domingo, 5 de maio de 2013

Tomás Antônio Gonzaga (Marília de Dirceu)

  
  É a lírica amorosa mais popular da literatura de língua portuguesa. Segundo o autor do prefácio da obra (Lisboa - 1957), Rodrigues Lapa, não é a persistência dos elementos tradicionais da poesia, mais ou menos pessoalmente elaborados, que nos dão definitivamente o seu estilo. Este consiste sobretudo nas novidades sentimentais e concepcionais que trouxe para uma literatura, derrancada no esforço de remoer sem cessar a antiguidade. Um amor sincero, na idade em que o homem sente fugir-lhe o ardor da mocidade, e uma prisão injusta e brutal - foram estas duas experiências que fizeram desferir à lira de Dirceu acentos novos. Estamos ainda convencidos de que o clima americano, mais arejado e mais forte, contribuiu poderosamente para a revelação desse estilo, em que se sentem já nitidamente os primeiros rebates do romantismo e a impressão iniludível das idéias do tempo."

    Dividido em liras que a partir da publicação do poema em livro, em 1792, foram declamadas, musicadas e cantadas em serestas e saraus pelo Brasil afora. Referindo-se à lira III da parte III, Manuel Bandeira escreveu : "Nessa lira esqueceu o Poeta a paisagem e a vida européia, os pastores, os vinhos, o azeite e as brancas ovelhinhas, esqueceu o travesso deus Cupido, e a sua poesia reflete com formosura a natureza e o ambiente social brasileiro, expressos nos termos da terra com um fino gosto que não tiveram seus precursores".

    Existem três fatores básicos que contribuíram para a individualidade poética de Gonzaga: o romance com a menina Maria Dorotéia; a prisão injusta e brutal, como inconfidente; e a magia da natureza e do clima tropical.

    A obra se divide em duas partes (há uma terceira, cuja autenticidade é contestada por alguns críticos):

    Na 1ª parte estão os poemas escritos na época anterior à prisão do autor. Nela predominam as composições convencionais, as características arcádicas: o pastor Dirceu celebra a beleza de Marília em pequenas odes anacreônticas. Em algumas liras, entretanto, as convenções mal disfarçam a confissão amorosa do amor: a ansiedade de um quarentão apaixonado por uma adolescente; a necessidade de mostrar que não é um qualquer e que merece sua amada; os projetos de uma sossegada vida futura, rodeado de filhos e bem cuidado por suas mulher etc. Nesta 1ª parte das liras o autor denota preferência pelo verso leve, tratado com facilidade.

    Já a 2ª parte (e a terceira, se autêntica), foi escrita na prisão da ilha das Cobras, e os poemas exprimem a solidão de Dirceu, saudoso de Marília. Encontramos aí a melhor poesia de Gonzaga. Entende-se aqui que as características pré-românticas se fazem sentir mais agudamente. O sentimento da injustiça, da solidão, da saudade de Marília, o temor do futuro e a perspectiva da morte rompem constantemente o equilíbrio clássico. As convenções, embora ainda presentes, não sustentam o equilíbrio neoclássico. O tom confessional e o pessimismo prenunciam o emocionalismo romântico. Nesta 2ª parte das liras, há o emprego do verbo no passado: o poeta vive de lembranças e recordações passadas.

    Em Marília de Dirceu, há a refinada simplicidade neoclássica: uma dicção aparentemente direta e espontânea, cheia de imagens graciosas e de alegorias mitológicas; um ritmo agradável, suavizado pelos versos curtos, pela alternância de decassílabos e hexassílabos, pelo uso do refrão e dos versos brancos.

    A estrutura métrica das liras são a versificação pouco variada e, a par dos versos de quatro sílabas, melhor ditos células métricas, vêm a redondilha menor, com acentuação na 2ª e 5ª sílabas; o heróico quebrado, sempre em combinação; a redondilha maior; o decassílabo.

    Temas e formas

    I

    1 Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
    2  que viva de guardar alheio gado,
    3  de tosco trato, de expressões grosseiro,
    4 dos frios gelos e dos sóis queimado.
   5  Tenho próprio casal e nele assisto;
    6 dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
    7  das brancas ovelhinhas tiro o leite
    8 e mais as finas lãs, de que me visto.

    9 Graças, Marília, bela,
    10  graças à minha estrela!
   
11 Eu vi o meu semblante numa fonte:
    12    dos anos inda não está cortado;
    13    Os pastores que habitam este monte
    14 respeitam o poder do meu cajado.
    15    Com tal destreza toco a sanfoninha,
    16    que inveja até me tem o próprio Alceste:
    17    ao som dela concerto a voz celeste,
    18    nem canto letra que não seja minha.

    19 graças, Marília bela,
    20   graças à minha estrela!

    Uma leitura atenta do fragmento transcrito permite-nos identificar algumas constantes das Liras:

    1. Pastoralismo — bucolismo: na exaltação da vida pastoril, campestre; no entendimento de que a felicidade e a beleza decorrem da vida no campo. É da convenção arcádica o poeta identificar-se artisticamente como pastor e identificar sua musa como pastora. Observe estas palavras: “vaqueiro", “gado”, “ovelhinhas”, “fonte", “pastores”, “monte”, “cajado”.

    2. Otimismo — narcisismo: no estribilho, o poeta manifesta-se satisfeito com o próprio destino: “Graças, Marília bela, / Graças à minha estrela”. É evidente o propósito de auto-valorização (narcisismo): nos versos 11 e 12; na afirmação da juventude: nos versos 13 e 14; na alusão à virilidade; e na exaltação da sensibilidade artística: nos versos 15 e 16.

    3. Ideal burguês de vida: na afirmação da condição de proprietário, no orgulho pela posse da terra (versos de 5 a 8), apóia-se o poeta para expressar a consciência de superioridade sobre “o vaqueiro que viva de guardar alheio gado”, que o poeta deprecia (versos 3 e 4). Observa-se esse ideal também no verso 19:

    Que prazer não terão os pais ao verem
    Com as mães um dos filhos abraçados;
    Jogar outros a luta, outros correrem
    Nos cordeiros montados!
    Que estado de ventura!

    4. Simplicidade: observe o predomínio da ordem direta da frase e a clareza da expressão, sem muitas figuras de linguagem, próxima do ritmo da prosa.

    II

    A minha amada
    é mais formosa
    que branco lírio,
    dobrada rosa,
    que o cinamomo,
    quando matiza
    co’a folha a flor:
    Vênus não chega
    ao meu amor.

    Vasta campina,
    de trigo cheia,
    quando na sesta
    co vento ondeia,
    ao seu cabelo,
    quando flutua,
    não é igual.
    Tem a cor negra,
    mas quanto val!
    (...)

    III

    (...)

    Aqui um regato
    corria, sereno,
    por margens cobertas
    de flores e feno;
    à esquerda se erguia
    um bosque fechado;
    e o tempo apressado,
    que nada respeita,
    já tudo mudou.

    São estes os sítios?
    São estes; mas eu
    o mesmo não sou.
    Marília, tu chamas?
    Espera, que eu vou.

    5. Os dois textos revelam a vertente mais convencional da poesia de Gonzaga: a aproximação com o estilo rococó, marcado pela graça, leveza e frivolidade, pelos idílios campestres, pela natureza delicada e aprazível (locus amoenus). Observe os metros curtos, melódicos que emolduram a suavidade do quadro descrito, como os movimentos sutis de um minueto, dançado na Corte de Luís XV, na época de ouro do Rococó.

    6. Mas, em alguns momentos, avulta o realismo descritivo, captando a rusticidade da paisagem e da vida da Colônia. Exemplo marcante é o fragmento que segue. Observe as referências à mineração e à agricultura:

    IV

    Tu não verás, Marília, cem cativos
    tirarem o cascalho e a rica terra,
    ou dos cercos dos rios caudalosos,
    ou da minada serra.
    Não verás separar ao hábil negro
    do pesado esmeril a grossa areia,
    e já brilharem os granetes de oiro
    no fundo da batéia.

    Não verás derrubar os virgens matos,
    queimar as capoeiras inda novas,
    servir de adubo à terra a fértil cinza,
    lançar os grãos nas covas.
    Não verás enrolar negros pacotes
    das secas folhas do cheiroso fumo;
    nem espremer entre as dentadas rodas
    da doce cana o sumo.

    (...)

      V

    Com os anos, Marília, o gosto falta,
    e se entorpece o corpo já cansado:
    triste, o velho cordeiro está deitado,
    e o leve filho, sempre alegre, salta.
    A mesma formosura
    é dote que só goza a mocidade:
    rugam-se as faces, o cabelo alveja,
    mal chega a longa idade.

    Que havemos de esperar Marília bela?
    que vão passando os florescentes dias?
    As glórias que vêm tarde, já vêm frias,
    e pode, enfim, mudar-se a nossa estrela.
    Ah! não, minha Marília,
    aproveite-se o tempo, antes que faça
    o estrago de roubar ao corpo as forças,
    e ao semblante a graça!

    7. O texto V, dos mais belos das liras, manifesta a atitude clássica, o carpe diem (= “aproveita o dia”). Na primeira estrofe, o poeta expressa a consciência da fugacidade do tempo. Na estrofe seguinte, propõe à Marília a fruição dos prazeres da vida, antes que o tempo fizesse o estrago de “roubar ao corpo [do poeta] as forças, e ao semblante [de Marília], a graça.

    8. Nas liras escritas no cárcere, predomina o lirismo lamuriento, pré-romântico, mas submetido ainda à disciplina e sobriedade neoclássicas. Nas últimas liras, nota-se que, ainda quando nem os céus acudiam o poeta em suas atribulações, a expressão de suas dores é contida:

       VI

    Porém se os justos céus, por fins ocultos,
    em tão tirano mal me não socorrem,
    verás então que os sábios,
    bem como vivem, morrem.
    Eu tenho um coração maior que o mundo,
    tu, formosa Marília, bem o sabes:
    um coração, e basta,
    onde tu mesma cabes.

    9. As contradições também ocorrem: ora Dirceu se diz pastor, ora se diz magistrado; Marília é muitas vezes pretexto para o exercício poético de Gonzaga e seus traços variam:

    Aqui Marília tem cabelos pretos:

    VII

    (...)

    Os seus compridos cabelos,
    que sobre as costas ondeiam,
    são que os de ApoIo mais belos,
    mas de loura cor não são.
    Têm a cor da negra noite,
    e com o branco do rosto
    fazem, Marília, um composto
    da mais formosa união.

    (...)

    Aqui tem cabelos loiros:

    VIII

    (...)

    Os teus olhos espalham luz divina,
    a quem a luz do sol em vão se atreve;
    papoila ou rosa delicada e fina
    te cobre as faces, que são cor da neve.
    Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
    teu lindo corpo bálsamos vapora.
    (...)

    Na lira 64, Gonzaga refere-se a Tiradentes depreciativamente. Parece que as expressões ofensivas com que se dirige ao alferes foram ditadas pelo propósito de minimizar seu comprometimento na Inconfidência, já que o processo ainda estava em curso. É o que argumentam os admiradores do poeta, na tentativa de “salvá­lo” como vulto histórico e inconfidente.

    IX

    Ama a gente assisada  (1)
    a honra, a vida, o cabedal tão pouco,
    que ponha uma ação destas (2)
    nas mãos dum pobre, sem respeito e louco? (3)
    E quando a comissão lhe confiasse,
    não tinha pobre soma,
    que por paga ou esmola lhe mandasse?

