, em ímpeto de desespero, ajoelhando-se, com os braços estendidos sobre a mesa, de mãos postas, suplicava... O que? E, por entre lágrimas, agitada por soluços, a voz saía-lhe humilde, entrecortada e aflita.

Que diria a pobre mãe naquela ascese dolorosa?

Adiantei-me pé ante pé. O alto tapete abafava-me o rumor dos passos e assim, sem ser sentido, pude chegar até junto dela, e ouvi-la.

Rezava. A Deus? Não, ao espírito do filho. Rezava diante da imagem da sua grande, infinita saudade, pedindo-lhe o milagre da sua presença, um aceno, que fosse, do Além, para consolo da sua alma vazia.

Senti com ela, e, docemente, para não assustá-la, chamei-a.

Apesar da meiguice com que a tirei do arroubo, sobressaltou-se, estremecendo assustada. Ajudei-a a levantar-se, passei-lhe um braço pela cinta e, beijando-a na fronte, disse-lhe compadecido:

- Falavas-lhe? - Ela fitou-me com os olhos rasos de água. - Também eu converso com ele, disse-lhe - não como tu, dirigindo-me ao seu retrato - converso com ele dentro de mim: são as nossas almas que se falam. Tu queres o absurdo.

- Como absurdo?

- Sim. Queres que uma sombra te ouça; que o nada te responda. É absurdo. O retrato é um simples cartão de visita, lembra-nos a sua passagem, só isto; ele, ele mesmo, paira em volta de nós como a luz, envolve-nos como o ambiente, penetra-nos como o ar que respiramos.

Eu sinto-o. Juro-te que o sinto e o que talvez te pareça indiferença, é tranqüilidade que tenho pela certeza em que estou firmado de que o não perdi de mim.

- Também eu o sinto - suspirou ela; - mas quisera vê-lo, ainda que fosse por um segundo. Que ele me aparecesse em um relâmpago e eu não sofreria mais. Por que não havemos nós de ver os nossos mortos? Quando conseguiremos passar da sombra para a claridade do Além! Deus devia ser bom para as mães...

- Deus é bom.

- Bom...! - disse meneando tristemente com a cabeça. - Bom... Bom e nega-nos o pequenino consolo que lhe pedimos com tantas lágrimas. Não mo quer mostrar durante a vigília, mostre-mo durante o sono, num sonho.

Quando dormimos desprendemo-nos do corpo, a alma faz como um pássaro que se ala do ramo onde tem o ninho. Pois bem, no sono, por que não mo deixa ver enquanto durmo? Seria um sonho, um sonho feliz. Nem isso. Por que?

- Por que? Ai! de nós, aí! da vida se conseguíssemos desvendar o segredo da Morte. O azul é o azul da alma. Quando viajamos que fazemos nós no largo oceano - atravessamos a cortina diáfana, vencendo-a, deixando-a atrás? Não, porque ela sempre se nos opõe, ao longe. E por que a temos diante dos olhos sustamos a marcha? Não: prosseguimos com a certeza de topar em porto onde tomemos pé.

Ninguém se deixa ficar no oceano, à matroca - procura um rumo, norteia-se, toma um destino, rompe o azul. É preciso ter coragem e bússola para andar nos mares; é preciso ter crença e fé para levar a alma além da dúvida. Desesperos são temporais e é justamente nos temporais que se conhecem os mareantes.

Se, no furor da tormenta, com os ventos desencadeados e o mar grosso, a tripulação descorçoa e abandona o governo do navio, não serão, decerto, as vagas que o hão de salvar do soçobro. É preciso ter fé, e tu duvidas.

- Eu quisera ver, ter uma prova, por menor que fosse.

- Não as tens porque as buscas materialmente. No escuro não poderás achar o perdido; procura com luz e a Luz, para pesquisas tais, e a fé. Espera, continua a esperar, espera sempre e um dia, talvez, quem sabe...!

Como pensas? Concentrando-te, isto é: encerrando-te em ti mesma. É em nos mesmos que encontramos os nossos mortos. Eles vêm a nos, como a luz; nós não podemos ir a eles.

Achas que Deus não é bom porque cerra, em impenetrável sigilo, o segredo da Morte. Engano teu. Que seria a vida, senão horrenda tortura, se tal mistério não existisse? Fosse o Além o Nada, o inferno ou o Paraíso... Se fosse o Nada, todos viveriam a lamentar o perecimento, a destruição definitiva; se fosse o inferno, que dor saberem todos que os aguardava o tormento; se fosse o Paraíso, não haveria felicidade na terra porque, comparando a via contingente e sofredora com a delicia da existência paradisíaca, tudo fariam para desertar este mundo precário, com ânsia do outro, de eternidade feliz. E os berços, que se aureolam de sorrisos, cercar-se-iam de lamentações, porque viver seria tanto como penar.

Achas que Deus não é bom, porque não consente que o vejas. O nosso egoísmo é que nos agrava o sofrimento. Tu, em verdade, não choras o filho que deixou de viver, que está livre de todos os males que nos torturam: choras o filho que perdeste, o bem que te foi levado, o amor que te falta. Choras sobre ti mesma e julgas chorar sobre o seu túmulo.

- E isto basta-te? consola-te?

- Sim, basta-me, consola-me como me basta, para consolação de tudo quanto tenho sofrido, a certeza, em que estou, de que Deus existe. E se tu invocas o espírito do morto é porque estás certas de que ele não desapareceu com a morte, não se desfez como o corpo e agora, mais do que quando convivia conosco, triunfal, puro e eterno, tão puro como o teu amor, em que ele se encarnou, e eterno, tão puro como a Essência a que regressou.

- E achas que faço mal em trazê-lo assim enfeitado de flores?

- Mal? Por que mal? É um culto e todos os cultos, quando neles há sentimento, como nesse em que pões toda a alma, são belos e dignos de respeito.

Falo-te assim para que não chores tanto. Flores são carinhos; lágrimas são tormentos e, se ainda o chamas de filho e o queres venturoso, porque o hás de perturbar, entristecendo-o com tantas lágrimas?

Flores, sim quantas queiras. O que a morte podia levar, levou. O que nos resta ficará conosco eternamente, a saudade, e chorá-lo é devolver ao coração as lágrimas que dele tiramos.

SOMBRAS

Que resulta da nossa aliança com a luz? Sombra, nada mais.

Alegria é luz e assim como na maior claridade as sombras tornam-se mais negras, mais a tristeza se agrava se dela, em volta, a alegria exulta,

O silêncio é alivio: calma. Na quietude em que me refugio chego a não acreditar na tua morte porque te sinto em mim, comigo, como se vivo foras.

À noite as sombras não aparecem; todas se recolhem aos corpos que as expuseram. De dia, porém, destacam-se, prolongam-se com a terra.

No apogeu meridiano, não suportando a claridade fúlgida, acolhem-se ao de que saíram, como se concentra na dor um coração ferido se, em torno dele, há expansões de vivida alegria.

Felizmente, porém, o sol pouco se demora no zênite e logo que declina projetam-se, de novo, as sombras, até que todas se fundem em uma única, que é a noite.

Isolo-me, não porque aborreça a vida e inveje a felicidade alheia, mas para forrar-me no alvoroço da alegria.

Que o coração adormeça tranqüilamente, no silêncio, e sonhe, como quem dorme.


Sonhando, anda que em vigília, - porque recordar é sonhar de olhos abertos - vê o que foi, reconstitui, um a um, os dias venturosos até aquele que ficou eterno na memória, como jazem imóveis sobre as horas que não soam mais os ponteiros de um relógio cuja máquina parou.

O PIANO

Seis meses já haviam passado e, todavia, ninguém ousava abrir o piano. Mais do que escrúpulo havia medo.

Como que se temia o instrumento: negro, alongado a um canto da sala, em forma de altar, tendo sempre em cima um vaso de flores.

Rondávamo-lo sem ânimo de o tocar. De quando em quando uma das meninas folheava um álbum, de preferência o colecionado por ele, com as peças de sua predileção. Marejavam-se os olhos e, em silêncio, tornavam os volumes aos seus lugares, na estante.

E o piano permanecia mudo.

Um dia, porém, com receio de que as cordas se estragassem, abrimo-lo e a enervação metálica do instrumento rebrilhou ao sol.

Levantada a tampa do teclado, como um lábio que se arregaçasse em riso irônico, o fio das teclas apareceu ebúrneo.

Acercamo-nos todos do piano, olhando-o como se o víssemos pela primeira vez e dele esperássemos pressagamente revelação de segredo sombrio. Um momento ali ficamos, tácitos e quedos.

A mãe foi a primeira a afastar-se; as meninas seguiram-na às surdas, como se temessem, com o rumor dos passos, despertar o mistério. Bem sabiam elas que o instrumento havia de as fazer sofrer e a mim, e a todos, à própria casa que ele, dantes, alegrava com as suas melodias.