    X

    O mesmo autor do insulto
    mais a riso do que a terror me move;
    deu-lhe nesta loucura,
    podia-se fazer Netuno ou Jove.
    A prudência é tratá-lo por demente;
    ou prendê-lo, ou entregá-lo,
    para dele zombar a moça gente.

NOTAS:
(1) ajuizada
(2) a Inconfidência
(3) Tiradentes

Fonte:
Passeiweb

sábado, 4 de maio de 2013

Olivaldo Junior (Boa Nova)

Quando passa um vento e canta...
Quando eu canto e me contento...
Quando atento ao que me encanta...
Quando, em prantos, te acalento...

Quando passa um deus e planta...
Quando eu planto e reinvento...
Quando invento o que me adianta...
Quando adianto e viro vento...

Quando passa um vento frio...
Quando o frio só me prova...
Quando mato o meu vazio...

Quando um cântico renova...
Quando inovo e te assovio...
canto a vida em boa nova.

Fonte:
O Autor

Boleslaw Prus (O Realejo)


Bolesław Prus, batizado com o nome de Aleksander Głowacki, nasceu em 20 de agosto de 1847, em Hrubieszów, na Polônia, descendente de uma família de nobres empobrecidos. Já na mais precoce juventude, viveu experiências como revolucionário e prisioneiro que marcaram decisivamente sua obra artística. Aos 25 anos, principiou uma grande carreira jornalística, na qual atuaria por quatro décadas. Prus, que serviu sua nação como soldado, filósofo e escritor, e com sua obra assegurou um lugar de destaque no panteão da literatura universal, não chegou a vivenciar a independência definitiva da Polônia, depois do fim da Primeira Guerra Mundial: morreu em Varsóvia, em 19 de maio de 1912.
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 Na Rua Miodowa, por volta do meio-dia, via-se diariamente um senhor de certa idade, a caminhar da Praça dos Krasinski em direção à Rua Senatorska. Durante o verão, usava elegante capote azul-marinho-escuro e cartola já um tanto surrada. Tinha o rosto rosado, suíças grisalhas e olhos claros, bondosos. Andava meio inclinado, com as mãos nos bolsos. Se o tempo era bom, sobraçava uma bengala; nos dias nublados, carregava um guarda-chuva inglês de seda.

Caminhava devagar, abismado em profundas meditações. Diante da igreja dos Capuchinhos, tocava piedosamente na cartola e atravessava a rua para observar na vitrina da Pik a elevação do barômetro e do termômetro; depois, voltava à calçada direita, parava em frente da vitrina da Mieczkowsky, contemplava as fotografias de Modrzejewska e retomava o passeio, cedendo o lugar a cada transeunte; e se alguém o empurrava, sorria com benevolência. Cruzando alguma jovem bonita, punha os óculos para vê-la melhor. Mas, como executasse a operação bem devagar, quase nunca lograva êxito.

Este cavalheiro era o Sr. Tomás. Havia trinta anos que percorria a Rua Miodowa, e por vezes pensava que muita coisa nela tinha mudado. A rua poderia pensar o mesmo a respeito dele. Quando ainda advogado num tribunal de paz, corria tão depressa que nenhuma costureirinha, de volta da loja para casa, conseguiria escapar-lhe. O Sr. Tomás era então alegre, loquaz, esbelto, tinha cabeleira, e bigode retorcido.

Já naquela época o impressionavam as belas-artes, porém não lhes consagrava o seu tempo, porque era louco pelas mulheres. Freqüentemente fora bem-sucedido com elas e tivera boas oportunidades de casar; mas a isso ligava pouca importância, e nunca se lhe oferecia ocasião para declarar-se, ocupado que estava com a profissão ou com os encontros amorosos. Depois de haver visitado a Chiquita, dirigia-se ao tribunal, de onde corria à casa da Sofia, a quem deixava tarde para jantar com a Josefina e a Filka.

Ao ser nomeado advogado junto a um tribunal mais alto, já tinha a testa crescida até o topo da cabeça, em conseqüência do árduo trabalho mental, e apontavam-lhe no bigode uns fios brancos. Perdera o ardor juvenil, possuía razoável fortuna e passava por um conhecedor das belas-artes. E, como continuasse a amar as moças, começou a pensar em casar-se. Alugou um apartamento de seis quartos, mandou pavimentá-lo, cobriu as paredes de papéis pintados, comprou lindos móveis e foi à procura de uma esposa.

Porém não era fácil a escolha para um homem maduro. Uma era jovem demais; a outra, ele a namorava desde muitíssimo tempo; a terceira tinha aparência e idade adequadas, mas gênio impróprio; a quarta, de aparência, idade e gênio apropriados, não aguardou a declaração do advogado e casou com um médico.

Não se afligia muito o Sr. Tomás: mulheres não faltavam. Entretanto completava o arranjo do aposento, cuidando cada vez mais de que as menores peças tivessem valor artístico. Mudava os móveis, deslocava os espelhos, comprava quadros.

Com o correr do tempo, o apartamento se tornara famoso. O Sr. Tomás, não se sabia quando, transformara a casa numa verdadeira galeria. O número de amigos e curiosos que iam visitá-la aumentava sempre, tanto mais que o dono era muito hospitaleiro, dava recepções excelentes e mantinha relações com alguns músicos. Aos poucos, iam-se organizando em sua residência vesperais de concertos, honradas também com a presença de senhoras. O Sr. Tomás recebia a todos com muita fidalguia.

Verificando, nos espelhos, que a testa já lhe ultrapassara o topo da cabeça e se aproximava, por trás, do colarinho impecavelmente branco, lembrava-se de que, fosse como fosse, era tempo de tomar estado; tanto mais quanto os seus sentimentos em relação ao belo sexo se mantinham calorosos.

Certa vez, ao receber uma companhia mais numerosa que de costume, uma das moças, contemplando os salões, exclamou:
— Que quadros! E este parquete, que beleza! A esposa do senhor será muito feliz!
— Será, se o belo parquete lhe bastar para a felicidade — observou baixinho um bom amigo do advogado.

O ambiente do salão fez-se muito alegre. O Sr. Tomás sorriu também, mas desde aquele dia, se alguém lhe falava em casamento, ele se limitava a um gesto de desdém, dizendo apenas:
— Ih, ih, ih!

Nessa época, rapou o bigode e deixou crescer as suíças. A respeito das mulheres, continuava a exprimir-se muito respeitosamente, desculpando-lhes os defeitos com larga indulgência.

Nada mais esperando da sociedade, pois já tinha abandonado a profissão, o advogado concentrou nas artes os seus tranqüilos afetos. Um lindo quadro, um bom concerto, uma pré-estréia, eram acontecimentos marcantes na sua vida. Não se extasiava, não se agitava: saboreava.

Nos concertos, escolhia sempre um lugar longe da platéia, para ouvir a música sem perceber nenhum outro ruído e sem ver os artistas. Antes de ir ao teatro, lia a peça, a fim de poder observar sem curiosidade febril o desempenho dos atores. Quando não havia muita gente na galeria, admirava os quadros. Passava ali horas inteiras.

Se gostava de uma coisa, dizia:

— Vocês sabem, isto não está mau!

Era um desses poucos entendidos que logo reconhecem um talento. Mas nem por isso condenava as obras medíocres.

— Aguardem um pouco — dizia, ao ouvir criticarem um artista. — Talvez ele melhore.

E assim continuava, sempre indulgente com as imperfeições humanas, sem jamais comentar as falhas.

Felizmente nenhum dos mortais é de todo livre de extravagâncias. Não o era o Sr. Tomás. Odiava ele os realejos e os homens que os tocam.

Ao sentir na rua os sons de um realejo, acelerava o passo e perdia o bom humor por algumas horas. Apesar de tão calmo, agitava-se; de tão silencioso, gritava; de tão brando, encolerizava-se, ouvindo o primeiro toque de um realejo.

Longe de esconder esta fraqueza, explicava-a:

— A música — dizia, fora de si — é a coisa mais sutil, mais espiritual que existe; no realejo, todo esse espírito se transforma em execução mecânica num instrumento de banditismo; pois que são os tocadores de realejo, senão uns bandidos? Por isso — acrescentava — os realejos irritam-me; e como só tenho uma vida, não quero desperdiçá-la escutando essa música detestável.

Uma pessoa malévola, conhecendo-lhe a aversão às caixas de música, lembrou-se de lhe pregar uma peça: mandou dois realejistas tocarem sob suas janelas. O Sr. Tomás adoeceu de indignação, e depois, tendo descoberto o autor, provocou-o a duelo. Foi preciso convocar-se um tribunal de honra, para evitar derramamento de sangue por motivo aparentemente tão frívolo.

O edifício onde morava o Sr. Tomás mudou algumas vezes de proprietário. E cada um deles, naturalmente, considerava de seu dever aumentar o aluguel de todos os inquilinos, principalmente do Sr. Tomás. O advogado pagava sem protesto os aumentos, mas, de cada vez, estipulava no contrato, com todos os efes-e-erres, que não poderiam tocar realejo no quintal do edifício.

Independentemente das restrições contratuais, sempre que chegava novo vigia o Sr. Tomás o chamava ao seu apartamento e tinha com ele mais ou menos esta conversa:

— Escute, amigo... Seu nome?

— Casimiro, senhor.

— Escute, Casimiro: cada vez que eu voltar para casa tarde e você me abrir a porta, terá vinte groszy. Entendeu?

— Entendi, Excelência.

— Além disso, você terá de mim, no fim de cada mês, dez zlotych. Sabe para quê?

— Não posso saber, Excelência — respondia o vigia, todo alvoroçado.

— Para que você nunca deixe entrar ninguém com realejo no quintal. Entendeu?

— Entendi, Excelência.

O apartamento do Sr. Tomás compunha-se de duas partes. Quatro grandes cômodos tinham janelas para a rua; dois menores, para o quintal. A parte mais elegante do apartamento destinava-se aos convidados. Aí se realizavam os banquetes, aí eram recebidos os clientes, aí se hospedavam parentes e conhecidos do advogado, vindos da roça. Raramente o Sr. Tomás aparecia nessa parte — apenas para ver se o parquete estava bem encerado, se os móveis não se estragavam e se lhes tinham tirado a poeira.

Quando ficava em casa, levava dias inteiros no gabinete, do lado do quintal; lia, escrevia cartas ou examinava documentos dos conhecidos que lhe pediam conselho. Se queria descansar a vista, sentava-se numa poltrona ao pé de uma das janelas e, acendendo um charuto, abismava-se em meditações. Sabia que o pensamento constituía função muito importante da vida, função que um homem cuidoso da saúde não devia desprezar.

Do outro lado do quintal, em frente das janelas do Sr. Tomás, havia um apartamento alugado a pessoas de menores recursos. Muito tempo morou ali um velho funcionário do tribunal, que, tendo perdido o seu posto, se mudou para Praga. Depois, um alfaiate alugou o pequeno apartamento; mas, como gostava de embriagar-se de vez em quando, e então fazia barulho, foi despejado. Veio em seguida a viúva de um funcionário, a qual passava o tempo a brigar com a empregada. Mas no dia de S. João uns parentes da província vieram buscar a velha, já muito decrépita (aliás, relativamente rica), e levaram-na consigo, apesar do seu gênio altercador. O apartamento foi ocupado por duas senhoras e uma menina de uns oito anos.

As senhoras viviam do seu trabalho: uma cosia, a outra fazia meias e coletes numa máquina de tricotar. A menina chamava mãe à mais jovem e bonita das mulheres, e tratava a outra por "senhora".