Seria pelo som? Se por tal fosse por que não nos comoveriam as vozes de tantos outros pianos que soam na vizinhança e só a daquele nos havia de entristecer?

É que as outras são vozes alheias, de outros lares. Nunca soaram para ele, nunca ele as despertara fazendo-as traduzir o que trazia na memória.

Ali passava ele horas e horas recordando trechos ou, entre nós, recolhido em êxtase, ouvia a mãe repassar as melodias que tanto amava.

E como as sentia! Com que enlevo, verdadeiramente religioso, ficava a ouvi-las, quieto, imóvel, sonhando. Enfim...

Um dia - era necessário que a casa retomasse o rumo na serenidade, reentrando na vida costumeira - abriram o piano e as cordas, que dormiam, despertaram.

Um frêmito percorreu todas a casa, a própria luz tornou-se tíbia e pálida, como acontece com a das lâmpadas de vigília quando entra na alcova o sol, e todos os olhos velaram-se de lágrimas.

Foi como se ele houvesse tornado: sentimo-lo presente.

E o instrumento gemia, soluçava. A própria musica, tão alegre outrora, vinha em pranto.

Seria o instrumento que a modificava ou os nossos corações? Eles, decerto.

O mesmo seria trasfegarmos de fonte a vasos que contivessem ou houvessem contido essência a água pura que logo se infundiria em aroma.

A música, impregnando-se de saudade, recordava e, com tal transporte, já não ouvíamos o instrumento, senão a ele, a voz dele e víamo-lo, sentíamo-lo, tínhamo-lo conosco e, a cada nota que vibrava, o coração respondia com uma lágrima, mandada aos olhos.

Ó arte misteriosa, arte etérea e evocadora! De que força superior dispões para que ressuscites mortos e exsurjas do túmulo, redivivos, os que se foram; as vozes, que se calaram; o corpo, porque o sentimos; o espírito, porque o percebemos no encantamento sonoro! Será a música sortilega como os conjuros dos nigromantes, que têm poder de trazer da Morte as presas sepulcrais?

O certo é que a música realizou o milagre que os nossos corações deprecavam.

Ele veio por ela, acudiu à invocação dos sons, desceu do Além e pairou sobre nós.

E toda a casa ficou, um momento, em alvoroço como a granja da parábola, de onde desertara o filho pródigo, quando os seareiros, avistando-o na estrada, largaram o serviço e correram alvissareiramente a dar a boa nova aos pais e aos irmãos do que tornava.

E quando a mais triste das mães se assentou ao piano, abriu o álbum que ele lhe dera e começou a executar débil, tremulamente e chorando, foi ele quem mais atentamente a ouviu, porque todos nós o sentimos, não aqui, ali, mas em nós mesmos, como todos vêem e sentem a luz ou o perfume em uma sala, se nela há sol ou flores vivas.

Ó arte miraculosa! E nós que temíamos ouvir-te! Nós que tanto tempo evitamos o altar da ressurreição, de onde ele saiu nos sons, como se evola o aroma nas espiras de fumo dos incensórios, vindo a nós, envolvendo-nos, visitando-nos com a sua presença imaterial, enchendo com ela o grande vazio da nossa saudade, imenso, sem termo como o infinito.

Já agora que importam as lágrimas! sabemos como atraí-lo. Ele adorava a música, buscava-a onde ela soasse. Por que não o havemos de chamar aos nossos corações com a voz harmoniosa?

E o piano, outrora temido, é hoje o nosso companheiro e confidente.

Abrimo-lo, e, em contraste com o sepulcro, que não nos restitui o que, avaramente, guarda, ele, com a vibração das suas cordas, traz-nos o espírito adorado, atrai-o do Além e fá-lo vir até nós, conviver conosco, senão em corpo carnal, na essência que dele se acha integrada em Deus, da qual conservamos a lembrança na memória do coração, que é a saudade.
–––––––

continua…

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Antuérpio Pettersen Filho (Poesias Escolhidas)


A ROSA E O BANDIDO

No jardim da casa
 onde morava um bandido
 um botão se abriu em rosa
 e desbrochou.
 Não compreendendo
 que aquele jardim era proibido
 a rosa ali continuou.

 Ninguém podia compreender
 o feio e o bonito
 ali, juntos...

 Por que a semente
 o vento não levou
 para outra casa
 perto dali?