Tanto as janelas do Sr. Tomás como as das novas moradoras ficavam abertas o dia inteiro. Assim, sentado na sua poltrona, podia o advogado ver perfeitamente o que se passava no apartamento das vizinhas, cujos móveis eram modestos para aquele local. Nas mesas e nas cadeiras, no sofá e na camiseira viam-se panos para costurar e novelos de algodão para meias.

De manhã as moças varriam, elas mesmas, o apartamento; ao meio-dia, mais ou menos, uma criada lhes trazia o almoço parco.

Durante o resto do dia, as duas mulheres quase não deixavam as sussurrantes máquinas.

A criança ficava, em geral, sentada à janela. Tinha cabelos pretos e um lindo rostinho, mas era singularmente pálida e de uma calma excessiva. Às vezes, com duas agulhas de tricô, fazia uma cinta com um pouco de linho ou de algodão. Outras vezes, brincava com uma boneca, vestindo-a e despindo-a repetidamente, a custo. Em outras ocasiões, não fazia nada; permanecia sentada à janela, à escuta.

Nunca o Sr. Tomás a ouviu cantar nem a viu correr pelo quarto, nem lhe enxergou nunca um sorriso nos lábios exangues e no rosto impassível.

— "Que menina esquisita!" — dizia consigo.

E entrou a observá-la mais atentamente.

Certo dia — um domingo — notou que a mãe dera à criança um pequeno ramozinho de flores. A menina animou-se, separou e juntou as flores, beijou-as. Finalmente fez delas outro ramo e o pôs num copo de água, sentou-se à janela a disse:

— Mamãe, está muito triste aqui, não é?

O advogado espantou-se. Como? Triste aquela casa onde ele vivera de bom humor tantos anos?

Outro dia, por volta das quatro horas, o advogado encontrava-se de novo no seu gabinete. A essa hora o Sol batia na janela das vizinhas, aclarando-a e aquecendo-a bastante. O Sr. Tomás olhava para o outro lado do quintal. De repente botou os óculos, como se houvesse algo extraordinário. Eis o que era: A pálida menina, apoiando a cabeça no braço, quase se deitara de costas para a janela, e com os olhos escancarados fitava o Sol. No seu rosto, de ordinário tão impassível, refletiam-se agora alguns sentimentos, um pouco de alegria, um pouco de tristeza.

— "Ela não vê" — disse consigo o Sr. Tomás, baixando os óculos.

E só de pensar como se podia fitar assim o Sol, que parecia lançar fogo, sentia doerem-lhe os olhos.

De fato, a menina era cega havia dois anos. Aos seis, adoecera de estranha moléstia, que a deixou desacordada algumas semanas, e depois a tornou tão débil que ela ficava estendida na cama, sem se mover, sem falar, como se estivesse morta. Davam-lhe vinho e canja, a assim se refazia aos poucos. Mas no primeiro dia em que se pôde sentar na cama, perguntou à mãe:

— Mamãe, agora é noite?

— Não, minha filha... Por que é que você pergunta?

A criança não respondeu; tinha sono. Só no dia seguinte, ao chegar o médico, perguntou de novo:

— Ainda é noite?

Então compreenderam que estava cega. O médico examinou-lhe os olhos e disse que era preciso aguardar.

Mas a doente, à medida que recuperava as forças, preocupava-se cada vez mais com aquela enfermidade:

— Mamãe, por que não posso ver a senhora?

— Porque você tem os olhos tapados. Mas isso há de passar.

— Quando?

— Daqui a algum tempo.

— Amanhã, talvez?

— Dentro de alguns dias, minha filha.

— Então, quando isto passar, mamãe, me avise imediatamente, porque, assim como estou, fico muito triste, por não ver nada.

Dias e semanas decorreram em expectativa. A menina principiou a levantar-se. Aprendeu a andar no quarto às cegas, vestia-se e despia-se sozinha, mas com vagar e cautela. A vista, porém, não voltava.

Um dia, ela disse:

— Mamãe, o meu vestido é azul, não é?

— Não, minha filha, é cinzento.

— Você o vê?

— Vejo-o, sim, querida.

— Como se fosse dia?

— Sim.

— E eu, eu também voltarei a ver tudo daqui a poucos dias? Dentro de um mês, por exemplo?

Como não obtivesse resposta, continuou:

— Mamãe, na rua é sempre dia, não é? O jardim tem árvores, como dantes? E aquele gatinho branco de patas pretas vem sempre visitar a gente? Não é verdade, mamãe, que eu já me tenho visto num espelho? Você não tem um?

A mãe deu-lhe um espelho.

— A gente deve olhar aqui, onde o espelho é liso — disse a pequena, aproximando-o do rosto —, mas não vejo nada. Mamãe, você também não me vê no espelho?

— Vejo-a, meu bem.

— Como pode ser? — exclamou a menina, aflita. — Se eu não me posso ver, não deveria haver ninguém no espelho... E essa menina que você vê no espelho, ela me vê ou não?

A mãe saiu às pressas, chorando.

O passatempo preferido da menina era tocar diferentes objetos pequenos com as mãos e reconhecê-los.

Um dia a mãe deu-lhe uma boneca de porcelana, bem-vestida, que custara um rublo. A criança não largava a boneca, fazia-lhe carinhos. Deitou-se muito tarde, pensando sempre no brinquedo, que guardou numa caixa estofada de algodão.

À noite a mãe foi despertada por um ruído; saltou da cama, acendeu uma vela e viu num canto a sua filha, já vestida, a brincar com a boneca.

— Que é que está fazendo? — exclamou. — Por que não dorme?

— Para que dormir, se já é dia? — respondeu a ceguinha.

Para ela, dia e noite fundiam-se, e duravam sempre...

Obliterava-se-lhe gradualmente a memória das sensações visuais. Uma cereja vermelha tornava-se uma frutinha lisa, redonda e macia; uma moeda reluzente fazia-se um pequeno disco duro e tininte, com figurinhas em baixo-relevo. Ela sabia que o quarto era maior do que ela mesma, a casa maior do que o quarto, a rua maior do que a casa. Mas tudo isto se foi de certa maneira resumindo, na sua imaginação.

Concentrava-se-lhe a atenção no tato, no olfato a no ouvido. O rosto a as mãos adquiriram sensibilidade tal que, ao aproximar-se algumas polegadas de uma parede, sentia um leve frio. Acontecimentos mais afastados penetravam nela pelo ouvido; ficava escutando dias inteiros.

Reconhecia os passos vagarosos do vigia de voz aguda que varria o quintal. Distinguia se o veículo que passava diante da casa era um carro de camponês carregando madeira, um fiacre ou um caminhão de lixo. Não lhe escapava o menor ruído, o cheiro mais leve, um resfriamento ou um aquecimento imperceptível do ar. Com incrível sagacidade, percebia os menores fatos e deles tirava conclusões.

Um dia, ouvindo a mãe chamar a empregada:
— Ela saiu — disse a cega, sentada, como sempre, no seu canto. — Foi buscar água.
— Como é que você sabe? — perguntou a mãe, assombrada.
— Como? Sei que apanhou o regador na cozinha e foi ao outro quintal tirar água com a bomba. Agora está conversando com o vigia.

Com efeito, do outro lado da cerca vinha o som da conversa de duas pessoas, mas tão abafado que dificilmente se podia entender.

Por maior que fosse o aperfeiçoamento dos outros sentidos, não substituía a vista, e a menina começou a ressentir-se da escassez de impressões e a experimentar saudades.

Permitiam-lhe andar por toda a casa, o que a serenava um pouco. Conhecia cada pedra do quintal, tocava em todos os algerozes, em todos os barris. Mas o maior prazer advinha-lhe de excursões a dois mundos inteiramente diversos: o celeiro e a adega.

Na adega o ar era fresco, as paredes úmidas. O bulício da rua chegava de cima, amortecido; os outros sons desapareciam. Para a cega, isso era a noite. No celeiro, sobretudo perto da janelinha, tudo se passava de maneira completamente diversa. Havia mais barulho que no quarto. A menina percebia o ruído dos carros de algumas ruas. De mais a mais, lá se concentravam os rumores da casa inteira. Um vento quente lhe afagava o rosto. Ouvia o gorjeio das aves, o latido dos cães e o sussurro das árvores num jardim vizinho. Era o dia.

Não só isto: no celeiro o Sol brilhava com maior freqüência que no quarto, e, ao volver para o Sol os seus olhos extintos, a pequena tinha a impressão de ver alguma coisa. Na sua imaginação apontavam sombras de formas e cores, mas tão confusas e fugidias que não podia lembrar-se de nada.

Foi nesse tempo que a mãe, tendo-se reunido à amiga, se mudou para a casa onde residia o Sr. Tomás. Estavam ambas as senhoras muito contentes da nova morada, mas para a ceguinha a mudança foi um verdadeiro desastre. Era obrigada a ficar no quarto, não lhe sendo permitido ir à adega nem ao celeiro. Não ouvia aves nem árvores. Reinava no quintal um silêncio horrível. Lá nunca entravam belchiores para quebrá-lo. Era proibida a entrada de velhas mendigas que entoavam cânticos religiosos, assim como de velhos tocadores de clarineta ou de realejo.

A única distração da menina era olhar para o Sol; mas nem sempre este luzia da mesma forma, e não tardava a esconder-se atrás das casas.

A criança principiou novamente a sentir saudades, emagreceu em poucos dias, e apareceu-lhe no rosto aquela expressão de desalento e desânimo que tanto espantou o Sr. Tomás.

Não podendo ver, a ceguinha queria ao menos ouvir os rumores mais diferentes; mas a casa era toda silenciosa...

— "Coitada da pequena!" — resmungava por vezes o Sr. Tomás, observando a triste menina. — "E se eu pudesse fazer alguma coisa por ela?" — perguntava, vendo-a cada vez mais pálida a magra.

Por esse tempo, um amigo do advogado teve um processo e, como de praxe, trouxe-lhe os autos, pedindo que os examinasse e desse alguns conselhos. Embora já não pleiteasse no tribunal, o Sr. Tomás, como bom profissional que era, sabia sempre indicar o caminho adequado e fornecia ao colega, por ele mesmo escolhido, muitas explicações úteis.

A causa que o Sr. Tomás agora estava examinando era complicada. Quanto mais atentamente a estudava, tanto mais se enchia de paixão. No ancião aposentado acordava o causídico. Já não saía do apartamento, já não verificava se fora tirada a poeira dos móveis. Encerrado no seu gabinete, lia os documentos e tomava notas.

À noite chegou, como de costume, o velho lacaio do advogado, com um relatório dos acontecimentos do dia. Informou que a esposa do doutor partira com os filhos em férias; que não estava sendo feito o fornecimento da água; que o vigia Casimiro, tendo brigado com um policial, fora preso por uma semana. Por fim, perguntou se o senhor advogado não queria falar com o novo vigia. O amo, inclinado sobre os papéis, fumava o seu charuto, lançava anéis de fumaça, e nem volveu os olhos para o fiel criado.

No dia seguinte o Sr. Tomás ainda estudava os autos. Por volta das duas almoçou, e depois tornou ao trabalho. O rosto vermelho e as suíças grisalhas, em combinação com o fundo azul da parede, assemelhavam-se a uma natureza-morta. A mãe da menina cega e a sua companheira, que fazia meias à máquina, observavam o advogado, a quem julgavam um viúvo robusto que habitualmente dormia da manhã até à noite, sentado à mesa do trabalho.

No entanto, o Sr. Tomás, bem que estivesse de olhos fechados, não dormia. Meditava sobre o caso.

Em 1872 o cidadão X legou ao sobrinho A uma fazenda, e em 1875, ao sobrinho B, um edifício. B pretendia que em 1872 X era louco, ao passo que A queria provar que ele só enlouquecera em 1875. Porém o marido da irmã do falecido Sr. X apresentou documentos autênticos que provavam que, tanto em 1872 como em 1875, X agia como um doido, pois havia legado a fortuna à irmã já em 1869, tempo em que ainda se achava de posse de todas as suas faculdades.

O Sr. Tomás fora convidado a resolver quando X enlouquecera, e depois a reconciliar as três partes, nenhuma das quais estava disposta a fazer a menor concessão.

Enquanto o Sr. Tomás procurava dirimir todas essas complicações, aconteceu um incidente incompreensível e estranho: No quintal, justamente sob a sua janela, um realejo pôs-se a berrar.

Se o falecido Sr. X se tivesse levantado do túmulo, houvesse recuperado os sentidos e entrado no gabinete para ajudar o advogado a encontrar a solução, decerto o Sr. Tomás não teria sentido espanto igual ao que experimentou ouvindo o realejo.

E se pelo menos fosse um realejo italiano, de acordes agradáveis como os de uma flauta, de boa fabricação, tocando belas melodias! Mas não! Como para irritá-lo de modo especial, o instrumento estava quebrado, tocava desafinadamente valsas a polcas ordinárias, a tão alto que as vidraças tremiam. Para cúmulo de desgraça, a tuba do realejo bramia de vez em quando, que nem uma fera raivosa.

Sob a tremenda impressão, o advogado ficou atônito. Não sabia que fazer nem que pensar. Por um instante cismou até que, lendo o testamento do louco Sr. X, ele mesmo houvesse perdido a razão e estivesse sujeito a alucinações. Mas qual! não eram alucinações. Era um verdadeiro realejo de pífanos quebrados e de tubo extra-forte.

No coração do Sr. Tomás, homem tão indulgente, tão afável, levantaram-se instintos selvagens. Lamentava que a natureza não o tivesse feito rei de Daomei, com o direito de matar os seus súditos, e imaginava o prazer com que, naquele momento, tiraria a vida ao tocador.

Como os homens do gênio do Sr. Tomás, quando violentamente encolerizados, passam com facilidade de projetos audaciosos a realizações terríveis, o advogado saltou à janela como um tigre, decidido a ralhar contra o homem do realejo com palavras as mais ásperas. Já se debruçara no peitoril para gritar "seu vagabundo!", quando ouviu uma voz infantil. Olhou para o apartamento fronteiro.

A menina cega dançava no quarto, batendo palmas. O rostinho pálido estava corado, a boca ria, e, contudo, corriam lágrimas dos olhos extintos. Havia muito tempo a coitadinha não conhecia tamanhas impressões naquela casa tranqüila! Que bela aparição constituíam para ela os acordes falhos do realejo! Que soberbo o rugido da tuba, que por um triz não causou uma apoplexia ao advogado!

Vendo o júbilo da criança, pôs-se o tocador a marcar o ritmo com o grande salto do sapato e a assobiar feito uma locomotiva ao cruzar-se com outra.

— Meu Deus! Que beleza, este assobio!

No gabinete do advogado surgiu o seu criado fiel, fora de si, empurrando para a frente o vigia, a exclamar:

— Eu disse a este patife, Excelência, que pusesse logo no olho da rua esse tocador. Expliquei-lhe que ia receber uma gratificação de V. Exa., e que nós tínhamos um contrato. Mas o malandro chegou da roça há uma semana, e não conhece os nossos costumes. Agora você vai ouvir — gritou, aferrando o braço do vigia. — Escute o que S. Exa. em pessoa lhe vai dizer.

O realejo tocava já a terceira melodia, sempre no mesmo tom desafinado e barulhento das duas primeiras. A menina estava em delírio.

O advogado voltou-se para o vigia, com a sua calma habitual, embora estivesse um pouco pálido:

— Escute, amigo... Como se chama você?

— Paulo, Excelência.

— Então, Paulo, eu lhe pagarei dez zlotych por mês, mas sabe para quê?

— Para que eu nunca deixe tocarem realejo no quintal — interveio o criado.

— Não — disse o Sr. Tomás. — Para que, por algum tempo, você deixe todos os dias tocarem realejo no quintal. Entendeu?

— Que é que o senhor está dizendo? — exclamou o criado, a quem a ordem incompreensível tornara muito atrevido.

— Digo que ele deve, até ordem em contrário, deixar diariamente tocarem realejo no quintal — repetiu o advogado, pondo as mãos nos bolsos.

— Não estou compreendendo o senhor — disse o criado, com sinais insolentes de surpresa.

— Você é bobo, meu velho amigo — replicou-lhe bondosamente o Sr. Tomás.

E acrescentou:

— Está bem, voltem ao serviço.

O criado e o vigia saíram. O advogado notou que o seu fiel criado murmurou alguma coisa ao ouvido do companheiro, pondo um dedo na testa.

O Sr. Tomás sorriu-se e, como para confirmar as sinistras suposições do criado, lançou uma moeda ao tocador do realejo.

Depois, tomando de um calendário, procurou a lista dos médicos e anotou numa folha os endereços de alguns oftalmologistas. Como o tocador, animado pela moeda, se virou agora para a sua janela e entrou a bater com os pés e assobiar ainda com mais força, o que não deixou de irritá-lo, agarrou a folha e saiu resmungando:

— Coitada da menina! Eu devia ter tomado conta dela há muito tempo...

Fonte:
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai. Mar de histórias. vol. 7. RJ: Nova Fronteira.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Rúhiyyih Rabbani (Poemas Avulsos)

Biblioteca Manuel Antonio Pina, in Facebook
EM TUDO ESTÁ TUA LEMBRANÇA
Em tudo está tua lembrança,
Na chuva e no sol,
Nos passos nas escadas...
Como uma noiva eu cheguei, há muito tempo,
Os seixos nas trilhas,
E as ruas de muitas cidades,
O caminhar em teus belos jardins,
Cada flor e rosa e árvore...

Em mim mesma está tua lembrança,
Pois tuas palavras e teus olhares
Me alcançam de mil formas,
Formas simples e gentis do dia-a-dia
Vivido tanto tempo juntos.

Como um planeta, giro em minha órbita
Em voltas, voltas, voltas
E meu centro é esta dor infinita,
A insaciável saudade de ti,
O amor que abrasa todo meu peito.
 
POR QUE SE FECHOU A PORTA DO PARAÍSO?

Um bom homem teve um sonho:
Duas Almas Santas saíam dos sepulcros
E levavam consigo o nobre rebento
De sua gloriosa e elevada estirpe;
Regressavam então à tumba,
A parede selava seu repentino bocejo
E tudo era silêncio.

Por que se fechou a sublime porta do paraíso?
Um furacão arrebatou o plano de Deus
E, envolvendo-o em asas de fogo,
Apressou-se através daquele majestoso portal.
Em meio a estrondos de ensurdecedoras ondas de ar
Fechou-se ante a face dos homens.

Agora, em todas as terras, eles observam
Os frios portões altaneiros do Céu
E, como crianças, de olhos assustados,
Buscam uma fresta qualquer, uma fenda de luz!

Como os trigais se curvam e suspiram
Nos poderosos ventos estivais,
Assim são fustigados os corações dos homens;
Debatem-se em agonia,
Dor, desespero, esperança desvairada, orações.
Por que, Deus, ó Poderoso Deus, por quê?

Em ondas esta indagação bate
Às portas do Teu Reino
E sempre sempre o eco
Retorna solitário, miserável, vazio --
Por quê?

Somos teus filhos, Senhor!
Mostra misericórdia, ó Tu que tens piedade dos escravos.
Perdoa, cura, estende a mão,
E salva-nos de nós mesmos.

De outro modo, afundamos em noite universal,
Mergulhados em círculos e círculos de trevas
E todo o Teu dia luminoso some
Para sempre de nossos corações, e nós
E outros, que ansiavam por menos,
Caímos na perdição eterna.

INVOCAÇÃO

Nada mais pode curar esta ferida;
Só a terra e o pó
Podem estancar esta dor.
Derramai a terra gentil,
Em cujos grãos a vida
Se prende de mil modos,
Jogai-a sobre minha cabeça e meu coração;
Somente isso me pode curar.

O bálsamo do maior dom da vida:
A morte, majestosa, final, selo dos selos.
Dai-me isso para estancar meu sangue,
Pois a ferida sangra sem sessar.
Eu desmaio, eu cambaleio, eu caio;
Ah, Deus! Misericórdia!
Não nos escutas?
Também nos negas teus ouvidos
Como Tua face
Que nos mostravas
Na face de um ser amado?

Piedade, ó Compassivo!
Rebenta as cadeias,
Liberta-me.
Todo o meu ser anseia,
Como um rio inquieto,
Pelo deserto da morte!

RELÓGIOS DA ALMA E DA MENTE
 
As horas correm lentas...
Não nos relógios feitos por homens,
Mas nos relógios estranhos da alma e da mente
Ajustados com a catástrofe e a dor.

Um minuto são mil pensamentos,
Um pensamento doloroso, um ano,
Um mês é a dor lacerante de ontem
E, ontem, um vida toda que passou...

Passado e presente se fundem na memória
E a memória se torna eterna:
O futuro se volta como uma serpente
E crava no coração
O veneno negro do passado.

Cada segundo cai como água,
Desgasta a pedra da vida,
Mas a vida arde como teias de aranha
Numa repentina labareda.

AFLIÇÃO

Como o açúcar se dissolve na água
Até que os dois se tornam um só,
Assim a dor e o pesar em mim
Misturam-se totalmente.

Poderei eu afastar de meus lábios
A poção ardente
Da amargura
Adoçada com todo meu amor?

Pode alguém separar o coração
De seu sangue
E seguir vivendo em paz?
Ah, não!

Cada recordação querida,
Envolta em espinhos,
Eu seguro e abraço com dor
E choro enquanto exulto!

AH. MEU AMOR!
Ah, meu amor,
Eles me dizem
“Seca tuas lágrimas
E deixa de sofrer—
Não é adequado
Ante a eternidade
Lamentar tanto
E tanto tempo!“

Eles não vêem
Que todo meu íntimo
Clama por ti
Como se fosses
Meu coração
Arrancado vivo
De meu peito!
Que colocarei eu
Nessa ferida aberta?

O dia para mim é noite
E a noite é um dia aterrador
Estranho
Que queima em memórias.
Eles me pensam
Enlutada por ti
Como uma esposa
Se enluta por
Seu mui-amado companheiro.

Como poderei algum dia
Fazê-los compreender
Que não se trata disso?

Eu te pranteio
Como a chuva
Chora sua nuvem perdida,
Como o raio
Queima por seu perdido sol,
Como o perfume
Desmaia por sua flor perdida,
Como cada eco morre
Por sua perdida voz!

Jamais soube
Que tal força eu possuía.
Como um estranho metal
Forjado para o espaço exterior
Eu subsisto em meio ao calor
Da saudade ardente!
Mas a incandescência
Virá afinal:
Cedo ou tarde
Minh’alma queimará
Sua prisão
E partirá.