 Mas, não...
 a rosa preferiu
 aquele jardim dentre todos,
 e isso a vizinhança
 não podia aceitar.

 Logo alguém
 roubou a rosa do jardim...
 O bandido desesperado
 pela rosa procurou
 mas não achando nada
 com seis tiros se matou.

 Desde esse dia
 todo mundo que ali passava
 falava que naquela casa
 mora o amor.

A QUALQUER MOMENTO

A qualquer momento...
 Qualquer coisa...
 Pode acontecer...

 Há algo mais pesado no ar
 Do que jatões transcontinentais.
 Há algo mais circulando
 Pelas ruas da cidade
 Do que motocicletas
 E carros em alta velocidade...

 Há um cheiro mais forte no vento
 Do que combustível queimado
 Ou odor de cigarro.
 Há no peito marcas mais visíveis
 Do que as de freio no asfalto
 Ou um salto na escuridão.

 Existe nos olhos
 Uma luz mais intensa
 Do que o brilho dos refletores
 Ou dos letreiros luminosos...Agora!
 A qualquer momento...
 Qualquer coisa pode acontecer!

O VELHO PAI

Todos os dias
 o velho acordava
 pegava a cadeira
 colocava na varanda
 pegava a vassoura
 varria a calçada...
 e assistia
 as pessoas passaram.

 Um dia
 o velho não acordou
 não pegou a cadeira
 não colocou na varanda
 não pegou a vassoura
 não varreu a calçada...
 não assistiu
 as pessoas passarem.

REALIDADE

Quando eu me dei por mim,
 Ela já estava ali...
 Batendo por detrás da porta
 tocando a campainha
 insistindo em entrar...

 Eu corri, e tranquei a janela.
 Fechei as cortinas, prendi a respiração.
 Apaguei as luzes... Fingi dormir.

 Então, em um golpe certeiro
 Ela pôs abaixo a porta...
 Entrou na ventania
 os pés sujos de barro
 manchando o carpete da sala.
 A minha biblioteca
 ficou toda revirada.

 Ela não vacilou:
 Bateu na minha cara
 sentou no sofá da sala
 e ficou ali me olhando...
 Minha vida estava por um triz.

 Chegou invadindo o meu lar
 destruindo os meus sonhos...
 Eu nem havia chamado
 mas Ela estava ali
 me cobrando ser homem,
 e a decisão.

AMOR À PORTUGUESA 

 Eu beijo de língua
 a Língua da Portuguesa
 mas isso me faz
 sentir-me mau.

 Aliás,
 não sei se me sinto mal
 com “l”
 ou se me sinto mau
 com “u”:

 Pensando bem
 me sinto bem !
 Meu bem.

Fontes:

Antuérpio Pettersen Filho


Nasceu em Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais. É um poeta egresso dos tribunais de justiça. 

Advogado de formação, iniciou sua graduação na Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, vindo a formar-se em Minas Gerais, na Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce. 

Lançado em abril de 2000, quando dos quinhentos anos do descobrimento, o "Inconfidente Mineiro", livro de poesias, tão somente, ganhou em 2002 uma versão itinerante, na forma de molduras e painéis conjugando a estética, só possível às ilustrações, aglutinada a concretividade métrica dos seus disformes versos, com os quais passou a fazer exposições: 

Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, abril/2002; 
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, dez/2003; 
Galeria Mohangara, Gov. Valadares, março/2004; 
Câmara Municipal de Uberaba, março/2004; 
Palácio Administrativo Municipal de Uberlândia, março/2004; e, 
finalmente a consagração em Ouro Preto, na Fundação de Arte de Ouro Preto, durante as comemorações da Inconfidência Mineira, abril/2004. 

Atualmente Antuérpio é redator-chefe do pequeno Jornal periódico "Grito Cidadão", pertencente à ABDIC - Associação Brasileira de Defesa do indivíduo e da Cidadania, criada como Entidade Civil opor ele próprio, onde se dedica à causa humanitária e justicialista, a qual considera que estão inseridos todos os que desejam ardorosamente participar do tempo em que vivem, e testemunham, com protagonismo e realização.