O SEGREDO

Curvei-me ante a Morte
E disse-lhe “Bom-dia,
Não ficarás comigo
Para uma dança?“

Ela sorriu forçado e se curvou,
Por sua vez, em longa deferência;
E pensei: ela não despreza
Meu convite.

Mas quando foi hora
De iniciar a dança
Ela não assumiu seu posto;
Apenas ficou olhando.

“Por que apenas olhas,
Parceira minha”, disse eu
“Vem! pois tentarei
Uma valsa contigo.”

Ela me olhou
Por longo tempo
E então disse sorrindo:
“Danço contigo
Todo o tempo
Pois estou em ti,
Sempre e sempre,
Minha fibra está lá.”

“Quê? Eu tão cheia
De sangue e vida,
Em meu coração não bate
Nem esforço nem dor!”

“Mesmo assim”,
Disse-me a Morte,
“Eu estou em ti.
Vê teu interior!”

Senti, ao observar
Minhas mãos,
Os ossos nus
Dentro da carne,

E todo meu ser
Era pleno de ossos,
Minha caveira como pedra
Atrás de meu rosto vivo.

“Sou um esqueleto”
Disse-lhe eu,
“Muito antes de morrer
Tu estás em mim!”

Ela sorriu de novo,
Um sorriso gentil,
“Espera mais um pouco
E eu chegarei

“E te chamarei
Para mim, para o amor, para a vida
Para longe da luta,
Para os campos da paz;

“Lá colherás
Margaridas
Nos campos raros
Cada flor uma estrela;

“Não terás angústias
Nem pesar nem lágrimas;
Eu te prometo o sono
E o descanso afinal;

“Sê paciente mais um pouco,
Vê como cada dia eu cresço
Em ti, mais profundo meu domínio
Sobre tua vida.”

O esqueleto
Brilha como uma luz
Através da pele tão fina,
Até que enfim
Ele consome
A gaiola, e livre
Virás a mim,
Mas não agora.

Fonte:
http://www.bahai.org.br/

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ben Al-Sayi (A Contagem dos Pães)

Dois homens que viajavam juntos sentaram-se à beira da estrada, para comer. Um tinha cinco pães, e o outro três. Quando colocaram diante de si a comida, passou por ali um homem e os cumprimentou. Eles o convidaram:

— Senta-te para comer conosco.

Ele se sentou e comeu com eles, consumindo-se durante a refeição os oito pães. O homem então se levantou e lhes deu oito moedas de prata, dizendo:

— Recebam este pagamento pela comida que me deram.

E continuou seu caminho.

Os dois companheiros discutiram sobre o modo de dividir entre si as moedas. O dono dos cinco pães dizia:

— Para mim são cinco moedas, e para ti três, pois isto corresponde ao número de pães que cada um de nós tinha.

— Só me conformarei com a divisão das moedas em partes iguais, pois ele recompensou a nossa hospitalidade, que tem o mesmo valor.

Não conseguiram chegar a um acordo. Por isso levaram sua pendência ao Emir Ali ben Ali-Talib, a quem expuseram o ocorrido. O Emir disse então ao dono dos três pães:

— Teu companheiro está sendo muito condescendente, oferecendo-te três moedas, pois o pão dele era mais abundante que o teu. É melhor conformar-te com as três moedas.

— Só me conformarei com o que me cabe por direito.

— Mas, de acordo com o direito, só te cabe uma moeda, e as outras sete ao teu companheiro.

— Ele me ofereceu três moedas e não me conformei, e agora me afirmas que o direito me confere uma só moeda! Explica-me por que só tenho direito a isso, e só então o aceitarei.

Ali-Talib então explicou:

— Eram três pessoas, e não é possível saber quem comeu mais e quem comeu menos. Portanto, temos de supor que todos comeram quantidades iguais. Os pães comidos eram oito, que perfazem vinte e quatro terços. Cada um, portanto, comeu oito terços. Os teus três pães representavam nove terços, e deles comeste oito. O teu companheiro comeu oito terços e tinha quinze. Portanto, dos oito terços que o convidado comeu, sete eram do teu amigo, e apenas um era teu. Daí resulta que te cabe apenas uma moeda, e as outras sete ao teu amigo.

— Agora eu concordo. Nada como o que é justo!

Fonte:
Ben Al-Sayi, in R. Menéndez Pidal, Antología de cuentos – Labor, Barcelona, 1953

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Luiz Gaspar (Pélago de Versos)

MANUEL ALEGRE DE MELO DUARTE (Portugal)
“Abril de Abril”


Era um Abril de amigo Abril de trigo

Abril de trevo e trégua e vinho e húmus

Abril de novos ritmos novos rumos.

Era um Abril comigo Abril contigo

ainda só ardor e sem ardil

Abril sem adjectivo Abril de Abril.

Era um Abril na praça Abril de massas

era um Abril na rua Abril a rodos

Abril de sol que nasce para todos.

Abril de vinho e sonho em nossas taças

era um Abril de clava Abril em acto

em mil novecentos e setenta e quatro.

Era um Abril viril Abril tão bravo

Abril de boca a abrir-se Abril palavra

esse Abril em que Abril se libertava.

Era um Abril de clava Abril de cravo

Abril de mão na mão e sem fantasmas

esse Abril em que Abril floriu nas armas.

FERNANDO PESSOA (Portugal)
“Não venhas…”


Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado;

Não venhas falar, nem sorrir.

Estou cansado de tudo, estou cansado,

Quero só dormir.

Dormir até acordado, sonhando

Ou até sem sonhar,

Mas envolto num vago abandono brando

A não ter que pensar.

Nunca soube querer, nunca soube sentir, até

Pensar não foi certo em mim. 

Deitei fora entre urtigas o que era a minha fé,

Escrevi numa página em branco, «Fim».

As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,

Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro.

Acumulei em mim um milhão difuso de vidas, 

Mas nunca encontrei parceiro.

Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales.

Só quero dormir, uma morte que seja 

Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales
—
Que ninguém deseja nem não deseja.

Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo 

As esperanças e ambições que tive,

E hoje sou apenas um suicídio tardo,

Um desejo de dormir que ainda vive.

Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma, 

Como um barco abandonado,

Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma 

Sem se lhe saber o passado.

E o comandante do navio que segue deveras 

Entrevê na distância do mar

O fim do último representante das galeras,

Que não sabia nadar.

AL BERTO (Portugal)
“Incêndio”

se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha – não te assustes

são os teus antepassados que por um momento se
levantaram da inércia dos séculos e vêm visitar-te

diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo – diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas – com eles no chão

LÉON FELIPE - (Espanha)
 “Sei todas as histórias”


Eu não sei muitas coisas, é verdade.
Apenas falo do que tenho visto.
E já vi:
que o berço do homem o embalam com histórias,
que os gritos de angústia do homem os afogam com histórias,
que o pranto do homem o tapam com histórias,
que os ossos do homem os enterram com histórias,
e que o medo do homem…
inventou todas as histórias.
Sei muito poucas coisas, é verdade,
mas adormeceram-me com todas as histórias…
e sei todas as histórias.

ARY DOS SANTOS - (Portugal)
“Os bonzinhos e os malvados”


Dum lado os bonzinhos
com o seu ar sisudo
andando aos passinhos
dentro do veludo.

Do outro os malvados
cabelos ao vento
de fatos coçados
por bom e mau tempo.

Dum lado os bonzinhos
gordinhos, gulosos
comendo pratinhos
muito apetitosos.

Do outro os malvados
a ferrar o dente
em grandes bocados
de chouriço ardente.

Dum lado os bonzinhos
com muito cuidado
a dar beijinhos
com dia aprazado.

Do outro os malvados
a fazer amor
sem dias marcados
com frio ou calor.

Dum lado os bonzinhos
muito estudiosos
dizendo versinhos
em salões ranhosos.

Do outro os malvados
gritando na rua
que os braços estão dados
que a esperança está nua.

Dum lado os bonzinhos
metidos na cama
tomando chazinhos
molhando o pijama.

Do outro os malvados
os que dormem nus
sonhando acordados
com feixes de luz.

Dum lado os bonzinhos
batendo nos tectos
sempre que os vizinhos
são mais incorrectos.

Do outro os malvados
que fazem barulho
despreocupados
ao som do vasculho.

Teremos por certo
os gostos trocados
detesto os bonzinhos
adoro os malvados.

PABLO NERUDA - (Chile)
“Gato”


Que bonito é um gato que dorme,
dormir com as pernas e peso,
dorme com suas unhas cruéis
e seu sangue sanguinário,
dorme com todos os anéis
que como círculos queimados
constroem uma geologia
de uma cola cor de areia.

Queria dormir como um gato
com todos os pêlos do tempo,
com uma lígua de siléx,
com o sexo seco de fogo
e depois não falar com ninguém,
deitar-me sobre todo o mundo
sobre as telhas e terra
intensamente concentrado
em caçar as ratas no sono.

Eu vi como ondula o gato dormindo: correndo na
noite, no escuro, como água,
E às vezes eles cairiam,
talvez se enrolasse
nu em montes de neve,
cresce talvez dormindo
como um tigre bisavô
e salta para a escuridão
telhados, nuvens e vulcões.
Dorme, dorme gato noturno
com cerimónias de bispo,
o teu bigode de pedra:
ordena todos os nossos sonhos,
dirige a escuridão
das nossa proezas sonhadas
com o teu coração sanguinário
e largo pescoço e longa cauda.

LEONOR ALVIM - (Portugal)
“Medusa”


Longínquas paragens irás sozinho
Nas tuas asas pairo, sou penas e sou garras
Que finco em teus flancos de aventuras…
Estarei presente em todos os suspiros, olhares
Amores, parte da tua carne que devoro
E em fino mármore se transforma
Quando em ti penso e te envolvo em meu abraço!

DELFIM PEIXOTO - (Portugal)
“Quando…”


Quando me abres assim os teus braços
E eu entro na tua alma tudo se rejuvenesce.
É assim, o amor, são os laços
É o calor que cresce.
E quando tu vens assim, calma, maravilhosa
Devias saber
Seres a minha alma
Sem o saber!

Quando eu te abro assim os meus braços
E entras na minha alma, tudo resplandece.
É assim a paixão, os abraços,
É a paixão que cresce.
E quando eu vou assim, devagar,
Sei que sou a tua alma,
Sem o saber!

Quando nos envolvemos assim,
E as nossas almas se encontram,
Nascem estrelas no céu,
Nasce música no ar,
Nasce a sensação
De que afinal,
estamos a
Amar!!!

MÁRIO BENEDETTI - (Uruguai)
“Se Deus fosse uma mulher”

“¿Y si Dios fuera una mujer?”
Juan Gelman

E se Deus fosse uma mulher?
Indaga Juan sem pestanejar
Ora, ora se Deus fosse mulher
É possível que agnósticos e ateus
Não disséssemos não com a cabeça
E disséssemos sim com as entranhas

Talvez nos aproximássemos de sua divina nudez
Para beijar seus pés não de bronze,
Seu púbis não de pedra,
Seus peitos não de mármore,
Seus lábios não de gesso.

Se Deus fosse mulher a abraçaríamos
Para arrancá-la de sua distância
E não haveria que jurar
Até que a morte nos separe
Já que seria imortal por antonomásia
E em vez de transmitir-nos Aids ou pânico
Nos contaminaria de sua imortalidade

Se Deus fosse mulher não se instalaria
Solitária no reino dos céus
Mas nos aguardaria no saguão do inferno
Com seus braços não cerrados,
Sua rosa não de plástico,
E seu amor não de anjo

Ai meu Deus, meu Deus
Se até sempre e desde sempre
Fosses uma mulher
Que belo escândalo seria,
Que afortunada, esplêndida, impossível,
Prodigiosa blasfêmia!