Membro da IWA – International Writers and Artists Association

Obras:

Participação na Coletânea "Serra em Prosa & Versos" - Poetas e Escritores da Serra", organização de Clério José Borges de Sant'Anna, 2006

Fonte:
Serra em Prosa & Versos - Poetas e Escritores da Serra" - organização de Clério José Borges de Sant'Anna, 2006. em Poetas Capixabas

Marcelo Spalding (3 Dicas para a Escrita Criativa)


Depois de anos ministrando oficinas de criação literária presenciais, iniciei neste ano uma Oficina de Escrita Criativa Online, que já conta com mais de 50 participantes. Como o conteúdo é extenso, é comum pedidos para criar lista de dicas (vício da geração dos cursinhos, creio eu), e aí sempre lembro dos conselhos do grande escritor Luiz Antonio de Assis Brasil.

 Assis, romancista gaúcho reconhecido nacionalmente, professor da primeira Oficina de Criação Literária regular do Brasil (com quase 30 anos de existência ininterrupta) e hoje Secretário de Cultura do RS, costumava dar 3 dicas muito importantes para quem quer escrever (criativamente, ficcionalmente ou mesmo profissionalmente): deixe o texto dormir, leia o texto em voz alta e tenha um primeiro leitor. Comecemos pela importância de deixar o texto "dormir", que nada mais é do que afastar-se do texto.

1. Deixe o texto dormir

 Nosso ímpeto inicial, assim que terminamos um texto, é achar que ele está excelente e deve ser publicado ou está horrível e deve ser apagado. Não faça nem uma coisa, nem outra. 

 Normalmente, há um envolvimento emocional quando escrevemos (especialmente ficção), então é fundamental que possamos nos afastar por um instante de nosso texto, vê-lo com mais frieza, a fim de julgarmos sua qualidade e perceber seus defeitos. Claro que num texto ficcional esse distanciamento pode durar uma noite ou uma semana, pois não há tanta urgência (normalmente). Já num texto profissional (como  uma reportagem de jornal, um anúncio ou um contrato), o texto por vezes tem que ser entregue no mesmo dia. Aí, ao terminar o texto, o autor deve pelo menos dar uma volta, tomar um café, tomar um ar, relaxar um pouco antes de voltar para reler o texto e, aí sim, imprimi-lo ou enviá-lo. 

 Apagar, jamais! Sempre se pode aproveitar algo de um escrito nosso, nem que seja uma frase, uma metáfora. E como hoje é muito fácil salvar versões em nosso computador ou pen-drive, não deletem nada, nunca. Só sejam suficientemente organizados para armazenarem essas anotações todas.

2. Leia o texto em voz alta

 A segunda dica do mestre, ler o texto em voz alta, é de grande valia por diversos motivos: primeiro, lendo o texto em voz alta percebemos cacofonias, rimas indesejadas, trava-línguas, etc. Mas o mais importante talvez seja que apenas na leitura em voz alta é que notamos erros na estrutura frasal, períodos muito longos, muito curtos, sem sujeito, sem verbo principal, etc.

 Ocorre que nossa leitura silenciosa não é "completa". Somos tão habituados a ler que não lemos letra por letra, nosso olho (ou nosso cérebro) vai pulando as letras e juntando as palavras através de combinações previsíveis quando se lê apenas com o cérebro. Quando devemos verbalizar o texto lido, porém, somos obrigados a ler cada sílaba, cada trecho, e isso exige mais do texto e do leitor (não é a toa que atores, jornalistas, apresentadores ou bons oradores leem seus textos diversas vezes antes de apresentá-lo em público).

 Tal dinâmica se torna ainda mais importante quando se trata do próprio texto, pois a leitura em voz alta também é uma forma de afastamento. É comum ouvirmos relatos de escritores ou acadêmicos acostumados com a produção textual de que tal erro passou desapercebido mesmo depois de tantas releituras. E, realmente, o autor de um texto aos poucos acostuma-se tanto com ele que não consegue mais enxergar a troca ou a ausência de uma letra.

3. Tenha um primeiro leitor

 Muitos escritores costumam dizer que não se termina um texto, se desiste dele. Ocorre que o texto, pela infinidade de escolhas que exige do autor, deixa seu criador inseguro e incerto sobre o real valor de sua criação. Mesmo depois de deixar o texto dormir, ler em voz alta, trabalhar e retrabalhar nele. 

 Por isso, antes de publicar o texto, o que se sugere é que se tenha um primeiro leitor. Pode ser um colega de oficina (os mais indicados), um outro escritor que troque correspondências com você, um professor que esteja disposto a esse tipo de leitura, por vezes um amigo ou colega de trabalho que seja leitor experiente.