Fonte:
Estúdio Raposa. http://www.estudioraposa.com/?cat=614

Anônimo (Contos do Tio Emmett: A Pequena Sereia)

Estava eu no meu quarto, no andar de cima, investindo em um novo hobby: desenhar. Nessie estava sentadinha do meu lado, assistindo o Rei Leão. Puxa vida, como ela gosta daquele desenho. Aposto que Edward também, principalmente antes do almoço, para abrir o apetite. Eu prefiro o Irmão Urso. Aquele urso grande e forte daria uma ótima refeição. Assim que acabou o desenho, ela virou-se para mim, interrompendo o que eu estava fazendo (para variar…) e disse:

- Tio Emmett, você não quer me contar a verdadeira história do Rei Leão? – ela me perguntou.

- Melhor não… – eu disse a ela.

- Ah, titio, por favor. Por que não?

- Imagine uma história cheia de animais e vampiros vegetarianos? Ao invés de Hakuna Matata eles cantariam “A Cullen que Mata”. – eu disse, referindo-me a uma história sobre Bella e os animaizinhos.

- Ah. – ela se convenceu.

Estávamos a sós de novo, Renesmee e eu. Edward leu meus pensamentos felizes da última vez e concluiu que eu não faço as coisas por maldade. Mas tive que cancelar minha conta no youtube, para não ter perigo de postar mais vídeos… Uma pena… Estava cheio de idéias para essa próxima temporada. Ia fazer um remake de Lost onde finalmente descobririam qual era o monstro da Ilha…

Rose.

Não que a minha ursinha seja um monstro… Claro que não. Mas às vezes ela tem umas atitudes que não condizem com as de uma pessoa carinhosa e esposa amorosa… Como naquele dia na praia – não em La Push, é claro… Rose disse que iria até para alguma praia onde tivesse saída de esgoto para o mar, pois o cheiro seria mais agradável – que eu construí uma réplica do Taj Mahal de areia em tamanho real para mostrar o meu amor por ela, mas ela derrubou, pois estava atrapalhando a vista. Nessie estava aprendendo a nadar com o pai e ela não queria perder esta cena. Mas eu não me importei… Não sei se foi toda aquela água do mar, areia ou a surra que eu tomei daquele golfinho, mas aquele dia da praia me fez pensar em uma ótima historinha para contar à Nessie.

- A Pequena Sereia? – Nessie me perguntou.

- Sim… – eu disse, enquanto colocava minha monstrinha preferida na cama dela. – A história de AriBells.

- Hum… Por mim, tudo bem. – ela sorriu, lembrando do apelido ridículo que Chefe Swan deu à filha. No último natal eu improvisei a minha versão de Jingle “Bells”, mas Bella não gostou muito. – Pode contar.

- Então, tá.

“Era uma vez uma sereiazinha chamada AriBells. AriBells vivia com seu pai, o rei, num castelo no fundo do grande lago da cidade de Forks…”

- Mas eu pensei que as sereias viviam no mar. Ariel vive no mar… – Nessie disse.

- Qual a praia mais próxima de Forks? – eu perguntei, mas não esperei que ela respondesse. – La Push, baby, La Push. Se AriBells para morasse lá, provavelmente Renesmee Carlie Cullen nasceria Renéchel Billie Black.

- Não entendi. – ela disse. Oops, eu esqueci que ela não sabe a respeito de Jacob e a mãe dela antes do casamento de Edward e Bella. Melhor mudar de assunto antes que ela pergunte aos pais e eu fique sem outra parte do corpo.

- Han… É que… Tipo… Ela mora no lago perto de Forks, pois ela é alérgica à água salgada. – eu disse e sabia que ela tinha aceitado a justificativa. – Então…

“AriBells tinha duas amigas… Uma peixinha dourada e mal humorada chamada Rose que, contra a sua vontade, seguia AriBells aonde ela ia por falta de ter com quem andar e uma gaivota muito tirada a saber tudo o que estava acontecendo que se chamava Alice e habitava a superfície. Rose e AriBells iam juntas à escola para sereias e peixes no fundo do lago onde AriBells tinha outros amigos “sereias”, mas sua vida andava incompleta. Até que um dia elas tiveram uma aula de biologia e o professor falou sobre as espécies que existiam na superfície.

“Humanos… Humanos são sereias que andam em duas pernas”.

“O que são pernas?” Bella perguntou.

“É a extensão do corpo deles que substitui as nadadeiras. É como eles se locomovem. Eles se equilibram nelas. “

“Deve ser difícil… ” AriBells concluiu, imaginando como deve ser se equilibrar. Ela lembrou que nunca havia visto um humano, então passaria na pedra de Alice mais tarde para perguntá-la.

Então o professor de biologia mostrou uma foto dos humanos…

“Essa espécie chama-se robertus Pattinsons” o professor disse, revelando uma foto de um garoto branco, de olhos verdes e cabelos ligeiramente bagunçados. “Esta espécie é rara, conhecida por sua beleza e atrai muitas fêmeas da sua espécie. Pode desenvolver fobia às grandes multidões histéricas. “

“Cruzes… Que horror. ” Rose disse.

“Eles não tão bonitos quanto eu pensei que fossem… ” Concluiu a sereiazinha. Mas queria vê-los de perto.

Então, decidiu que iria até a superfície à noite, contrariando a lei que o seu pai impusera: “Todas as sereias, especialmente AriBells, devem ficar longe da superfície e dos humanos, principalmente os de sexo masculino que possuem grandes topetes bronze e hormônios aflorando.”

“Por mim você vai… ” Rose, a peixinha disse, com descaso. “Agora, se um humano horroroso resolver te devorar ou fizer de sushi, o problema é seu”.

“Ah, Rose, não seja mal humorada. Venha comigo, vamos ver Alice. ” AriBells pediu.

“Aquela gaivota alucinada? Mais parece uma gralha, não cala a boca… Prefiro ficar por aqui… “

“Então fique… Aproveite e faça companhia ao Golfinho Seth”.

Rose viu aquela criaturinha jovem e feliz que estava atrás das duas.

“Ai Rose, que bom, vamos ser melhores amigos para todo o sempre. Podemos dar cambalhotas na água, procurar plânctons para o lanche, trocar depoimentos no Orkut. Eu posso até te apresentar aos meus amigos… Tem um peixe-cão que você iria adorar, o nome dele é Jac…”

“Pensando melhor, eu vou com você. ” A peixinha saiu em disparada atrás da sereia. Alegria em excesso deixava-a enojada.

Na pedra de sempre, estava sentada a gaivota Alice.

“Por que vocês demoraram tanto. Estava esperando vocês há horas. É claro que eu sabia que vocês estavam vindo me ver, porque eu sei tudo, né? E posso até me atrever a dizer que eu sei porque vieram aqui e tudo o que vão me perguntar, afinal…” a gaivota disparou a falar.

“PÁRA DE FALAR!!!.” Rose gritou. “Caramba, como é que você não engasga na própria saliva? Eu não tenho tanta sorte… “

“Então, Alice, alguma novidade?” AriBells tentou melhorar o clima de tensão.

“As de sempre. Mas é uma boa hora para investir em ações e no mercado imobiliário, que está em alta em Oz. Ouvi dizer que está chovendo casas por lá. A Dorothy, de Kansas, saiu voando pra lá. ” Ela disse. “Não estão interessadas?”

“Você é uma gaivota ou uma mula?” Rose perguntou. “Não vê que não podemos sair da água?”

“Por falar nisso, eu queria perguntar algo a você… Você já viu um humano?” AriBells perguntou rapidamente.

“Você quer dizer, aquelas coisas que andam em duas pernas? Sim… Os vejo todos os dias.”

“Onde?”

“Sua bobinha desatenta. É só olhar para frente. “

AriBells viu uma grande construção branca à beira do lago e ficou encantada com a imensidão da casa com grandes janelas de vidro.

“É claro que esta espécie é um pouco diferente dos humanos normais. Atrevo-me a dizer que não são exatamente hu…” a gaivota disparou a falar de novo.

“Shh… Só um instante, Alice.” AriBells pediu silêncio.

De dentro da casa, uma linda melodia atingiu os ouvidos da Pequena Sereia e essa se sentiu inspirada para cantar. As sereias eram conhecidas por suas vozes de anjo e por encantarem os humanos com elas. . . .

É claro que AriBells era uma exceção. Quando ela entoou uma nota alta, uma das janelas se quebrou e mãos pesaram sobre o piano.

“Que diabos…?” O pianista disse, colocando a cabeça para fora de casa. AriBells pôde ver o grande topete bronze do garoto e ficou encantada.

“Como ele é lindo. ” Pensou ela. “Qual será o nome dele”?

“Edward… ” A gaivota disse.

“Como sabe?” AriBells perguntou.

“Eu sei de tudo…” Disse Alice, sabichona. “Além do mais, está escrito na caixa de correios dele, vê? Edward Cullen. “

“Não imaginei que os humanos eram tão bonitos. ” AriBells suspirou.

“Pois eu o achei muito feio… ” Rose disse, mas ambas ignoraram seu mau humor.

Mas algo havia acontecido. O cheiro da Pequena Sereia havia atraído o humano para a margem do lago.

“Quem está aí?” Ele gritou. “Sinto cheiro de flores. “”

- Cheiro de flores? Dentro de um lago? – Renesmee olhou-me, franzindo sua pequena testa.

- Você quer que sua mãe cheire a peixe? Algas? Eu não acho isso atraente… E com certeza seu pai também não acharia. – conclui. Eca, cheiro de peixe era quase tão ruim quanto o cheiro do Cachorro. – E quer parar de falar, me interrompendo? Mas que mania! Então…

“Edward estava parado na margem do grande lago de Forks, sentindo cheiro de FLORES que vinha de AriBells.

“Quem está aí? Eu ouvi um gato sendo torturado. ” Ele disse, referindo-se ao canto “harmonioso” da pequena sereiazinha.

“Sou eu. ” Ela respondeu.

“E quem é você? A neblina não me deixa vê-la. ” Ele quis saber.

“Sou A-Aaaaaaaaa” ela disse, assustando-se com o enorme navio que apareceu… “” eu disse, mas de repente um pensamento que não era meu me veio à cabeça. E como esse navio foi parar em um lago? Quando olhei para baixo, vi a mãozinha estendida da minha sobrinha tocando o meu braço. Ela usou seu talentozinho para me interromper.

- O que foi? Você disse “E quer parar de falar, me interrompendo?”… Não estou falando, estou pensando. E penso que é geograficamente improvável um navio ter acesso ao lago…

- Era o navio do Capitão Gancho, aquele que voa, sabe? O capitão desse navio pediu emprestado, pois o dele estava na manutenção. – eu inventei.

- E quem era o capitão desse navio? – ela perguntou.

- O capitão mais temido, mais destemido e mais bonito que já houve em todos os vinte…

- Sete… – ela me corrigiu.

- Sete Mares!

- Barba Negra? – ela me perguntou.

- Não.

“ “Quem é você?” Edward perguntou mais uma vez.

“Refere-se a mim ou a garota com rabo de peixe que está ali embaixo?” ele apontou para a AriBells.

“Ele é Ja…” Alice começou a dizer, mas o Capitão concluiu.

“É Capitão Jammet Sparrow, criaturinha falante e sabichona do mar. ” ele disse, revirando os olhos. “Soube que por esta região há um grande monstro mal humorado que perturba a paz de todos… “

“Não, não… De mal humorada aqui só temos a Rose… Ouch ” AriBells disse, levando uma nadadeirada da peixinha.

“Aproveite a água do lago e lave sua boca pra falar de mim. ” a peixinha disse.

“Ah. Aqui não é o lago Ness, na Escócia? ” Ele perguntou.

“Não… Ness talvez no final da história, se os protagonistas ficarem juntos” a gaivota falou ao pirata.

“Ô gralha, sem spoiler, por favor. Eu não li o último livro ainda… ” Rose disse à gaivota.

“Hum… Então, eu volto outra hora. ” Ele disse, saindo de cena. Todos ficaram boquiabertos com a figura excêntrica, porém bela e musculosa que surgiu.

Quando viu que o Edward a olhava com curiosidade, distante na margem, as bochechas da sereia ficaram vermelhas de vergonha. Ela mergulhou na profundidade do lago e sumiu de vista. Rose, nadando logo atrás, a seguiu até que ela parou bruscamente.

“Tá doida, menina? Sai nadando assim, sem avisar, me deixando com aquela maluca?” Rose disse. “Pelo menos voltou pra cá. Não volto mais à superfície, terrinha de gente doida”.

“Tenho que arranjar algum jeito de ir a terra firme”. Ela disse, para o espanto do peixinho. “Agora, vejamos… Quem deve saber uma maneira de eu conseguir ir até lá?” A peixinha olhou incrédula para a sereia.

“Olha… Aquele peixe palhaço deve saber alguma coisa, mas eu acho que não…”

“Obrigada Rose” ela disse, nadando em direção ao território sombrio do lago. Rose, contra a sua vontade, foi também.

No meio do caminho, elas pararam para pedir informações. Encontraram uma bizarra criatura com dentes afiados e de pele de coloração esquisita e porosa… “”

- O que Aro estava fazendo no fundo do lago? – Nessie perguntou.

- E quem falou em Aro? – eu disse, enquanto um frio corria na minha espinha. Morro de medo dos Volturi, em particular daquela criaturinha pequena e loira, a Jane. Poucos sabem, com exceção da Rose, mas o real motivo de Alec ter nos atacado com aquela “fumacinha” quando teve aqui foi porque eu abaixei as calças e mostrei, sacudindo, meu bumbum, seguro de que o campo de força de Bella iria nos proteger. – Não, sem ligação com os Volturi.

“ “Olá amiguinhas, hehehehehehehe” A criatura sorriu para AriBells e Rose. “Eu sou o Bob Esponja. Venham ser minhas amigas e vamos caçar água viva.”

“Er… Desculpe, mas preciso achar o peixe palhaço. Sabe onde posso encontrá-lo?”

“Você pode vir pela manhã, eu trabalho no Siri Cascudo. Lá serve um ótimo hambúrguer, e tem o Lula Molusco… “

“Olha, eu realmente preciso ir, sabe, é que eu preciso…” ela tentou gentilmente interromper.

“E podemos fazer campeonatos de bola de sabão…”

“CARAMBA, mas será que você não percebe que estamos com pressa? Que coisa mais chata. Não é a toa que é quadrado e ninguém quer ser seu amigo. Você não devia morar num abacaxi. VOCÊ É UM ABACAXI.” Rose disse, vendo os olhos da pequena esponja se encherem de lágrimas. “E me poupe de suas lágrimas. Eu quero saber onde encontro o peixe palhaço. E se dê por agradecido, se não eu rumo a minha nadadeira em sua cara e separo mais ainda esses dentes feios. “

“Naquela anêmona ali” Bob apontou, fungando. “O nome dele é Jasper… “

AriBells olhou intrigado para Rose. “Sabe, você podia ser um pouco mais amável com os outros. “

“Não me irrite não, que a nadadeirada vale pra você também. Vamos ver logo esse peixe palhaço. ” Ela disse, nadando na frente.

Ao chegarem à anêmona, elas chamaram o peixe palhaço.

“Que-quem está aí?”

“Somos AriBells e Rose. Viemos perguntar se sabe alguma maneira de ir a terra firme?” a sereia perguntou. Silêncio. “Alô? Jasper? Você pode sair?”

“Não… ” ele disse, apenas colocando sua cabeça para o lado de fora, olhando de maneira assustada para as duas. “Estão me seguindo” ele disse.

“Deixe de presepada. Essa novela já acabou. ” Rose disse a ele. “Eu só quero uma informação. Por mim, pode ficar aí dentro, nem quero ver sua cara. Só quero saber como é que eu posso fazer esta criatura insuportável aqui ir a terra firme pra ver se ela desencalha e me deixa em paz. “

“Vão até a caverna da Bruxa do Mar. Ela saberá o que fazer… Mas não diga a ela que eu mandei vocês. Tenho medo dela. “

“Aproveite e quando estiver em Oz, vá ver o mago” Rose disse à AriBells enquanto se afastavam da anêmona. “Peça um pouco de coragem a esta criatura. “

AriBells cogitou a idéia de pedir um coração para a sua amiguinha também, mas ficou com medo da nadadeirada. Então elas seguiram até a caverna da Bruxa do Mar.

“Alô? Bruxa do Mar?” AriBells gritou, mas ninguém respondeu. “Será que não tem ninguém em casa?”

“Aparentemente não… Ou ela sabia que você estava vindo e se escondeu… Vamos acabar logo com isso. ” A peixinha logo entrou e pegou um frasco que continha uma pequena poção. “Aqui diz: Aquele que entrar em contato com a poção se tornará humano por cinco horas. Caso queira permanecer humano você deverá beijar um antes do prazo. Contra indicações: Caso passe às cinco horas e você não beijar o humano, algo terrível acontecerá. Em casos de vampiros, lobos ou outras criaturas mitológicas, consulte o seu médico. “

AriBells abriu o frasco.

“Cuidado com esse negócio para não cair em mi…” a peixinha disse, mas já era tarde demais. AriBells, atrapalhada, deixou cair o frasco, derramando a poção e entrando em contato com as duas.

Rapidamente, Rose ganhou pulmões e seu corpo se transformou em uma linda humana de longos cabelos dourados. AriBells, por sua vez, criou pernas ao invés da longa cauda de peixe. Rapidamente elas nadaram até a superfície.

“Você está bem?” Rose perguntou ofegante.

“Sim… Puxa Rose, que consideração… Esse corpo está fazendo bem a você” AriBells disse, enquanto nadavam até a margem.

“Bem uma ova… Eu só queria saber se está bem, pois agora eu vou te matar. Olhe pra mim, eu virei uma humana… HUMANA. Comedora de peixe e adoradora de cães… Que nojo!”

“Deixe de bobagem, Rose. Você está linda. ” AriBells disse, tentando ficar em pé em terra firme, mas caia toda vez que tentava. “Esse negócio de andar é mais difícil do que eu pensava. Como está se saindo Rose? Rose?”

Olhando o seu reflexo na água, Rose viu a linda criatura que se refletia. Permaneceu vinte minutos contemplando a figura dourada que estava ali. Estava tão encantada que se jogou para tentar alcançá-la, mas começou a afundar e a se afogar.

“Rose!” AriBells gritou. “Socorro, minha amiga está se afogando. “

De repente, três figuras saíram da casa. Uma delicada criatura de cabelos caramelos, o pianista de cabelo bronze e uma figura alta de cabelos loiros. Rose estava inconsciente quando a figura loira havia se atirado na água para salvá-la.

“Só há uma coisa a fazer. ” A figura loira chamada Carlisle disse. “Edward, me ajude aqui”.

“Agora não, Carlisle.” Edward disse, contemplando a menina à beira do lago. Ela tinha o cheiro de flores que ele tanto havia gostado e era desastrada ao ponto de não conseguir se equilibrar em suas pernas.

Então, Carlisle mordeu a garota, transformando-a instantaneamente em vampira”.”

- Pensei que o processo durava três dias. – Nessie me interrompeu novamente. Será que Edward ficaria zangado se eu amarrasse e amordaçasse esta criança?

- Não dispomos de três dias, Nessie. – eu justifiquei. – E, por favor, NÃO INTERROMPA MAIS O TITIO!

“Então o pai de Edward transformou Rose em vampira. Quando viu no que tinha se transformado, a garota deu um chilique.

“Seu imbeciiiiiiiiiil. Energúmeno. Eu lá queria virar vampira? Eu te pedi alguma coisa? Infeliz!”

Atraído pela gritaria, Capitão Jammett Sparrow veio ao encontro da criatura mal humorada. “Eu naveguei os vinte… “

“Sete. ” a delicada criatura de cabelos caramelos corrigiu.

“Sete mares atrás de uma criatura tão bela e mal humorada. Você não sabe o quanto eu esperei por você. “

“Cara… ” Edward se manifestou. “Essa fala é minha. Eu ia usá-la daqui a pouco. “

“Mas quando você fala soa tão clichê. Ao invés disso, vá arranjar uma roupa para a menina humana que está usando esse biquíni de conchinhas. “

“O meu nu te incomoda?” AriBells perguntou.

“Bom… A mim, um pouco. ” Edward confessou. “Não acho prudente. Devíamos esperar até depois do nosso casamento. “

“Mas eu preciso que você me beije em vinte minutos, se não o prazo vai acabar e eu voltarei a ser sereia. “

“Só depois do casamento. ” Edward disse. “Enquanto isso, por que não vamos nadar com os golfinhos, escalar as montanhas, tocar piano?”

AriBells olhou incrédula para Edward. “Não. Você não sabe o quanto EU esperei por você. “

“Querem parar com isso? Essa fala é minha!” Edward se irritou. “Agora eu não vou beijá-la e ponto. “

AriBells não se conteve, derrubando o pobre Edward no chão, segurando o seu rosto e dando um beijo. De repente, sua pele ficou pálida e seus olhos dourados.

“Viu só o que você fez?” Edward exclamou. “Não é assim que a banda toca… Eu tinha que compor uma música, fazer você se apaixonar por mim, fazer doce quando você tentasse me agarrar à força, aí sim você deveria se transformar em vampira. “

Então, extremamente irritado, mas vendo que não tinha saída, o vampiro Edward casou-se com AriBells, assim como o belíssimo capitão casou com a linda e mal humorada vampira. Depois que se acostumou com a idéia, Edward viu que não foi tão ruim assim e eles viveram felizes para todo o sempre. E fim”.

Olhei a criaturinha adormecida na caminha. Mas será?

- Eu não acredito que Renesmee dormiu de novo. – eu saí bufando do quarto, não reparando que tinha companhia.

- Mas é claro. São histórias para ninar… – Rose disse, chegando de fininho.

- Ursinha! Você chegou! – eu disse, dando um grande abraço de urso em Rose.

- Sim, resolvi fazer uma surpresa e chegar mais cedo. Nós podíamos alugar um filme ou alguma coisa assim. – ela disse, abrindo a porta do nosso quarto. – Mas que diabos…?

Oh-oh.

Eu esqueci meus desenhos espalhados no quarto. Sabem, eu sou muito fã da série Lost e resolvi tentar fazer um final alternativo, descobrindo que Rose era o monstro da ilha. Aparentemente a minha ursinha não gostou do desenho que eu fiz dela.

- EMMETT! – ela gritou com o grande cartaz na mão.

- Ah, ursinha. Cadê o seu amor à arte? – eu quis saber.

- Amor à arte? Este lixo? Por favor, Emmett, você me desenhou com quatro braços, antenas e VERDE!

- Verde fica tão lindo com seu tom de pele, amoreco! – eu tentei justificar.

- Isto está ridículo! – ela gritou.

- Você acha que a esposa de Van Gogh tentou impedi-lo? Não, ele o estimulava.

- Quer estímulo? Eu vou te dar um estímulo. – ela perguntou, se aproximando.

Não lembro exatamente como foi que Rose se descobriu uma artista. Os outros adoraram sua pintura e sua escultura, mas sinceramente eu não gostei tanto assim. Sabem, ela levou essa idéia de Van Gogh muito a sério, então ela pintou um retrato meu e arrancou a minha orelha para colar nele.

O que ela fez com o resto?

Fez sua própria versão de Davi, do Michelangelo, misturada com a Vênus de Milo.

Então cá estou eu, nu na sala com apenas uma folha de videira cobrindo as minhas vergonhas e sem meus braços. Ainda bem, pois eles estão escrevendo para vocês.

Assim que Rose acabar com isso tudo, contarei mais historinhas.

Com muito amor, músculos e vergonha por estar quase nu (e sim, o nu alheio ainda incomoda Bella) no meio da sala,
Tio Emmett.

José Soares do Nascimento (Josina, a Menina Perdida)

Botei a pena na mão
Aproveitando o ensejo
Para contar uma história
Que contou-me um sertanejo
Sendo ele um viajante
Não sei se ainda o vejo

O sertanejo contou-me
Que perdeu-se uma menina
Filha de uma viúva
Chamada Dona Cristina
Nos tristes bosques medonhos
Do Sertão de Petrolina

A criancinha contava
Oito anos de idade
Dona Cristina dispunha
De boa propriedade
Num pé duma grande serra
Muito longe da cidade

Um dia Dona Cristina
Fez da filha um portador
Para levar um recado
Na casa de um morador
Cujo recado deu margem
A esta perda de horror

Era uma tarde nublada
Só não estava chovendo
Dona Cristina lhe disse:
Josina, tu vais correndo
E não demores por lá
Que está anoitecendo

Eram quase dois quilômetros
A viagem que ela ia
Dona Cristina mandou-a
Sem nenhuma companhia
Havia muitas veredas
Porém Josina sabia

Já era no fim da tarde
Quando Josina seguiu
Chegou lá deu o recado
No mesmo instante saiu
Mas na volta demorou-se
Com umas frutas que viu

Era um pé de cambucás
Estavam os galhos pendendo
Josina chupando as frutas
Naquilo ia se entretendo
Nem sequer veio na mente
Que estava anoitecendo

Quando já estava escuro
Josina seguiu incerta
Por uma grande vereda
Pensando que ia certa
Ia em procura da serra
Tirana, feia e deserta

Chegou no cimo da serra
Coitadinha esmorecida
Sentou-se pra descansar
Chorando e arrependida
Naquilo a chuva chegou
E ela julgou-se perdida

Josina disse chorando:
Ai, Meu Deus, que faço agora
Perdida nesta montanha
Perdida fora de hora
Voltar pra casa não sei
Valei-me Nossa Senhora

Era chuva em abundância
Com relâmpago e trovão
O vento inundava a serra
Josina em aflição
Só tinha por companhia
O ermo e a solidão

Ela dizia chorando:
Só foi por causa das frutas
Que hoje me vejo perdida
Nestas montanhas tão brutas
Inda querendo voltar
Não sei por causa das grutas

Meu Deus eu estou molhada
De não poder resistir
Perdida nestas montanhas
Sem acertar pra sair
Como é que eu passo a noite
Sem cear e sem dormir

Mamãe disse que tem onça
Nestas serras do Sertão
Se uma onça pegar-me
Aqui nesta solidão
Eu morro e não vejo mais
Mamãe do meu coração
*
A chuva torrencial
Escalavrando os rochedos
Os trovões impetuosos
Bramiam pelos degredos
Troavam os ventos soberbos
Nas copas dos arvoredos

Porém, como Deus é pai
A tempestade acalmou
As águas se separaram
O trovão se alongou
Os ventos se separaram
Josina se consolou

Seguiu pelo bosque adentro
Foi sair em um lajedo
Transpassadinha de frio
Com fome, chupando o dedo
Como quem daquele bosque
Já tinha perdido o medo

No outro dia bem cedo
Pelo bosque caminhava
Ficando cada vez mais
Distante de onde morava
Subindo serra e descendo
Nem com vereda acertava

Se achava frutas, comia
Às vezes, cheirava flor
Os passarinhos cantavam
Para ela era uma dor
O velho mocho agoureiro
Dava gritos de horror

Perdida dentro do bosque
Ficou a pobre menina
Vou tratar da aflição
Que sofreu Dona Cristina
Quando viu anoitecer
Sem ter novas de Josina

Chamou um rapaz e disse
Já quase turbando a fala
Vá procurar minha filha
E se você não encontra-la
Volte logo, sem demora
Que eu quero ir procurá-la

O rapaz botou a cela
Num burro galopador
E chegou a toda pressa
Na casa do morador
Perguntou: Josina está?
Responderam: não senhor.

Sem ter demora nenhuma
O rapaz se despediu
Seguiu por uma vereda
Procurou rastros, não viu
Gritou, ninguém respondeu
Montou no burro e saiu

E chegando em casa disse
Nem notícia de Josina
Se minha filha perdeu-se
Exclamou Dona Cristina
Voltem logo, sem demora
Vão procurar a menina

Foi chegando um morador
Com a família que vem
Saber o que sucedeu
A chuva chegou também
Ficaram sob ordens de Deus
Sem poder sair ninguém

Era chuva em abundância
Com enorme ventania
Choveu até alta noite
Das casas ninguém saía
Choravam todos presentes
Na mais profunda agonia

Dona Cristina dizia:
Valei-me Nossa Senhora
Minha filha está perdida
Nos bosques fora de hora
Se as feras não devorarem
Porém a chuva devora

Às quatro da madrugada
Reuniu-se muita gente
Se espalharam pelo bosque
Gritando forçadamente
Não havia quem tivesse
Roteiro da inocente

Se espalharam pelo bosque
Muitos ainda em jejum
Quando foi anoitecendo
Foi chegando de um em um
Até que chegaram todos
Sem ter roteiro nenhum
*
No segundo dia foi
O povo da vizinhança
Se espalharam pelo bosque
Em procura da criança
Até que chegaram todos
Sem ter daquilo esperança

Foram no terceiro dia
Já tudo desenganado
Em procura da criança
Cada qual com mais cuidado
Voltaram no quarto dia
Sem ter nenhum resultado

Para o povo que sabia
Era um dia de juízo
Procurando sem achar
Ficava tudo indeciso
Só reclamava o desprezo,
A perda e o prejuízo

Dona Cristina estava
Mais morta do que Josina
Porém disse: Deus não dorme
Faz tudo quanto destina
Suplicou com muita fé
A providência divina

Exclamou Dona Cristina:
Oh! Meu Deus onipotente...
Vós que sofrestes por nós
Numa cruz horrivelmente
Compadecei-vos de nós
E da minha filha inocente

Meu Deus de misericórdia
Vós sois senhor dos senhores
Pai dos pais, mestre dos mestres
Sois o autor dos autores
Amparai minha filhinha
E aliviai minhas dores

Meu Deus salvastes Noé
Do Dilúvio universal
Tirastes Jonas que estava
No ventre dum animal
Tirai a minha filhinha
De um bosque tão infernal

Mas antes minha filhinha
Inda não fosse nascida
Ou morresse qualquer hora
Em meus braços aquecida
Do que nas garras das feras
Dentro do bosque perdida

Meu Deus salvastes a Dimas
Entre todos os ladrões
Salvastes a Daniel
Lá na cova dos leões
Salvai a minha filhinha
De tão duras aflições

Dona Cristina lembrou-se
Do Padre Cícero Romão
Fez uma súplica a ele
De todo o seu coração
Com os joelhos em terra
E o rosário na mão

Meu Padrinho Padre Cícero
Por nosso Deus Soberano
Amparai minha filhinha
Tirai-me do desengano
Que prometo visitar
Nosso túmulo todo ano

Meu padrinho eu prometo
Pelos dogmas divinais
Se minha filha livrar-se
Das garras dos animais
Visitarei todo ano
Os vossos restos mortais

Pela Santíssima Virgem
Por nosso Deus verdadeiro
Por vosso túmulo sagrado
Por tudo quanto é romeiro
Fazei com que pelo menos
Apareça algum roteiro

Por vosso falecimento
Por vosso primeiro banho
Pelas ovelhas que vós
Reduzistes ao rebanho
Tirai a minha filhinha
De um bosque tão estranho

Ditas aquelas palavras
Suspirou Dona Cristina
Procurar era debalde
Ficou lamentando a sina
Até quando um dia Deus
Desse novas de Josina
*
Deus é pai não é padrasto
Socorre quem precisar
Sucedeu que um caçador
Certo dia foi caçar
Ouviu um choro na brenha
Se aproximou do lugar

Era a menina perdida
Quando viu ele, correu
Ele fez um medo a ela
A criança esmoreceu
Ele pegou-a nos braços
Porém não a conheceu

A criança apenas disse
De quem era e onde morava
Ele garantiu a ela
Que para casa a levava
Nunca tinha ido lá
Porém se fosse acertava

Conduziu ela pra casa
Agradando muito a ela
Quando foi no outro dia
Num burro botou a sela
Montou-se no burro e foi
Levá-la à família dela

Era quase cinco léguas
Mas ele a levou urgente
Entregou ela a família
Josina muito contente
Reinou um prazer no povo
Que quase morria gente

Dona Cristina pagou-lhe
Com muita satisfação
Deu cem mil réis da viagem
Em louvor daquela ação
Hospedou-o e tratou bem
Como se faz no Sertão

Engraçado foi Josina
Contar em casa a mãe dela
De que forma se perdeu
E a aflição que viu nela
E um Padre que viu no bosque
Andando junto com ela

Josina disse: mamãe
Eu cheguei num grutilhão
Encontrei um padre velho
Com um rosário na mão
Os cabelinhos tão brancos
Que parecia algodão

O padre ia ver frutas
Me dava pra eu comer
Depois ia buscar água
Me dava pra eu beber
Mas o padre era encantado
Só saía sem eu ver

Quando eu estava com sono
No colo dele dormia
Porém quando eu acordava
Procurava ele não via
Eu começava a chorar
E o padre me aparecia

Dona Cristina sentiu
Uma grande comoção
Contritamente fixou
Os dois joelhos no chão
Exclamou: isso é prodígio
Do Padre Cícero Romão

Apesar de falecido
O Padre Cícero Romão
 Porém seu grande prodígio
Chamou o povo atenção
Registrando o sucedido
Por todo aquele Sertão

Lá gente em Borbotão
De toda localidade
Reuniu-se na fazenda
Comentando a novidade
Dando muitos parabéns
Por muita felicidade

Vejam bem, caros leitores
O prazer desta menina
E a alegria incomparável
Que teve Dona Cristina
E o descuido o que faz
Depois queixar-se da sina

Eu considero Josina
Uma guerreira de amor
Porque lutou contra a sorte
Mas teve Deus a favor
Depois encontrou auxilio
Num braço consolador.

Fonte:
Clécio Dias (http://santacruzcordel.blogspot.com.br/2011/02/josina-menina-perdida.html)