 Pai e mãe não vale. Filho, esposa, namorada também não. Ocorre que, primeiro, as pessoas têm muito medo de magoar um escritor. Ninguém gosta de ser criticado, e menos ainda quem colocou parte de sua vida, de seus sentimentos, num texto. Depois, esse primeiro leitor não pode ser absolutamente leigo, é importante que tenha certo senso crítico para que possa dar uma contribuição a você.

 Hoje, há uma corrente de pessoas que defende a contratação desse primeiro leitor, em especial quando trata-se de um livro com ambições de ser publicado. Eu, particularmente, não acho que essa primeira leitura precise ser paga, contratada, e sim enviada para alguém que troque textos com você. Aí, se for o caso de publicação, o "décimo" leitor, antes de o texto ir para a editora, pode ser, sim, um profissional experiente que dará dicas precisas e reveladoras.

 Ocorre que você não deve esperar desse primeiro leitor um simples "amei" ou "odiei". Ele deve ser capaz de respondar a sua segunda pergunta: "e por quê?". Mais importante do que a impressão subjetiva de seu primeiro leitor são os comentários dele.

 Claro que você não pode mudar o texto apenas pela opinião desse leitor. Será um olhar de fora, que deve ser considerado, mas não acatado sem o rigor de quem assinará o texto. Muitas vezes pode se enviar o texto para mais de um leitor, em especial quando o texto será publicado. Não por acaso, vale dizer, grandes escritores têm esses primeiros leitores. E por vezes colocam seus nomes na dedicatória ou nos agradecimentos.

 Enfim, o que se depreende dessas breves dicas é que, se por muito tempo se acreditou que as musas inpiradoras eram as responsáveis por toda a boa literatura que a humanidade produziu, hoje vivemos a era da transpiração. 
 Evidentemente que a inspiração, ou chame lá você do que quiser, é fundamental para o impulso inicial, para as palavras saírem de dentro do autor e pularem para o papel em determinada direção, aflorando determinados sentimentos e representando determinadas realidades. Um texto sem inspiração, em geral, é um texto frio. Mas escrever, acima de tudo, um ofício; é trabalho e retrabalho; é paciência e método. 

Porto Alegre, 12/10/2012

Fonte:
Digestivo Cultural

Contos Acumulativos (O Macaco e o Rabo (1))


Um macaco uma vez pensou em fazer fortuna. Para isso foi-se colocar por onde tinha de passar um carreiro com seu carro. O macaco estendeu o rabo pela estrada por onde deviam passar as rodeiras do carro. O carreiro, vendo isso, disse:

 — Macaco, tira teu rabo do caminho, eu quero passar. 

 — Não tiro, — respondeu o macaco.

 O carreiro tangeu os bois, e o carro passou por cima do rabo do macaco, e cortou-o fora. O macaco, então, fez um barulho muito grande:

 — Eu quero meu rabo, ou então dê-me uma navalha…

 O carreiro lhe deu uma navalha, e o macaco saiu muito alegre a gritar: 

 — Perdi meu rabo! Ganhei uma navalha!… Tinglin, tingilin, que vou para Angola!…

 Seguiu. Chegando adiante, encontrou um negro velho, fazendo cestas e cortando os cipós com o dente.

 O macaco:

 — Oh, amigo velho, coitado de você! Ora, está cortando os cipós com o dente… tome esta navalha.

 O negro aceitou, e quando foi partir um cipó, quebrou-se a navalha. O macaco abriu a boca no mundo e pôs-se a gritar:

 — Eu quero minha navalha, ou então me dê um cesto!

 O negro velho lhe deu um cesto e ele saiu muito contente gritando:

 — Perdi meu rabo, ganhei uma navalha, perdi minha navalha, ganhei um cesto… Tinglin, tinglin, que vou pra Angola!

 Seguiu. Chegando adiante, encontrou uma mulher fazendo pão e botando na saia. 

 — Ora, minha sinhá, fazendo pão e botando na saia! Aqui está um cesto.

 A mulher aceitou, e, quando foi botando os pães dentro, caiu o fundo do cesto. O macaco abriu a boca no mundo e pôs-se a gritar:

 — Eu quero o meu cesto, quero o meu cesto, senão me dê um pão!

 A mulher deu-lhe o pão, e ele saiu muito contente a dizer:

 — Perdi meu rabo, ganhei uma navalha, perdi minha navalha, ganhei um cesto, perdi meu cesto, ganhei um pão… Tinglin, tinglin, que vou pra Angola!

 E foi comendo o pão.

Fonte:
Colhido por Sílvio Romero, em Sergipe. 
Jangada Brasil. Setembro 2010. Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário.